Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 18

SOCORRO DE EMERGÊNCIA

No dia seguinte, ao despertar, o drama que envolvia Augusto e Honório retornou-me à memória com acentuada nitidez.

Relacionava aquelas duas vidas, cujas experiências tiveram cenário em épocas e lugares diferentes, e, no entanto, se associaram de maneira tão perturbadora quão desastrosa.

Sem que houvesse algum vínculo pessoal, pelo menos aparente, passaram por experiências doentias que somente a bondade de Deus conseguira interromper. Perguntava-me, então: — Seguiriam diferente rumo ou voltariam a encontrar-se, a fim de diluírem quaisquer ressentimentos que permanecessem após as reflexões profundas dos acontecimentos nefastos? Haveria alguma ligação espiritual anterior negativa, que justificasse aquele intercurso obsessivo? Outras questões dentro do mesmo pensamento surgiram-me e tive que postergar esclarecimentos, aguardando o momento próprio.

Como de hábito naquele período, Alberto veio buscar-me para participar das atividades nas enfermarias, observando e aprendendo, e expus ao amigo as minhas inquietações.

Demonstrando interesse, foi sincero em responder-me que também ignorava as implicações em torno do caso muito especial.

Através do cicerone amável, fui informado que, ao amanhecer do dia imediato, teríamos uma reunião de atendimento espiritual a um companheiro encarnado, que se encontrava enleado em sutil obsessão, e deveria receber uma assistência mais especializada em nossa Instituição, o que era relativamente comum.

Esse ministério de amor acontecia com a finalidade de auxiliar os corações humanos reencarnados a sentirem de mais perto o amor de Deus e serem alertados das ciladas que lhes eram armadas pela invigilância e pelos inimigos da Causa do Bem na Terra, assim como dos seus próprios adversários, aqueles em relação aos quais cometeram desatinos, e agora se voltavam armados de ódio e dominados pela sede de vingança.

Para esse novo trabalho eu me encontrava convidado, devendo preparar-me convenientemente, como seria de esperar-se.

Não pude ocultar o júbilo, porque o tema da obsessão sob qualquer aspecto considerado sempre me fascinou, ajudando-me a entender o intrincado da Lei de Causa e Efeito no transcurso da evolução humana.

Desse modo, visitamos alguns dos amigos cujas experiências dolorosas anotáramos, oferecendo a contribuição da nossa fraternidade e, dentre eles, Honório, que apresentava sinais de visível melhora, embora a expressão dos olhos ainda denotasse fixação nos quadros do passado, conforme era de esperar-se e nos fora esclarecido.

Não é nada fácil a ascensão, a transferência do vale estreito para a adaptação no monte que alcança horizontes infinitos.

A longa peregrinação pelo charco produz diversos problemas ao organismo que se intoxica das emanações morbíficas, da umidade, do tremedal.

A medida que o ser ascende é convidado àadaptação lenta em cada patamar, a fim de no futuro poder contemplar as alturas e absorver o oxigênio puro a que não está acostumado.

O dia transcorreu enriquecido de experiências libertadoras, por ensejar-nos reflexões cada vez mais profundas em torno dos acontecimentos que elevam ou escravizam o Espírito, decorrentes da sua conduta anterior.

A visão da vida, desde o ponto de vista espiritual, elimina o mecanismo da culpa alheia e a consciência se transforma no acusador severo ou no benfeitor amigo de cada qual, relacionando os feitos existenciais que retornam vivos e pulsantes através do caleidoscópio da memória.

Às 23 horas e 30 minutos, Dr. Ignácio buscou-me no apartamento, ensejando-me apresentar-lhe as interrogações sobre o caso Honório.

Com muita sabedoria e simplicidade, explicou-nos que, nem todo novo encontro se trata de um reencontro, como aliás, é lógico.

Estamos diariamente fazendo novos amigos ou afastando-nos deles conforme as nossas ações.


