Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1869

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Capítulo 6

Novembro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Novembro


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Permiti-me, senhores, solicitar por alguns instantes a vossa atenção. Ocupai-vos muito do Espírito de vossos inferiores na Natureza, desses pequenos seres bastante inteligentes para tornar popular a crença, hoje admitida por expressivo número de grandes Espíritos, que na escala ascendente das criações o homem é o topo, depois de ter passado por todos os graus hierárquicos dos seres.

Por minha vez, aqui prestarei homenagem às Harmonias [Harmonices mundi, Ioannis Keppleri] de Kepler, o sábio predestinado que, a bem dizer, concebeu e ditou às gerações futuras os fundamentos inquebrantáveis das leis que hoje guiam os pesquisadores conscienciosos.

A princípio eu vivia custosamente do meu trabalho; depois, chegando as facilidades, pude estudar e aprender. Por companheira, eu tinha uma mulher doce e inteligente e, sem filhos, esperávamos os cabelos branquearem com tranquilidade. Quando minha esposa morreu, eu tinha sessenta anos; minha tristeza era tão grande que, sempre solitário com minhas lembranças, eu percorria os grandes bosques que rodeiam Mézières; queria morrer e não podia.

Certo dia, caiu um pássaro aos meus pés, um pequeno gaio. Meu primeiro impulso foi apanhá-lo do chão, aquecê-lo, reanimá-lo; e, com efeito, o pobre animalzinho logo se tornou grande, gentil e, tanto quanto possível, engraçado. Seguia-me por toda parte, parecia adivinhar o meu pensamento. Se eu estava triste, encostava-se em mim, fazia mil caretas e dava mil gritos estranhos, forçando-me a rir. Diante de uma visita, era ameaçador. Seguia-me na jardinagem, esmigalhando a terra e rejeitando os calhaus. À mesa, reclamava sua provisão com insistência e cantava ou imitava o canário, a toutinegra, o gato, o cão, etc.…

Que quereis? Os dias tão tristes para mim se tornavam alegres, e este amiguinho, esta singular providência, animava-me interiormente. Fez-me amar a vida e pensar que Deus punha sempre ao nosso alcance uma compensação às nossas penas. Como vós, pensava que o animal devia ser tratado como amigo, como comensal, e que a última palavra do egoísmo e do orgulho humanos devia ser destruído pelo ensino que o vosso venerado mestre procurava propagar. Esta ideia consoladora tornou-se uma certeza e dela fiz o objeto de meus estudos prediletos. Nessas leituras eu encontrava amigos entre os comentadores e os filósofos; e se hoje valho alguma coisa no mundo dos invisíveis, sem nenhuma dúvida o devo à minha gralha, atirada brutalmente do ninho por algum inimigo malévolo de sua raça.

Por vezes as pequenas causas produzem grandes efeitos. Eu procurava a morte e encontrei a vida radiante e plena das promessas sedutoras e verdadeiras da erraticidade.


Sylvestre.


Observação. – Durante a sessão na qual esta comunicação foi obtida, discutiu-se a notável obra de Kepler sobre as Harmonias dos Mundos, algumas de cujas passagens foram lidas e comentadas por um dos presentes. Sem dúvida é a este incidente que o Espírito faz alusão.

Sentimo-nos felizes por anunciar que a obra de Kepler, cuja tradução está muito avançada, será publicada num futuro próximo. Nós nos propomos a fazer a sua análise minuciosa na Revista e assinalar particularmente aos nossos leitores um grande número de capítulos em que a maior parte dos problemas espíritas é tratado com uma elevação de pensamento e um poder de lógica capaz, quem sabe, de atrair seriamente a atenção do mundo erudito sobre a nossa filosofia.






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