Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

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Capítulo LI

Setembro - A alma da Terra

Setembro


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A questão precedente nos conduz, naturalmente, à da alma da Terra, várias vezes debatida e diversamente interpretada.

A alma da Terra representa o papel principal na teoria da formação do nosso globo pela incrustação de quatro planetas, teoria cuja impossibilidade material demonstramos, conforme as observações geológicas e os dados da ciência experimental (Vide A Gênese, capítulo VII, nº 4 e seguintes). Pelo que concerne à alma, apoiar-nos-emos igualmente nos fatos.

Esta questão leva a outra: A Terra é um ser vivo? Sabemos que certos filósofos, mais sistemáticos do que práticos, consideram a Terra e todos os planetas como seres animados, fundando-se no princípio de que tudo vive na Natureza, desde o mineral até o homem. Para começar, cremos que haja uma diferença capital entre o movimento molecular de atração e de repulsão, de agregação e de desagregação do mineral e o princípio vital da planta; há aí efeitos diferentes que acusam causas diferentes, ou, pelo menos, uma profunda modificação na causa primeira, se ela é única. (A Gênese, Cap. X, nº 16 a 19).

Mas admitamos, por um instante, que o princípio da vida tenha a sua fonte no movimento molecular. Não poderemos contestar que seja ainda mais rudimentar no mineral do que na planta. Ora, daí a uma alma cujo atributo essencial é a inteligência, a distância é grande. Ninguém, cremos nós, pensou em dotar um seixo ou um pedaço de ferro com a faculdade de pensar, de querer e de compreender. Fazendo mesmo todas as concessões possíveis a este sistema, isto e, colocando-nos no ponto de vista dos que confundem o princípio vital com a alma propriamente dita, a alma do mineral nele estaria no estado de germe latente, porquanto nele não se revela por qualquer manifestação.

Um fato não menos patente que o de que acabamos de falar é que o desenvolvimento orgânico está sempre em relação com o desenvolvimento do princípio inteligente. O organismo se completa à medida que se multiplicam as faculdades da alma. A escala orgânica segue sempre, em todos os seres, a progressão da inteligência, desde o pólipo até o homem. Não poderia ser de outro modo, pois à alma é necessário um instrumento apropriado à importância das funções que ela deve desempenhar. De que serviria à ostra ter a inteligência do macaco, sem os órgãos necessários à sua manifestação? Se, pois, a Terra fosse um ser animado, servindo de corpo a uma alma especial, essa alma deveria ser ainda mais rudimentar que a do pólipo, pois a Terra não tem a mesma vitalidade da planta, ao passo que, pelo papel que se atribui a essa alma, sobretudo na teoria da incrustação, dela fazem um ser dotado de raciocínio e do mais completo livre-arbítrio, um Espírito superior, numa palavra, o que não é nem racional, nem conforme à lei geral, porque jamais um Espírito teria sido mais aprisionado e pior dotado. A ideia da alma da Terra, entendida neste sentido, tanto quanto a que faz da Terra um animal, deve, pois, ser colocada entre as concepções sistemáticas e quiméricas.

Aliás, o mais ínfimo animal tem liberdade de movimentos; ele vai aonde quer e anda quando lhe apraz, ao passo que os astros, esses seres que dizem vivos e animados por inteligências superiores, seriam adstritos a movimentos perpetuamente automáticos, sem jamais poderem afastar-se de sua rota; seriam, na verdade, bem menos favorecidos que o último pulgão. Se, conforme a teoria da incrustação, as almas dos quatro planetas que formaram a Terra tiveram a liberdade de reunir os seus envoltórios, teriam a de ir aonde quisessem, de mudar à vontade as leis da mecânica celeste. Por que não mais a têm?

Há ideias que se refutam por si mesmas e sistemas que caem desde que se perscrutam seriamente as suas consequências. O Espiritismo seria, com razão, ridicularizado por seus adversários, se se fizesse o editor responsável por utopias que não resistem a um exame. Se o ridículo não o matou, é porque só mata o que é ridículo.

