Grilhões Partidos
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BÊNÇÃOS DA FRATERNIDADE
"Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos; suprem, nestes últimos, a falta de órgãos materiais pelos quais transitam suas instruções. Daí vem o serem dotados de faculdades para esse efeito. Nos tempos atuais, de renovação social, cabe-lhes uma missão especialíssima; são árvores destinadas a fornecer alimento espiritual a seus irmãos; multiplicam-se em número, para que abunde o alimento; háos por toda a parte, em todos os países, em todas as classes da sociedade, entre os ricos e os pobres, entre os grandes e os pequenos, a fim de que em nenhum ponto faltem e a fim de ficar demonstrado aos homens que todos são chamados. " "O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO" — Capítulo 19o — Item 10.
No dia imediato, ao despertar, o Coronel Constâncio, antes da refeição, informou à esposa que sonhara com Ester, não conseguindo, porém, recordar com precisão detalhes que encadeassem o acontecido. Semelhavam-se a clichês rápidos que lhe afloravam à mente, desordenados. Tranquilidade inusitada, porém, dominava-o interiormente, misturada a lembranças felizes, imprecisas, que lucilavam na mente.
Experimentava a sensação de haver dormido toda a noite, entretanto, parecia-lhe havê-la passado em confabulação demorada, num recinto algo sombrio onde diversas pessoas se encontravam, incluindo a filhinha mortificada.
Ao recordar-se da obsessa, nublaram-se-lhe de lágrimas os olhos claros. Dona Margarida, atenciosa, comovendo-se, acentuou:
— Tenho a certeza de que visitamos nossa menina... Durante a madrugada, inesperadamente despertei, sentindo-me retornar de abençoada excursão ao Hospital, amparada por seres angélicos, que nos guiavam e inspiravam. Pude vê-los, ainda, como a desaparecerem, interpenetrando parede afora do quarto.
Permaneci meditando, recordando e experimentei tão grande felicidade interior como jamais fruíra nos últimos anos... Creio, sim, que estivemos com Ester, ajudados pelos Espíritos Superiores, que representam Jesus atendendo a nossas preces e dores.
Seus olhos brilhavam, também, mergulhados em pranto que não escorria.
Os esposos se tomaram as mãos e a senhora, comovida, balbuciou uma oração simples quão profunda de louvor e gratidão.
Os dias passavam lentos para a ansiedade dos envolvidos na trama redentora.
O tempo era preenchido por leitura salutar, aprofundando a meditação e o estudo nas incomparáveis páginas de Allan Kardec, em "O Livro dos Espíritos", com que o amigo Sobreira brindara o colega de armas.
O conteúdo incomum quão precioso da Obra facultava ao neófito das Verdades Eternas entranhando deslumbramento, ensejando-lhe valorizar a ensancha inditosa que acarretava sofrimento, graças à qual, porém, lhe caíam as vendas do entendimento, concedendo-lhe a visão dos horizontes infinitos da esperança sem limite, da alegria sem receios, da sabedoria sem inquietações.
Atraído pelas informações espirituais dantes jamais suspeitadas, lendo e comentando com a esposa que o seguia afervorada, lamentava o tempo passado na ignorância da preciosa Doutrina e confessava a falência do orgulho, do materialismo e seus sequazes no defrontar com o Espiritismo.
Os Sobreiras, quanto lhes permitiam os compromissos, visitavam-nos e dona Mercedes, por telefone, cada dia saudava a nova consóror, emulando-a ao prosseguimento confiante nas tarefas ora encetadas com afinco.
Nos dias aprazados realizavam o Culto Evangélico no Lar com que hauriam ânimo robustecido e iluminação interior. Simultaneamente passaram a participar das sessões de estudo doutrinário, duas vezes por semana, na Sociedade Espírita "Francisco de Assis", de cujo valioso aprendizado mais se lhes aguçava a sede de saber, adquirindo respostas para as mil indagações, dúvidas e interrogações que se lhes multiplicavam surpreendentemente como sói acontecer com todos os que travam relações com o Consolador.
Os apontamentos felizes expostos pelos divulgadores da Mensagem Espírita, vazados em linguagem simples, no entanto, profunda, quão clara, fascinavam os novos simpatizantes do Espiritismo, que, em cada conceito, descobriam rumos novos e material para mais dilatadas considerações, que os empolgavam. É certo que anelavam a cura da filha, sua libertação, sem embargo, porém, compreendiam os impositivos superiores da vida, passando a considerar os acontecimentos sob o ponto de vista espiritual, sem os limites terrificadores das nesgas materiais, que entorpecem o discernimento e rebelam a razão.
