Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868
Versão para cópiaCapítulo LXIX
Novembro - Epidemia na Ilha Maurícia
Novembro
Na Revista de julho de 1867 descrevemos a terrível epidemia que há dois anos devasta a Ilha Maurício (antiga Ilha de França). O último correio nos traz cartas de dois dos nossos irmãos em crença daquele país. Numa encontra-se a seguinte passagem:
“Peço desculpar-me por ter ficado tanto tempo sem vos dar notícias minhas. Certamente não era o desejo que me faltava, mas antes a possibilidade, porque meu tempo era dividido em duas partes: uma, para o trabalho que me faz viver, a outra para a doença que nos mata. Tenho muito poucos instantes para empregar conforme os meus gostos. Contudo, estou um pouco mais tranquila, pois há um mês que não tenho tido febre. É verdade que é nesta época que ela parece ceder um pouco. Mas, ai de mim! é recuar para subir de novo, pois os próximos calores sem dúvida lhe vão dar novamente o seu vigor inicial. Assim, bem convencida da certeza dessa perspectiva, vivo o dia a dia libertando-me tanto quanto possível das vaidades humanas, a fim de facilitar minha passagem para o mundo dos Espíritos onde, francamente, de modo algum me aborreceria de me encontrar, em boas condições, bem entendido.”
Um dia, dizia um incrédulo a propósito de uma pessoa que exprimia um pensamento análogo, a propósito da morte: “É preciso ser espírita para ter semelhantes ideias!” Sem querer, ele fazia o mais belo elogio do Espiritismo. Não é um grande benefício a calma com a qual ele considera o termo fatal da vida, que tanta gente vê aproximar-se com pavor? Quantas angústias e tormentos são poupados aos que encaram a morte como uma transformação de seu ser, uma transição instantânea, sem interrupção da vida espiritual! Eles esperam a partida com serenidade, porque sabem para onde vão e o que serão. O que lhes aumenta a tranquilidade é a certeza, não só de reencontrar os que lhes são caros, mas de não ficarem separados dos que ficam após eles; de vê-los e de ajudá-los mais facilmente e melhor do que quando vivos; não lamentam as alegrias deste mundo, porque sabem que terão outras maiores, mais suaves, sem mescla de tribulações. O que causa as apreensões da morte é o desconhecido. Ora, para os espíritas, a morte não tem mais mistérios.
A segunda carta contém o que segue:
“É com um sentimento de profunda gratidão que venho agradecer-vos os sólidos princípios que inculcastes em meu espírito e que, tão somente eles, me deram a força e a coragem para aceitar com calma e resignação as rudes provas que tive que sofrer de um ano para cá, por causa da terrível epidemia que dizima a nossa população. Já partiram sessenta mil almas.
“Como deveis imaginar, a maior parte dos membros que formam o nosso pequeno grupo em Port-Louis, que começava a funcionar tão bem, tiveram que sofrer, como eu, nesse desastre geral. Por uma comunicação espontânea de 25 de julho de 1866, foi-nos anunciado que iríamos ser obrigados a suspender os nossos trabalhos. Três meses depois fomos forçados a descontinuá-los, por força da moléstia de vários entre nós e da morte de nossos parentes e amigos. Até este momento não pudemos recomeçar, embora todos os nossos médiuns estejam vivos, bem como os principais membros do nosso grupo. Várias vezes tentamos reunir-nos de novo, mas sem resultado, por isto cada um de nós foi obrigado a tomar conhecimento isoladamente de vossa carta de 26 de outubro de 1867 à Sra. G..., na qual se encontra a comunicação do doutor Demeure, que nos dá grandes e muito justos ensinamentos sobre tudo o que nos acontece. Cada um de nós pôde apreciar a sua justeza no que lhe concerne, porque há a constatar que a moléstia tomou tão múltiplas formas, que os médicos jamais chegaram a um acordo: cada um seguiu um método particular.
