Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 21

EXPERIÊNCIA INCOMUM

A minha mente esfervilhada de novas interrogações, que no momento não podiam ser esclarecidas.

O conhecimento do dr. Messier fascinava-me, e a sua naturalidade encantava-me.

Enunciava os conceitos com a espontaneidade daquele que os conquistou pela experiência após larga reflexão em torno da psique humana.

Embora já houvesse estado na área dos pacientes agitados, aquela enfermaria era-me totalmente desconhecida.

A psicosfera local apresentava-se densa e o ambiente fracamente iluminado, a fim de manter os pacientes na condição conforme se apresentavam.

Todos aqueles que ali trabalhavam movimentavam-se em silêncio respeitoso, procurando irradiar tranquilidade e compaixão, que se exteriorizavam por leve claridade que os envolvia, destacando-os na penumbra ambiente.

Ouvia-se o ressonar ruidoso dos internos, e espaçadamente alguns estranhos ruídos guturais, que poderiam ser gritos e apelos sufocados na angústia que os dominava.

Quando nos acercamos de um dos leitos enfileirados em duas ordens, uns defronte dos outros, deparei-me com uma cena surpreendente.

Sobre a cama havia algo semelhante a um casulo de expressiva proporção, como um envoltório mumificador ocultando o Espírito que se encontrava revestido por essa forma estranha.

Já conhecia a ocorrência com Agenor que, no entanto, não se consumara totalmente, como a transformação que agora estava diante dos meus olhos.

O Espírito assim revestido movia-se com dificuldade, aprisionado por resistentes fios sucessivos que o imobilizavam quase, apertando-o no hórrido envoltório de coloração cinza e de estrutura viscosa.

—A mente — sussurrou o esculápio, discretamente — produz material conforme a sua própria vontade, criando asas para a ascensão ou presídio para a escravidão.

O irmão Evaldo é prisioneiro de si mesmo. Não anotamos mais graves anomalias no perispírito, no entanto, encapsulou-se em fortes teias mentais degenerativas que o vêm retendo desde quando se encontrava na Terra, interrompendo-lhe a bênção da reencarnação.

Oculto nessa triste forma por vários anos após a viagem de retorno, soa-lhe o momento de iniciarse o seu processo de libertação, para o despertar da consciência em torno das responsabilidades que lhe dizem respeito.

A vida é incorruptível e jamais pode ter o seu curso alterado indefinidamente.

A inefável misericórdia do Pai está sempre vigilante, a fim de que todos os Seus filhos alcancemos a plenitude que nos está destinada.

Silenciando, analisou o paciente demoradamente, detendo-se na área cerebral igualmente oculta.

O seu olhar penetrante alcançava o ser infeliz que se escondia de si mesmo e gerara mentalmente o casulo para refugiar-se.

O atendente espiritual, que o cuidava, acercou-se prestimoso e explicou que as providências para o ato cirúrgico haviam sido tomadas, estando a equipe aguardando no Centro destinado a esse fim.

Anuindo à elucidação, Dr. Orlando autorizou a remoção do enfermo para a sala reservada para o mister, convidando-nos, a Alberto e a mim, a acompanhá-lo.

Na parte final da imensa enfermaria encontrava-se o centro cirúrgico, onde já estavam alguns membros do tratamento especializado que ali deveria ter lugar.

Apresentando-nos rapidamente ao gntpo, o paciente que fora trazido em cama com roldanas foi transferido para a mesa cirúrgica, iluminada por forte luz que se originava em lâmpadas próprias, qual ocorre nas mesmas circunstâncias na Terra.

O casulo, que tinha a dimensão de um homem, exteriorizava na parte superior a exsudação que se convertia em fio espesso sempre se concentrando em volta da cápsula densa.

Logo depois de ser proferida por Dr. Orlando uma oração fervorosa suplicando o auxílio divino, dois médicos ao seu lado tomaram posição em volta do paciente.

Tudo fazia recordar um tratamento cirúrgico conforme os padrões conhecidos no mundo físico.

Havia o instrumentador, o anestesista, que permaneciam concentrados, irradiando energia calmante que se direcionava para o chakra cerebral do adormecido e dois outros enfermeirosauxiliares que aguardavam instruções.

Nesse momento, percebi que o paciente encontrava-se sob ação hipnótica de uma energia que lhe chegava como ressonância psíquica e que o mantinha na estranha autopunição.

