Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 14

IMPRESSÕES MARCANTES

Os dias transcorriam ricos de aprendizado.

O amigo Alberto revelava-se cada vez mais identificado comigo nos labores dignificantes do Nosocômio.

Sempre que lhe era possível convidava-me a excursionar pelas dependências do pavilhão, onde defrontávamos variados exemplos de queda e propostas de ascensão moral, de erros e programas de recuperação entre os pacientes.

Simpático e discreto, levava-me a visitar os companheiros de luta que não souberam aproveitar a oportunidade formosa da reencarnação, seja porque, fragilizados, não suportaram a carga da perseguição que sofreram ou porque, vitimados em si mesmos optaram pelo equívoco, quando deveriam conduzir o fardo de provações com elevada postura moral.

A verdade é que os internos daquele Nosocômio haviam recebido demasiadamente da Misericórdia Divina, que neles investira largo patrimônio de esperança, e retornaram vencidos, sem que os valores aplicados se transformassem em oportunidade de crescimento interior.

Pode parecer estranho, que pessoas informadas da imortalidade do Espírito e familiarizadas com o fenômeno das comunicações mediúnicas permaneçam vulneráveis aos tórridos ventos da alucinação terrestre, decorrentes do mergulho no organismo físico.

No entanto, a ocorrência é mais frequente do que parece.

Superados os primeiros períodos do entusiasmo com a constatação da imortalidade e a possibilidade de intercâmbio com o mundo espiritual, os indivíduos, que sempre estão à caça de novidades, com as exceções compreensíveis, adentram-se na rotina e não se estimulam a novas empresas de estudo e ação em favor de si mesmos e do seu próximo, deixando-se anestesiar pela indiferença, ou se permitem espicaçar pelo perfeccionismo, passando a descobrir erro em tudo e em todos, num mecanismo de autojustificação para a inércia a que se entregam, ou para o afastamento dos deveres que lhes dizem respeito.

A embriaguez dos sentidos é muito forte, e não raro prepondera em a natureza humana, dificultando o discernimento dos valores reais em relação aos transitórios.

Mesmo informados os indivíduos sobre a legitimidade da vida e como se desenrolam os programas de crescimento interior, escapam do dever, procurando mecanismos psicológicos de racionalização, para se comprometerem negativamente, estabelecendo vínculos psíquicos perniciosos com os Espíritos insensatos e maus que pululam em toda parte.

Por outro lado, não disciplinados pela escola do sacrifício a perseverar nos ideais de engrandecimento humano, quando defrontados pelos problemas e desafios, que são naturais em todos os empreendimentos, passam a demonstrar mau humor e desconfiança, transferindo-se para outras províncias de interesses imediatos, abandonando os compromissos relevantes.

Quando lhes sucede a desencarnação, porém, que sempre parece chegar quando não se a está aguardando, as tentativas de recomeço e reparação apresentam-se tardiamente e os conflitos assomam agora em forma de remorsos inúteis, que mais estreitam as amarras com os seus comensais criminosos.

O ser humano é sempre responsável pelas injunções que se propicia, e porque portador de livre-arbítrio e discernimento, deve optar pelo melhor, isto é, aquilo que lhe proporcione equilíbrio e felicidade real, sem a névoa dos enganos.

Cada paciente com o qual travara contato naqueles dias, ensejava-me vasto cabedal de informações para o próprio burilamento interior.

A todo instante, em cada um patenteava-se a lição que eu deveria insculpir a fogo na consciência: ninguém foge da Vida, e a mesma clamava aos meus sentimentos por compreensão e fidelidade máxima aos deveres que me diziam respeito.

Já me encontrava no Hospital psiquiátrico por duas semanas de enriquecimento espiritual, quando o Dr. Ignácio me informou que desejava levar-me às enfermarias onde se encontravam os irmãos sonâmbulos.

Certamente, não me era estranha a situação em que muitos Espíritos chegam à Erraticidade e cá permanecem por largo tempo anestesiados nos centros da consciência, até quando o Amor os recambia à reencarnação em processos dolorosos de recuperação.

Trata-se, muitas vezes, de suicidas, assassinados, psicopatas, pessoas que haviam sido vítimas de desencarnação violenta e cujo processo de despertamento era difícil em razão das circunstâncias que os arrebataram do corpo somático.

No entanto, a forma como o Diretor se referiu àqueles pacientes chamou-me particularmente a atenção, despertando-me saudável curiosidade.

Terminados os seus labores diurnos, às 20h.

o incansável médico me aguardava no seu gabinete, para onde rumamos, Alberto e eu.

Apresentando excelente disposição defluente do bem fazer e da alegria de servir, recebeu-nos com demonstração de afeto, logo dispondo-se a conduzirnos à área especializada.