No caso que me impressionara, fora o encarnado quem abrira brechas mentais para a parasitose espiritual, atraindo Mefistófeles pelo teor de vibrações emanadas pela sua mente em desalinho. E logo adiu:

— Cada experiência humana faculta vinculação com o objetivo a que se direciona, ensej ando novos relacionamentos ou dando prosseguimento aos antigos, sem que, necessariamente, esteja a repetir-se com as mesmas personagens.

Digamos, por fim, que foi meramente casual esse fenômeno obsessivo, face à similitude vibratória entre os dois cômpares espirituais.

Liberados dos laços da afinidade que os retinha em perturbação, marcharão por caminhos diversos, tendo em vista os valores que tipifiquem o processo evolutivo de cada qual.

Talvez possam encontrar-se, o que não será indispensável, porquanto despertarão em paisagens mentais próprias a fim de seguirem adiante no rumo do Infinito.

Quando silenciou, estávamos em um recinto que transcendia a beleza comum, na sua simplicidade quase comovedora.

Harmonias espirituais pairavam no ar, produzindo um estado de emoção especial.

De reduzidas proporções, era um santuário para as experiências mediúnicas e os intercâmbios com aqueles que transitavam na noite terrestre exercendo atividades muito delicadas.

Preservado de vibrações deletérias, convidava à meditação e à prece.

Ao nos adentrarmos, encontramos o nobre Eurípedes e sua dedicada médium, bem como outros Espíritos afáveis, para mim desconhecidos, que nos receberam com cordialidade e simpatia.

Dr. Ignácio, sem maior formalidade, apresentou-nos, explicando a razão da minha presença no labor espiritual da noite, e todos foram, a uma só voz, gentis e fraternos.

Alberto também já se encontrava presente, o que aumentou a minha alegria.

A reunião seria um pouco mais tarde.

A necessidade do encontro antecipado tinha por objeto favorecer-nos o contato proveitoso com o dedicado Eurípedes, que iria conversar conosco informalmente, conforme aconteceu.

— Dentre as atividades mediúnicas a que me hou vera afervorado na Terra — iniciou, o devotado amigo, a sua explicação — o tratamento com os obsessos sempre me significou ministério delicado e credor do maior empenho.

Acompanhar a trajetória de um ser submetido pela mente desarvorada de outro, que se utiliza da situação espiritual para reivindicar valores que lhe não pertencem, porque tudo procede de Deus, ou para exigir pagamentos morais por danos sofridos, sempre se me expressava como uma forma de sofrimento pessoal.

Isso, não somente por sentir a alucinação do hospedeiro, mas também por compreender a infelicidade do seu transitório hóspede.

Sempre que enfrentava essa pertinaz enfermidade, procurava penetrar no âmago do vingador para despertá-lo para a felicidade que adiava apenas por capricho, ignorância ou rebeldia.

Acostumado, no entanto, ao abandono que se permitira ou ao sofrimento a que se deixara arrastar, esse irmão do Calvário relutava em acreditar nos meus sentimentos, sempre supondo que eu guardava motivos subalternos, qual o de afastá-lo do encarnado e semelhantes, sem qualquer consideração pela sua dor.

Evitando discussões estéreis, sempre busquei irradiar simpatia e compreensão pelo seu drama, conseguindo sensibilizar um expressivo número de equivocados. "Na trama da obsessão, portanto, não apenas se encontra em desalinho o que chora e se desespera, mas também aquele que aplica o látego, o verdugo aparentemente insensível, que é sempre alguém que perdeu o rumo de si mesmo, por consequência, a identificação com a vida.

Acercar-se da sua situação penosa, mediante sincera emoção, é de significado profundo, porque a irradiação mental é mais poderosa do que a verbalização que pode ser destituída da vibração de legitimidade.

O amor, por consequência, éo mais poderoso recurso ao nosso alcance, expresso ou não, para ser utilizado, do que quaisquer argumentos bem urdidos, porém, escassos do recurso vitalizador que é necessário a todo aquele que se encontra em carência afetiva.


