Grilhões Partidos

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CAPÍTULO 14
Ilustração tribal

NOVAS DIRETRIZES


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"Para preservá-lo das enfermidades, fortifica-se o corpo; para garantia contra a obsessão, tem-se que fortalecer a alma; donde, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar por se melhorar a si próprio, o que as mais das vezes basta para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de terceiros.

Necessário se torna este socorro, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque nesse caso o paciente não raro perde a vontade e o livre arbítrio. " "A GÊNESE" — Capítulo 14o — Item 46.

Graças à orientação salutar do Cel. Epaminondas Sobreira, através de oportunos esclarecimentos e leituras bem sugeridas, ampliavam-se os horizontes do matrimônio Santamaria, que descobria na Codificação Kardequiana uma fonte inexaurível de iluminação e conforto espiritual. A instâncias do amigo dedicado, o pai de Ester aquiesceu abrir a mente ao estudo sistemático do Espiritismo, inaugurando o Culto do Evangelho no Lar, como passo inicial para novos cometimentos, face à decisão de utilizar a terapêutica espírita, no doloroso processo em que se debatia a enferma querida.

Desse modo, acertou-se a programação adequada que consistiria no encontro semanal, em dia e hora adrede marcados para comentários edificantes em família à luz libertadora dos ensinos de Jesus. D. Margarida, a seu turno, desde o momento em que recebera os esclarecimentos dos Sobreiras, passou a registrar no íntimo ignotas emoções.


Da angústia e perplexidade em que se debatia semivencida, passou a singular estado de esperança e otimismo, qual se o espírito dorido antecipasse,

precognitivamente, alegrias a que já se desacostumara. Motivada pelas palestras relevantes e face à inauguração do programa evangélico, na intimidade doméstica, deu aspecto festivo ao lar, desde há muito mergulhado em sombras de funesta aflição.

Providenciou vasos guardados e arranjos florais, removendo armários em busca de valiosa toalha bordada com que adornou a mesa da sala de refeições, reaberta especialmente para a ocasião, sem ocultar a expectativa ditosa.

Graças ao novo estado da alma, hauria energias vitalizadoras que lhe dispensava o seu Espírito-Guia, igualmente felicitado pelas perspectivas em delineamento na família.

Às 19:30 - horas chegaram os Sobreiras, que se faziam acompanhar do Tenente-Coronel Joel e mais três amigos, que apresentaram, bondosamente, aos gentis anfitriões.

— Rogo desculpas — apressou-se, justificando-se, o Coronel Epaminondas — por haver ampliado o convite para o encontro desta noite, a queridos confrades do nosso círculo de fé, do "Francisco de Assis", igualmente interessados na recuperação de Ester.

—Não há por que apresentar explicações — assentiu, cortês, o Cel.

Santamaria — uma vez que esta casa é perfeita continuação do seu lar, que hoje se honra em receber tão gratas personagens.

—Apresento-lhe, caro Constâncio — prosseguiu o visitante —o Dr. e senhora Gilvan de Albuquerque, abnegado médico, residente em Botafogo, bem assim a sua tutelada Rosângela, que é auxiliar de Enfermagem, no Sanatório da Praia Vermelha...

O anfitrião não pôde ocultar a surpresa, defrontando Rosângela. Pela mente reviveu a cena desagradável em que fora protagonista infeliz, quando a jovem o buscara com manifesta simpatia pela filha.

Parecia que os Céus apresentavam-lhe ensejo ditoso de reparar o procedimento a que se deixara conduzir pela animosidade gratuita que mantinha em relação ao Espiritismo.


Demonstrando satisfação ante a chegada de novos amigos, elucidou, sincero:

— Hoje o Senhor penetra realmente no meu lar, porquanto me confere o ensejo de desculpar-me com a senhorita pela indelicadeza e incivilidade com que a tratei noutra oportunidade, aqui mesmo...

Sua religião, de fato, é pauta de nobre conduta, promovendo-a ao perdão espontâneo, conforme o atesta, retornando a esta casa que, doravante, é também sua.

A voz traía-lhe a emoção.

— Sou eu quem vos roga perdão, senhor Coronel — acudiu a jovem embaraçada — pela forma como agi, extemporânea, desajeitadamente.

Apertaram-se as mãos, fraternalmente, enquanto dona Margarida os convidava a todos adentrarem-se, tomando assentos confortáveis para a conversação.

A palestra generalizou-se, cordial e franca, agradável e edificante sobre assuntos vários e rápidos.

Às 20:00, delicadamente, o Cel.

Sobreira solícitou permissão para dar início ao labor a que se propunha, sendo convidado bem como os demais pelo dono da casa, à sala de refeições onde tomaram lugar.

O prestimoso amigo trouxera consigo um exemplar de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", de Allan Kardec, cujo volume deixava perceber as iniludíveis marcas do demorado e contínuo uso, pelo trabalhador fiel do Cristo que nele mergulhava o pensamento em constantes e emocionadas reflexões luminíferas.