— Trata-se de um lugar específico em nosso pavilhão — acentuou com delicadeza — onde se encontram amparados inúmeros Espíritos em estado de hibernação temporária.

A mente exerce em todos nós, conforme é do nosso conhecimento, um papel preponderante.

A denominada mente abstrata concebe e o nominalismo verbal envolve a ideia que passa a ter existência real, tomando forma e facultando-nos identificar pensamentos, coisas, pessoas, assim como intercambiar mensagens.

Quando essas formulações possuem conteúdo edificante, saudável, e aspirações nobres, transformam-se em paisagens de beleza e de alegria, favorecendo o bem-estar e a tranquilidade naquele que as cultiva.

Da mesma forma, quando tendem ao primarismo, ao exclusivamente sensorial, particularmente nas áreas do prazer e do mesquinho, igualmente se convertem em províncias de gozo rápido e sombrio, envoltas em névoa densa, na qual se movimentam e se vitalizam arquétipos grosseiros e princípios espirituais em transição evolutiva.

Noutras ocasiões, homiziam-se, nesses redutos mentais, Espíritos profundamente asselvajados que se alimentam dessas emanações deletérias em um círculo vicioso entre o paciente, seus hospedeiros e vice-versa.

Como efeito do baixo teor dessas vibrações, a mente degenera na seleção de mensagens e retraise, fixando-se apenas naquelas em que se comprazem os indivíduos.

Com o passar do tempo, quase monoidealizando-se, o Espírito deixa de emitir novos influxos psíquicos e o perispírito sofre alterações correspondentes, retraindo-se, volvendo às expressões iniciais... "Difere esse processo dos lamentáveis casos de zoantropía, licantropia e diversos equivalentes, porque não são produzidos por hipnose exterior, mas por exclusiva responsabilidade do enfermo. "Nunca será demasiado insistir-se na necessidade da educação do pensamento, na disciplina das aspirações mentais, nas buscas psíquicas relevantes, a fim de evitar-se o enredamento nas malhas das próprias construções idealizadas. " Descemos ao piso inferior, já nosso conhecido, no qual se encontrava Ambrósio, aproximando-nos de uma dentre várias enfermarias de maior porte, e adentrando-nos cuidadosamente.

Embora se tratasse de uma sala de dimensão expressiva, com janelas que davam para o exterior — mesmo a construção se encontrando em uma espécie de subsolo — as mesmas eram resguardadas por cortinas espessas para impedir a claridade que pudesse vir de fora.

Apesar da suave luz que se derramava do alto, pairava no ambiente uma tênue névoa pardacenta que cobria praticamente todo o ambiente acima dos leitos bem cuidados e paralelamente arrumados em ambos os lados, mantendo uma ampla passagem central que os separava.

Na parte do fundo, pude observar que havia alguns biombos, que recordavam os existentes nas enfermarias terrestres, para preservar a intimidade dos doentes.

Sentia-se também um odor nauseante especial, conforme percebera nas visitas a Ambrósio, enquanto diversas Entidades amigas, vigilantes e dedicadas, permaneciam silenciosas assistindo-os a todos.

Podíamos escutar também o ressonar pesado dos adormecidos, com variações de ritmo, que certamente representava o estado de torpor ou de pesadelo vigente em cada qual.

Acercando-se de um leito assistido por uma Senhora que denotava elevação espiritual, o Diretor saudou-a afavelmente e apresentou-nos sem maiores explicações.

—A querida amiga — disse-nos com naturalidade — e a genitora do irmão Agenor, que se encontra em estado sonambúlico, há mais de dois anos entre nos.

Com frequência vem visitar o filho e envolvê-lo em energias diluentes do casulo no qual se encarcerou.

A sua constância e amor têm contribuído eficazmente para o refazimento do jovem equivocado, lentamente arrancandoo da auto-hipnose que se permitiu embora inconscientemente.


A Dama, que irradiava cativante simpatia, sorriu, e acrescentou:

— Percebo-o mais calmo e já consigo emitir pensamentos que lhe ressoam na casa mental, convidando-o a sair do esconderijo onde se oculta.

Dr. Ignácio solicitou-me que me concentrasse na área correspondente ao encéfalo do adormecido.

Todo ele fazia recordar uma crisálida, no seu processo de transformação.

Havia adquirido estranha aparência, envolvendose em anéis constritores que se movimentavam ao ritmo respiratório. As formas convencionais e humanas haviam sido substituídas pela esdrúxula carapaça que o envolvia externamente, apesar de a respiração eliminar a mefítica substância que se adensava no ar em contato com a predominante no recinto.