E os perseguidores são, invariavelmente, Espíritos em grande carência, desconfiados e áridos, porque foram vítimas de enleios e traições relacionados com os seus sentimentos de nobreza e de sinceridade. " Fazendo uma pausa oportuna, e mantendo a expressão da face muito serena, prosseguiu:

— Tendo em vista a necessidade de ressarcimento das dívidas contraídas pelo abuso da confiança que nos foi oferecida, torna-se-nos necessário o mergulho na carne, a fim de refazermos os caminhos, as afeições, as oportunidades.

Antes da viagem à reencarnação, ainda lúcido, o candidato promete fidelidade e devotamento, sintonia com os Amigos espirituais que ficaram na Erraticidade para os ajudar na desincumbência do dever.

Logo porém, que o corpo ensombra a lucidez espiritual, diminuindo-a, os impositivos da matéria passam a predominar no ser em recomeço, não poucas vezes afastando-o do caminho traçado.

Eis porque o Espiritismo, representando o retorno de Jesus à Terra através de O Consolador, desempenha a missão sublime de despertar as consciências adormecidas, facultando o intercâmbio direto com o mundo de origem, onde se haurem as energias indispensáveis ao cumprimento da tarefa e se dispõem das lembranças para o prosseguimento dos compromissos.

E também durante a vilegiatura car nal que têm curso os combates iluminativos, quando se devem reunir e confraternizar os antigos adversários, a princípio, sob o sufrágio da dor, porquanto defraudaram as Leis, sem que delas se possam evadir, para depois se renderem ao amor, à fraternidade. "Assim sendo, as matrizes que se encontram no perispírito — as marcas impressas pela consciência culpada — facultam as induções e fixações entre credores e devedores, expressando-se em aflições obsessivas para ambos atormentados.

Ninguém, pois, na Terra, que esteja isento da comunhão com os Espíritos, seja pela necessidade reparadora, manifeste-se através do impositivo da inspiração e do direcionamento feliz para o rumo que se pretende alcançar.

Esse relacionamento faz parte do processo da evolução, porque o crescimento ou a queda de alguém sempre repercute na grande família espiritual que constituímos.

Reconhecemos, portanto, que a reencarnação é sempre um grande desafio, especialmente para aquele que deseja realizar a meritória obra de espiritualização dos homens, a começar por si mesmo.


São muitos os impedimentos naturais que se levantam nessas ocasiões, tentando embaraçar ou dificultar a execução do programa delineado. " O querido Instrutor olhou suavemente para o Alto, como tentando colocar em palavras o que conhecia por vivência pessoal, e estava acima da verbalização, continuando:

— O carreiro carnal é sempre uma experiência de alto risco para quem deseja atingir as cumeadas da montanha das bem-aventuranças.

Recordandonos do Mestre, constataremos que Ele venceu os três montes que O desafiaram: o Tabor, onde se transfigurou esplendente de beleza diante de Moisés e Elias, que vieram reverenciá-lO, bem como dos discípulos que ainda não tinham dimensão da Sua grandeza.

Foi o monte da comunhão espiritual no seu sentido mais elevado.

O outro, foi aquele no qual Ele cantou as bemaventuranças, revolucionando os códigos de ética, de economia e de moral vigentes na sociedade, abrindo horizontes novos para o entendimento dos valores espirituais.

E, por fim, o Gólgota, onde, aparentemente vencido, triunfou, imortal, colocando a ponte para a perpétua comunhão de todas as criaturas com o Pai.

No primeiro, Ele desvelou-Se, no segundo estabeleceu as diretrizes do amor, e, no terceiro, viveu todos os ensinamentos que enunciou. "O Espírito reencarnado em tarefa libertadora sempre será chamado ao testemunho nos montes onde problemas equivalentes o aguardam: no primeiro, deve dar a conhecer o objetivo a que se dedicará; no segundo, cabe-lhe traçar as linhas de comportamento que adotará, e no terceiro, vivê-las até o momento final com equilíbrio e abnegação.

Não é demasiado, porque nunca faltará o apoio indispensável ao êxito, que procede do mundo espiritual vigilante e ativo.

