Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

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Capítulo XLI

Julho - Bibliografia

Julho
A ALMA, demonstração de sua realidade, deduzida do estudo dos efeitos do clorofórmio e do curare sobre a economia animal, pelo Sr. RAMON DE LA SAGRA, membro correspondente do Instituto de França (Academia de Ciências Morais e Políticas), da Academia Real das Ciências dos Países Baixos etc.[1]

Dissemos, num artigo acima, que as pesquisas da Ciência, mesmo em vista de um estudo exclusivamente material, conduziriam ao espiritualismo, pela impossibilidade de explicar certos efeitos apenas com o auxílio das leis da matéria; por outro lado, temos repetido muitas vezes que na catalepsia, na letargia, na anestesia[2] pelo clorofórmio ou outras substâncias, no sonambulismo natural, no êxtase e em certos estados patológicos, a alma se revela por uma ação independente o organismo, e dá, por seu isolamento, a prova patente de sua existência. Não falamos nem do magnetismo, nem do sonambulismo artificial, nem da dupla vista, nem das manifestações espíritas que a ciência oficial ainda não reconheceu, mas dos fenômenos sobre os quais ela pode fazer experiências todos os dias.

A Ciência procurou a alma com o escalpelo e o microscópio, no cérebro e nos gânglios nervosos, e não a encontrou; a análise dessas substâncias não lhe deu senão oxigênio, hidrogênio, azoto e carbono, de onde ela concluiu que a alma não era distinta da matéria. Se ela não a encontra, a razão é muito simples: ela faz da alma uma ideia fixa preconcebida; imagina-a dotada das propriedades da matéria tangível; é sob essa forma que a procura, e naturalmente não poderia reconhecê-la, ainda mesmo quando a tivesse sob suas vistas. Considerando que certos órgãos são os instrumentos das manifestações do pensamento, e que destruindo esses órgãos, ela para a manifestação, ela tira a consequência muito pouco filosófica que são os órgãos que pensam, absolutamente como se uma pessoa que tivesse cortado o fio telegráfico e interrompido a transmissão de um despacho, pretendesse ter destruído aquele que o enviava.

O aparelho telegráfico nos oferece, por comparação, uma imagem exata do funcionamento da alma no organismo. Suponhamos que um indivíduo receba um telegrama e que, ignorando a sua procedência, se entregasse às seguintes pesquisas. Ele segue o fio transmissor até o seu ponto de partida; percorrendo o caminho ele procura o seu expedidor ao longo do fio e não o encontra; o fio o conduz a Paris, ao telégrafo, ao aparelho. Diz ele: “Foi daqui que o telegrama partiu, não tenho dúvida; é um fato materialmente demonstrado”. Ele explora o aparelho, desmonta-o, desloca-o para procurar seu expedidor, e ali não encontrando senão madeira, cobre e uma roda, diz: “Tendo em vista que o telegrama partiu daqui e aqui não encontro ninguém, foi esse mecanismo que concebeu o despacho; isto me é demonstrado não menos materialmente.” Nesta altura, um outro indivíduo, colocando-se ao lado do aparelho, põe-se a repetir o telegrama palavra por palavra, e lhe diz: “Como podeis supor, vós, um homem inteligente, que este mecanismo composto de matéria inerte, destrutível, tenha podido conceber o pensamento do telegrama que recebestes, conhecer o fato que esse telegrama vos comunicou? Se a matéria tivesse a faculdade de pensar, por que o ferro, a pedra, a madeira não teriam ideias? Se essa faculdade depende da ordem e do arranjo das partes, por que o homem não construiria autômatos pensantes? Jamais vos veio ao espírito crer que essas bonecas que dizem: papá, mamã, tenham consciência do que fazem? Não admirastes, ao contrário, a inteligência do autor desse mecanismo engenhoso?”

Aqui, o novo interlocutor é a alma, que concebe o pensamento; o aparelho é o cérebro, onde ela se concentra e se formula; a eletricidade é o fluido diretamente impregnado do pensamento e encarregado de levá-lo para longe, como o ar leva o som; os fios metálicos são os cordões nervosos destinados à transmissão do fluido; o primeiro indivíduo é o sábio à procura da alma, que segue os cordões nervosos, à procura no cérebro, e não o encontrando aí, conclui que é o cérebro que pensa; não escuta a voz que lhe diz: “Tu te obstinas em me procurar dentro, enquanto eu estou fora; olha para o lado e me verás; os nervos, o cérebro e os fluidos não pensam mais que o fio metálico, o aparelho telegráfico e a eletricidade; eles não passam de instrumentos da manifestação do pensamento, engenhosamente combinados pelo inventor da máquina humana.”