“Entretanto, o jovem doutor Labonté parece ser o que melhor definiu a moléstia. Quero crer que ele esteja certo do ponto de vista material, pois que passou por todos os sofrimentos de que se fez narrador.[1] Sob nosso ponto de vista espiritualista, poderíamos aí ver uma aplicação do prefácio de O Evangelho segundo o Espiritismo, porque o período nefasto que atravessamos foi marcado, no começo, por uma extraordinária chuva de estrelas cadentes que caiu na 1lha Maurício na noite de 13 para 14 de novembro de 1866. Embora o fenômeno fosse conhecido, por ter sido muito frequente de setembro a novembro, em certas épocas periódicas, não é menos admirável que desta vez as estrelas cadentes foram tão numerosas que fizeram tremer e impressionaram aqueles que as observaram. Esse imponente espetáculo ficará gravado em nossa memória, porque foi precisamente depois desse acontecimento que a moléstia tomou um caráter aflitivo. A partir desse momento, ela tornou-se geral e mortal, o que hoje pode autorizar-nos a pensar, como diz o Dr. Demeure, que chegamos ao período da transformação dos habitantes da Terra, para seu adiantamento moral.
“A propósito dos calmantes recomendados pelo Dr. Demeure, falastes das castanhas da Índia, cujo emprego seria mais vantajoso que o quinino, que afeta os órgãos cerebrais. Aqui não conhecemos essa planta, mas depois da leitura de vossa carta, na qual se faz menção dela, o nome de uma outra planta me veio ao espírito por intuição: é o croton tiglium, vulgarmente chamado em Maurício Pinhão da Índia. Empreguei-o como sudorífico, com muito sucesso, mas apenas as folhas, porque o grão é um veneno violento. Peço-vos a bondade de perguntar ao Dr. Demeure o que ele pensa dessa planta, e se ele aprova o emprego que dela fiz, como calmante, pois partilho completamente de sua opinião sobre o caráter dessa doença esquisita que me parece uma variante do ramannenzaa, ou febre de Madagascar, exceto as manifestações exteriores.”
Se pudéssemos por um só instante duvidar da vulgarização universal da Doutrina Espírita, a dúvida desapareceria vendo as pessoas que ela faz felizes, as consolações que ela proporciona, a força e a coragem que ela dá nos momentos mais penosos da vida, porque está na natureza do homem rebuscar o que pode assegurar a sua felicidade e a sua tranquilidade. Aí está o mais poderoso elemento de propagação do Espiritismo, que ninguém lho tirará, a menos que dê mais do que ele dá. Para nós, é uma grande satisfação ver os benefícios que ele espalha. Cada aflito consolado, cada coragem abatida soerguida, cada progresso moral operado nos paga ao cêntuplo as nossas penas e as nossas fadigas. Eis, ainda, uma satisfação que ninguém tem o poder de nos tirar.
Lidas na Sociedade de Paris, estas cartas deram lugar às seguintes comunicações, que tratam a questão do duplo ponto de vista local e geral, material e moral.
(Sociedade de Paris, 16 de outubro de 1868.
Em todos os tempos fizeram preceder os grandes cataclismos fisiológicos de sinais manifestos da cólera dos deuses. Fenômenos particulares precediam a irrupção do mal, como uma advertência para se prepararem para o perigo. Essas manifestações, com efeito, ocorreram não como um presságio sobrenatural, mas como sintomas da iminência da perturbação.
Como tivemos oportunidade de dizer-vos, nas crises em aparência as mais anormais que dizimam passo a passo as diferentes regiões do globo, nada foi deixado ao acaso; elas são a consequência das influências dos mundos e dos elementos uns sobre os outros (outubro de 1868); elas são preparadas de longa data, e sua causa é, por consequência, perfeitamente normal.
A saúde é o resultado do equilíbrio das forças naturais; se uma doença epidêmica devasta qualquer lugar, ela não pode ser senão a consequência de uma ruptura desse equilíbrio; daí o estado particular da atmosfera e os fenômenos singulares que aí podem ser observados.