Eis porque, iniciada a tarefa na seara, ninguém deve olhar para trás. "Reunimo-nos aqui, neste momento, para receber um querido companheiro que se encontra nas sombras terrestres com tarefa muito bem programada, mas caminha a largos passos para a loucura das paixões humanas a que ora se entrega.

Telementalizado pelos adversários do seu progresso, bem como por sistemáticos inimigos da libertação das mentes humanas das chagas obsessivas, deveremos convi dar o companheiro a reflexões acuradas e, mais uma vez, tentar dissuadi-lo dos objetivos vãos que está abraçando com louca sofreguidão, procurando na Terra o prazer e o engodo, a fama e a popularidade, esquecendo-se de Jesus, que vai passando para segundo plano, ou pior, que se torna instrumento de atração para os seus torpes desejos de sensações.

Quando se está muito preocupado com a própria promoção, esquece-se da razão do trabalho, que passa a lugar secundário.

Como a existência física é muito breve e logo se acaba, o iludido desperta no abismo do arrependimento tardio, assinalado pelos sofrimentos demorados. "Aguardemos, portanto, Edmundo, o servidor em perigo. " Nesse comenos, um grupo de amigos espirituais deu entrada no recinto trazendo Edmundo adormecido, que foi colocado em uma cadeira confortável e acolhedora.

Pude observar que se tratava de um jovem que ainda não completara quarenta janeiros.

O seu era um sono inquieto, que demonstrava desalinho interior.

Embora a aparência agradável, o como perispiritual apresentava-se com estranhas exteriorizações vibratórias, particularmente nos centros coronário e genésico.

Emitiam ondas de cores quentes, intermitentes, denunciando comprometimento dos fulcros geradores de energia.

Continuando a observação com mais cuidado, percebi-lhe dilacerações no campo modelador biológico de procedência inferior, que iriam manifestar-se posteriormente no corpo somático.

No centro cerebral estava instalada a matriz obsessiva, o que também se apresentava no aparelho sexual.

Certamente, os plugues de ligação haviam sido desligados magneticamente naquele momento pelos assistentes que o trouxeram para o encontro especial.

Interrompi as observações, porque o Instrutor exorou as bênçãos divinas para a atividade que se iniciava mediante comovida oração, após o que se aproximou do visitante e o despertou, chamando-o nominalmente com carinho fraternal.

Ouvindo-o, e despertando, Edmundo logo recobrou a lucidez, detectando com relativa facilidade o local onde se encontrava, não ocultando a surpresa que o acometeu.


Sorridente, percebeu o Mentor, que jovialmente o convidou à reflexão, sem maiores preâmbulos:

— Saudamo-lo mui cordialmente em nome de Jesus, a quem servimos.

Aqui nos reunimos e o recebemos carinhosamente com o objetivo de recordálo que esta não é uma viagem de recreação espiritual ou de compensação emocional.

Objetivamos, isto sim, acordá-lo para o cumprimento digno das responsabilidades assumidas antes do berço e que, neste momento, encontram-se em grave perigo para a sua concretização.


Fez uma rápida pausa, e com tom bondoso, mas enérgico, prosseguiu:

— Você partiu desta Colônia com um programa de ação espiritual muito bem delineado, no qual foram investidos muitos valores, e o atendeu por bom período da existência física.

Abeberando-se na inexaurível fonte do Espiritismo, saciou a sede de informações e despertou para a tarefa que deveria realizar. A mediunidade franqueou-lhe o acesso à Espiritualidade, que jamais deixou de regatear-lhe auxílio e apoio.

Agora, quando a notoriedade o alcança, facultando-lhe ensejo para ampliar o campo de serviço e dedicação a Jesus e à Sua Doutrina, você começa a comprometer-se com a frivolidade e o mundanismo. "Entendemos que esses adversários já se lhe encontram fixados no Espírito, responsáveis que foram por mais de um insucesso em existências anteriores.

Todavia, esta é a sua oportunidade feliz para servir ao Senhor, e não para dEle servir-se, como vem fazendo, repetindo a insânia para a qual recebeu altas dosagens de energia libertadora.