Convidado à oração, o médium Joel, visivelmente emocionado, exorou as bênçãos divinas para o grupo e em particular para aquele lar, incluindo a alienada distante, cujo nome, enunciado com carinho, produziu impacto forte nos genitores ora contritos.

A emoção generalizada e sob controle de cada um traduzia as intenções superiores que a todos sustentavam, no empreendimento cristão em começo.

O ambiente, a pouco e pouco, semelhando-se às primitivas células cristãs, impregnou-se de vibrações saturadas de paz que penetrava almas e corações, irmanando-os todos em fortes vínculos de afeto espiritual.

No silêncio natural que se fez, o diretor abriu "O Evangelho", conduzido pela intangível mão do Mentor Espiritual do grupo e leu com bem modulada voz, do Capítulo número 11o, "Amar o próximo como a si mesmo", as oportunas páginas de Emmanuel e Pascal intituladas: "O egoísmo".


Concluída a leitura e seguramente inspirado, o Coronel Epaminondas considerou:

— De relevante oportunidade a lição a que fomos guiado, neste momento, porquanto o egoísmo é a causa matriz de incontáveis desastres morais e sofrimentos que irrompem por toda parte. "Compreendessem os homens a própria fraqueza e limitação, portanto, a necessidade de se ajudarem mutuamente, e diversas seriam as paisagens espirituais da Terra... Graças à formação social deficiente e à educação moral mal dirigida, cultivam-se os sentimentos perniciosos em detrimento dos superiores impulsos da vida nobre. Açulam-se paixões nos jogos competitivos, nos quais, nem sempre, o valor recebe o prêmio de melhor, derrapando-se em sucessivos lances de audácia que se transfere da infância à juventude, à madurez, à velhice sob as constritoras molas da avareza vitalizada pelos instintos inferiores predominantes. "Os pais, de cedo, pensam no triunfo dos filhos, envenenando-os com os tóxicos da egolatria, esquecidos de os preparar convenientemente para a vida. Vêem na progenitura os futuros herdeiros da Terra, os triunfadores, nem sempre se preocupando com os métodos com que triunfem ou armando-os moralmente para viver com decência em qualquer circunstância, portanto, mais importante, do que dominarem sem os recursos mínimos exigíveis para o autodomínio.


Reflexionou por um pouco e prosseguiu:

— Pequeninos títeres, atravessam a infância sem a competente disciplina, desculpados nos erros e gravames em que se estribam, desenvolvendo aptidões negativas e negligenciados na cultura dos valiosos tesouros morais e espirituais com que se alçariam às tarefas e funções retificadoras para as quais reencarnaram.

O egoísmo neles se avulta, incorporando-se à personalidade como câncer cruel em metástase devoradora. Surge e reaparece em diversas expressões, agigantando-se em terríveis flagícios individuais e coletivos de que padece hoje toda a Humanidade... "Ira, ciúme, inveja, rebeldia, usura, concupiscência, ódio; são algumas das reações desse adversário implacável que vige em todos nos.

Vítimados mais de uma vez pela sua insidiosa dominação, renascemos para vencê-lo e quase sempre repetimos os mesmos enganos, caindo-lhe nas malhas bem urdidas com que nos surpreende.


"Cultivássemos a fraternidade desinteressada de paixões, exercitássemos o amor, conforme nos ensinou Jesus e bem diversa seria a nossa posição no planeta. " Teleguiado pela mente superior que o inspirava, o palestrante fez uma pausa e logo deu curso à edificante lição:

— Lamentavelmente não cessam na Terra as implicações do egoísmo. Imanado às aspirações do Espírito, prossegue em comando além das fronteiras de cinzas do túmulo, em atitude de rebeldia, quando o Desencarnado surpreende o fracasso, entregando-se a nefasta posição mental, de que só a dolorosos penates consegue libertar-se.

Surgem inditosas injunções conscienciais, padecimentos insuportáveis e resoluções extremas que o desgastam e desgraçam. "Obsessões de longo curso têm lugar, em processos nefandos de perseguições improcedentes, porque se sentem tais Espíritos mesquinhos, depreciados, usurpados em direitos que, verdadeiramente, não lhes pertencem, como traídos, transferindo para os outros responsabilidades que lhes competiam desenvolver e não souberam ou quiseram assumir... A seu turno, os que lhes padecem as vergastadas, ao invés de se elevarem pela oração e paciência, sintonizam, atraVés de reações eloquentes, em que o ódio, a insensatez e o desespero pelas vaidades feridas, se dão as mãos, conjugando forças para as batalhas contínuas da desdita. - E enquanto o amor não luariza os litigantes, portadores ou não de razões, desde que a verdadeira razão pertence a Nosso Pai, o conúbio obsessivo prossegue indefinidamente.