Em todos os tempos, fenômenos espontâneos muito frequentes, tais como a catalepsia, a letargia, o sonambulismo natural e o êxtase mostraram a alma agindo fora do organismo, mas a Ciência os desdenhou desse ponto de vista. Ora, eis que uma nova descoberta, a anestesia pelo clorofórmio, de uma incontestável utilidade nas operações cirúrgicas, e cujos efeitos, por isso mesmo, se é forçado a estudar, diariamente torna a Ciência testemunha desse fenômeno, pondo, por assim dizer, a nu a alma do paciente; é a voz que grita: “Olha para fora, e não para dentro, e me verás”; mas há criaturas que têm olhos e não veem, ouvidos e não escutam.

Entre os numerosos fatos desse gênero, aconteceu o seguinte, na prática do Sr. Velpeau:

“Uma senhora que não tinha dado qualquer sinal de dor enquanto eu a desembaraçava de um volumoso tumor, despertou sorrindo e me disse: “Bem sei que terminou, deixai-me voltar completamente e vou explicar isto... Não senti absolutamente nada, logo acrescentou ela, mas eis como soube que estava operada. Em meu sono, fui fazer uma visita a uma senhora minha conhecida, para conversar sobre uma criança pobre que devíamos colocar. Enquanto conversávamos, a senhora me disse: “Credes estar neste momento em minha casa, não é? Ora, minha cara amiga, estais completamente enganada, porque estais em vossa casa, em vossa cama, onde vos fazem uma operação agora mesmo.” Longe de me alarmar com sua conversa, respondi-lhe naturalmente: Ah! Se é assim, eu vos peço permissão para prolongar um pouco a minha visita, a fim de que tudo esteja acabado quando voltar para casa. E eis como, abrindo os olhos, antes mesmo de estar inteiramente desperta, pude anunciar-vos que estava operada.”

A cloroformização oferece milhares de exemplos tão concludentes quanto este.

Comunicando este fato e outros análogos à Academia das Ciências, a 4 de março de 1850, o Sr. Velpeau exclamou: “Que fonte fecunda para a Psicologia e para a Fisiologia são estes atos que chegam a separar o espírito da matéria, ou a inteligência do corpo!”

Então o Sr. Velpeau viu funcionar a alma fora do organismo; pôde constatar a sua existência por sua independência; ele ouviu a voz que lhe dizia: Estou fora e não dentro. Por que, então, fez profissão de fé materialista? Ele disse depois, quando estava no mundo dos Espíritos: “Orgulho do sábio, que não queria desmentir-se.” Contudo, não temeu voltar atrás em certas opiniões científicas erradas que tinha professado publicamente. Em seu Tratado de Mediana Operatória, publicado em 1839, tomo I, página 32, ele diz:

“Evitar a dor nas operações é uma quimera que hoje não é permitido perseguir. Instrumento cortante e dor, em medicina operatória, são duas palavras que não se apresentam uma sem a outra ao espírito dos doentes, e cuja associação há que se admitir necessariamente.”

O clorofórmio veio dar-lhe um desmentido sobre esse ponto, como sobre a questão da alma. Por que, então, aceitou um e não o outro? Mistério das fraquezas humanas!

Em suas lições, o Sr. Velpeau havia dito aos seus alunos: “Senhores, dizem-vos que não encontrareis a alma na ponta do vosso escalpelo, e têm razão, porque ela aí não está, e em vão aí a procureis, assim como eu mesmo fiz; mas estudai as manifestações inteligentes nos fenômenos da anestesia e tereis a prova irrefutável de sua existência; foi aí que a encontrei e todo observador de boa-fé a encontrará. Em presença de semelhantes fatos, não mais é possível negá-la, porquanto pode-se constatar a sua ação independente do organismo, e se pode isolá-la, por assim dizer, à vontade.” Falando assim, ele não teria feito senão completar o pensamento antes emitido ante a Academia das Ciências. Com tal linguagem, apoiada na autoridade de seu nome, ele teria feito uma revolução na arte médica. Foi uma glória que repudiou e que hoje lamenta amargamente, mas que outros herdarão.

Essa é a tese que acaba de ser defendida com notável talento pelo Sr. Ramon de la Sagra, na obra que constitui o objeto deste artigo. O autor aí descreve com método e clareza, do ponto de vista da ciência pura, que lhe é familiar, todas as fases da anestesia pelo clorofórmio, pelo éter, pelo curare[3] e outros agentes, segundo suas próprias observações e as dos mais acreditados autores, tais como Velpeau, Gerdy, Bouisson, Flourens, Simonin, etc. A parte técnica e científica aí ocupa largo espaço, mas isto era necessário para uma demonstração rigorosa. Além disto, contém numerosos fatos, onde colhemos o que relatamos acima. Dela tomamos igualmente as seguintes conclusões:

“Considerando-se que é um fato perfeitamente constatado pelos fenômenos anestésicos, que o éter enfraquece a vitalidade dos nervos condutores das impressões dos sentidos, mas deixando livres as faculdades intelectuais, também se toma incontestável que essas faculdades não dependem essencialmente dos órgãos do sistema nervoso. Ora, como os órgãos dos sentidos, que produzem as impressões, não agem senão pelos nervos, é claro que estando estes paralisados, todo o organismo da vida animal, da vida de relação, fica aniquilado para essas faculdades intelectuais que, nada obstante, funcionam. É forçoso, portanto, confessar que a sua existência, ou melhor, a sua realidade, não depende essencialmente do organismo, e que elas procedem, por conseguinte, de um princípio diverso dele, independente dele, que pode funcionar sem ele e fora dele.

