Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868
Versão para cópiaCapítulo XXXV
Julho - A ciência da concordância dos números e a fatalidade
Julho
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Por várias vezes nos perguntaram o que pensamos da concordância dos números e se cremos no valor dessa ciência. Nossa resposta é bem simples: Até este momento nada pensamos a respeito, porque jamais com ela nos ocupamos. Bem que temos visto alguns casos de concordâncias singulares entre as datas de certos acontecimentos, mas em pequeníssimo número para delas tirar uma conclusão, mesmo aproximada. A bem da verdade, não vemos a razão de tal coincidência. Entretanto, o fato de não compreendermos uma coisa não significa que ela não existe. A Natureza não disse a sua última palavra, e o que hoje é utopia poderá ser verdade amanhã. Então, pode ser que entre os fatos exista uma certa correlação que não suspeitamos, e que poderia traduzir-se por números. Em todo caso, não se poderia dar o nome de ciência a um cálculo tão hipotético quanto o das relações numéricas, no que concerne à sucessão dos acontecimentos. Uma ciência é um conjunto de fatos suficientemente numerosos para deles se deduzirem regras, e suscetíveis de uma demonstração. Ora, no estado atual dos nossos conhecimentos, seria absolutamente impossível estabelecer uma teoria qualquer acerca dos fatos desse gênero, e até mesmo uma explicação satisfatória. Não é, portanto, ou, se quiserem, não é ainda uma ciência, o que não implica na sua negação.
Há fatos sobre os quais temos uma opinião pessoal. No caso de que se trata não temos nenhuma, e se nos inclinássemos para um lado, seria de preferência para a negativa, até prova em contrário.
Baseamo-nos no fato de que o tempo é relativo; de que ele não pode ser apreciado senão em termos comparativos e em relação aos pontos de referência obtidos na revolução dos outros, e esses termos variam conforme os mundos, porque fora dos mundos o tempo não existe. Não há parâmetro para medir o infinito. Assim, parece que não pode haver uma lei universal de concordância para a data dos acontecimentos, porque o cômputo da duração varia conforme os mundos, a menos que haja, nesse caso particular, uma lei para cada mundo, afeta à sua organização, como há uma para a duração da vida de seus habitantes.
Seguramente, se tal lei existe, um dia ela será reconhecida. O Espiritismo, que assimila todas as verdades, quando são constatadas, não irá repelir essa. Mas como, até o presente, essa lei não é atestada nem por um número suficiente de fatos nem por uma demonstração categórica, com ela devemos preocupar-nos muito pouco, porquanto ela só nos interessa de maneira muito indireta. Não dissimulamos a importância dessa lei, se é que ela existe, mas como as portas do Espiritismo estarão sempre abertas a todas as ideias progressivas, a todas as aquisições da inteligência, ele se ocupa com as necessidades do momento, sem receio de ser ultrapassado pelas conquistas do futuro.
Tendo sido esta questão submetida aos Espíritos num grupo muito sério do interior, e por isto mesmo geralmente bem assistido, foi respondido:
“Há, certamente, no conjunto dos fenômenos morais, como nos fenômenos físicos, relações baseadas nos números. A lei da concordância das datas não é uma quimera; é uma das que vos serão reveladas mais tarde e vos darão a chave das coisas que vos parecem anomalias, porque, acreditai, a Natureza não tem caprichos; ela marcha sempre com precisão e passo seguro. Além do mais, essa lei não é exatamente como imaginais; para compreendê-la na sua razão de ser, no seu princípio e na sua utilidade, necessitais adquirir ideias que ainda não tendes, e que virão com o seu tempo. Por ora, esse conhecimento seria prematuro, razão pela qual não vos é dado. Portanto, seria inútil insistir. Limitai-vos a recolher os fatos; observai sem nada concluir, para não vos confundirdes. Deus sabe dar aos homens o alimento intelectual à medida que eles estão em condições de absorvê-lo. Trabalhai sobretudo por vosso adiantamento moral, que é o essencial, porque é por esse caminho que merecereis possuir novas luzes.”
Nós somos dessa opinião. Pensamos, até, que haveria mais inconvenientes do que vantagens em vulgarizar prematuramente uma crença que, nas mãos da ignorância, poderia degenerar em abuso e práticas supersticiosas, por falta do contrapeso de uma teoria racional.
O princípio da concordância das datas é, pois, inteiramente hipotético; mas se nada é ainda permitido afirmar a esse respeito, a experiência demonstra que, na Natureza, muitas coisas estão subordinadas a leis numéricas, suscetíveis do mais rigoroso cálculo. Este fato, de uma grande importância, talvez possa um dia lançar a luz sobre a primeira questão. É assim, por exemplo, que as chances do acaso são submetidas, em seu conjunto, a uma periodicidade de admirável precisão; a maior parte das combinações químicas para a formação dos corpos compostos dão-se em proporções definidas, e isto significa que é necessário um determinado número de moléculas de cada um dos corpos elementares, e que uma molécula a mais ou a menos muda completamente a Natureza do corpo composto (vide A Gênese, Cap. X, itens 7 e seguintes); a cristalização se opera sob ângulos de uma abertura constante; em Astronomia, os movimentos e as forças seguem progressões de um rigor matemático, e a mecânica celeste é tão exata quanto a mecânica terrestre; dá-se o mesmo com a reflexão dos raios luminosos, calóricos e sonoros; é em cálculos positivos que são estabelecidas as possibilidades de sobrevivência e os riscos de mortalidade nos seguros.
