Tormentos da Obsessão
Versão para cópiaA EXPERIÊNCIA DE LICÍNIO
As observações da experiência, tendo por instrumento o irmão Ambrósio, levaram-me a profundas reflexões.
O conhecimento das propriedades do perispírito, conforme as lúcidas referências do eminente Codificador do Espiritismo Allan Kardec, é a única forma de compreender-se inúmeros enigmas que dizem respeito à saúde física, mental e emocional dos indivíduos, bem como os processos de evolução do ser humano.
Sede da alma, arquiva as experiências que são vivenciadas, bem como os pensamentos elaborados, transformando-os em realidade, conforme a intensidade da sua constituição.
Eis porque a fixação de determinadas ideias termina por impor-se na face da criatura, exteriorizando o seu comportamento interior, mesmo quando o disfarce se apresenta ocultando as estruturas reais da personalidade.
Graças a este poder plástico que lhe é uma das propriedades básicas, as ideias demoradamente mantidas levam a estados obsessivos-compulsivos, que terminam por alterar a forma do ser que passa a vivenciar uma monoideia degenerativa e des agregadora da estrutura molecular, de que esse corpo sutil se constitui.
Essa condição permite que Entidades perversas e vingativas induzam as suas vítimas a assumir posturas bizarras e infelizes, mediante largos processos de hipnose a que se deixam arrastar.
Esse fenômeno ocorre, todavia, porque há uma ressonância vibratória em quem entra em contato com esses técnicos espirituais, encarregados de realizar processos perturbadores.
Já podíamos notar na face do nosso recém-chegado os sinais da alteração que se operava, como consequência dos próprios e dos pensamentos que lhe eram transmitidos.
As atividades que haviam sido realizadas traziam como meta libertar o paciente das sucessivas camadas mentais deletérias nas quais se envolveu, realizando-se o processo de fora para dentro, a fim de que, ao despertar para a realidade lúcida passe a operar a transformação no sentido inverso: do interior para o exterior.
Cada um é, portanto, o arquiteto das suas construções de felicidade ou de desdita.
Jesus foi peremptório, quando propôs: — Busca a verdade e a verdade te libertará.
É de surpreender que muitas pessoas tomem conhecimento da realidade, dos mecanismos libertadores da vida, e, não obstante, optem pela escuridão da conduta, derrapando em compromissos insanos, que as levam a derrapar nas terríveis alucinações que se prolongam por largo período, de forma a insculpir nos refolhos da alma as leis de equilíbrio e de harmonia indispensáveis à felicidade.
Sucede que as Leis de Deus estão escritas na consciência, e, por essa razão, ninguém consegue fugir de si mesmo, porquanto, para onde for, sempre se conduzirá conforme a estrutura moral e espiritual interior.
Porque essa realidade se exterioriza em ondas de vibração compatível, os Espíritos nobres como os inferiores as identificam, acercando-se dos seus agentes conforme a sua constituição.
Aguardava o prosseguimento das terapias, quando fui visitar o novo amigo acompanhado pelo generoso Alberto.
Em retornando à sua enfermaria, fomos gratificados com a visita de bondosa Entidade, que nos foi apresentada como sendo Licínio que, na Terra, por sua vez, exercera também a mediunidade.
O visitante justificou-se, informando que houvera conhecido o nosso Ambrósio, quando ambos exerciam o ministério mediúnico e abraçaram a Revelação Espírita.
Tive a alegria de conhecer o caro companheiro, quando fui ouvi-lo por primeira vez em um Clube Recreativo onde sua palavra era aguardada com entusiasmo.
Vivamente aclamado, o trabalhador do Bem já se encontrava em franca decadência espiritual, porque se embriagara dos vapores da vaidade e da presunção, cercado por um grupo de admiradores que não cessavam de o elogiar, como se estivesse a soldo do mundanismo.