Os meteoros conhecidos pelo nome de estrelas cadentes são compostos de elementos materiais, como tudo o que cai sob os nossos sentidos. Eles não aparecem senão graças à fosforescência desses elementos em combustão, e cuja natureza especial por vezes desenvolve no ar respirável, influências deletérias e mórbidas. As estrelas cadentes eram, para a Ilha Maurício, não o presságio, mas a causa secundária do flagelo. Por que sua ação se exerceu em particular sobre aquela região? Primeiro, porque, como disse muito bem o vosso correspondente, ela é um dos meios destinados a regenerar a Humanidade e a Terra propriamente dita, provocando a partida de encarnados e a modificação dos elementos materiais. Depois, porque as causas que determinam essas espécies de epidemias em Madagascar, no Senegal e por toda parte onde a febre palustre e a febre amarela exercem sua devastação não existem nas Ilhas Maurício, a violência e a persistência do mal deveria determinar a pesquisa séria de sua fonte e atrair a atenção sobre a parte que aí podiam tomar as influências de ordem psicológica.
Aqueles que sobreviveram, em contato forçado com os doentes e os agonizantes, foram testemunhas de cenas de que a princípio não se deram conta, mas cuja lembrança lhes voltará com a calma, e que não podem ser explicadas senão pela ciência espírita. Os casos de aparições, de comunicações com os mortos, de previsões seguidas de realização, aí foram muito comuns.
Aplacado o desastre, a memória de todos esses fatos surgirá e provocará reflexões que pouco a pouco levarão a aceitar as nossas crenças.
A ilha Maurício vai renascer! O ano novo verá extinguir-se o flagelo de que ela foi vítima, não por efeito dos remédios, mas porque a causa terá produzido o seu efeito. Outros climas, por sua vez, sofrerão o ataque de um mal da mesma, ou de qualquer outra natureza, determinando os mesmos desastres e conduzindo aos mesmos resultados.
Uma epidemia universal teria semeado o espanto da Humanidade inteira e por muito tempo detido a marcha do progresso; uma epidemia restrita, atacando passo a passo e sob múltiplas formas cada centro de civilização, produzirá os mesmos efeitos, salutares e regeneradores, mas deixará intactos os meios de ação de que a Ciência pode dispor. Os que morrem são vitimados pela impotência, mas os que veem a morte à sua porta buscam novos meios de combatê-la. O perigo torna inventivo, e quando todos os meios materiais estiverem esgotados, cada um será constrangido a pedir a salvação aos meios espirituais.
Sem dúvida é apavorante pensar em perigos dessa natureza, mas, pelo fato de serem necessários e não provocarem senão felizes consequências, é preferível, em vez de esperá-los tremendo, preparar-se para enfrentá-los sem medo, sejam quais forem os seus resultados. Para o materialista, é a morte horrível e o nada por consequência; para o espiritualista, e em particular para o espírita, que importa o que acontecer! Se escapar do perigo, a prova o encontrará sempre inabalável; se morrer, o que conhece da outra vida fá-lo-á encarar a passagem sem empalidecer.
Preparai-vos, pois, para tudo, e sejam quais forem a hora e a natureza do perigo, compenetrai-vos desta verdade: A morte não é senão uma palavra vã e não há nenhum sofrimento que as forças humanas não possam dominar. Aqueles para os quais o mal será insuportável, serão os únicos que tê-lo-ão recebido com o riso nos lábios e a despreocupação no coração, isto é, que julgar-se-ão fortes em sua incredulidade.
CLÉLIE DUPLANTIER.
(Sociedade de Paris, 23 de outubro de 1
868)
O croton tiglium certamente pode ser empregado com sucesso, sobretudo em doses homeopáticas, para acalmar as câimbras e restabelecer a circulação normal do fluido nervoso; pode-se igualmente utilizá-lo localmente, friccionando a pele com uma infusão fraca, mas não seria prudente generalizar o seu uso. Ele não é um medicamento aplicável a todos os doentes, nem em todas as fases da doença. Caso ele fosse de uso público, só deveria ser aplicado por indicação de pessoa que possa constatar a sua utilidade e apreciar o seus efeitos; do contrário, aquele que já tivesse experimentado a sua ação salutar poderia, num dado caso, a ele ser inteiramente insensível, ou mesmo experimentar os seus inconvenientes, Não é um desses medicamentos neutros que não fazem qualquer mal quando não produzem o bem. Ele não deve ser empregado senão em casos especiais e sob a direção de pessoas que possuam conhecimentos suficientes para dirigir a sua ação.