É certo, pois, que os números estão na Natureza e que leis numéricas regem a maior parte dos fenômenos de ordem física. Dá-se o mesmo nos fenômenos de ordem moral e metafísica? É o que seria presunção afirmar, sem dados mais precisos do que aqueles que possuímos. Esta questão, aliás, levanta outras que têm a sua importância, e sobre as quais julgamos útil apresentar algumas observações de um ponto de vista geral.
Levando-se em consideração que uma lei numérica rege os nascimentos e a mortalidade das criaturas, não poderia dar-se o mesmo, porém numa escala mais vasta, para as individualidades coletivas, tais como as raças, os povos, as cidades etc.? As fases de sua marcha ascendente, de sua decadência e de seu fim; as revoluções que marcam as etapas do progresso da Humanidade, não estariam sujeitas a uma certa periodicidade? Quanto às unidades numéricas para o cômputo dos períodos da história da Humanidade, se não são os dias nem os anos nem os séculos, poderiam eles ter por base as gerações, como alguns fatos tenderiam a fazêlo supor.
Aí não está um sistema; é ainda menos uma teoria, mas uma simples hipótese, uma ideia baseada numa probabilidade, e que um dia poderá servir de ponto de partida para ideias mais positivas.
Mas, perguntarão, se os acontecimentos que decidem a sorte da Humanidade, de uma nação, de uma tribo, têm seus prazos regulados por uma lei numérica, é a consagração da fatalidade e, então, em que se torna o livre-arbítrio do homem? Então o Espiritismo estaria errado quando diz que nada é fatal e que o homem é o senhor absoluto de suas ações e de sua sorte?
Para responder a esta objeção, há que tomar a questão de mais alto. Digamos, para começar, que o Espiritismo jamais negou a fatalidade de certas coisas, e que, ao contrário, sempre a reconheceu. Mas ele diz que essa fatalidade não entrava o livrearbítrio. Eis o que é fácil de demonstrar.
Todas as leis que regem o conjunto dos fenômenos da Natureza têm consequências necessariamente fatais, isto é, inevitáveis, e essa fatalidade é indispensável à manutenção da harmonia universal. O homem, que sofre essas consequências, está, pois, sob alguns aspectos, submetido à fatalidade, em tudo quanto não depende de sua iniciativa. Assim, por exemplo, ele deve morrer fatalmente: é a lei comum, à qual ele não pode subtrair-se e, em virtude dessa lei, ele pode morrer em qualquer idade, quando chegar a sua hora; entretanto, se ele voluntariamente apressa a sua morte, pelo suicídio ou por seus excessos, age em virtude de seu livre-arbítrio, pois ninguém pode constrangê-lo a praticar esse ato. Ele deve comer para viver: é a fatalidade; mas se ele come além do necessário, pratica um ato de liberdade.
Em sua cela, o prisioneiro é livre de mover-se à vontade, no espaço que lhe é concedido, mas as paredes que não pode transpor são para ele a fatalidade que lhe restringe a liberdade. A disciplina é para o soldado uma fatalidade, pois o obriga a atos independentes de sua vontade, mas ele não é menos livre em suas ações pessoais, pelas quais é responsável. Assim é com o homem na Natureza. A Natureza tem as suas leis fatais, que lhe opõem uma barreira, mas aquém da qual ele pode mover-se à vontade.
Por que Deus não deu ao homem uma liberdade completa? Porque Deus é como um pai previdente, que limita a liberdade de seus filhos ao nível do seu raciocínio e do uso que dela podem fazer. Se os homens já se servem tão mal da que lhes é concedida, se não sabem governar-se a si mesmos, que seria se as leis da Natureza estivessem à sua disposição, e se não lhes opusessem um freio salutar?
O homem pode, pois, ser livre em suas ações, a despeito da fatalidade que preside o conjunto; ele é livre numa certa medida, no limite necessário para lhe deixar a responsabilidade de seus atos. Se, em virtude dessa liberdade, ele perturba a harmonia por um mal que faz; se ele põe um obstáculo na marcha providencial das coisas, ele é o primeiro a sofrer as consequências disso, e como as leis da Natureza são mais fortes do que ele, acaba sendo arrastado na corrente; então ele sente a necessidade de retornar ao caminho do bem, e tudo retoma o seu equilíbrio, de sorte que a volta ao bem é ainda um ato livre, posto que provocado, nas não imposto pela fatalidade.