Compreendi que, mesmo naquele caso, estava diante de um processo obsessivo à distância, que deveria ser interrompido com muito cuidado.

O anestesista acercou-se mais e começou a aplicar bioenergia dispersiva na área do chakra coronario, onde se adensavam campos de magnetismo perturbador, como se podia depreender pela coloração escura condensada. A medida que eram aplicados os recursos libertadores e diluídas as sucessivas camadas que cobriam a região, interrompeu-se o fluxo exterior e o paciente agitou-se por alguns segundos dentro do envoltório confrangedor.

Foi a vez de Dr. Orlando, utilizando-se de uma lâmina semelhante a um bisturi a laser, tentar cortar os fios superpostos uns e interpenetrados outros, para alcançar a cabeça do enfermo.

A delicada tarefa era feita com perfeição, cortando os mais viscosos, exteriores, e adentrando-se naqueles que se encontravam consolidados internamente.

O cirurgião auxiliar, utilizando-se de uma pinça própria, mantinha aberta a pequena cavidade, enquanto era aprofundado o corte.

A medida que se fazia a incisão, aqueles fios grosseiros desmanchavam-se e se transformavam em um líquido nauseabundo, que escorria pela carapaça e a mesa, caindo no piso.

Os enfermeiros vigilantes recolhiam-no com vasilhames especiais, mantendo a assepsia do ambiente. A incisão deveria medir dez centímetros mais ou menos, tornando-se mais cuidadosa à medida que se acercava do ser espiritual ali encarcerado.

Logo depois, o outro médico ampliou-a de forma que alcançasse a dimensão de toda a cabeça numa linha reta.

Nesse instante, Dr. Messier, começou a bloquear o campo coronáriocerebral com algo semelhante a uma atadura que irradiava peculiar vibração para que impossibilitasse a exteriorização do psiquismo doentio do cirurgiado.

Para minha surpresa, constatei que era o próprio paciente quem emitia as sucessivas cargas de energia deletéria que lhe procedia da mente fixada na autopunição.

Quando a cabeça pôde ser vista, percebi que do seu interior vinham as ondas excêntricas, agora com menor intensidade, porque parcialmente impedidas pelo tecido vibratório de proteção, para evitar a ocorrência do processo danoso.

O anestesista direcionou as mãos para a parte desvelada e começou a aplicar a bioenergia que se exteriorizava em campos vibratórios de tonalidades azul-prateada e violácea, penetrando o cérebro perispiritual e modificando-lhe a coloração escura, enfermiça.

Enquanto esse processo se realizava, dr. Orlando continuou cortando o casulo da parte superior da testa para baixo, alongandose pelo tórax e membros inferiores, auxiliado pelo outro cirurgião.

Havia tensão nos especialistas que se encontravam profundamente concentrados no tratamento de emergência e de gravidade.

Transcorrida mais de uma hora, foi aberta toda a cápsula, deixando à mostra o Espírito infeliz, que se apresentava com hórrida aparência, esquálido, com várias excrescências tumorosas na face e por todo o corpo, como flores despedaçadas e apodrecidas, fazendo-me recordar as enfermidades parasitas que agridem os pacientes destituídos dos recursos imunológicos de defesa orgânica.

O aspecto era repelente e nauseante. No entanto, se tratava de um irmão colhido pelo vendaval das paixões, que retornava ao lar destroçado pela loucura de si mesmo, mas que nunca estivera ao abandono...

Carinhosamente foi retirado do molde grosseiro que o vestia e transferido para outra mesa próxima, onde o processo de auxílio prosseguiu.

Sobre as pústulas foram aplicadas substâncias especiais que eram concentrados de energia asséptica, para auxiliar o refazimento dos tecidos decompostos, e apesar de encontrar-se em sono profundo, o cirurgiado passou a gemer dolorosamente.

Os procedimentos de recuperação prosseguiram fortalecendo-o, enquanto os enfermeiros auxiliares retiravam os resíduos morbosos dos envoltórios que o vítimavam.

Concluída a intervenção cirúrgica, Dr. Orlando recomendou que se continuassem com os recursos de reenergização a cada quatro horas, tendo-se o cuidado de substituir a atadura vibratória que funcionava como bloqueador da mente em desalinho, a fim de evitar que novos comprometimentos pudessem ser exteriorizados.