Já lhe faltavam a gentileza no trato com as pessoas e a arrogância se expressava na sua forma de conduzir-se.
No entanto, ao levantar a voz e expor o tema que lhe houvera sido proposto, fui tomado de surpresa ao acompanhar-lhe os profundos conceitos éticos e filosóficos bem como as conclusões espíritas que imprimia às frases muito bem elaboradas.
Com uma linguagem clássica mas sem pedantismo, passeou literariamente pela cultura da imortalidade do Espírito desde priscas Eras, chegando à atualidade com verdadeira ênfase e lógica que a todos sensibilizou. "Enquanto o ouvíamos, eu meditava analisando a pessoa que chegara, indiferente ao público que ali se encontrava ansioso, e o expositor feliz, quase meigo e rico de conhecimentos, que produzia viva empatia no auditório superlotado.
Pude observar então que, durante a sua conferência, face ao significado do assunto, conseguiu romper a carapaça infeliz que o envolvia, entrando em sintonia com o Mundo espiritual que passou a inspirá-lo por intermédio de venerando Mensageiro de Esfera mais elevada.
O verbo fluía pelos seus lábios em catadupas sonoras e agradáveis, enquanto dele se irradiava a energia do Benfeitor que produzia incomparável bem-estar em todo o público.
Concomitantemente, eu podia perceber que outros Espíritos dedicados ao socorro pela fluidoterapia aproveitavam-se da concentração natural que se fizera no auditório interessado, passando a descarregar energias saudáveis nas pessoas, que as assimilavam, enriquecendo-se de forças para o prosseguimento da luta. "Também eu me encontrava vivamente emocionado e quase em lágrimas.
Nesse estado de espírito, me interrogava em silêncio: — por que o esclarecido orador se permitia derrapar nos equívocos do mundanismo, sabendo-se amparado por elevados Guias da Humanidade, aos quais deveria submeter-se em clima de humildade e serviço? Evitei, no entanto, considerações negativas, porquanto todos somos ídolos com pés de barro, frágeis, incapazes de suportar o peso das próprias imperfeições. " Licínio olhou o enfermo com legítimo sentimento de compaixão e solidariedade, logo prosseguindo:
— Terminada a alocução, ruidoso aplauso explodiu natural, resultado do entusiasmo que a todos dominava.
Encerrada a solenidade, fez-se um círculo de simpatizantes a sua volta, enquanto os zeladores da sua pessoa procuravam impedir o acercamento dos interessados em travar um contato, manter um diálogo complementar ao tema apresentado, em total desconsideração às palavras que haviam sido pronunciadas.
Foi com dificuldade, que se rompeu o cerco defensor, como se o médium-orador fosse uma estrela dos entretenimentos terrestres e devesse ficar distante dos seus fãs ardorosos. "Infelizmente, ainda não se entendeu que Jesus jamais se escusava.
Nunca necessitou de defensores da Sua integridade física, moral ou psíquica.
Mesmo na multidão mais compacta, vagamente protegido pelo Apóstolo Pedro que O seguia à retaguarda, quando tocado pela mulher enferma, percebeu-o e ajudou-a no seu apelo mudo...
Lentamente, os médiuns vão adquirindo status de santidade, tornando-se intocáveis, de personalidades extraterrestres, ou de missionários especiais que devem evitar o contato com as massas, com os necessitados, exatamente aqueles para os quais veio em serviço.
Essa onda modernista cultivada por alguns que se inebriam da própria prosápia, termina por afogá-los na insensatez e no despautério. "Convém nunca esquecermos que o Senhor é o nosso Pastor...
e nos defende, desde que nos não permitamos a leviandade de buscar os enredamentos com o mal, a perversidade, a vulgaridade.
Mantendo-se atitude de equilíbrio e nobreza, coloca-se uma invisível tela transparente de fluidos entre as pessoas e os instrumentos do Bem, dificultando atravessar essa delicada mas poderosa barreira vibratória, e franqueando o acesso de todos àqueles que podem, de alguma forma, contribuir espiritualmente a benefício do seu próximo".