Ademais, espero que não seja necessário experimentar a sua eficácia, e que um período mais calmo se prepare para os infelizes habitantes de Maurício. Eles ainda não estão livres, por assim dizer, mas, salvo exceção, os ataques em geral não são fatais, a menos que incidentes de outra natureza lhes venham dar um caráter de gravidade particular. A doença em si mesma não está acabando. A ilha entra no período de convalescença; pode haver algumas pequenas recrudescências, mas tenho razões para crer que a epidemia irá, de agora em diante, diminuindo até a completa extinção dos sintomas que a caracterizam.
Mas qual será a sua influência sobre os habitantes de Maurício que tiverem sobrevivido ao desastre? Que consequências deduzirão das manifestações de toda natureza de que foram testemunhas involuntárias? As aparições de que muitas pessoas foram objeto, produzirão o efeito que delas se tem o direito de esperar? As resoluções tomadas sob o império do medo, do remorso e das censuras de uma consciência perturbada, não serão reduzidas a nada, quando voltar a tranquilidade?
Seria desejável que a lembrança dessas cenas lúgubres fosse gravada de maneira indelével em seus espíritos, e os obrigasse a modificar a sua conduta, reformando suas crenças, porque elas devem estar bem persuadidas que o equilíbrio não será restabelecido de maneira completa senão quando os espíritos estiverem tão despojados de sua iniquidade que a atmosfera seja purificada dos miasmas deletérios que provocaram o nascimento e o desenvolvimento do mal.
Cada dia mais entramos no período transitório que deve trazer a transformação orgânica da Terra e a regeneração de seus habitantes. Os flagelos são instrumentos de que se serve o grande cirurgião do Universo para extirpar do mundo, destinado a marchar para a frente, os elementos gangrenados que nele provocam desordens incompatíveis com o seu novo estado. Cada órgão, ou melhor, cada região será passo a passo atingida por flagelos de naturezas diversas. Aqui, a epidemia sob todas as suas formas; ali, a guerra, a fome. Cada um deve, pois, preparar-se para suportar a prova nas melhores condições possíveis, melhorando-se e se instruindo, a fim de não ser surpreendido de improviso. Algumas regiões já foram provadas, mas seus habitantes estariam em completo erro se se fiassem na era de calma que vai suceder à tempestade para recair nos seus antigos erros. Há um período de mora que lhes é concedido para entrarem num caminho melhor. Se não o aproveitarem, o instrumento de morte os experimentará até levá-los ao arrependimento. Bemaventurados aqueles a quem a prova feriu de começo, porque eles terão, para se instruírem, não só os males que sofreram, mas o espetáculo dos seus irmãos em Humanidade que por sua vez forem feridos. Esperamos que um tal exemplo lhes seja salutar, e que entrem, sem hesitar, na via nova que lhes permitirá avançar de acordo com o progresso.
Seria desejável que os habitantes de Maurício não fossem os últimos a tirar proveito da severa lição que receberam.
DOUTOR DEMEURE.
[1] O Sr. Dr. Labonté descreveu a epidemia da Ilha Maurício numa brochura que lemos com interesse, na qual ele se revela o observador sério e judicioso. É um homem devotado à sua arte e, tanto quanto podemos julgar de longe, por analogia, parece ter bem caracterizado essa singular doença, do ponto de vista fisiológico. Infelizmente, no que concerne à terapêutica, ela desafia todas as previsões da Ciência. Num caso excepcional como esse, o insucesso nada prejulgaria contra o saber do médico. O Espiritismo abre à ciência médica horizontes completamente novos, demonstrando o papel preponderante do elemento espiritual na economia e num grande número de afecções, nas quais a Medicina falha porque se obstina em procurar a sua causa apenas na matéria tangível. O conhecimento da ação do perispírito sobre o organismo adicionará um novo ramo à patologia, e modificará profundamente o modo de tratamento de certas doenças, cuja verdadeira causa não será mais um problema.