O trabalho agora seria de despertamento de Evaldo ao primeiro ensejo, de modo a conscientizá-lo da necessidade de modificar o direcionamentO mental para o próprio bem.

Outras recomendações foram feitas, e após uma prece gratulatória saímos da sala com o hábil cirurgião e psiquiatra.


Logo nos afastamos do recinto e alcançamos o amplo corredor, não pude ocultar o interesse de aprender, e indaguei ao médico:

— Como explicar-se esse processo de encapsulamento que acabáramos de ver?


Sem nenhum desagrado ele esclareceu-nos:

—Convém ter sempre em consideração que somos aquilo que cultivamos interiormente.

O céu e o inferno são regiões interiores que habitamos conforme a postura mental responsável pelos nossos atos.

Exteriorizando essas preferências psíquicas, consubstanciamo-las em edificações que se tomam sustentadas pelas contínuas ondas do desejo e do interesse.

Quando outros indivíduos trazem os mesmos valores, reúnem-se forças que concretizam aspirações, dando lugar a regiões próprias dos pensamentos em ação.

Assim temos as províncias de provas e dores além do túmulo, tanto quanto aquelas de delícias e de paz.

Não poucos místicos e médiuns, em processo de desdobramento ainda na Terra, têm sido trazidos a esses sítios, o que deu margem aos conceitos míticos de inferno, purgatório, limbo e céu de forma concreta com as suas implicações religiosas e dogmáticas.

E óbvio que não os existem do ponto de vista material, consoante a propositura da física newtoniana ou linear.

Não obstante, multiplicam-se, em realidade, os campos e regiões de sofrimento, de angústia e de recuperação na Erraticidade, da mesma forma que os abençoados redutos de alegria, de paz, de bem-aventurança, conforme prometidos por Jesus no conceito do reino dos Céus. "Por enquanto, face ao primarismo que ainda viceja entre as criaturas, os desvios mentais e comportamentais têm projetado e vitalizado mais áreas para recuperação penosa do que lugares paradisíacos e edênicos. "Toda vez que a mente se fixa em algo, emite vibrações que se transformam em força correspondente, logrando atender ao direcionamento que lhe é proposto.


No caso do nosso irmão Evaldo, sua consciência de culpa elaborou um recinto escuro para ocultar a miséria a que se entregou, enquanto deambulava no proscênio terrestre na sua anterior e mais recente jornada. " Fez uma pausa tranquila, para ordenar o raciocínio e continuou:

— Nosso amigo partiu do mundo espiritual com definidos compromissos na área político-religiosa a que era afeito anteriormente e que não soube corresponder com o valor que deveria ser aplicado.

Fracassou, várias vezes, gerando situações penosas na fé religiosa abraçada, assim como no campo da política, que submeteu às paixões do dogmatismo e dos interesses inconfessáveis que o caracterizaram.

Muito comprometido espiritualmente, preparou-se para novo cometimento e recebeu o aval dos seus Guias espirituais.

Por mais de um decênio equipou-se de conhecimento e de valores éticos para atuar com elevação nos dois delicados campos.

Quando se acreditou em condições de reencetar a jornada, foi conduzido a um nobre lar espírita, sob a tutela de mãe generosa que lhe era anjo protetor, a fim de que o Consolador lhe facultasse compreender os compromissos assumidos e a Lei de Causa e Efeito o despertasse para o desempenho sagrado da tarefa. "Desde cedo, participou com a genitora dos estudos evangélicos no lar, em momentosos encontros de meditação e de intercâmbio, quando os Amigos espirituais inspiravam as conversações e direcionavam os interesses da família.

Participou das aulas de evangelização da época, indevidamente denominadas de catecismo espírita, e mais tarde tomou parte num dos primeiros grupos de mocidades espíritas que se iniciavam no Brasil.

Conseguiu destacar-se, exercendo liderança, porquanto, para tanto, fora preparado, enquanto simultaneamente estudava direito.

Bacharelando-se, teve a felicidade de ser convidado por hábil advogado político que o iniciou na difícil conjuntura administrativa do país, na qual conseguiu amealhar expressivos recursos financeiros.

Logo depois, consorciou-se com excelente companheira, e enquanto o triunfo lhe batia às portas, permitia-se o distanciamento da fé espírita.

