Grilhões Partidos
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DOUTRINAÇÃO E SURPRESAS
2o "Pelo fluído dos Espíritos, atuando diretamente e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer sobre o indivíduo uma influência física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está na razão direta das qualidades do Espírito"; "A GÊNESE" — Capítulo 14o — Item 33.
Cada processo obsessivo, face aos fatores que o motivam, tem características especiais, embora genericamente sejam semelhantes.
Há que se levar em conta as resistências morais do paciente, os hábitos salutares ou desregrados a que se submeteu, os títulos de enobrecimento ou vulgaridade que coletou, facultando-lhe recursos atenuantes ou agravantes à condição aflitiva.
Normalmente, alem dos implicados na demanda, Entidades ociosas ou perversas agrupam-se em volta do encarnado em desajuste, complicando-lhe a alienação. Quando se trata de Espíritos sequiosos de vingança e possuidores de largos recursos de concentração mental maléfica, fazem-se temidos até mesmo pelos que se lhes assemelham, batendo-os em retirada.
Na generalidade, porém, o obsesso experimenta a constrição do seu perseguidor e a perturbação dos que lhe são afins ao problema por sintonia vibratória compreensível.
Iniciada a terapêutica desobsessiva de Ester, com o afastamento do seu algoz para a competente doutrinação, além dos efeitos diretos e colaterais da trama insidiosa, por ajustamentos cármicos, não podia a mesma apresentar-se de inopino restabelecida.
Comensais da desordem e viciados desencarnados, que seriam atendidos em momento próprio, prosseguiam assediando-a... Além disso, a engrenagem mental demoradamente prejudicada pela interferência dos fluídos persistentes, deletérios, exigia tempo e tratamento especial para a reorganização. De qualquer forma, a poderosa carga de ódio que a molestava, contristora, diminuía de intensidade, graças à impossibilidade de mais direta influenciação do inimigo desalmado.
Não se interromperam, porém, "in totum," os vínculos que os estreitavam no programa regenerador.
Quando o Comunicante despertou da indução hipnótica e da assimilação dos fluídos, incontinente desejou ir ao Manicômio para a hospedagem psíquica vampirizadora.
Assistido pelos dois Enfermeiros Espirituais destacados para o mister, para ele invisíveis, foi reconduzido ao sono, através de cuja terapia se reequilibrava emocionalmente, enquanto se aguardava o próximo serviço socorrista.
Não se pode amar a Deus sem que se sirva com abnegação ao próximo. Da mesma forma, qualquer incursão para ajudar o perturbado, sem a caridade para com o perturbador, redundaria improfícua senão perniciosa. Justo atender aos contendores sem preferencialismos, porquanto, enfrentando o mesmo problema, ambos são desditosos.
E o que aflige é sempre mais desventurado, em se considerando a ingestão do ódio que o desvaira hoje como o inapelável resgate que defrontará amanhã. Piedade, portanto, também, para os que infelicitam, perseguem, atormentam — não sabem o que fazem!
Seguindo a programação traçada para o problema em tela, no dia estabelecido para o novo serviço de assistência, os membros que constituíam o grupo especializado reuniram-se no Centro Espírita, como da vez anterior, conscientes da própria responsabilidade.
Podia-se notar-lhes a satisfação íntima transparente no semblante de todos, exteriorizando otimismo e confiança nos desígnios superiores como inalterável submissão aos resultados buscados, fossem quais fossem.
Procedida à leitura de uma página consoladora e entretecidos leves, agradáveis comentários sobre o texto, foi feita a prece de abertura, que dava início ao intercâmbio entre as duas esferas da vida.
Como fôra providenciado da vez anterior, o enfermo desencarnado foi trazido adredemente e, desde a véspera, quando o médium Joel, em desdobramento pelo sono, foi conduzido àquele recinto, cuidou-se da sua préimantação fluídica para o ministério em pauta.
Com esse recurso valioso, procedia-se a um cuidado propiciatório a mais amplos e frutíferos resultados.
O caroável Bezerra, humilde e diligente, aprestara-se às providências indispensáveis. Ele próprio, profundo conhecedor das enfermidades obsessivas desde quando na roupagem carnal atendera a dezenas de subjugados e obsessos inúmeros, que lhe exigiram expressivas doações de paciência, sabedoria e amor, mediante cujos valores sempre colimava êxito nos tentames socorristas.