A mediunidade ostensiva é compromisso muito grave de consequências relevantes, que não pode ser utilizada mediante a irreverência e o despautério. "Não lhe deve ser vão o conhecimento espiritual para o transformar em espetáculo circense, que lhe exalta o personalismo doentio em detrimento da austeridade e da consciência de dever que lhe cumpre atender.

O investimento dos bons Espíritos está sendo malbaratado, enquanto a futilidade e a presunção assumem prioridade no seu comportamento. " Silenciou, facultando ocasião de serem as suas palavras apreendidas e memorizadas.


Ante o aturdimento de Edmundo, o Benfeitor continuou:

— Iremos recordá-lo dos compromissos a que você se vinculou e os vem desrespeitando sob induções de Espíritos vulgares, que ora se lhe associam à conduta mental e social, apoiados nas suas preferências transatas...

Olhando a senhora Modesto, a nobre médium desenrolou um pergaminho que trazia nas mãos e, com voz pausada, leu o programa que fora traçado por solicitação do medianeiro e sua anuência jubilosa a algumas propostas que haviam sido apresentadas pelos seus Guias espirituais.

Eu me encontrava pasmado.

Era a primeira vez que via uma atividade dessa natureza, mediante a exibição de um relatório no qual estavam arquivadas as responsabilidades de alguém comprometido perante as soberanas leis.

A voz melódica da senhora parecia derramar pérolas luminosas que eram os deveres que assinalariam a experiência do companheiro reencarnado.

— Você prometeu — prosseguiu com a leitura do documento — canalizar para Jesus e Sua Doutrina quaisquer homenagens e triunfos que lhe chegassem. Aceitou servir e passar, lutando contra as tendências inferiores;

superar o cerco da bajulação e reconhecer que a faculdade mediúnica não é propriedade pessoal, mas empréstimo superior, a fim de dignificá-la.

Você pediu a solidão, para recolher-se nos braços amorosos do Mestre; rogou o convívio com os sofredores, a fim de enxugar-lhes as lágrimas através das bênçãos da mediunidade; suplicou a simplicidade de coração, de forma que pudesse entesourar paz; empenhou-se para que a sua fosse a família universal, e todo esse seu esforço deveria ser direcionado para a iluminação de consciências, considerando o século como oportunidade de crescimento e não de usança desarvorada...

Por alguns minutos a médium vitoriosa repassou as informações contidas no pergaminho em luz, até concluí-lo.


Silenciando, Eurípedes perguntou-lhe com tris teza na voz:

— Que tem o querido irmão feito da fé renovada? Como se tem utilizado dos recursos mediúnicos, ora movimentados por forças inferiores? Como se encoraja a tentar unir César e Jesus no mesmo recipiente de prazer e proclamar que a vida deve ser fruída sem qualquer desvio das suas concessões?

Outras interrogações foram apresentadas com amor e severidade, a fim de que ficassem impressos na memória espiritual todos os acontecimentos daquela noite incomparável.

— Somando-se a esses desatinos de comportamento moral e psicológic o — prosseguiu o nobre Mentor — advertimo-lo que os Mensageiros que o amparam têm encontrado dificuldades para manter o contato psíquico, porque os seus centros de captação mediúnica estão sintonizados com as faixas de baixa frequência que decorrem das suas aspirações ocupadas por ativistas infelizes.

A mente do médium deve sempre estar vinculada aos ideais de enobrecimento, impedindo, desse modo, a interferência dos Espíritos vulgares, que se comprazem na ilusão, estimulando conduta equivocada, para mais estreitarem a comunhão psíquica com aqueles que os albergam no mundo íntimo.

Nunca faltam recursos preciosos para a preservação da saúde interior, tais: a oração, as leituras edificantes, o trabalho de socorro fraternal, tanto quanto o social que diz respeito aos valores existenciais, a meditação, o espairecimento sadio, a conversação edificante, o intercâmbio de pensamentos elevados...