Tomado de sincera compaixão, e mentalizando o Mestre Jesus, procurei direcionar o meu pensamento para a área correspondente ao cérebro, e, à medida que ali me fixava, pude observar que penetrava o envoltório grosseiro, podendo acompanhar a luta que era travada pelo Espírito mergulhado em angústia inominável.

Tratava-se de um encarcerado esforçando-se para libertar-se da constrição entre blasfêmias e imprecações, ameaçando-se de extermínio com interregnos de alucinação e gritaria infrene.

Pela sua memória repassavam, como numa tela cinematográfica, os atos que havia cometido e que respondiam pela situação penosa em que se encontrava, sofrendo inenarrável aflição que, no entanto, não o conseguia consumir.

Fixações mais severas repetiam-se em terrível continuidade, impedindo-lhe qualquer disposição para pensar ou elaborar algum mecanismo de libertação.

Nessa rude peleja surgiam com rapidez momentos de calma, que pareciam animá-lo, para logo recrudescer o tormento.

Naquela visão profunda, apareciam as imagens do passado, especialmente as decorrentes do uso infeliz que fizera da existência dedicada ao prazer, e, por fim, ao mergulho em distúrbio depressivo sob a ação mental de vingador inclemente que o induziu ao suicídio...


Retomando a lucidez e demonstrando a surpresa em torno do terrível flagelo moral que infelicitava o paciente, Dr. Ignácio veio-me em socorro, esclarecendo-me:

— Agenor, o nosso irmão, nasceu em lar feliz, amparado pela abnegação materna, que não soube valorizar desde os verdes anos da existência física.

Convidado ao estudo do Evangelho no Lar, realizado pela mãezinha, escusava-se, renitente e ingrato.

Reencarnara-se, como é normal, para recuperar-se de graves delitos, e o Espiritismo dever-lhe-ia ser a diretriz de segurança para caminhar com acerto, produzindo no bem e recuperando-se do mal que jazia nele próprio.

Embora a insistência da genitora, pouco assimilou das lições espíritas e cristãs.

Logo lhe foi possível, entregou-se aos disparates sexuais, enveredando pelas drogas de consumo fácil.

Nos intervalos, quando despertava dos estados de alucinação, encontrava a mãezinha vigilante a convidá-lo à mudança de comportamento, sem que os resultados se fizessem eficazes.


Nesse comemos, adveio a desencarnação da senhora, crucificada no sofrimento que ele lhe impunha, e, logo recuperando-se no Além, compreendeu que somente o tempo seria o grande educador do filho rebelde. "Os anos sucederam-se, multiplicando desequilíbrios no nosso paciente, que mergulhou em prostração e distúrbio de melancolia, em depressão, mais consumindo drogas, até que, inspirado pelos Espíritos perversos com os quais convivia mentalmente, desertou do corpo através de uma superdose. " Houve um silêncio, repassado de piedade e emoção, após o qual, continuou:

— Pode-se imaginar a dor materna; mas, submissa aos desígnios de Deus e conhecedora das leis que regem a vida, ao invés de censurar ou esquecer o filho, empenhou-se em prosseguir auxiliando-o, conseguindo ampará-lo além da morte com a sua posterior transferência para nossa Casa, depois de um período de tempo expressivo em que o mesmo permaneceu em região espiritual correspondente à situação de suicida.

Há quinze anos desencarnado, encontra-se entre nós, conforme informamos, há vinte e cinco meses em processo de recondicionamento e reequilíbrio. "Os momentos de calma, que foram observados, são já o resultado das induções abençoadas da genitora, que o tranquilizam por breves momentos, e que se irão ampliando até que sejam conseguidos mais significativos reflexos de paz no seu mundo interior desestruturado. " Porque se fizesse um silêncio espontâneo, alonguei o olhar na direção do leito próximo, e pude ver outro paciente envolto em vibrações escuras, que o apresentavam como se fosse uma múmia enlaçada por ataduras especiais que o mantinham imóvel.

Acompanhando-me a expressão de surpresa, o Benfeitor auxiliou-me o entendimento, informando-me que se tratava de uma deformidade muito especial do perispírito, que fora mutilado pela mente encarnada com ambições desmedidas, produzidas também por terrível incidência obsessiva de hábil hipnotizador sem a indumentária carnal, que induzira aquele Espírito a atitudes de perversão sexual demorada, levando-o a retomar a postura larval... "Não obstante — prosseguiu com gentileza — fosse conhecedor da vida após a morte, porquanto se houvera dedicado a experiências mediúnicas, as perturbações do sexo insaciável conduziram-no ao desrespeito pelo santuário genésico, corrompendo diversas pacientes que lhe buscavam o apoio terapêutico, porquanto se apresentava como portador de valores dessa natureza.