Não é o que vemos a cada passo? Todos nos julgamos vítimas uns dos outros. Ninguém deseja disputar a honra de servir e desculpar, antes nos esforçamos por ser ou parecer pior, mais poderoso na arte de esgrimir e sustentar as posições mentais e morais inferiores. "Ao clarão, porém, do Cristo, — que jamais se escusava; não repelia aquele que O buscava, fosse quem fosse: socorria assim a mulher adúltera, como o criminoso, a todos concedendo oportunidade para reabilitar-se — modificar-se-ão as contingências e situações, surgindo a antemanhã do Mundo Melhor que todos anelamos. "Não descuremos, pois, de combater, com todas as forças, esse verdugo de nossa paz e felicidade, que é o feroz egoísmo. "Se alguém nos fere — a Lei nos faz justiça; se nos perseguem ou prejudicam, se há dor ou necessidade, não nos consideremos infelizes, inocentes supliciados... Talvez soframos em um setor ou atividade em que não possuímos débitos, devendo, porém, na contabilidade Divina, onerosos estipêndios morais que nos chegam em abençoadas ensanchas para resgatar.

Alegremo-nos e desincumbâ-mo-nos dos fardos afligentes, pensando nos a quem prejudicamos e ajudando-nos, senão com outros valores, através das nossas ações relevantes, da humildade, da paciência e da resignação, que constituem eficientes antídotos ao egoísmo. "Jesus fará por nós o que nos não seja possível realizar. " Quando silenciou todos estavam imersos em compreensíveis meditações.

Instados bondosamente pelo dirigente, os membros do Círculo de oração trouxeram apontamentos valiosos, generalizando-se os edificantes comentários propiciadores de valiosas anotações e convivência benéfica para todos.


Por fim, o anfitrião, algo canhestramente, opinou a respeito do tema em discussão, apresentando expressivas informações:

— Cultor do egoísmo, tenho sido vítima de mim mesmo, estribado em orgulhos vãos, que agora sou compelido a examinar para um inadiável processo de expurgo, a mim próprio benéfico..."Em relação mesmo à Revelação Espírita ou à problemática que nos envolve com a enfermidade da filha, padecendo de amor-próprio ferido, jamais duvidei de Deus...

Acostumado, porém, a supor-me merecimentos inexistentes, reagia contra Ele, revoltado. Pobre verme que sou! Percebo, então, que o egoísmo se veste de ilusão para melhor apropriar-se de a quem domina. "Esclarecido sobre os valores espirituais, não obstante seja imensa a minha ignorância no assunto, vislumbro já algumas luzes.

Tinha flébil a voz.

Os olhos de dona Margarida, nublados, traíam a emoção daquela hora, ante a confissão do esposo.


Ele continuou:

— Sentimentos desencontrados me hão atormentado em relação à filha. Identifico que a grande mágoa de que padeço não étão-somente de sofrimento por Ester, mas autocomiseração, decepção pela vida que me surpreendeu de forma amarga, que eu considerava até aqui injusta.

Amor e raiva, piedade e revolta alternavam-se em meu espírito sob fardo insuportável... Agora começo a ver melhor.

injunções pretéritas nos amarram uns aos outros, obrigando-rios a arrebentar as algemas do egoísmo. "Esperava, em razão dos esclarecimentos do Sobreira, a provável cura ou melhora de Ester, sem maiores comprometimentos de minha parte.

Era o método simplista e astucioso do cômodo egoísmo que eu cultivo. "Melhor razão me conscientiza, à medida que leio e medito. Sem dúvida, que aspiro à saúde, à paz da filha, no entanto, reconheço que sou mais doente do que ela, que só padece da mente, enquanto eu estou sobrecarregado no espírito com as mazelas que causam aqueles e outros distúrbios insidiosos quão prejudiciais...À semelhança do cego de Jericó: agora vejo!".


Tinha os olhos úmidos. Por fim, solicitei:

— Que nos perdoe o Senhor: a minha mulher e a mim, que temos marchado em círculos de agonia, e nos desculpem os amigos a insipiência e ignorância, ajudando-nos com a sua amizade e compreensão fraternal.

Dona Margarida levantou-se e abraçou o esposo, osculando-lhe a testa.

O gesto espontâneo, comovido, produziu imenso bem-estar no consorte sofrido, longamente estremunhado.

Dando curso ao ministério evangélico, o diretor procedeu às rogativas intercessórias e vibrações, pedindo a Joel aplicasse passes em todos, após o que encerrou a reunião.

Transcorrera apenas uma hora, em cujo período se abriam as portas de mais um lar à comunhão com o Mundo Espiritual, em plena integração com os ditames evangélicos.

A conversação jovial teve curso, enquanto a anfitrioa servia, agradecida, alguns doces e refrescos.

Logo depois, despediram-se os visitantes, deixando o lar imerso em psicosfera diferente da habitual.

Cristo fora convidado a voltar àquela família.



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