Naquela Casa encontraram um mundo novo, estranho: o da fraternidade, onde a esperança emoldura as almas de resignação e a caridade agiganta os seus felizes servidores.
Tinham a impressão de que o grupo formava uma única família e os recém-chegados eram recebidos como membros queridos, ainda não conhecidos...
Sem a curiosidade perniciosa nem a indiscrição perturbadora, todos demonstravam amizade cordial e espontânea, entretecendo conversação agradável sem as cargas danosas das queixas e das reclamações com que se comprazem a ociosidade e a rebeldia.
Os que lhes conheciam o fardo de dores, narravam as próprias esperanças, os frutos das alegrias recolhidas, interessando-se em ajudar mediante a prece, as vibrações salutares e a intercessão cristã.
Mundo novo, sim, o da afeição pura e do entendimento cordial, que deve ser a colmeia cristã em todo tempo e lugar.
O médium Joel, também sinceramente interessado, sempre que solicitado, com gentileza expunha opiniões, narrava experiências de formosas e consoladoras incursões mediúnicas de que fora partícipe, retirando valiosas conclusões doutrinárias que os animavam.
Dona Matilde Albuquerque, a benfeitora de Rosângela, fez-se amiga da sra.
Santamaria, ampliando o círculo de relações da sofrida consóror por meio de cuja afeição recolhia preciosos estímulos e encorajamento para a porfia no esforço saneador.
Nesse clima ameno de confiança, trabalhavam os 1nstrutores amoráveis os sentimentos dos recém-conversos, de modo a predispôlos para os tentames de maior envergadura.
Nenhum regime de exceção, nenhuma precipitação.
Em qualquer processo obsessivo, é de efeito superior a renovação e a conscientização dos envolvidos, do que resultam os primeiros benefícios imediatos, que são: o despertamento para as responsabilidades do espírito, o amor desinteressado, o perdão indistinto e o desejo honesto da inadiável reparação aos danos causados...
Encetado o esforço da melhoria de dentro para fora, mais fácil a liberação dos compromissos infelizes que engendram amargura e dor.
Por essa razão, nunca se devem desconsiderar as contribuições do estudo doutrinário, na terapêutica desobsessiva, não apenas por parte dos litigantes diretos como também do grupo familial, fortemente vinculado ao problema espiritual.
Sob a orientação do venerando Bezerra, foram programadas algumas sessões especiais de desobsessão para o "caso" Ester, sendo convidados a participarem das mesmas os progenitores, ao lado dos casais Sobreira, Albuquerque, dos médiuns Joel, Rosângela e mais dois colaboradores da Instituição.
Na noite escolhida, e pontualmente, à hora programada, todos os participantes compareceram ao recinto, devidamente preparados para o cometimento especial de alta importância para os sucessos em pauta.
Abertos os trabalhos, após a oração inicial proferida pelo Coronel Sobreira, destacado para a direção dos mesmos, que a enunciou com verdadeira unção, utilizando-se dos recursos psicofônicos de Rosângela, o Mentor adiantou algumas imprescindíveis orientações explicando quanto ao valor da cooperação de todos para o feliz desiderato do programa em curso.
Logo após, o médium Joel, servidor de vida ilibada, pela psicofonia inconsciente incorporou indigitada Entidade, que o convulsionava, espumejante.
Tratava-se do obsessor de Ester que fora trazido por abnegados Auxiliares do Diretor Espiritual.
Justo esclarecer que a Entidade fora removida desde a véspera, sem que se desarticulassem os liames que a atavam à vítima...
Simultaneamente, procedeu-se a imantação psíquica do desencarnado em sofrimento com o sensitivo programado para a terapêutica do esclarecimento.
Pela concentração profunda realizada pelo médium cônscio do seu ministério, e conduzido por Bezerra, o agressor tomou de assalto os recursos psicofônicos de Joel, que, de imediato se transfigurou, congestionando a face, modificando a postura...
Dava a impressão de ser outra pessoa, como em verdade ocorria, tal a brusca dominação do hóspede incorporado.
Disciplinado, porém, quanto evangelizado, seu espírito lúcido continuava semidesdobrado, ao lado, entre os operosos 1nstrutores Desencarnados, presto para qualquer interferência premente ou necessária.
Agressivo, vulgar, estorcegando-se na aparelhagem mediúnica que o limitava, e furioso, blasonou o Espírito:
— Sou invencível! Ninguém me alcançará nem me deterá.