Novamente silenciou, recapitulando a experiência, para logo continuar:
— Com a mente fixa no expositor, ele captou-me a onda psíquica e percebeu que se tratava de uma emissão de simpatia, sorrindo jovialmente e distendendo-me a mão fraterna, que cumprimentei, para surpresa dos seus corifeus levianos...
A sua mão puxou-me como se tivesse necessidade de um amigo, e quando estávamos próximos, com um sorriso espontâneo, perguntoume, jovialmente:
— É a primeira vez que nos encontramos? "Por minha vez, sorri afavelmente, e retruquei:
— Na atual reencarnação, creio que sim.
Porém, acredito que já nos conhecemos... "Ele anuiu com satisfação, e propos:
— Que não seja, pois, a última.
Gostaria muito de privar da sua amizade, que me pode enriquecer na trajetória que ambos estamos realizando. "Ante a surpresa dos seus acólitos, justificou-se com a informação de que outro compromisso o aguardava e saiu, deixando algo frustrados aqueles que o houveram buscado para um convívio fraterno mais próximo. "Voltamos a ver-nos e a estreitar relações nas semanas seguintes, quando tive oportunidade de conviver melhor com as suas aflições e lutas, compreendendo quanto se encontrava amargurado e inquieto, inseguro ante os acontecimentos e, ao mesmo tempo, paradoxalmente entusiasmado com os êxitos sociais e econômicos. " As observações de Licínio, pela maneira tranquila com que eram apresentadas, calavam-me profundamente no coração, facultando-me melhor compreender o médium que naufragara no mar tormentoso de ondas encapeladas dos compromissos espirituais, e aquele outro que, sob o coercitivo das aflições alcançara o porto de segurança.
O primeiro intoxicara os centros do discernimento com os vapores da presunção que se transformara em loucura destrutiva, enquanto o segundo mantivera irretocável o compromisso, fitando o futuro, mas tendo como bússola o dever e como leme as lições sábias da Doutrina Espírita que introjetara para melhor vivenciá-las no presente.
Interrompendo-me as reflexões, voltei a atenção para os oportunos apontamentos do visitante operoso.
—A partir daquele contato — aduziu o trabalhador do Bem — passei a nutrir imensa simpatia pelo expositor e médium, dando-me conta do perigo que o sitiava, graças ao envolvimento emocional produzido pelos auxiliares e fascinados que constituíam o seu grupo de adoradores. "No primeiro encontro, terminada a alocução e recuperada a consciência lúcida, o hábito mental doentio a que se entregava na volúpia dos prazeres dos sentidos voltou a predominar-lhe na consciência, e logo se lhe acercaram os comensais infelizes da convivência psíquica, adversários de ontem que lhe urdiam cuidadosamente o fracasso, e outros desordeiros de ocasião se lhes associavam, locupletando-se no banquete da vampirização das suas forças e energias morais. " Deteve-se por breves segundos a contemplá-lo ainda disforme e profundamente adormecido, continuando a esclarecer com outro timbre de voz:
— A mediunidade, por mais vigor de que se revista, jamais produzirá com dignidade sob o açoite interno dos conflitos humanos, gerando a conduta reprochável do seu possuidor.
Compromisso de gravidade, não se pode converter em instrumento de mercantilismo danoso, nem de diversão para frívolos sem consequências de alta periculosidade.
Face às leis de afinidade e de sintonia que vigoram em toda parte, logo a instrumentalidade mediúnica passa a emitir vibrações de baixo teor, torna-se campo de extenuantes combates com predominância de viciações crescentes.
Não poucas vezes são os Espíritos perversos que promovem a situação afugente, inspirando os médiuns às defecções morais em razão da sua fragilidade em relação aos valores éticos.