Somente dessa forma, é possível preservar o psiquismo das incursões desastrosas, propiciadas pelos servidores das paixões subalternas.

Nesse sentido, o caro irmão tem-se permitido a cultura da ociosidade espiritual, negligenciando os deveres, para ter tempo de entregar-se ao culto da personalidade e ao prazer nas rodas elegantes do anedotário picante e vulgar, tanto quanto da exibição de valores que estão longe de ser legítimos...

Para onde pretende direcionar os passos? Que tem feito dos tesouros mediúnicos que deveriam ser aplicados para enxugar lágrimas e diminuir aflições? Onde o devotamento à causa do Bem? A simples presença nas reuniões que propiciam a exaltação do ego, nas quais a chocarrice e a insensatez campeiam, somente traz maior contingente de responsabilidade não atendida.

Torna-se urgente que faça uma avaliação de conduta, a fim de retomar a charrua sem olhar para trás.

Fracasso hoje, significa compromisso adiado para mais tarde com aumento de graves deveres. "Este nosso reencontro deve facultar-lhe o despertar da consciência e a visão real do compromisso com o corpo efêmero.

Não negamos a contribuição da psicanálise, a que recorreu para elucidação dos enigmas que dizem respeito ao sexo e aos conflitos que dele se derivam.

Todavia, convém considerar que o ser não se origina no momento da concepção fetal.

A sua carga genética é desenhada antes desse instante, através do qual o Espírito mergulha no fenômeno carnal...

As heranças morais se delineiam como futuros compromissos a serem resgatados, necessitando mais de seriedade moral na conduta do que placebos psicológicos, que contribuem para aparente melhora, mas não resolvem em profundidade o problema das responsabilidades assumidas, que ressurgirão em outras expressões.

Você solicitou determinadas inibições de natureza sexual, a fim de dedicar-se mais ao amor desinteressado de paixões, à convivência com os sofredores, compreendendo-lhes os transes porque passam, à renúncia de alguns prazeres, de modo a oferecer maior contributo aos labores espirituais...

Ademais, tornando-se visível o seu trabalho espírita, não lhe cabe o direito de desnudar os próprios conflitos e apresentar soluções equivocadas, que irão servir de modelo para outros corações atormentados, que buscarão a fuga ao invés do enfrentamento libertador. "Ninguém se evade do dever sem mais graves consequências. A reencarnação é bênção que faculta a reparação dos erros e propicia o crescimento moral mediante o dever retamente exercido.

A tarefa, que você escolheu, põe-no em contato com antigos companheiros de alucinação, hoje desencarnados, que ora se manifestam para demonstrar a sobrevivência, não obstante permaneçam alguns em estado de perturbação e desar, deixando sequelas vibratórias no seu campo mediúnico...

Para uma saudável vivência espiritual, torna-se imprescindível que a sua estrutura moral seja bem definida, no que diz respeito àelevação de pensamentos e nobreza dos atos. " Houve um silêncio expressivo.

O Benfeitor fez um sinal quase imperceptível, e dois auxiliares deram entrada a um Espírito visivelmente cruel, que estertorava no campo vibratório em que era conduzido.


Enquanto isso, dona Maria Modesto, profundamente concentrada, atraiu a Entidade violenta, que lhe tomou os recursos mediúnicos, logo esbravejando:

— Por que essa proteção a esse biltre? Não vêem que ele nos elege ao invés de aos senhores? Reencontramo-nos, por fim, após um largo distanciamento.

Atraído por ele e suas mórbidas exigências morais, vivemos agora em parceria.

Ajudo-o na dissimulação, na prática do exibicionismo, e devoro-lhe as entranhas, nutrindo-me com o ódio que lhe devoto.

Tomado de surpresa, Edmundo estremeceu e pôs-se muito pálido.

— Reconhece-o? — indagou-lhe Eurípedes — tomado de imensa compaixão.

— Como não? — Ripostou o visitante, que tremia, dominado por profunda emoção.

— Vivemos juntos em Paris, nos dias já longínquos do começo deste século, quando nos acumpliciamos ambos em relacionamentos perversos.