Cobrarei lágrima por lágrima, desdita por desdita, e não saciarei minha sede de vingança. Tenho vertido pranto de lava sem qualquer refrigeração, e me encontro destroçado. "Num infinito de tempo, reunia os frangalhos com que desejava recomporme e via-os desfazer-se cem, mil vezes, sem cessar...
Enlouquecia e acordava para novamente desvairar... "E por quê? Porque fui traído...
Chegou, porém, minha hora de vingança, que apenas começa.
E gemia, chorava, despejando a vasa do ódio cultivado em imprecações violentas, chocantes.
Entrementes era socorrido por energias vigorosas que lhe aplicávamos por orientação Superior.
Necessário aquele mergulho nas vibrações, no magnetismo da mediunidade com Jesus, balsamizante, confortadora.
Nesse comenos, o doutrinador com voz pausada, doce e enérgica, se dirigiu ao tresloucado Espírito:
— Falas que és infeliz, no entanto, infelicitas; que cobras, todavia, pagas; que persegues, mas te apresentas perseguido em ti mesmo...
— Quem me interrompe? — interferiu a Entidade.
— Que tipo de cilada é esta?
— A cilada do amor.
Aqui estás para que percebas a fraqueza das tuas forças e a força da Misericórdia e Justiça Divinas.
— Não me venha com falatórios.
Estou informado desses falantes que se intrometem nos compromissos alheios, vestidos de cordeiros, e, entretanto, são lobos ladrões... Onde estou e que deseja de mim?
— Estás na Casa do Senhor da Vida e da Morte — esclareceu, inspirado, o médium-doutrinador — a quem cabe, verdadeiramente, deliberar sobre todas as coisas. Acreditas que te governas e és conduzido; referes-te aos teus planos e te equivocas, por precipitação.
Crês-te vingador e fazes-te vítima da própria impulsividade, perturbando-te cada vez mais. Assim, aqui estás, porquanto desejamos por vontade dEle, o Senhor Nosso, a tua paz e ventura, samaritanos que somos em Seu nome, a Seu serviço.
— Brincas? — retrucou, interrogando o Comunicante.
— Não tenho senhor nem chefe. Sou livre para odiar e desforçar-me. Ninguém me controla nem me dirige... Chega de conversa, homem. Vou-me daqui.
Sem perturbar-se, guardando a mesma serenidade, o Diretor retrucou:
— Ninguém é livre, realmente, enquanto não se libera das paixões, que são os inimigos mais escravizadores que existem.
Também não estamos brincando, conforme interroga o irmão. Com vidas não se joga...
— Irmão! — Voltou a inquirir, gargalhando, zombeteiro. —Devo ter sido colhido por um grupo de loucos mortos e trapaceiros, metidos a religiosos a fim de enganar-me. Nada feito: eu sou morto também, lutando contra vivos e vingando-me dos a quem eu irei matar...
— Enganas-te, novamente, meu irmão — adiu o interlocutor.
— Mortos estamos quando no corpo, e, vivos, se nos encontramos sem ele... Estás, sim, desencarnado, liberado para a vida, graças à desencarnação, também chamada morte. Não somos loucos, porquanto enfermo estás tu, vitimado pela cegueira do ódio e os venenos da revolta, transformado em ladrão da paz alheia, acovardado na agressividade, porquanto quem agride é fugitivo da coragem que ama e perdoa...
Utilizas-te da ausência do corpo físico,
embora lhe sofras, ainda, as exigências de que não te libertaste, para, invisível para a maioria das criaturas, perseguires e desgraçares...
Somos religiosos, sim, seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Chefe e Guia...
Atentos às instruções do Orientador Espiritual, acercamo-nos do sofredor em desvario e aplicamos-lhe passes cuidadosos, anestesiantes.
A Entidade que fora acometida de grande surpresa, ao ouvir enunciado o nome de Jesus Cristo, recebeu a vibração mental que o acompanhava e lembrou-se, momentaneamente, do Crucificado.
Pela mente aturdida, repassaram algumas impressões das óleo-gravuras que conhecera na Terra e estremeceu, receoso.
Com os recursos que lhe aplicáramos, experimentou rápido colapso da palavra, dos sentidos e, enquanto o Evangelizador falava sobre a grandeza do Cristo de Deus, impregnando o sofrido persegui-dor, este adormeceu e foi retirado, inconsciente.
Reincorporando o Mentor abnegado para complementar a reunião com instruções oportunas concernentes ao próximo labor, após a prece produzida em clima de júbilos e esperanças, foi a mesma encerrada sob eflúvios de energias saturadas de forças benéficas.