No entanto, tornando-se presunçosos, recusam-se a meditar em torno das advertências que lhes chegam de ambos os planos da vida, negando-se ao auto-exame do comportamento a que se afeiçoam, expulsando do convívio os amigos legítimos que os passam a considerar como inimigos, enquanto se deixam arrastar pelos demais telementalizados dos referidos cruéis adversários que também os utilizam para a grande derrocada.
Perdem os paradigmas da conduta, os parâmetros do equilíbrio, tornam-se irresponsáveis, alteram a linguagem para a compatibilidade com o chulo e o atrevido, enquanto se exaltam pensando erguer-se ao Olimpo da alucinação.
Nessa fase, encontram-se instaladas as matrizes das obsessões de longo curso, e a queda ruidosa no abismo é somente questão de tempo.
Olhou-nos com imensa ternura, e completou:
—Longe de mim analisar as ciladas que foram preparadas para colher o querido irmão Ambrósio.
No entanto, por experiência pessoal, conheço a senda de espinhos por onde transitamos todos aqueles que desejamos servir à Causa do Senhor sob chuvas, às vezes, ácidas, ou de pedras, noutras ocasiões, que são sempre as incompreensões de todo jaez.
Certamente não é fácil resistir às investidas do mal.
Todavia, quando o médium se torna dócil às orientações dos seus Guias, seguindo-as, antes que as estabelecendo ou impondo as que supõe serem corretas, granjeia-lhes a proteção e o concurso.
Ocorre, normalmente, que a faculdade que permite as comunicações éneutra em si mesma, dependendo das disposições morais do médium, invariavelmente um Espírito comprometido negativamente com a Vida e as experiências evolutivas. "Em diversas ocasiões tentei, nos encontros fraternos que o mundo espiritual nos proporcionou, advertir o amigo iludido, convidando-o a retornar às origens do trabalho, na simplicidade, nos labores desobsessivos e no socorro aos desencarnados em aflição.
Demonstrando simpatia e mesmo sensibilizado com minhas palavras, sorria, gentil, e retrucava-me: Já realizei essas atividades no começo...
Agora encontro-me noutro patamar, em contato com Entidades Superiores que não se envolvem com a problemática dessa natureza, e que me norteiam os passos para grandes cometimentos, para os espetáculos de impacto que posso produzir... " "Dei-me conta da gravidade do problema do amigo, mas os deveres aos quais me afervorava, como o atendimento aos pobres físicos, econômicos, morais, foram preenchendo-me as horas e os dias, e, embora ouvindo comentários já desfavoráveis à sua conduta por alguns daqueles que o perturbaram com a sua bajulação desmedida, prossegui envolvendo-o em orações intercessórias, quando soube, posteriormente, da alienação em que derrapou e da desencarnação, digamos, prematura, que o retirou do corpo. " Encontrava-se com os olhos marejados de lágrimas, o que também ocorria conosco.
Foi nesse clima de solidariedade e compaixão fraternal, que Licínio nos convidou à oração em favor do companheiro em processo de recuperação, com o que todos concordamos, vitalizando o enfermo que se benefíciou do concurso espontâneo da caridade fraternal.
Como o visitante estivesse de saída e eu já houvera estado com o enfermo cordialmente, a instância de Alberto acompanhamos o novo amigo que, muito acessível, demonstrou-se gratificado pela oportunidade de darmos prosseguimento à conversação noutro recinto.
A enfermaria situava-se na parte inferior do Pavilhão, onde se internavam os pacientes mais graves.
Assim, atravessamos o longo corredor ouvindo as exclamações e gemidos que venciam os obstáculos das enfermarias, o que provocava certo constrangimento pela impossibilidade de fazermos algo que modificasse a situação dos aflitos além do que era realizado.
Chegamos à parte superior e nos afastamos do edifício central, rumando para o parque onde um lago transparente refletindo o céu de azul turquesa, tornava-se convite natural para um diálogo demorado e esclarecedor.