“Peço desculpar-me por ter ficado tanto tempo sem vos dar notícias minhas. Certamente não era o desejo que me faltava, mas antes a possibilidade, porque meu tempo era dividido em duas partes: uma, para o trabalho que me faz viver, a outra para a doença que nos mata. Tenho muito poucos instantes para empregar conforme os meus gostos. Contudo, estou um pouco mais tranquila, pois há um mês que não tenho tido febre. É verdade que é nesta época que ela parece ceder um pouco. Mas, ai de mim! é recuar para subir de novo, pois os próximos calores sem dúvida lhe vão dar novamente o seu vigor inicial. Assim, bem convencida da certeza dessa perspectiva, vivo o dia a dia libertando-me tanto quanto possível das vaidades humanas, a fim de facilitar minha passagem para o mundo dos Espíritos onde, francamente, de modo algum me aborreceria de me encontrar, em boas condições, bem entendido.”
Um dia, dizia um incrédulo a propósito de uma pessoa que exprimia um pensamento análogo, a propósito da morte: “É preciso ser espírita para ter semelhantes ideias!” Sem querer, ele fazia o mais belo elogio do Espiritismo. Não é um grande benefício a calma com a qual ele considera o termo fatal da vida, que tanta gente vê aproximar-se com pavor? Quantas angústias e tormentos são poupados aos que encaram a morte como uma transformação de seu ser, uma transição instantânea, sem interrupção da vida espiritual! Eles esperam a partida com serenidade, porque sabem para onde vão e o que serão. O que lhes aumenta a tranquilidade é a certeza, não só de reencontrar os que lhes são caros, mas de não ficarem separados dos que ficam após eles; de vê-los e de ajudá-los mais facilmente e melhor do que quando vivos; não lamentam as alegrias deste mundo, porque sabem que terão outras maiores, mais suaves, sem mescla de tribulações. O que causa as apreensões da morte é o desconhecido. Ora, para os espíritas, a morte não tem mais mistérios.
A segunda carta contém o que segue:
“É com um sentimento de profunda gratidão que venho agradecer-vos os sólidos princípios que inculcastes em meu espírito e que, tão somente eles, me deram a força e a coragem para aceitar com calma e resignação as rudes provas que tive que sofrer de um ano para cá, por causa da terrível epidemia que dizima a nossa população. Já partiram sessenta mil almas.
“Como deveis imaginar, a maior parte dos membros que formam o nosso pequeno grupo em Port-Louis, que começava a funcionar tão bem, tiveram que sofrer, como eu, nesse desastre geral. Por uma comunicação espontânea de 25 de julho de 1866, foi-nos anunciado que iríamos ser obrigados a suspender os nossos trabalhos. Três meses depois fomos forçados a descontinuá-los, por força da moléstia de vários entre nós e da morte de nossos parentes e amigos. Até este momento não pudemos recomeçar, embora todos os nossos médiuns estejam vivos, bem como os principais membros do nosso grupo. Várias vezes tentamos reunir-nos de novo, mas sem resultado, por isto cada um de nós foi obrigado a tomar conhecimento isoladamente de vossa carta de 26 de outubro de 1867 à Sra. G..., na qual se encontra a comunicação do doutor Demeure, que nos dá grandes e muito justos ensinamentos sobre tudo o que nos acontece. Cada um de nós pôde apreciar a sua justeza no que lhe concerne, porque há a constatar que a moléstia tomou tão múltiplas formas, que os médicos jamais chegaram a um acordo: cada um seguiu um método particular.