“Eis, pois, a realidade da alma rigorosamente demonstrada, incontestavelmente estabelecida, sem que nenhuma observação fisiológica possa prejudicá-la. Podemos ver sair desta conclusão, como que jatos de luz que clareiam horizontes longínquos, que entretanto não abordaremos, porque esse gênero de estudos escapa do quadro que nos traçamos.

“O ponto de vista psicológico, sob o qual acabamos de apresentar os efeitos das substâncias anestésicas sobre a economia animal, e as consequências que daí deduzimos em favor da realidade da existência da alma, devem sugerir a esperança de que um método semelhante, aplicado ao estudo de outros fenômenos análogos da vida, poderia conduzir ao mesmo resultado.

“Nenhuma dedução seria mais justa, porque os efeitos fisiológicos e psicológicos que se mostram durante a embriaguês alcoólica, o delírio patológico, o sono natural e magnético, o êxtase e até a loucura, oferecem a maior semelhança, em muitos pontos, com os efeitos das substâncias anestésicas que acabamos de estudar nesta obra. Uma tal concordância de diversos fenômenos, procedendo de causas diferentes, em favor de uma conclusão idêntica, não nos deve surpreender. Ela não é senão a consequência do que provamos: a realidade da existência de uma essência distinta da matéria no organismo humano, e à qual são devolvidas as funções intelectuais que a matéria sozinha não poderia jamais preencher.

“Seria aqui o lugar de examinar uma outra questão, de fazer uma incursão no domínio do magnetismo animal, que sustenta a permanência das faculdades sensoriais fora dos sentidos, isto é, da visão, da audição, do paladar, do olfato, durante a paralisia completa dos órgãos que no estado normal proporcionam essas impressões. Mas esta doutrina, cuja verdade não queremos defender nem contestar, não é admitida pela ciência fisiológica, o que é suficiente para que a eliminemos de nossas pesquisas atuais.”

Este último parágrafo prova que o autor fez, para a demonstração da alma, o que o Sr. Flammarion fez para a de Deus, isto é, que ele se colocou no próprio terreno da ciência experimental e que ele quis tirar só dos fatos oficialmente reconhecidos, a prova de sua tese. Ele nos promete outra obra, que não pode deixar de ser de grande interesse, na qual serão estudados, do mesmo ponto de vista, os diversos fenômenos que ele apenas menciona, pois se limitou aos da anestesia pelo clorofórmio.

Certamente essa prova não é necessária para firmar a convicção dos espíritas, nem dos espiritualistas; mas, depois de Deus, sendo a existência da alma a base fundamental do Espiritismo, devemos considerar como eminentemente útil à Doutrina toda obra que tenda a lhe demonstrar os princípios fundamentais. Ora, a ação da alma, abstração feita do organismo, uma vez provada, é um ponto de partida que, como a pluralidade das existências e o perispírito, pouco a pouco, e por dedução lógica, conduz a todas as consequências do Espiritismo.

Com efeito, o exemplo relatado acima é do mais puro Espiritismo, à primeira vista, o que o Sr. Velpeau nem suspeitava, ao publicá-lo, e se tivéssemos podido citar todos, teríamos visto que os fenômenos anestésicos não só provam a realidade da alma, mas a do Espiritismo.

É assim que tudo concorre, como foi anunciado, para abrir o caminho da doutrina nova; a ela se chega por uma porção de saídas, todas convergindo para um centro comum, e muita gente a ela carrega a sua pedra, uns conscientemente, outros sem o querer.

A obra do Sr. Ramon de la Sagra é uma dessas, cuja publicação temos o prazer de aplaudir, porque, embora nela tenha feito abstração do Espiritismo, pode-se considerar, como Deus na Natureza, do Sr. Flammarion, e A Pluralidade das Existências, do Sr. Pezzani, como monografias dos princípios fundamentais da Doutrina, às quais eles dão a autoridade da ciência.

ALLAN KARDEC.



[1] Um volume in-12, preço 2,50 francos; pelo correio 2,75 francos. Germer-Baillière, Livreiros. Rua de l’Ecole-deMédicine, 17.

[2] Anesthésie, suspensão da sensibilidade; do grego, a, privação, e aïsthanomaï, sentir.

[3] O curare é uma substância eminentemente tóxica, que os selvagens do Orenoco tiram de certas plantas e com a qual envenenam a ponta de suas flechas, que produzem feridas mortais.



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