É claro que se justificava como sendo vítima da falta de tempo, escamoteando o constrangimento que sentia de declarar-se espiritista nas altas rodas, nas quais agora se movimentava entre luxos e preconceitos mesquinhos. "O tempo é inexorável, e todos passam por ele, que permanece inalterado.

O Dr. Evaldo, então proeminente político, esqueceu-se completamente dos compromisso espirituais.

No auge do poder, tomado pela avidez desvairada para o enriquecimento ilícito, acumplíciou-se com amigos envolvidos em corrupção e, em breve, derrapou em terríveis enovelamentos morais, desviando verbas que deveriam atender necessidades urgentes e salvar vidas, transferindo-as para contas fora do país nos denominados paraísos fiscais. "Nesse interregno, face aos descalabros íntimos que não ficaram apenas na área dos comprometimentos políticos, mas também sexuais, vinculou-se a antigos inimigos desencarnados que o espreitavam, começando a hospedar psiquicamente hábil manipulador das forças mentais que passou a comandá-lo vagarosamente até apropriar-se-lhe com relativa facilidade do seu mundo psíquico. "Quando menos esperava, a esposa sofrida ante a conduta irregular do marido com a qual não concordava e o admoestava sempre que possível, foi acometida de um carcinoma que a vitimou em rápidos meses.

Surpreendido pelo infausto acontecimento, não tendo procriado, o insensato começou a atormentar-se, dando campo à consciência de culpa e procurando fugir de si mesmo.

Os valores amealhados de nada lhe valeram, porque não podiam minimizar os conflitos íntimos e a sensação de que a morte da mulher em condições muito dolorosas de certo modo era uma punição à sua conduta irregular, como se a Divindade se utilizasse de mecanismos mórbidos quais os dessa natureza. "Lentamente afastou-se da agitada vida mundana sob a justificativa da viuvez, e apesar de insistentemente convidado pelos comparsas, refugiou-se em pertinaz depressão que passou a consumir-lhe as metas existenciais, a razão de viver, qualquer objetivo que o pudesse arrancar da penosa situação. "A mãezinha, ora desencarnada, envidou esforços exaustivos para arrancá-lo da situação pungente a que se entregou, mas tudo redundou inútil, porque o torturado começou a perceber quanto a sua avidez contribuíra para a miséria de muitos seres humanos necessitados, os quais deveria defender e amparar através dos mecanismos políticos e da fé espírita que anteriormente esposara. "Tentando ocultar o drama, o seu inconsciente começou a criar a teia vibratória que terminou por envolvê-lo então sob o direcionamento do adversário espiritual.


Três anos transcorridos após a desencarnação da senhora, sucumbiu em triste ruína humana, negando-se à alimentação e ao tratamento especializado, que embora sob imposição vigorosa de outros familiares não logrou arrancá-lo do abismo da consciência culpada ao qual se atirara com sofreguidão. " Novamente o psiquiatra silenciou, demonstrando uma profunda compunção pelo enfermo. A seguir, concluiu:

— Em deplorável estado mental e físico desencarnou, jugulado à estranha obsessão por ressonância dos pensamentos perversos do inimigo que o aguardou no pórtico da imortalidade, encarcerando-o nos fios vigorosos da própria urdidura mental e recambiando-o para o escuso recinto onde se homiziava.

Ali, sob hipnose cruel, vergastou-o por mais de um decênio, após o que foi transferido para nosso Hospital por intercessão da mãezinha abnegada, aqui demorando-se até este momento, quando começa o seu processo de despertamento para o encontro lúcido com a realidade.

— Deus, meu! — exclamei — emocionado.

Quanto a aprender e a corrigir no mundo íntimo!


Alberto, sempre silencioso, aduziu com jovialidade:

— Não é por outra razão que o Mestre nos informou que mais será pedido àquele a quem mais foi dado.

De fato, quem possui a luz embutida na mente e no coração não pode andar em trevas, semear escuridão, para tanto, apagando a própria claridade íntima, pois que, sem qualquer dúvida, voltará a percorrer o mesmo caminho e o defrontará conforme o haja deixado.

Assim, emocionados e reconhecidos, despedimonos do culto e generoso médico, rumando ao gabinete do Dr. Ignácio Ferreira, onde éramos gentilmente aguardados.



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