O impulso dado pelas leis da Natureza, bem como os limites que elas estabelecem, são sempre bons, porque a Natureza é obra da sabedoria divina. A resistência a essas leis é um ato de liberdade e essa resistência sempre atrai o mal. Sendo o homem livre para observar ou infringir essas leis, no que se refere à sua pessoa, é, pois, livre de fazer o bem ou o mal. Se ele pudesse ser fatalmente levado a fazer o mal, e não podendo essa fatalidade vir senão de um poder a ele superior, Deus seria o primeiro a infringir as suas leis.
A quem não ocorreu muitas vezes dizer: “Se eu não tivesse agido como agi em tal circunstância, não estaria na posição em que estou; se eu tivesse que recomeçar, agiria de outra maneira?” Não é reconhecer que tinha liberdade para fazer ounão fazer? Que estava livre para fazer melhor, se se apresentasse outra oportunidade? Ora, Deus, que é mais sábio do que ele, prevendo os erros nos quais ele pode cair e o mau uso que ele poderia fazer de sua liberdade, dá-lhe indefinidamente a possibilidade de recomeçar, pela sucessão de suas existências corporais, e ele recomeçará até que, instruído pela experiência, não mais erre o caminho.
O homem pode, portanto, conforme a sua vontade, apressar ou retardar o termo de suas provas, e é nisto que consiste a liberdade. Agradeçamos a Deus não nos ter fechado para sempre o caminho da felicidade, decidindo a nossa sorte definitiva após uma existência efêmera, notoriamente insuficiente para chegar ao topo da escada do progresso, e de nos haver dado, pela própria fatalidade da reencarnação, os meios de progredir incessantemente, renovando as provas nas quais fracassamos.
A fatalidade é absoluta para as leis que regem a matéria, porque a matéria é cega; ela não existe para o Espírito que é, ele próprio, chamado a reagir sobre a matéria, em virtude de sua liberdade. Se as doutrinas materialistas fossem verdadeiras, elas seriam a mais formal consagração da fatalidade, porque se o homem fosse apenas matéria, não poderia ter iniciativa. Ora, se lhe concedeis iniciativa, seja no que for, é que ele é livre, e se é livre, é que tem em si algo além da matéria. Sendo o materialismo a negação do princípio espiritual, é, por isso mesmo, a negação da liberdade. E ─ contradição bizarra! ─ os materialistas, aqueles mesmos que proclamam o dogma da fatalidade, são os primeiros a dela tirar partido; a constituir-se senhores de sua liberdade; a reivindicá-la como um direito, na sua mais absoluta plenitude, junto aos que a restringem, e isto sem suspeitar que significa reclamar o privilégio do Espírito e não da matéria.
Aqui se apresenta outra questão. A fatalidade e a liberdade são dois princípios que parecem excluir-se. A liberdade da ação individual é compatível com a fatalidade das leis que regem o conjunto, e essa ação não vem perturbar a harmonia? Alguns exemplos tomados dos mais vulgares fenômenos da ordem material deixarão evidente a solução do problema.
Dissemos que as chances do acaso se equilibram com uma surpreendente regularidade. Com efeito, há um resultado muito conhecido no jogo do vermelho e preto que, a despeito da irregularidade de saída a cada lançamento, as cores são em número igual ao cabo de certo número de jogadas; isto significa que em cem jogadas haverá cinquenta vermelhos e cinquenta pretos; em mil, quinhentos de uma e quinhentos de outra, com uma diferença de poucas unidades. Dá-se o mesmo com os números pares e ímpares e com todas as chances ditas duplas. Se, em lugar de duas cores, houver três, haverá um terço de cada; se forem quatro, um quarto etc. Muitas vezes a mesma cor sai em séries de duas, três, quatro, cinco, seis vezes seguidas; num certo número de jogadas haverá tantas séries de duas vermelhas quanto de duas pretas; tantas de três vermelhas quanto de três pretas, e assim por diante. No entanto, as jogadas de duas serão 50% menos numerosa do que as de uma; as de três, um terço das de uma; as de quatro, um quarto etc.
Nos dados, como estes têm seis faces, jogando-o sessenta vezes, chegar-se-á a dez vezes um ponto, dez vezes dois pontos, dez vezes três pontos e assim com os outros.
Na antiga loteria da França havia noventa números colocados numa roleta. Sorteava-se cinco de cada vez. Nos registros de vários anos constatou-se que cada número havia saído na proporção de um nonagésimo e cada dezena na proporção de um nono.
A proporção é tanto mais exata quanto mais considerável o número de jogadas. Em dez ou vinte jogadas, por exemplo, pode ser muito desigual, mas o equilíbrio se estabelece à medida que aumenta o número, e isto com uma regularidade matemática. Sendo isto um fato constante, é bem evidente que uma lei numérica preside a essa repartição, quando abandonada a si mesma, e que nada vem forçá-la ou entravá-la. O que se chama acaso está, pois, submetido a uma lei matemática, isto é, não há acaso. A irregularidade caprichosa que se manifesta em cada jogada, ou num pequeno número de jogadas, não impede a lei de seguir o seu curso, de onde pode-se concluir que há nessa repartição uma verdadeira fatalidade, mas essa fatalidade que preside ao conjunto é nula, ou pelo menos inapreciável, para cada jogada isolada.