Por alma da Terra pode-se entender, mais racionalmente, a coletividade dos Espíritos encarregados da elaboração e da direção de seus elementos constitutivos, o que já supõe um certo grau de adiantamento e de desenvolvimento intelectual; ou, melhor ainda, o Espírito ao qual é confiada a alta direção dos destinos morais e do progresso de seus habitantes, missão que não pode ser entregue senão a um ser eminentemente superior em saber e em sabedoria. Neste caso, não é, a bem dizer, a alma da Terra, porque esse Espírito nela não está encarnado, nem subordinado ao seu estado material; é um chefe, preposto à sua direção, como um general é preposto à condução de um exército. Um Espírito encarregado de tão importante missão qual a governança de um mundo, não poderia ter caprichos, ou Deus seria muito imprevidente para confiar a execução de seus desígnios soberanos a seres capazes de levá-los ao fracasso, por sua má vontade. Ora, segundo a doutrina da incrustação, seria a má vontade da alma da Lua a causa da Terra ter ficado incompleta.

Numerosas comunicações, dadas em vários lugares, vieram confirmar esta maneira de encarar a questão da alma da Terra. Citaremos apenas uma, que resume todas em poucas palavras.

(Sociedade Espírita de Bordéus, abril de 1862)

A Terra não tem alma que lhe pertença propriamente, porque não é um ser organizado como os que são dotados de vida; ela os tem aos milhões, que são os Espíritos encarregados de seu equilíbrio, de sua harmonia, de sua vegetação, de seu calor, de sua luz, das estações, da encarnação dos animais pelos quais eles velam, assim como pela dos homens. Isto não quer dizer que tais Espíritos sejam a causa desses fenômenos: eles os presidem como os funcionários de um governo presidem a cada uma das engrenagens da administração.

A Terra progrediu à medida que se formou; ela progride sempre, sem jamais se deter, até o momento em que tiver atingido o máximo de sua perfeição. Tudo o que nela é vida e matéria progride ao mesmo tempo, porque, à medida que se realiza o progresso, os Espíritos encarregados de velar por ela e seus produtos, progridem, por sua vez, pelo trabalho que lhes incumbe, ou cedem o lugar a Espíritos mais adiantados. Neste momento, ela chega a uma transição do mal ao bem, do medíocre ao belo.

Deus, criador, é a alma do Universo, de todos os mundos que gravitam no infinito, e os Espíritos encarregados, em cada mundo, da execução de suas leis, são agentes de sua vontade sob a direção de um delegado superior. Esse delegado pertence, necessariamente, à ordem dos Espíritos mais elevados, porque seria injúria à sabedoria divina crer que ela abandonasse à fantasia de uma criatura imperfeita o cuidado de velar pela realização do destino de milhões de suas próprias criaturas.

Pergunta: ─ Os Espíritos encarregados da direção e da elaboração dos elementos constitutivos do nosso globo podem encarnar-se aqui?

Resposta: ─ Certamente, porque na condição de encarnados, tendo uma ação mais direta sobre a matéria, eles podem fazer o que lhes seria impossível como Espíritos, assim como certas funções, por sua natureza, incumbem mais especialmente ao estado espiritual. A cada estado são conferidas missões particulares.

“Os habitantes da Terra não trabalham sua melhora material? Considerai, então, todos os Espíritos encarnados como parte da equipe de Espíritos encarregados de fazê-la progredir, ao mesmo tempo que eles próprios progridem. É a coletividade de todas essas inteligências, encarnadas e desencarnadas, inclusive o delegado superior, que constitui, a bem dizer, a alma da Terra, da qual cada um de vós faz parte. Encarnados e desencarnados são as abelhas que trabalham na edificação da colmeia, sob a direção do Espírito-chefe. Este é a cabeça, os outros, os braços.

Pergunta:Esse Espírito chefe também pode encarnar?

Resposta:Sem dúvida nenhuma, quando ele recebe a missão, o que ocorre quando sua presença entre os homens é necessária ao progresso.

Um dos vossos guias espirituais.


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