Afeiçoado aos equivocados, por saber o que os aguardava, zelava pela enfermagem da noite destinada ao implacável antagonista de Ester, com o carinho de extremoso pai, sem, no entanto, os receios, o pieguismo ou a ansiedade dos que se demoram em estágio de infância espiritual.
Todas as atividades eram exercidas com extremada ordem, em esfera psíquica de salutar harmonia.
Tomando a instrumentação mediúnica de Rosângela, que manipulava com habilidade e delicadeza, após a saudação evangélica, expôs, compassivo:
— Aqui estamos sob a égide de Jesus para ajudar, pura e simplesmente.
Candidatamo-nos a socorrer sem maiores ambições, pois que os resultados pertencem sempre ao Senhor, a Quem doamos, também, nossas vidas..."Desse modo, recordemos o Mestre em Gadara ou Gerasa diante do obsidiado em desvalimento: nenhuma exprobração, nenhuma violência, vulgaridade alguma, sem acusação nem reproche.
Examinou o drama de dor e sombra que os envolvia, auscultou os receios do perseguidor e as necessidades do perseguido, a ambos libertando, conforme suas condições interiores... "Calmo e íntegro, superior e amoroso, infundiu respeito, concedeu oportunidade liberativa, amparou. "Não desvalorizemos as excelentes possibilidades que Ele nos coloca ao alcance: oração, paciência, caridade...
Permeando-nos desses poderes, serão dispensáveis a discussão, a agitação, a ofensa humilhante, a dura verdade para dobrar. "Ninguém está lutando contra outrem a perseguir a própria vitória. "Estamos exercitando vivência cristã fraternal e caridosa para com nós mesmos, através do auxílio ao próximo. " Depois de breve silêncio, a fim de que todos pudéssemos absorver o tônico das suas palavras, obtemperou, concluindo:
— O irmão em tratamento representa o nosso passado, o que já fomos, e o porvir dos invigilantes, que ainda hoje não despertaram para as responsabilidades que lhes dizem respeito. "Atendido como irmão, que não o seja apenas verbalmente, recebendo o afável tratamento que lhe devemos dispensar. "Oremos e prossigamos!" O milagre da palavra oportuna concitava-nos a refletir no conteúdo do verbete "irmão", fácil de enunciar, difícil de, aplicando-o ao próximo, tê-lo em condição que tal.
Meditando nos conceitos expostos, verificávamos, mais uma vez, que o rude e frio, indigitado e agressivo adversário da débil moçoila e de seus pais, era somente o irmão doente da retaguarda, carecente de socorro quanto suas próprias vítimas atribuladas...
Dirigi o olhar aos genitores da obsidiada e ouvi-lhes o pensamento em prece contrita, a emoção em forma de lágrimas, o sentimento extravasando compaixão.
por aquele que os martirizava, é certo, todavia, se convertera no motivo precioso do seu encontro com Jesus.
O médium Joel, profundamente concentrado afastou-se do corpo somático. Todo ele estava transformado numa usina de forças magnéticas de variado teor.
Da região onde se situava a pineal ou epífise na sua forma física, vibrava um poderoso dínamo luminoso que irrigava todas as glândulas do sistema endócrino, ativando as supra-renais com energia fosforescente, que assumia fulgurações inimaginadas.
O cérebro transformara-se num fulcro iridescente de fortes tonalidades, enquanto o coração estimulado vitalizava todo o sistema circulatório, invadido por fluídos luminosos que eram ativados pelo centro cardíaco, em formosa coloração ouro-alaranjada.
O caleidoscópio singular oferecia insuspeitada beleza aos nossos olhos fascinados.
O Instrutor, compreendendo nosso justo entusiasmo, informou-nos:
— A mediunidade com Jesus é ponte sublime por onde transitam as mais elevadas expressões do pensamento divino entre os homens.
Fonte inexaurível de recursos transcendentes, flui e reflui exuberante, dessedentando, banhando de forças e de paz.