Estendemo-nos um pouco no exemplo dos jogos, porque é um dos mais chocantes e dos mais fáceis de verificar, pela possibilidade de multiplicar os fatos à vontade, em curto espaço de tempo. E como a lei ressalta do conjunto dos fatos, foi essa multiplicidade que permitiu reconhecê-la, sem o que é provável que ainda a ignorássemos.
A mesma lei pôde ser observada com precisão nas chances de mortalidade. A morte, que parece ferir indistintamente e às cegas, não segue menos, em seu conjunto, uma marcha regular e constante, segundo a idade. Sabemos perfeitamente que de mil indivíduos de todas as idades, em um ano morrerão tantos de um a dez anos, tantos de dez a vinte, tantos de vinte a trinta, e assim por diante; ou então que após um período de dez anos, o número dos sobreviventes será de tantos de um a dez anos, tantos de dez a vinte etc. Causas acidentais de mortalidade podem momentaneamente perturbar esta ordem, como no jogo a saída de uma longa série da mesma cor rompe o equilíbrio. No entanto, se em vez de um período de dez anos ou de um número de mil indivíduos, estendermos a observação a cinquenta anos e a cem mil indivíduos, encontraremos o equilíbrio restabelecido.
De acordo com isto, é permitido supor que todas as eventualidades que parecem efeito do acaso, na vida individual, bem como na dos povos e da Humanidade, são regidas por leis numéricas, e que o que falta para reconhecê-las é poder abarcar de um golpe de vista uma massa bastante considerável de fatos, e um lapso de tempo suficiente.
Pela mesma razão, nada haveria de absolutamente impossível que o conjunto dos fatos de ordem moral e metafísica fosse igualmente subordinado a uma lei numérica, cujos elementos e as bases, até agora, nos são totalmente desconhecidos. Em todo o caso, vê-se, pelo que precede, que essa lei, ou, se preferirem, essa fatalidade do conjunto, de modo algum eliminaria o livre-arbítrio. É o que nos tínhamos proposto demonstrar. Não se exercendo o livre-arbítrio senão sobre pontos isolados de detalhe, ele não entravaria o cumprimento da lei geral, assim como a irregularidade da saída de cada número não entravaria a repartição proporcional desses mesmos números sobre um certo número de jogadas. O homem exerce o seu livre-arbítrio na pequena esfera de sua ação individual; esta pequena esfera pode estar em desalinho, sem que isto a impeça de gravitar no conjunto segundo a lei comum, assim como os pequenos remoinhos causados nas águas de um rio, pelos peixes que se agitam, não impedem a massa das águas de seguir o curso forçado que lhes imprime a lei de gravitação.
Tendo o homem o livre-arbítrio, em nada entra a fatalidade em suas ações individuais; quanto aos acontecimentos da vida privada, que por vezes parecem atingi-lo fatalmente, eles têm duas causas bem distintas: uns são consequência direta de sua conduta na existência presente; muitas pessoas são infelizes, doentes, enfermas por sua culpa; muitos acidentes são resultado da imprevidência; ele não pode queixar-se senão de si mesmo, e não da fatalidade ou, como se diz, de sua má estrela. Os outros são inteiramente independentes da vida presente e parecem, por isto mesmo, devidos a uma certa fatalidade. Mas, ainda aqui o Espiritismo nos demonstra que essa fatalidade é apenas aparente, e que certas posições penosas da vida têm sua razão de ser na pluralidade das existências. O Espírito as escolheu voluntariamente na erraticidade, antes de sua encarnação, como provações para o seu adiantamento. Elas são, pois, produto do livre-arbítrio, e não da fatalidade. Se algumas vezes são impostas como expiação, por uma vontade superior, é ainda por força das más ações voluntariamente cometidas pelo homem em existência precedente, e não como consequência de uma lei fatal, porquanto ele poderia tê-las evitado, agindo de outro modo.
A fatalidade é o freio imposto ao homem por uma vontade superior a ele, e mais sábia que ele, em tudo o que não é deixado à sua iniciativa. Mas ela jamais é um entrave ao exercício de seu livre-arbítrio, no que toca às suas ações pessoais. Ela não pode impor-lhe nem o mal nem o bem. Desculpar uma ação má qualquer pela fatalidade ou, como se diz muitas vezes, pelo destino, seria abdicar a capacidade de discernimento que Deus lhe deu para pesar o pró e o contra, a oportunidade ou a falta de oportunidade, as vantagens e os inconvenientes de cada coisa. Se um acontecimento está no destino de um homem, ele realizar-se-á, a despeito de sua vontade, e será sempre para o seu bem, mas as circunstâncias da realização dependem do emprego que ele faça de seu livre-arbítrio, e muitas vezes ele pode reverter em seu prejuízo o que deveria ser um bem, se agir com imprevidência, e se se deixar arrastar pelas suas paixões. Ele se engana mais ainda se toma o seu desejo ou os desvios de sua imaginação por seu destino. (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. V, itens l a 11).