A brisa suave carreava ondas de perfumes que nos envolviam agradavelmente.
Pequenos grupos espirituais espalhavam-se nas alamedas coloridas pelas flores primaveris, enquanto outros encontravam-se em conversação animada nos diversos recantos programados para esse fim.
Porque nos encontrássemos em silêncio respeitoso, Alberto, mais familiarizado com Licínio, solicitou-lhe que nos informasse um pouco mais sobre as suas experiências mediúnicas, esclarecendo que o interesse era justificado em razão do programa de aprendizado a que me propusera naquele Nosocômio espiritual.
Informou-o, outrossim, que eu funcionava, às vezes, como repórter de acontecimentos fora do corpo, transferindo as notícias para os amigos da jornada terrestre em convites oportunos para reflexões e auxílios de esclarecimentos.
Sem fazer-se rogado, o amigo sorriu com amabilidade, passando a informar:
—A mediunidade foi-me no planeta a cruz de elevação moral, e prossegue como oportunidade de crescimento interior, face às aspirações acalentadas de iluminação e paz. "Quando for realmente valorizada conforme merece, constituirá para as criaturas humanas uma fonte de inexauríveis consolações, assim como incomparável instrumento de evolução.
Por mim próprio aquilato as suas bênçãos, porque renasci na Terra com pesada carga de compromissos infelizes que me cumpria atender, reabilitando-me e ressarcindo dívidas.
Desde o berço, felizmente, experimentei a pobreza e o desafio das dificuldades domésticas nos braços de genitores atormentados que se me tomaram verdadeiros benfeitores pelas exigências, às vezes, descabidas, e pelos sofrimentos que me impuseram, sem dar-se conta certamente do que realizavam, porque também obsidiados tornavam-se instrumento daqueles que não desejavam o meu processo de reeducação espiritual.
A dor, desse modo, foi-me sempre o anjo alerta, ensinando-me obediência e simplicidade. "Os fenômenos começaram a aturdir-me durante a primeira infância, quando se me apresentavam inúmeros verdugos da paz a quem eu houvera criado embaraços em passado não distante.
Assustavam-me, ameaçavam-me e agrediam-me com frequência e impiedade.
Não obstante, Amigos espirituais afeiçoados, quais a minha avó materna, a quem não havia conhecido no corpo, sempre interferiam socorrendo-me e orientando-me, carinhosamente ajudandome a compreender a ocorrência penosa.
Na adolescência fiquei órfão de pai, sendo felicitado mais tarde pela presença de um padrasto caridoso que foi enviado pelo Senhor, e que me ajudou a encontrar o caminho da renovação de que necessitava.
Facultou-me possibilidades para estudar e granjeou-me o trabalho honrado para a conquista do pão diário. "Acompanhando os múltiplos fenômenos de que me fazia objeto, levou-me a uma Instituição Espírita, que passamos a frequentar sob os protestos veementes de minha genitora, e onde aprenderíamos as lições inquestionáveis da Codificação do Espiritismo.
Embora vivêssemos em cidade muito católica, não fomos incomodados quando da adoção da nossa fé religiosa, exceto por algumas pessoas menos informadas e mais fanatizadas, o que é natural.
Aos vinte e cinco anos de idade consorciei-me e transferi-me para a capital com a esposa, a fim de cuidar dos interesses da Firma em que trabalhava com dedicação e respeito. "As sortidas das Entidades perversas eram constantes, criando-me embaraços contínuos onde quer que me apresentasse.
Calúnias, acusações sem qualquer justificativa, antipatias inexplicáveis, azedume e desprezo foram as armas de que se utilizaram através de pessoas invigilantes para me aturdir.
A própria esposa — alma querida que Deus pôs no meu caminho, a fim de torná-lo menos áspero — experimentou cruas perseguições por ser-me fiel e permanecer ao meu lado em todos os momentos difíceis.