Das suas nascentes superiores procedem a inspiração e o alento, as energias que sustentam nos momentos cruciantes do martírio e dos testemunhos sacrificiais. "Pelo seu conduto falam os Céus aos homens, responde o Pai às súplicas vertidas na oração, a misericórdia balsamiza chagas e impele à santificação da Caridade. "O apóstolo, o missionário, o santo de qualquer ministério e realização por ela conseguem os vislumbres e antevisões, os sonhos e os arroubos, as instruções e os apelos elevados que os impulsionam ao avanço, à realização, aos objetivos nobres, apesar dos motejadores, perturbadores e adversários que se lhes colocam à frente, ameaçadores... "Médium de Deus, dignificou-a Jesus Cristo, elevando-a à sua mais sublime condição. "Descuidada, porém, converte-se em furna de sombras e males incontáveis, que terminam por derrotar o mordomo leviano que a desrespeita.
Ao abandono faz-se porta de acesso a alienações incontáveis e enfermidades fisiológicas de diagnose difícil. "Percepção do espírito, através do perispírito nas suas tecelagens mui sutis, com as vibrações com que sintoniza, fazendo-se claro sol ou pesada noite nas paisagens da vida. "Edificá-la com sacrifício e preservá-la dos ladrões, dos vícios de toda ordem que atraem as Entidades perniciosas, que a desnaturam e embrutecem, é obrigação do homem decidido, do cristão consciente. "Joel é um exemplo da dedicação superior, da disciplina pelo trabalho e do estudo consciente do Espiritismo e das próprias limitações, condições que o tornam excelente instrumento para o intercâmbio, por despersonalismo, ausência de paixões dissolventes e de presunção... "Ao bom trabalhador o seu salário compensativo... " Silenciando, aproximou-se da Entidade e ajudou-a, inconsciente como se encontrava, no processo psicofônico.
Ato contínuo, aplicou-lhe passes de dispersão fluídica com que a despertou.
Logo se fez lúcido, o Comunicante tentou erguer o médium numa atitude desesperada, e, sem dar-se conta do tempo transcorrido, investiu, furioso:
— Que você fez comigo? Não sou de dormir, pois o tempo é para mim precioso demais, para permitir-me desperdícios inecessários.
Como dizia, enquanto me lampeje o ódio, nada de sermões...
Atendido pelo Benfeitor, que prosseguia aplicando-lhe recursos próprios para despertar-lhe as lembranças, aguçando-lhe a percepção, subitamente viu o grupo de companheiros encarnados. Sem entender exatamente o que ocorria, deblaterou:
— Onde estou? volto a perguntar.
Quem são os senhores e o que querem de mim? São mortos ou vivos?
Sem trair-se por qualquer perturbação, o diretor respondeu:
— Estás numa sessão espírita... Como já te expliquei, ninguém morre. Estás sem o corpo, nós com ele. Como te aprouver, porém: fazemos parte dos vivos da Terra e tu dos chamados mortos, que prosseguem vivendo.
Queremos ajudar-te. .
— A mim? — tentou barafustar-se, como desejando libertar-se do diálogo.
— Por que alguém iria querer ajudar-me? Não tenho amigos, não creio na bondade. Ora, desembuche sem rodeios.
— É o que estamos fazendo.
Estás doente e desejamos auxiliar-te a curarse.
Enquanto os esclarecimentos se sucediam, o Coronel Santamaria sintonizava com o Espírito sofredor, no afã de querer auxiliá-lo a esclarecer-se, a fim de salvar a própria filha. A mente em fixação alcançou a Entidade, que, relanceando o olhar fulgurante de ódio pelo recinto, fixou-o no respeitável militar, para logo explodir:
— É ele! Que faz aqui? Pensa em alcançar-me? Tarde, é muito tarde! Agora sou eu quem manda...
Vingança, vingança, chegou a hora que eu esperava.
— Não sabemos a que ou a quem te referes — acentuou o orientador, com habilidade.
— Ele sabe! — apontou com o dedo em riste o Comunicante.
— Se ele não recorda, jamais me pude esquecer, eu que fui sua vítima.
Por isso, agora, domino-lhe a filha. Farei que ele rasteje aos meus pés e suplique. Terei o prazer de negar-lho, devolvendo, sim, o cadáver da desgraçada, para então...
Dona Margarida, não afeita, ainda, a situação de tal natureza, começou a chorar. O Coronel, que não obstante o veemente desejo de acertar e sublimarse, não pudera, compreensivelmente, alcançar a serenidade desejada, perturbou-se, descontrolando-se, intimamente, enquanto o Espírito blasonava:
— Odeio-o! Odeio-o! Meu Deus, quanto eu odeio este homem! Envelheceu, mudou um pouco, mas é o meu inimigo feroz.