“Entretanto, o jovem doutor Labonté parece ser o que melhor definiu a moléstia. Quero crer que ele esteja certo do ponto de vista material, pois que passou por todos os sofrimentos de que se fez narrador.[1] Sob nosso ponto de vista espiritualista, poderíamos aí ver uma aplicação do prefácio de O Evangelho segundo o Espiritismo, porque o período nefasto que atravessamos foi marcado, no começo, por uma extraordinária chuva de estrelas cadentes que caiu na 1lha Maurício na noite de 13 para 14 de novembro de 1866. Embora o fenômeno fosse conhecido, por ter sido muito frequente de setembro a novembro, em certas épocas periódicas, não é menos admirável que desta vez as estrelas cadentes foram tão numerosas que fizeram tremer e impressionaram aqueles que as observaram. Esse imponente espetáculo ficará gravado em nossa memória, porque foi precisamente depois desse acontecimento que a moléstia tomou um caráter aflitivo. A partir desse momento, ela tornou-se geral e mortal, o que hoje pode autorizar-nos a pensar, como diz o Dr. Demeure, que chegamos ao período da transformação dos habitantes da Terra, para seu adiantamento moral.
“A propósito dos calmantes recomendados pelo Dr. Demeure, falastes das castanhas da Índia, cujo emprego seria mais vantajoso que o quinino, que afeta os órgãos cerebrais. Aqui não conhecemos essa planta, mas depois da leitura de vossa carta, na qual se faz menção dela, o nome de uma outra planta me veio ao espírito por intuição: é o croton tiglium, vulgarmente chamado em Maurício Pinhão da Índia. Empreguei-o como sudorífico, com muito sucesso, mas apenas as folhas, porque o grão é um veneno violento. Peço-vos a bondade de perguntar ao Dr. Demeure o que ele pensa dessa planta, e se ele aprova o emprego que dela fiz, como calmante, pois partilho completamente de sua opinião sobre o caráter dessa doença esquisita que me parece uma variante do ramannenzaa, ou febre de Madagascar, exceto as manifestações exteriores.”
Se pudéssemos por um só instante duvidar da vulgarização universal da Doutrina Espírita, a dúvida desapareceria vendo as pessoas que ela faz felizes, as consolações que ela proporciona, a força e a coragem que ela dá nos momentos mais penosos da vida, porque está na natureza do homem rebuscar o que pode assegurar a sua felicidade e a sua tranquilidade. Aí está o mais poderoso elemento de propagação do Espiritismo, que ninguém lho tirará, a menos que dê mais do que ele dá. Para nós, é uma grande satisfação ver os benefícios que ele espalha. Cada aflito consolado, cada coragem abatida soerguida, cada progresso moral operado nos paga ao cêntuplo as nossas penas e as nossas fadigas. Eis, ainda, uma satisfação que ninguém tem o poder de nos tirar.
Lidas na Sociedade de Paris, estas cartas deram lugar às seguintes comunicações, que tratam a questão do duplo ponto de vista local e geral, material e moral.
(Sociedade de Paris, 16 de outubro de 1868.
Em todos os tempos fizeram preceder os grandes cataclismos fisiológicos de sinais manifestos da cólera dos deuses. Fenômenos particulares precediam a irrupção do mal, como uma advertência para se prepararem para o perigo. Essas manifestações, com efeito, ocorreram não como um presságio sobrenatural, mas como sintomas da iminência da perturbação.
Como tivemos oportunidade de dizer-vos, nas crises em aparência as mais anormais que dizimam passo a passo as diferentes regiões do globo, nada foi deixado ao acaso; elas são a consequência das influências dos mundos e dos elementos uns sobre os outros (outubro de 1868); elas são preparadas de longa data, e sua causa é, por consequência, perfeitamente normal.
A saúde é o resultado do equilíbrio das forças naturais; se uma doença epidêmica devasta qualquer lugar, ela não pode ser senão a consequência de uma ruptura desse equilíbrio; daí o estado particular da atmosfera e os fenômenos singulares que aí podem ser observados.