Eu experimentava peculiar intuição a respeito da sua presença no meu campo psíquico, mas não tinha certeza...


Não pôde alongar-se, porque o sicário interrompeu-o de chofre, praguejando:

— Tu sabes que a morte a ninguém devora.

Mais do que outros tens conhecimento da imortalidade e suas diversas vivências graças aos teus recursos mediúnicos.

Agora estás sob o meu comando, e não mais daquele que antes te conduzia.

As afinidades que existem entre nós, e que aproximaste mais quando optaste por nossos interesses, tornam-nos quase xifópagos espirituais.

Espero que, neste intercurso, predominem os meus sentimentos, arrastando-te aos sítios onde me encontro por tua causa.

Edmundo mantinha uma expressão de choque desenhada na face e respirava ofegante, quase transtornado.

Nas suas paisagens íntimas, a memória houvera desencadeado painéis que estavam cobertos pela névoa do olvido, mas permaneciam vivos e agora retornavam.


Com a elevação que o caracterizava, o Mentor dirigiu-se ao verdugo e atenuou-lhe a agressividade, informando:

— O amigo se refere ao conhecimento da imortalidade que o nosso Edmundo possui.

Mas o fato é idêntico em relação a você. Sobrevivente do carreiro carnal, permanece com os valores que amealhou e deles se utiliza.

Tomando a decisão de vingar-se do antigo companheiro de lutas, escorrega na mesma rampa da loucura, porque se torna vítima de si mesmo.

Ninguém tem o direito ou o poder de transformar-se em cobrador do seu próximo, buscando regularização de compromissos que ficaram em sombras.

A Vida a todos impõe suas necessidades, não cabendo a ninguém esse procedimento arbitrário e infeliz.

Da mesma forma como o nosso Edmundo agiu incorretamente, a sua conduta não lhe é diferente.

Até quando teremos a luta mudando somente de cenário, e prosseguindo a mesma batalha?

— Ele em nada se modificou — estertorou o enfermo espiritual — permanecendo vulgar e debochado, explorador da credulidade alheia e aproveitador sem caráter.

E destituído de sentimento de amor e de dignidade, porque o seu egoísmo o alucina.

Sempre foi assim a sua forma de viver.

— Não desconhecemos os problemas do seu acusado — elucidou o Instruto r — no entanto, não vemos condições de ser-lhe você o julgador impiedoso e o cobrador inditoso.

A sua atitude não é diversa da que ele vem mantendo. Não lhe cabe, portanto, a prerrogativa de apresentar-se como o braço da Lei que a tudo e a todos alcança, porquanto isso dá-se sem a intervenção de quem quer que seja...

— Haja o que houver — interrompeu o indigitado perseguidor — seguirei vingando-me, e ninguém me impedirá de fazê-lo.

Nossos laços de identificação muito vigorosos me facultarão isso.

Eu o conheço e os senhores não.

Compromisso com ele não tem qualquer sentido.

Os anos em que esteve cá, preparando-se para a nova experiência não lhe concederam as resistências necessárias para a auto-superação.

Foi um investimento muito valioso em pessoa sem dignidade...

— Quanto a isso — interferiu Eurípedes com brandura — não lhe cabe o julgamento por falta total de conhecimentos que lhe facultem o mesmo. A decisão veio de Mais Alto e ele aceitou a incumbência, havendo falhado em alguns pontos, é certo, graças também à sua interferência, o que lhe diminui a responsabilidade, mas estando ainda em condições de recomeçar e prosseguir com admiráveis possibilidades para o êxito futuro. "De nossa parte agradecemos a presença do amigo e suas informações, que serão levadas em conta, ao tempo que o envolvemos em vibrações de paz e de perdão, despedindo-nos por enquanto"...

Os assistentes acercaram-se da médium em transe e aplicaram-lhe energias anestesiantes, que terminaram por acalmar o agressor espiritual que se rebelava e esbravejava, levando-o ao sono refazente, e logo retirando-o do recinto.