Odeio-o!
A vibração pestilencial do ódio, expelido em ondas sucessivas de baixo teor, impregnava a sala, tornando-a desagradável.
Inspirado, o Coronel Sobreira alvitrou:
—Oremos, mantendo nossa tranquilidade.
O doente mais grave exige maiores cuidados, urgente medidas de socorro, superior assistência. Preservemo-nos, amorosos e serenos, buscando...
—Doente, eu?! — reagiu, gargalhando —. Você é quem está louco. Odeio aquele homem e ele sabe porquê. Nunca o perdoarei. O mal que a mim e aos meus ele propiciou será cobrado lentamente. A morte seria para ele umas férias agradáveis... Eu lhe concederei o prazer do suplício demorado: ver ou não ver, sabendo, porém, que a filha morre a pouco e pouco em minhas mãos, enquanto lhe instilo ódio...
Se quiser fugir pelo suicídio como já lhe sugeri, melhor para o meu programa... Verás, infeliz, como é bom suicidar.
E se ficar, dará no mesmo... Pensava que eu morri? Também eu não sabia o que aconteceu... Como demorou, até que eu tomasse conhecimento do ocorrido! Agora mudamos de posição. Eu sou a segurança, ele a incerteza; eu o trunfo, ele nada...
— Encontras-te equivocado, meu amigo. Se alguém aqui te prejudicou, não o fez conscientemente, ou se cometeu esse grave erro, agora está arrependido e suplica-te perdão. Observa que melhor é perdoar, do que rogar perdão. Nosso lema, aqui, é a Caridade, não havendo lugar para revides nem vingança. Sê tu quem ajude, por conheceres de perto o travo do sofrimento. Magoou-te o pai e desforras-te na filha? Onde o equilíbrio? Dás vingança e esqueces da injustiça que perpetras.
Dizes-te vítima e veste-te de cobrador. Com qual direito? Nunca ouviste falar, por acaso, em Jesus Cristo, o Crucificado sem culpa? Assim retribuis ao seu sacrifício de amor numa Cruz de vergonha e infâmia, que Ele enobreceu? Estás mais doente do que supúnhamos, meu irmão. Ouve: Ester, tua vítima atual, não pertence ao pai, menos a ti. Todos pertencemos ao Pai Criador. Como responderás à pergunta divina, que um dia gritará na tua mente, como na simbologia bíblica: "Caim, que fizeste do teu irmão?" Para onde fugirás?
— Eu odeio, é tudo que posso dizer...
— Entretanto, isto não te justificará ante o Tribunal Divino, que impõe a Justiça. Pelo contrário, mais agravará a tua infeliz situação. Nossos erros são nossos cobradores. Mesmo quando esquecemos não os destruímos: eles reaparecem no momento próprio. Asserena-te e confia em Jesus. Respondeme: conheces Jesus?
— Sim, cheguei até a amá-lO na minha infância.
Agora, porém, é tarde.
— Ninguém O ama e depois O abandona.
A pessoa afasta-se dEle, enquanto Ele porfia esperando. Chama por Ele, reconcilia-te com o teu irmão, que supões adversário e recupera-te...
— Não posso! Não deixarei a filha, a fim de martirizar o pai.
— E afligir, também, à mãe? Que te fez a dorida mãezinha de Ester? Fitaa, sofrida, sem saber das tuas razões, nunca suficientes para tal crime.
Como verias alguém que te destroçasse aquela que te aninhou no regaço com devoção e sofrimento?.
— Pare! Não me recorde minha mãe...
Pelo que sofreu, por culpa dele, é que me vingo. Mamãe, mamãe! — desvairou, quase hebetado.
O Benfeitor, que o despertava para as lembranças felizes, recorreu aos passes magnéticos, a fim de tranquilizá-lo, na desdita em que se desconcertava cada vez mais.
Adormecendo, recebeu o procedimento anterior, sendo retirado cuidadosamente.
Pelo médium Joel, o Diretor Espiritual teceu algumas úteis considerações e após a oração reconfortante, emocionada, a sessão foi concluída.
Logo após os companheiros comentaram, otimistas, o resultado do labor e, sob o olhar penetrante das estrelas brilhantes no céu sem nuvens, demandaram o lar.