Os meteoros conhecidos pelo nome de estrelas cadentes são compostos de elementos materiais, como tudo o que cai sob os nossos sentidos. Eles não aparecem senão graças à fosforescência desses elementos em combustão, e cuja natureza especial por vezes desenvolve no ar respirável, influências deletérias e mórbidas. As estrelas cadentes eram, para a Ilha Maurício, não o presságio, mas a causa secundária do flagelo. Por que sua ação se exerceu em particular sobre aquela região? Primeiro, porque, como disse muito bem o vosso correspondente, ela é um dos meios destinados a regenerar a Humanidade e a Terra propriamente dita, provocando a partida de encarnados e a modificação dos elementos materiais. Depois, porque as causas que determinam essas espécies de epidemias em Madagascar, no Senegal e por toda parte onde a febre palustre e a febre amarela exercem sua devastação não existem nas Ilhas Maurício, a violência e a persistência do mal deveria determinar a pesquisa séria de sua fonte e atrair a atenção sobre a parte que aí podiam tomar as influências de ordem psicológica.
Aqueles que sobreviveram, em contato forçado com os doentes e os agonizantes, foram testemunhas de cenas de que a princípio não se deram conta, mas cuja lembrança lhes voltará com a calma, e que não podem ser explicadas senão pela ciência espírita. Os casos de aparições, de comunicações com os mortos, de previsões seguidas de realização, aí foram muito comuns.
Aplacado o desastre, a memória de todos esses fatos surgirá e provocará reflexões que pouco a pouco levarão a aceitar as nossas crenças.
A ilha Maurício vai renascer! O ano novo verá extinguir-se o flagelo de que ela foi vítima, não por efeito dos remédios, mas porque a causa terá produzido o seu efeito. Outros climas, por sua vez, sofrerão o ataque de um mal da mesma, ou de qualquer outra natureza, determinando os mesmos desastres e conduzindo aos mesmos resultados.
Uma epidemia universal teria semeado o espanto da Humanidade inteira e por muito tempo detido a marcha do progresso; uma epidemia restrita, atacando passo a passo e sob múltiplas formas cada centro de civilização, produzirá os mesmos efeitos, salutares e regeneradores, mas deixará intactos os meios de ação de que a Ciência pode dispor. Os que morrem são vitimados pela impotência, mas os que veem a morte à sua porta buscam novos meios de combatê-la. O perigo torna inventivo, e quando todos os meios materiais estiverem esgotados, cada um será constrangido a pedir a salvação aos meios espirituais.
Sem dúvida é apavorante pensar em perigos dessa natureza, mas, pelo fato de serem necessários e não provocarem senão felizes consequências, é preferível, em vez de esperá-los tremendo, preparar-se para enfrentá-los sem medo, sejam quais forem os seus resultados. Para o materialista, é a morte horrível e o nada por consequência; para o espiritualista, e em particular para o espírita, que importa o que acontecer! Se escapar do perigo, a prova o encontrará sempre inabalável; se morrer, o que conhece da outra vida fá-lo-á encarar a passagem sem empalidecer.
Preparai-vos, pois, para tudo, e sejam quais forem a hora e a natureza do perigo, compenetrai-vos desta verdade: A morte não é senão uma palavra vã e não há nenhum sofrimento que as forças humanas não possam dominar. Aqueles para os quais o mal será insuportável, serão os únicos que tê-lo-ão recebido com o riso nos lábios e a despreocupação no coração, isto é, que julgar-se-ão fortes em sua incredulidade.
CLÉLIE DUPLANTIER.
(Sociedade de Paris, 23 de outubro de 1
868)
O croton tiglium certamente pode ser empregado com sucesso, sobretudo em doses homeopáticas, para acalmar as câimbras e restabelecer a circulação normal do fluido nervoso; pode-se igualmente utilizá-lo localmente, friccionando a pele com uma infusão fraca, mas não seria prudente generalizar o seu uso. Ele não é um medicamento aplicável a todos os doentes, nem em todas as fases da doença. Caso ele fosse de uso público, só deveria ser aplicado por indicação de pessoa que possa constatar a sua utilidade e apreciar o seus efeitos; do contrário, aquele que já tivesse experimentado a sua ação salutar poderia, num dado caso, a ele ser inteiramente insensível, ou mesmo experimentar os seus inconvenientes, Não é um desses medicamentos neutros que não fazem qualquer mal quando não produzem o bem. Ele não deve ser empregado senão em casos especiais e sob a direção de pessoas que possuam conhecimentos suficientes para dirigir a sua ação.