Médico que era, percebera que, na raiz de muitos transtornos psicológicos e distúrbios orgânicos, existem razões anteriores à concepção, face às consequências de condutas equivocadas em outras existências e subsequentes perturbações espirituais, concebendo estranho método de atendimento, e conseguindo, às vezes, dialogar com os desencarnados em perturbação, sensibilizando-os, em algumas ocasiões.

Com avidez incomum para amealhar moedas e açodado no comportamento sexual pela mente transtornada, seduzia as pacientes que o buscavam aflitas, mantendo conúbios infelizes sob a justificativa de que, através desse relacionamento, se lhes tornava mais fácil a recuperação da saúde.

Hábil, na conversação, e sedutor, iludiu algumas mulheres que lhe caíram nas teias ardilosas, e quando algumas se apresentaram grávidas, não trepidou em propiciar-lhes o aborto criminoso com que se evadia da responsabilidade paterna. "Como ninguém consegue desrespeitar as Leis da Vida sem sofrer-lhes as imediatas consequências, uma jovem se lhe afeiçoou apaixonadamente, transformando-se em fardo desagradável.

Havendo concebido dele um filho, e sendo obrigada a abortá-lo no quarto mês de gestação, ao ser desprezada com indiferença apelou para o suicídio, em que sucumbiu martirizada e desditosa...

Despertando em profunda desolação e vigiada por verdugos impenitentes, foi arrebanhada por um dos perversos inspiradores do insensato, que a conduziu ao campo vibratório do desarvorado, ampliando-lhe os tormentos mentais que já o sitiavam interiormente.

Vencido pela consciência de culpa, passou a recordar-se da jovem obsessivamente, a ouvi-la na tela mental e a desejá-la como anteriormente, enquanto prosseguia nos desatinos a que se entregava cada vez mais ávido e alucinado... " Dr. Ignácio acercou-se do leito e, convidando-me a observar profundamente o que existia além da camada externa que envolvia o Espírito, pude detectar-lhe a deformidade que o assinalava, fazendo recordar-me o estado de larva que precede à forma definitiva.

Somente que, ali, ocorria o oposto: as desvairadas aspirações que o dominavam perturbaram-lhe em demasia a mente, e a hipnose bem urdida pelos inimigos produziu na plasticidade do perispírito a degenerescência chocante que agora se manifestava.

Pude perceber também, que mentalmente continuava ligado à suicida que se lhe imantava ao pensamento embora estando distante, enquanto vozes desesperadas e acusadoras ressoavam na acústica mental, recordando-o dos crimes cometidos.

— Aqui está conosco, porque — explicou o esculápio amigo — apesar de todos os lances trágicos da sua infeliz existência, momentos houve, no início das experiências, em que procurou auxiliar desinteressa damente a diversas pessoas, quando socorreu como médico muitos enfermos pobres, e esse concurso no Bem não ficou desconhecido pelos Códigos soberanos.

O Senhor continua desejando o desaparecimento do pecado, do erro, do mal, não o do pecador, do equivocado, do doente que ficou mau, havendo sempre a bênção para o recomeço, jamais uma punição eterna ou um castigo sem remissão.


— E de quanto tempo necessitará para o despertar? — interroguei, impressionado: Com a sua proverbial prudência, respondeu:

—Não existe pressa no relógio da Eternidade...

O tempo é dimensão muito especial em nossa Comunidade, apesar de aqui nos encontrarmos sob as vibrações e o magnetismo do Sol.

Nesse caso, muitos fatores estão no acontecimento em si mesmo, aguardando solução adequada...

O certo é que, estando amparado em nosso pavilhão, isso já lhe constitui uma bênção de reconforto e de esperança após os longos anos de martírio em região particular para onde foi empurrado pelos seus algozes e comparsas espirituais.

Alonguei os olhos pelo ambiente repleto de leitos ocupados e senti-me estremecer de preocupação em relação a mim mesmo, bem como a todos aqueles que deambulam anestesiados pela ilusão, mantendo-se longe dos compromissos espirituais, ou mesmo quando tomam contato com as lições de vida eterna em quaisquer que sejam as doutrinas religiosas do planeta, e ao invés de adaptarem o comportamento às suas diretrizes moralizadoras, submetem-nas ao seu talante, continuando irresponsáveis e fingindo-se autosuficientes.

Havia muito que aprender.

Toda uma existência carnal, realmente, nada significa para o Espírito que deve crescer no rumo do infinito, ampliando a capacidade de entendimento da Realidade.

Após visitarmos com brevidade outros pacientes necessitados do divino amparo, porém socorridos pela caridade cristã incessante, dirigimo-nos à enfermaria de Ambrósio, que deveria experimentar nova.

terapia para o despertamento.



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