Não resultando favoráveis esses mecanismos de perseguição, outros surgiram em forma de coima impiedosa por parte de senhoras insatisfeitas e vazias interiormente, que procuravam compensação sexual, passando a atacar-me com exigências descabidas em nome de paixões atormentadas e sem qualquer sentido moral. "Felizmente, a trama sempre se desfazia, quando nas reuniões de desobsessão os Benfeitores traziam à psicoterapia aqueles algozes impenitentes que, através de mim mesmo se beneficiavam, mudando de ideias e comportamento.
Mas não se tratava de uma tarefa de fácil execução, por motivos compreensíveis, exigindo perseverança renúncia, coragem e fé. " O narrador fez um silêncio oportuno, dando-nos tempo para a assimilação das suas palavras repassadas de sinceridade, logo prosseguindo ante nosso interesse compreensível:
—Não fomos abençoados, a minha mulher e eu, com a presença de filhos biológicos, mas o nosso era e é um amor profundo.
Aos vinte oito anos de idade, a esposa contraiu tuberculose pulmonar, e após menos de dois anos de rudes provações e dores libertou-se do coma, deixando-me profundamente sofrido.
Naqueles dias, a tísica era considerada uma verdadeira peste branca, arrasadora e insensível.
A fé espírita, no entanto, que já era o bastão de segurança da minha existência, fez-se-me mais vigorosa, sendo-me possível então prosseguir abraçando os compromissos espirituais sem desânimo ou solução de continuidade. "Naquela época, eram comuns os médiuns denominados receitistas, que se faziam instrumento de devotados médicos desencarnados, especialmente dedicados à Homeopatia, que atendiam aos enfermos pobres que os buscavam nas reuniões públicas ou lhes escreviam cartas solicitando auxílio.
Eu me encontrava entre esses servidores, e de cedo compreendi a soberania das Leis em relação às possibilidades humanas.
No começo, após a desencarnação da esposa, experimentei a frustração decorrente do meu insucesso mediúnico, não conseguindo salvar a companheira enferma que também passara a receber o tratamento conveniente do esculápio a quem recorrêramos.
E isso foi sempre tido em relevância por alguns companheiros, que expressavam suas dúvidas quanto à interferência dos bons Espíritos através da minha faculdade, adindo que eu sequer conseguira curar a esposa, como se isso dependesse das pequenas possibilidades humanas de qualquer um de nós.
Robustecido na fé e sustentado pela palavra lúcida do meu Guia espiritual prossegui com ardor, sem olhar para trás. " Mais uma vez silenciou, por alcançar um momento mais delicado da narração.
Olhou em derredor, como se buscasse a alma querida que estivesse prestes a acercar-se-lhe, e explicou:
— Um homem que se consorcia e é feliz, quando lhe chega a viuvez, essa se lhe torna um fardo pesado em demasia.
Os hábitos conjugais, o companheirismo, a afetividade bem sustentada agora em falta, transformam-se-lhe em vazio existencial que, muitas vezes, conduz o solitário a precipitados relacionamentos como fuga ou busca de solução, ou o empurram para transtornos depressivos muito graves.
Graças àoração e ao apoio da esposa desencarnada, que passou a visitar-me, fui-me readaptando ao estado de solteiro, quando o cerco dos Espíritos viciosos fez-se-me mais rude, atirando pessoas desprevenidas na minha direção, inspirando-lhes sentimentos contraditórios que eu tinha que administrar com muito cuidado, face à invigilância que se permitiam e à frivolidade com que se apresentavam.
Dentre algumas dessas almas atormentadas, uma se me transformou em intolerável presença.
Dizendo-se apaixonada e recorrendo a expedientes falsos sobre sermos almas gêmeas comprometidas, passou a assumir atitudes incompatíveis com o bom tom, exigindo-me adotar um comportamento enérgico, dissuadindo-a de qualquer próxima ou longínqua possibilidade de futuro relacionamento íntimo, conjugal ou não.