Tais são as reflexões que nos sugeriram os três ou quatro pequenos cálculos de concordância de datas que nos foram apresentados, e sobre os quais nos pediram conselho. Elas eram necessárias para demonstrar que em semelhante matéria, de alguns fatos idênticos não se podia concluir por uma aplicação geral. Aproveitamolos para resolver, por novos argumentos, a grave questão da fatalidade e do livrearbítrio.
Há fatos sobre os quais temos uma opinião pessoal. No caso de que se trata não temos nenhuma, e se nos inclinássemos para um lado, seria de preferência para a negativa, até prova em contrário.
Baseamo-nos no fato de que o tempo é relativo; de que ele não pode ser apreciado senão em termos comparativos e em relação aos pontos de referência obtidos na revolução dos outros, e esses termos variam conforme os mundos, porque fora dos mundos o tempo não existe. Não há parâmetro para medir o infinito. Assim, parece que não pode haver uma lei universal de concordância para a data dos acontecimentos, porque o cômputo da duração varia conforme os mundos, a menos que haja, nesse caso particular, uma lei para cada mundo, afeta à sua organização, como há uma para a duração da vida de seus habitantes.
Seguramente, se tal lei existe, um dia ela será reconhecida. O Espiritismo, que assimila todas as verdades, quando são constatadas, não irá repelir essa. Mas como, até o presente, essa lei não é atestada nem por um número suficiente de fatos nem por uma demonstração categórica, com ela devemos preocupar-nos muito pouco, porquanto ela só nos interessa de maneira muito indireta. Não dissimulamos a importância dessa lei, se é que ela existe, mas como as portas do Espiritismo estarão sempre abertas a todas as ideias progressivas, a todas as aquisições da inteligência, ele se ocupa com as necessidades do momento, sem receio de ser ultrapassado pelas conquistas do futuro.
Tendo sido esta questão submetida aos Espíritos num grupo muito sério do interior, e por isto mesmo geralmente bem assistido, foi respondido:
“Há, certamente, no conjunto dos fenômenos morais, como nos fenômenos físicos, relações baseadas nos números. A lei da concordância das datas não é uma quimera; é uma das que vos serão reveladas mais tarde e vos darão a chave das coisas que vos parecem anomalias, porque, acreditai, a Natureza não tem caprichos; ela marcha sempre com precisão e passo seguro. Além do mais, essa lei não é exatamente como imaginais; para compreendê-la na sua razão de ser, no seu princípio e na sua utilidade, necessitais adquirir ideias que ainda não tendes, e que virão com o seu tempo. Por ora, esse conhecimento seria prematuro, razão pela qual não vos é dado. Portanto, seria inútil insistir. Limitai-vos a recolher os fatos; observai sem nada concluir, para não vos confundirdes. Deus sabe dar aos homens o alimento intelectual à medida que eles estão em condições de absorvê-lo. Trabalhai sobretudo por vosso adiantamento moral, que é o essencial, porque é por esse caminho que merecereis possuir novas luzes.”
Nós somos dessa opinião. Pensamos, até, que haveria mais inconvenientes do que vantagens em vulgarizar prematuramente uma crença que, nas mãos da ignorância, poderia degenerar em abuso e práticas supersticiosas, por falta do contrapeso de uma teoria racional.
O princípio da concordância das datas é, pois, inteiramente hipotético; mas se nada é ainda permitido afirmar a esse respeito, a experiência demonstra que, na Natureza, muitas coisas estão subordinadas a leis numéricas, suscetíveis do mais rigoroso cálculo. Este fato, de uma grande importância, talvez possa um dia lançar a luz sobre a primeira questão. É assim, por exemplo, que as chances do acaso são submetidas, em seu conjunto, a uma periodicidade de admirável precisão; a maior parte das combinações químicas para a formação dos corpos compostos dão-se em proporções definidas, e isto significa que é necessário um determinado número de moléculas de cada um dos corpos elementares, e que uma molécula a mais ou a menos muda completamente a Natureza do corpo composto (vide A Gênese, Cap. X, itens 7 e seguintes); a cristalização se opera sob ângulos de uma abertura constante; em Astronomia, os movimentos e as forças seguem progressões de um rigor matemático, e a mecânica celeste é tão exata quanto a mecânica terrestre; dá-se o mesmo com a reflexão dos raios luminosos, calóricos e sonoros; é em cálculos positivos que são estabelecidas as possibilidades de sobrevivência e os riscos de mortalidade nos seguros.