No silêncio, que se fez natural, podia-se ouvir a respiração ofegante de Edmundo, que chorava, sinceramente comovido.


O amoroso Eurípedes acercou-se-lhe, tomou-lhe as mãos e falou-lhe paternalmente:

— Irmão da alma: tenha cuidado! Você acaba de conhecer a trama oculta que se desenrola na Erraticidade inferior para impedir-lhe o avanço.

Naturalmente, que nós, os seus Amigos devotados, não nos encontramos inertes, e esta reunião é uma demonstração disso.

Todavia, a sua cooperação será de inestimável valor em benefício dos seus deveres.

É necessário retroceder no caminho por onde tem seguido, para recomeçar a estrada da renúncia e do serviço de Jesus, por onde deve avançar.

Não se estremunhe ante a realidade, que lhe cabe entender para prosseguir.

Os dias terrestres são muito rápidos, por mais largos se apresentem.

Se você cumprir com o dever, retornará ao Lar vitorioso para os grandes momentos de felicidade que aguardam todos aqueles que são fiéis. "Iremos deixá-lo consciente do nosso encontro espiritual, a fim de que possa refletir e reprogramar os seus atos.

Sabemos que não será fácil, porque os seus aduladores encarnados e exploradores espirituais estarão vigilantes.

No entanto, a opção será sempre sua.

Tenha bom ânimo e confie no Senhor que nos ama.

Agora durma e repouse, para despertar em paz e em lucidez. " Começou a aplicar-lhe energias relaxantes, que adormeceram o médium visitante, que recuperou a expressão facial agora refletindo paz.

Logo depois, Eurípedes orou com unção, agradecendo ao Senhor da Vida pela concessão daquela madrugada, deixando-nos envolvidos num halo de alegria e de felicidade.

Antes que a reunião fosse formalmente dissolvida, os assistentes reconduziram ao leito o amigo reencarnado, enquanto os presentes, após saudações afetuosas, nos afastamos, cada qual buscando o seu próprio ambiente de repouso.


Dr. Ignácio e Alberto tiveram a gentileza de conduzir-me ao apartamento, e, durante o trajeto, indaguei ao sábio médico:

— Edmundo se recordará da experiência de há pouco?

— Sim — redargúiu, generoso.

— O inconsciente liberará as informações com bastante clareza, e as lições recebidas, tanto do adversário espiritual como do Benfeitor, voltarão à consciência, para lentamente se diluírem no esquecimento parcial.

— E terá possibilidades para retornar ao caminho do compromisso? — indaguei, com real interesse na sua renovação.


Sem fazer-se muito solicitado, ele explicou:

— Quando o Espírito reencarnado se enleia nas experiências do prazer sensual, demora-se obstinado na busca de novas sensações que lhe facultem o exorbitar das forças.

Face ao hábito que se lhe fixa, encontra alguma dificuldade em mudar de comportamento, exceto quando visitado pelo sofrimento depurador, que lhe dá dimensão da realidade na qual se encontra envolvido.

Não raro, as advertências espirituais do tipo das que acabamos de participar, resultam pouco frutíferas, em razão da obstinação da conduta irrefreada no sono carnal.

Entretanto, têm o valor de demonstrar as bênçãos do Amor Sem Limite que tudo investe em favor daqueles que se Lhe encontram comprometidos, a fim de que se não tenham do que queixar: abandono, desconforto, solidão, necessidade...

Nunca lhes faltam os recursos do Mundo Maior.

Saber aplicá-los é tarefa de cada qual. Oraremos, no entanto, e volveremos a inspirá-lo de diferentes formas, a fim de que aproveite a ensancha formosa que lhe está sendo concedida.

Nesse sentido, o Espírito Mateus, encarregado de o assistir, não medirá esforços nem meios para liberálo de si mesmo e daqueles perturbadores com os quais comparte as paixões desordenadas.

Chegando ao recinto generoso onde me hospedava, despedi-me dos amigos afetuosos e procurei o repouso, não sem antes meditar em torno das lições que nos foram ministradas naquele amanhecer de bênçãos.



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