Desarvorada, promoveu um escândalo, no qual, totalmente incorporada por Entidade leviana do seu mesmo jaez, acusava-me de má conduta em relação a outra dama, de quem tinha ciúme, gerando ambiente desagradável e psicosfera venenosa que davam margem a comentários injustos e sempre do agrado daqueles companheiros desocupados, que se comprazem em gerar situações penosas...
Foram dois anos de lutas severas, mas sem desistência de minha parte.
Felizmente, o reto proceder, a severidade imposta aos meus atos, a disciplina na desincumbência dos deveres fizeram-se os meus argumentos de inocência, que terminaram por prevalecer ante a insidiosa perseguição.
Afastando-se da Sociedade, a pobre senhora entregouse ao alcoolismo, semidependente que já o era, havendo sido essa a brecha moral por onde se infiltraram as influências malsãs...
Pouco tempo depois desencarnou em lamentável situação espiritual, sendo arrebatada pelos seus comparsas de embriaguez etílica.
Estou informado que, há pouco, após mais de vinte anos de padecimentos em regiões de muito sofrimento, foi recambiada à reencarnação em situação de resgate penoso.
Nunca esteve fora das minhas orações, porquanto é digna de ajuda e compaixão. "No passado próximo, a mediunidade era vivida com muito sacrifício, face à ignorância a respeito do Espiritismo e às informações propositadamente deturpadas em torno dos seus postulados.
Os médiuns éramos vistos como pessoas esquisitas, endemoninhadas, mantenedoras de estranhos pactos e ritos com Satanás, ou quando não, como possuidoras de dons mágicos e sobrenaturais, que descaracterizavam o ministério.
Permanecer com simplicidade e trabalhar sem alarde, eram o compromisso estabelecido, porquanto, como sempre ocorreu, erixameavam também os oportunistas, os aventureiros, os interessados exclusivamente nas questões materiais, que esperavam recompensas na prática mediúnica... "Foi o caso do nosso irmão Ambrósio, que não teve forças para romper o cerco dos simpatizantes, que se lhe fez em volta sob indução dos embaixadores da Treva, que o atraíram para o poço fundo da falência espiritual, conforme oportunamente os amigos compreenderão. "Não conseguindo colher-me nas suas redes fortes de perturbação, os inimigos da Luz encontraram outra forma de afligir-me.
Entre os pacientes que recorriam à nossa Casa buscando o amparo dos Benfeitores, apareceu um senhor de largos recursos financeiros e de projeção social, que se fazia acompanhar de um filho enfermo de leucemia.
Após haver tentado os recursos em voga, nada conseguindo, voltou-se para a assistência espiritual e a medicina homeopática mediúnica.
Jamais se lhe prometeu qualquer resultado, senão aquele que a Misericórdia Divina sabe, e apenas ela administra. A princípio, o jovem apresentou sinais de melhora, o que muito animou o genitor, para depois ser consumido pela enfermidade pertinaz que o arrebatou do corpo...
Não obstante todos procurássemos consolá-lo, subitamente pareceu enlouquecer, e acusou-me de exercício ilegal da Medicina, tentando responsabilizar-me pela desencarnação do filho amado.
Foram dias muito sombrios, mas também visitados pelas claridades espirituais, porquanto, o próprio médico do jovem falecido convidado a opinar, quando se pretendia instaurar um inquérito contra mim, foi taxativo em assinalar que a enfermidade era incurável naquela ocasião e que os dias a mais que o jovem desfrutara poderse-ia considerar como dádiva de Deus, já que não havia outra explicação... O sofrido genitor aquietou-se, enquanto nós outros ficamos com o coração opresso e a alma retalhada pela amargura da acusação e suas duras penas...
Estávamos comovidos ante os testemunhos silenciosos do trabalhador da Causa do Bem.