É certo, pois, que os números estão na Natureza e que leis numéricas regem a maior parte dos fenômenos de ordem física. Dá-se o mesmo nos fenômenos de ordem moral e metafísica? É o que seria presunção afirmar, sem dados mais precisos do que aqueles que possuímos. Esta questão, aliás, levanta outras que têm a sua importância, e sobre as quais julgamos útil apresentar algumas observações de um ponto de vista geral.
Levando-se em consideração que uma lei numérica rege os nascimentos e a mortalidade das criaturas, não poderia dar-se o mesmo, porém numa escala mais vasta, para as individualidades coletivas, tais como as raças, os povos, as cidades etc.? As fases de sua marcha ascendente, de sua decadência e de seu fim; as revoluções que marcam as etapas do progresso da Humanidade, não estariam sujeitas a uma certa periodicidade? Quanto às unidades numéricas para o cômputo dos períodos da história da Humanidade, se não são os dias nem os anos nem os séculos, poderiam eles ter por base as gerações, como alguns fatos tenderiam a fazêlo supor.
Aí não está um sistema; é ainda menos uma teoria, mas uma simples hipótese, uma ideia baseada numa probabilidade, e que um dia poderá servir de ponto de partida para ideias mais positivas.
Mas, perguntarão, se os acontecimentos que decidem a sorte da Humanidade, de uma nação, de uma tribo, têm seus prazos regulados por uma lei numérica, é a consagração da fatalidade e, então, em que se torna o livre-arbítrio do homem? Então o Espiritismo estaria errado quando diz que nada é fatal e que o homem é o senhor absoluto de suas ações e de sua sorte?
Para responder a esta objeção, há que tomar a questão de mais alto. Digamos, para começar, que o Espiritismo jamais negou a fatalidade de certas coisas, e que, ao contrário, sempre a reconheceu. Mas ele diz que essa fatalidade não entrava o livrearbítrio. Eis o que é fácil de demonstrar.
Todas as leis que regem o conjunto dos fenômenos da Natureza têm consequências necessariamente fatais, isto é, inevitáveis, e essa fatalidade é indispensável à manutenção da harmonia universal. O homem, que sofre essas consequências, está, pois, sob alguns aspectos, submetido à fatalidade, em tudo quanto não depende de sua iniciativa. Assim, por exemplo, ele deve morrer fatalmente: é a lei comum, à qual ele não pode subtrair-se e, em virtude dessa lei, ele pode morrer em qualquer idade, quando chegar a sua hora; entretanto, se ele voluntariamente apressa a sua morte, pelo suicídio ou por seus excessos, age em virtude de seu livre-arbítrio, pois ninguém pode constrangê-lo a praticar esse ato. Ele deve comer para viver: é a fatalidade; mas se ele come além do necessário, pratica um ato de liberdade.
Em sua cela, o prisioneiro é livre de mover-se à vontade, no espaço que lhe é concedido, mas as paredes que não pode transpor são para ele a fatalidade que lhe restringe a liberdade. A disciplina é para o soldado uma fatalidade, pois o obriga a atos independentes de sua vontade, mas ele não é menos livre em suas ações pessoais, pelas quais é responsável. Assim é com o homem na Natureza. A Natureza tem as suas leis fatais, que lhe opõem uma barreira, mas aquém da qual ele pode mover-se à vontade.
Por que Deus não deu ao homem uma liberdade completa? Porque Deus é como um pai previdente, que limita a liberdade de seus filhos ao nível do seu raciocínio e do uso que dela podem fazer. Se os homens já se servem tão mal da que lhes é concedida, se não sabem governar-se a si mesmos, que seria se as leis da Natureza estivessem à sua disposição, e se não lhes opusessem um freio salutar?
O homem pode, pois, ser livre em suas ações, a despeito da fatalidade que preside o conjunto; ele é livre numa certa medida, no limite necessário para lhe deixar a responsabilidade de seus atos. Se, em virtude dessa liberdade, ele perturba a harmonia por um mal que faz; se ele põe um obstáculo na marcha providencial das coisas, ele é o primeiro a sofrer as consequências disso, e como as leis da Natureza são mais fortes do que ele, acaba sendo arrastado na corrente; então ele sente a necessidade de retornar ao caminho do bem, e tudo retoma o seu equilíbrio, de sorte que a volta ao bem é ainda um ato livre, posto que provocado, nas não imposto pela fatalidade.
O impulso dado pelas leis da Natureza, bem como os limites que elas estabelecem, são sempre bons, porque a Natureza é obra da sabedoria divina. A resistência a essas leis é um ato de liberdade e essa resistência sempre atrai o mal. Sendo o homem livre para observar ou infringir essas leis, no que se refere à sua pessoa, é, pois, livre de fazer o bem ou o mal. Se ele pudesse ser fatalmente levado a fazer o mal, e não podendo essa fatalidade vir senão de um poder a ele superior, Deus seria o primeiro a infringir as suas leis.