Ademais, espero que não seja necessário experimentar a sua eficácia, e que um período mais calmo se prepare para os infelizes habitantes de Maurício. Eles ainda não estão livres, por assim dizer, mas, salvo exceção, os ataques em geral não são fatais, a menos que incidentes de outra natureza lhes venham dar um caráter de gravidade particular. A doença em si mesma não está acabando. A ilha entra no período de convalescença; pode haver algumas pequenas recrudescências, mas tenho razões para crer que a epidemia irá, de agora em diante, diminuindo até a completa extinção dos sintomas que a caracterizam.
Mas qual será a sua influência sobre os habitantes de Maurício que tiverem sobrevivido ao desastre? Que consequências deduzirão das manifestações de toda natureza de que foram testemunhas involuntárias? As aparições de que muitas pessoas foram objeto, produzirão o efeito que delas se tem o direito de esperar? As resoluções tomadas sob o império do medo, do remorso e das censuras de uma consciência perturbada, não serão reduzidas a nada, quando voltar a tranquilidade?
Seria desejável que a lembrança dessas cenas lúgubres fosse gravada de maneira indelével em seus espíritos, e os obrigasse a modificar a sua conduta, reformando suas crenças, porque elas devem estar bem persuadidas que o equilíbrio não será restabelecido de maneira completa senão quando os espíritos estiverem tão despojados de sua iniquidade que a atmosfera seja purificada dos miasmas deletérios que provocaram o nascimento e o desenvolvimento do mal.
Cada dia mais entramos no período transitório que deve trazer a transformação orgânica da Terra e a regeneração de seus habitantes. Os flagelos são instrumentos de que se serve o grande cirurgião do Universo para extirpar do mundo, destinado a marchar para a frente, os elementos gangrenados que nele provocam desordens incompatíveis com o seu novo estado. Cada órgão, ou melhor, cada região será passo a passo atingida por flagelos de naturezas diversas. Aqui, a epidemia sob todas as suas formas; ali, a guerra, a fome. Cada um deve, pois, preparar-se para suportar a prova nas melhores condições possíveis, melhorando-se e se instruindo, a fim de não ser surpreendido de improviso. Algumas regiões já foram provadas, mas seus habitantes estariam em completo erro se se fiassem na era de calma que vai suceder à tempestade para recair nos seus antigos erros. Há um período de mora que lhes é concedido para entrarem num caminho melhor. Se não o aproveitarem, o instrumento de morte os experimentará até levá-los ao arrependimento. Bemaventurados aqueles a quem a prova feriu de começo, porque eles terão, para se instruírem, não só os males que sofreram, mas o espetáculo dos seus irmãos em Humanidade que por sua vez forem feridos. Esperamos que um tal exemplo lhes seja salutar, e que entrem, sem hesitar, na via nova que lhes permitirá avançar de acordo com o progresso.
Seria desejável que os habitantes de Maurício não fossem os últimos a tirar proveito da severa lição que receberam.
DOUTOR DEMEURE.
[1] O Sr. Dr. Labonté descreveu a epidemia da Ilha Maurício numa brochura que lemos com interesse, na qual ele se revela o observador sério e judicioso. É um homem devotado à sua arte e, tanto quanto podemos julgar de longe, por analogia, parece ter bem caracterizado essa singular doença, do ponto de vista fisiológico. Infelizmente, no que concerne à terapêutica, ela desafia todas as previsões da Ciência. Num caso excepcional como esse, o insucesso nada prejulgaria contra o saber do médico. O Espiritismo abre à ciência médica horizontes completamente novos, demonstrando o papel preponderante do elemento espiritual na economia e num grande número de afecções, nas quais a Medicina falha porque se obstina em procurar a sua causa apenas na matéria tangível. O conhecimento da ação do perispírito sobre o organismo adicionará um novo ramo à patologia, e modificará profundamente o modo de tratamento de certas doenças, cuja verdadeira causa não será mais um problema.