Quantas renúncias e aflições que o mundo não conhece, assinalam as almas de escol dedicadas ao ministério da Verdade! Esses são os verdadeiros heróis, aqueles que estão crucificados nas traves invisíveis da calúnia, da perversidade e não se queixam, não blasfemam, antes agradecem a Deus a oportunidade de demonstrar-Lhe amor, sem abandonar a charrua da caridade fraternal.
Ao dar continuidade à narração autobiográfica, Licínio obtemperou:
— As pessoas inadvertidas e apressadas pensarão que somos apologistas do sofrimento e preferimos a dor como mecanismo de auto-realização em atitude masoquista com que nos comprazemos.
Mas estão enganadas. Tratase da realidade do cotidiano existencial no mundo até hoje. A única maneira que se apresenta como ideal para o indivíduo é o enfrentamento tranquilo e lógico dos desafios, sem deixar-se sucumbir ou perturbar, como sói acontecer com aqueles que, no século, somente esperam o prazer, a glória, a ostentação, vivendo o transitório, o efêmero, o enganoso... "Sob outro aspecto, a mediunidade bem exercida faculta ao seu possuidor momentos de incomparável beleza e ventura, contatos espirituais insuperáveis, facultando a conquista de afeições duradouras e abençoadas, que se lhes tornam enriquecimento especial para os dias do futuro imortal.
Ao mesmo tempo, como existem aqueles que criam dificuldades e sombreiam as horas do medianeiro com dores excruciantes, produzindo dificuldade de todo teor, aproximam-se também criaturas de elevada estatura moral, que o cercam de bondade e legítima afetividade, envolvendo-o em orações de reconforto moral e ânimo, a fim de que seja vitorioso no ministério desafiador.
Não são poucos esses amigos ideais do servidor de Jesus na mediunidade dignificada, que estão sempre próximos para o ajudar sem qualquer interesse de retribuição, tocados pelos seus exemplos de fé e de coragem, de dedicação e de trabalho. " A consideração foi muito oportuna, funcionando de maneira positiva, evitando que a melancolia ou a angústia assinalasse a narrativa edificante do trabalhador jovial.
E utilizando-me da interrupção natural, indaguei-lhe, interessado:
—E a esposa querida, ainda se encontra no plano espiritual, residindo com o amigo?
— Sim — respondeu com espontaneidade.
— Agora preparamo-nos para outros misteres no futuro, que desejamos ocorram na seara espírita que nos fascina.
Os tempos agora são mais favoráveis, embora as criaturas, de certo modo, permaneçam com muitos conflitos e dificuldades.
No entanto, o Espiritismo já desfruta de algum respeito e o campo é propício para um esforço de renovação preparando a Nova Era.
— Permito-me imaginar — continuei indagando —que o amigo deverá estar de volta ao planeta querido muito em breve, é verdade?
Tomado pela mesma jovialidade, Licínio respondeu:
— É claro que gostaríamos, Albertina e eu, de volver ao proscênio terrestre ao amanhecer do novo Milênio, a fim de podermos trabalhar pela extinção das sombras que, gradualmente irão cedendo lugar à peregrina luz da Verdade.
— E desde há quantos anos, o amigo se encontra fora do corpo físico?
— Há quase uma vintena de anos, o que não émuito, mas considero suficiente para estar preparado para os compromissos do amanhã.
No entanto, como sabe o caro amigo Miranda, tudo depende de muitos fatores que estão sendo considerados pelos nossos Maiores...
Estávamos edificados diante de tudo quanto ouvíramos através da narração das experiências bem vividas pelo irmão Licínio.
Compreendemos, então, que havia chegado o momento de nos despedir, porquanto as horas avançavam sem que nos déssemos conta e outros misteres esperavam-nos a todos.
Agradecemos ao novo companheiro, colocan do-nos às suas ordens para qualquer eventualidade, e, após abraçar-nos, retornamos ao pavilhão, Alberto e eu.