A quem não ocorreu muitas vezes dizer: “Se eu não tivesse agido como agi em tal circunstância, não estaria na posição em que estou; se eu tivesse que recomeçar, agiria de outra maneira?” Não é reconhecer que tinha liberdade para fazer ounão fazer? Que estava livre para fazer melhor, se se apresentasse outra oportunidade? Ora, Deus, que é mais sábio do que ele, prevendo os erros nos quais ele pode cair e o mau uso que ele poderia fazer de sua liberdade, dá-lhe indefinidamente a possibilidade de recomeçar, pela sucessão de suas existências corporais, e ele recomeçará até que, instruído pela experiência, não mais erre o caminho.
O homem pode, portanto, conforme a sua vontade, apressar ou retardar o termo de suas provas, e é nisto que consiste a liberdade. Agradeçamos a Deus não nos ter fechado para sempre o caminho da felicidade, decidindo a nossa sorte definitiva após uma existência efêmera, notoriamente insuficiente para chegar ao topo da escada do progresso, e de nos haver dado, pela própria fatalidade da reencarnação, os meios de progredir incessantemente, renovando as provas nas quais fracassamos.
A fatalidade é absoluta para as leis que regem a matéria, porque a matéria é cega; ela não existe para o Espírito que é, ele próprio, chamado a reagir sobre a matéria, em virtude de sua liberdade. Se as doutrinas materialistas fossem verdadeiras, elas seriam a mais formal consagração da fatalidade, porque se o homem fosse apenas matéria, não poderia ter iniciativa. Ora, se lhe concedeis iniciativa, seja no que for, é que ele é livre, e se é livre, é que tem em si algo além da matéria. Sendo o materialismo a negação do princípio espiritual, é, por isso mesmo, a negação da liberdade. E ─ contradição bizarra! ─ os materialistas, aqueles mesmos que proclamam o dogma da fatalidade, são os primeiros a dela tirar partido; a constituir-se senhores de sua liberdade; a reivindicá-la como um direito, na sua mais absoluta plenitude, junto aos que a restringem, e isto sem suspeitar que significa reclamar o privilégio do Espírito e não da matéria.
Aqui se apresenta outra questão. A fatalidade e a liberdade são dois princípios que parecem excluir-se. A liberdade da ação individual é compatível com a fatalidade das leis que regem o conjunto, e essa ação não vem perturbar a harmonia? Alguns exemplos tomados dos mais vulgares fenômenos da ordem material deixarão evidente a solução do problema.
Dissemos que as chances do acaso se equilibram com uma surpreendente regularidade. Com efeito, há um resultado muito conhecido no jogo do vermelho e preto que, a despeito da irregularidade de saída a cada lançamento, as cores são em número igual ao cabo de certo número de jogadas; isto significa que em cem jogadas haverá cinquenta vermelhos e cinquenta pretos; em mil, quinhentos de uma e quinhentos de outra, com uma diferença de poucas unidades. Dá-se o mesmo com os números pares e ímpares e com todas as chances ditas duplas. Se, em lugar de duas cores, houver três, haverá um terço de cada; se forem quatro, um quarto etc. Muitas vezes a mesma cor sai em séries de duas, três, quatro, cinco, seis vezes seguidas; num certo número de jogadas haverá tantas séries de duas vermelhas quanto de duas pretas; tantas de três vermelhas quanto de três pretas, e assim por diante. No entanto, as jogadas de duas serão 50% menos numerosa do que as de uma; as de três, um terço das de uma; as de quatro, um quarto etc.
Nos dados, como estes têm seis faces, jogando-o sessenta vezes, chegar-se-á a dez vezes um ponto, dez vezes dois pontos, dez vezes três pontos e assim com os outros.
Na antiga loteria da França havia noventa números colocados numa roleta. Sorteava-se cinco de cada vez. Nos registros de vários anos constatou-se que cada número havia saído na proporção de um nonagésimo e cada dezena na proporção de um nono.
A proporção é tanto mais exata quanto mais considerável o número de jogadas. Em dez ou vinte jogadas, por exemplo, pode ser muito desigual, mas o equilíbrio se estabelece à medida que aumenta o número, e isto com uma regularidade matemática. Sendo isto um fato constante, é bem evidente que uma lei numérica preside a essa repartição, quando abandonada a si mesma, e que nada vem forçá-la ou entravá-la. O que se chama acaso está, pois, submetido a uma lei matemática, isto é, não há acaso. A irregularidade caprichosa que se manifesta em cada jogada, ou num pequeno número de jogadas, não impede a lei de seguir o seu curso, de onde pode-se concluir que há nessa repartição uma verdadeira fatalidade, mas essa fatalidade que preside ao conjunto é nula, ou pelo menos inapreciável, para cada jogada isolada.
Estendemo-nos um pouco no exemplo dos jogos, porque é um dos mais chocantes e dos mais fáceis de verificar, pela possibilidade de multiplicar os fatos à vontade, em curto espaço de tempo. E como a lei ressalta do conjunto dos fatos, foi essa multiplicidade que permitiu reconhecê-la, sem o que é provável que ainda a ignorássemos.
