O Ser Consciente
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O homem consciente
Gurdieff, o eminente psicólogo russo, em uma análise feliz a respeito do homem, referiu-se aos dois estados em que o mesmo se apresenta como decorrência do seu nível de consciência: adormecido e desperto.
O trânsito pela reencarnação enseja ao ser o desenvolvimento dos valores éticos, ampliando-lhe o espaço mental para as conquistas relevantes.
Ao mesmo tempo, quando entorpecida a consciência, antes lúcida, o indivíduo deixa-se conduzir através do mergulho nas distrações, que lhe constituem os interesses máximos do dia a dia, olvidando as qualidades superiores que propiciam realmente a felicidade.
Essas distrações prendem-lhe a atenção e detêm-lhe o processo de busca interior, empurrando-o para as fugas espetaculosas e as transferências das metas prioritárias, importantes, para aquelas que enganam, apaixonando-o e levando-o às conquistas vazias das coisas que não proporcionam mais do que o breve bem-estar da volúpia egoística do momento, expressa nos prazeres que logo se esfumam.
Quando convidado às reflexões profundas a respeito da sua realidade como ser imortal, encharcado pelas paixões como se encontra, não consegue deter-se em uma demorada análise de si mesmo, porque logo os pensamentos se expandem em várias direções, afugentando-o do objetivo essencial propiciador do auto-encontro.
Saciado pelo gozo, embora atormentado pelo desejo de novos prazeres, a sua fixação mental é somente possível quando se refere ao campo das sensações, nas quais chafurda até a exaustão, para retornar à posição anterior de ansiedade e insatisfação.
Acostumado às ideias do imediato, que trazem respostas momentâneas, logo a seguir, qualquer projeção no tempo constitui-lhe sacrifício vão, porquanto não se dispõe a levar adiante a proposta inicial de realização demorada.
Os indivíduos, psicologicamente adormecidos, são ainda fisiológicos, não obstante possam estar projetados na sociedade e até mesmo bem considerados por ela.
Despertar significa identificar novos recursos ao alcance, descobrir valores expressivos que estão desperdiçados, propor-se significados novos para a vida e antes não percebidos...
O despertamento retira o véu da ilusão e faculta a percepção da realidade não fugidia, aquela que precede a forma e permanece depois da sua disjunção.
Estar desperto é encontrar-se participe da vida, estuante, tudo realizando com integral lucidez.
E mesmo o ato de dormir, para a aquisição do repouso físico, porque precedido de conhecimento do seu objetivo, torna-se um fenômeno de harmonia, sem os assaltos de clichês mentais arquivados, que assomam em forma de pesadelos tormentosos.
A fixação do despertamento resulta dos insistentes e contínuos espaços da mente, preenchidos pelo desejo veemente de adquirir lucidez.
Tudo quanto faz, realiza-o de forma consciente, desde o ato de coçar-se, quando concentrado, até o de superar o cansaço com o seu séquito de indisposições orgânicas e psíquicas.
Estar desperto é mais do que encontrar-se vivo, do ponto de vista fisiológico, superando os automatismos, para localizar-se nas realizações da inteligência e do sentimento enobrecido.
As distrações habilmente se disfarçam, justificando trabalho exaustivo, repouso demorado, conversações prolongadas, caminhadas e ginásticas que consomem horas, e que, não obstante úteis, desviam da meta essencial que é o despertamento de si mesmo.
Há uma generalizada preferência humana pelas distrações, pela fuga da realidade, consumindo-se tempo e saúde no secundário, com desconsideração ou por ignorância do essencial.
Lentamente, por processo de saturação das distrações ou pelo imperativo de novas reencarnações, o homem aspira à conquista de outros níveis de consciência e emerge do sono, passando a identificar o atraso em que se encontra, diante das infinitas possibilidades de que dispõe.
Altera-se-lhe então a visão para a auto-identificação, entendendo que o largo período de sono é responsável pela existência dos inúmeros conflitos que o aturdem, das contradições entre o que pensa e o que faz, entre ao que aspira e o que realiza, mantendo a sensação permanente de incompletude.
Quando anestesiado no nível de sono, sente a mesma necessidade de completar-se, porém, identificando os meios para o tentame, arroja-se mais nas experiências do instinto, frustrando-se e sofrendo.
A razão propele-o para a tomada de consciência e, nesse estado, à medida que se envolve na libertação das cargas psicológicas opressoras, asfixiantes, passa a fruir emoções que o enlevam, aumentando o número de vivências dos logros íntimos, que lhe constituem degraus e patamares a galgar, tendo em mente o acume, que será a perfeita conscientização de si mesmo.
Ser consciente significa estar desperto, responsável, não-arrogante, nãosubmisso, livre de algemas, liberado do passado e do futuro.
Cada momento atual é magno na vida do homem consciente, e tudo quanto se propõe realizar, ao invés de tornar-se desafio, é-lhe estímulo ao prosseguimento tranquilo da iluminação interior.
Usa a inteligência e aplica o sentimento em perfeita interação, avançando sempre, sem recuos nem amarguras.
Certamente experimenta as contingências da vida social, dos prejuízos políticos, das injunções do corpo, sem que tais ocorrências o desanimem ou o infelicitem.
Consciente desses fenômenos, mais se afervora na busca da harmonia, conquistando novas áreas que antes permaneciam desconhecidas.
Age sempre lúcido, e cada compromisso que assume, dele se desincumbe em paz, sem a preocupação de vitória exterior ou mesmo de superação.
A autoconquista é-lhe um crescimento natural e não-perturbador, assinalado pelo aprofundamento da visão da vida, totalmente diverso do comum, passando-a a transpessoal, portanto, espiritual.
Harmonizando aspirações e lutas, buscas e realizações, o homem consciente vive integralmente todos os momentos, todas as ações, todos os sentimentos, todas as aspirações.