A mesma lei pôde ser observada com precisão nas chances de mortalidade. A morte, que parece ferir indistintamente e às cegas, não segue menos, em seu conjunto, uma marcha regular e constante, segundo a idade. Sabemos perfeitamente que de mil indivíduos de todas as idades, em um ano morrerão tantos de um a dez anos, tantos de dez a vinte, tantos de vinte a trinta, e assim por diante; ou então que após um período de dez anos, o número dos sobreviventes será de tantos de um a dez anos, tantos de dez a vinte etc. Causas acidentais de mortalidade podem momentaneamente perturbar esta ordem, como no jogo a saída de uma longa série da mesma cor rompe o equilíbrio. No entanto, se em vez de um período de dez anos ou de um número de mil indivíduos, estendermos a observação a cinquenta anos e a cem mil indivíduos, encontraremos o equilíbrio restabelecido.
De acordo com isto, é permitido supor que todas as eventualidades que parecem efeito do acaso, na vida individual, bem como na dos povos e da Humanidade, são regidas por leis numéricas, e que o que falta para reconhecê-las é poder abarcar de um golpe de vista uma massa bastante considerável de fatos, e um lapso de tempo suficiente.
Pela mesma razão, nada haveria de absolutamente impossível que o conjunto dos fatos de ordem moral e metafísica fosse igualmente subordinado a uma lei numérica, cujos elementos e as bases, até agora, nos são totalmente desconhecidos. Em todo o caso, vê-se, pelo que precede, que essa lei, ou, se preferirem, essa fatalidade do conjunto, de modo algum eliminaria o livre-arbítrio. É o que nos tínhamos proposto demonstrar. Não se exercendo o livre-arbítrio senão sobre pontos isolados de detalhe, ele não entravaria o cumprimento da lei geral, assim como a irregularidade da saída de cada número não entravaria a repartição proporcional desses mesmos números sobre um certo número de jogadas. O homem exerce o seu livre-arbítrio na pequena esfera de sua ação individual; esta pequena esfera pode estar em desalinho, sem que isto a impeça de gravitar no conjunto segundo a lei comum, assim como os pequenos remoinhos causados nas águas de um rio, pelos peixes que se agitam, não impedem a massa das águas de seguir o curso forçado que lhes imprime a lei de gravitação.
Tendo o homem o livre-arbítrio, em nada entra a fatalidade em suas ações individuais; quanto aos acontecimentos da vida privada, que por vezes parecem atingi-lo fatalmente, eles têm duas causas bem distintas: uns são consequência direta de sua conduta na existência presente; muitas pessoas são infelizes, doentes, enfermas por sua culpa; muitos acidentes são resultado da imprevidência; ele não pode queixar-se senão de si mesmo, e não da fatalidade ou, como se diz, de sua má estrela. Os outros são inteiramente independentes da vida presente e parecem, por isto mesmo, devidos a uma certa fatalidade. Mas, ainda aqui o Espiritismo nos demonstra que essa fatalidade é apenas aparente, e que certas posições penosas da vida têm sua razão de ser na pluralidade das existências. O Espírito as escolheu voluntariamente na erraticidade, antes de sua encarnação, como provações para o seu adiantamento. Elas são, pois, produto do livre-arbítrio, e não da fatalidade. Se algumas vezes são impostas como expiação, por uma vontade superior, é ainda por força das más ações voluntariamente cometidas pelo homem em existência precedente, e não como consequência de uma lei fatal, porquanto ele poderia tê-las evitado, agindo de outro modo.
A fatalidade é o freio imposto ao homem por uma vontade superior a ele, e mais sábia que ele, em tudo o que não é deixado à sua iniciativa. Mas ela jamais é um entrave ao exercício de seu livre-arbítrio, no que toca às suas ações pessoais. Ela não pode impor-lhe nem o mal nem o bem. Desculpar uma ação má qualquer pela fatalidade ou, como se diz muitas vezes, pelo destino, seria abdicar a capacidade de discernimento que Deus lhe deu para pesar o pró e o contra, a oportunidade ou a falta de oportunidade, as vantagens e os inconvenientes de cada coisa. Se um acontecimento está no destino de um homem, ele realizar-se-á, a despeito de sua vontade, e será sempre para o seu bem, mas as circunstâncias da realização dependem do emprego que ele faça de seu livre-arbítrio, e muitas vezes ele pode reverter em seu prejuízo o que deveria ser um bem, se agir com imprevidência, e se se deixar arrastar pelas suas paixões. Ele se engana mais ainda se toma o seu desejo ou os desvios de sua imaginação por seu destino. (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. V, itens l a 11).
Tais são as reflexões que nos sugeriram os três ou quatro pequenos cálculos de concordância de datas que nos foram apresentados, e sobre os quais nos pediram conselho. Elas eram necessárias para demonstrar que em semelhante matéria, de alguns fatos idênticos não se podia concluir por uma aplicação geral. Aproveitamolos para resolver, por novos argumentos, a grave questão da fatalidade e do livrearbítrio.
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