Encontro com a Paz e a Saúde

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CAPÍTULO 2

CRISES E TURBULÊNCIAS

O vocábulo crise provém do sânscrito kri ou kir, significando desembaraçar ou purificar, dando origem às palavras acrisolar, crisol...

Desse modo, uma crise pode ser considerada como um crisol (substância química) que depura das gangas o ouro e outros metais preciosos, quando levados às caldeiras nas quais são derretidos.

Por outro lado, deriva-se do grego krísis, que se pode interpretar como uma mudança, um conflito que tem lugar em uma fase qualquer da vida, em razão de acontecimentos internos que não foram superados diante de outros que surgem com energias novas.

Todo processo de evolução, nos mais variados aspectos, experimenta periodicamente crises resultantes de avaliações que examinam os métodos comportamentais utilizados, abrindo espaço para novos investimentos, para experimentos outros ainda não tentados.

A crise é uma necessidade sociológica e psicológica, facultando melhor aproveitamento das oportunidades existentes, ensejando a coragem para serem realizadas mudanças de paradigmas assim como de condutas, sempre objetivando resultados mais saudáveis e práticos.

Da mesma forma como a crise se apresenta em caráter de falta, de luta, de transformação, também propicia novos rumos, conceituações compatíveis com as épocas e suas estruturas éticas, morais, sociais.

O mundo contemporâneo encontra-se em crise de valores, mas também em convulsão interna, na adaptação das placas tectônicas, nos fenômenos sísmicos disso consequentes, nas erupções vulcânicas, tempestades, ciclones - que sempre ocorreram na acomodação do planeta ao equilíbrio cósmico - assim como a sociedade que o habita, resultado das convulsões experimentadas pelas criaturas.

O homem, cuja palavra se deriva de húmus - terra fértil - do mesmo modo encontra-se em turbulência, como resultado da crise de valores em que se apoia, descobrindo que tudo a sua volta sofre os efeitos desse distúrbio, talvez necessário, no momento, a fim de surgirem novos conceitos e comportamentos.

Em toda parte no Universo existe um sentido de cooperação e não de competição, enquanto as criaturas humanas combatem-se, dominadas pelos interesses escusos em que se apoiam.

A sociedade é um todo, que deveria ser harmônico, mas os preconceitos nascidos no egoísmo e na prepotência, dividiram-na em grupos étnicos, sociais, raciais, culturais, comportamentais, religiosos, de onde se destacaram inumeráveis subgrupos sempre divisórios no que deveria ser unidade.

Os preconceitos são frutos espúrios da crise moral que atormenta o indivíduo insatisfeito com a própria conduta, exigindo privilégios para si, em face da insegurança psicológica no trato relacionai com o seu próximo.

Esse comportamento tem levado a humanidade à autodestruição, porque os grupos antagônicos reagem, uns contra os outros, tornando as crises existenciais verdadeiras guerras, que empurram para o fundo poço do desespero, do aniquilamento...

Torna-se inevitável uma reação de lógica e de compreensão: ou todos se unem em benefício do ideal comum, ou todos são arrastados pela caudal da loucura.

Nessa luta cotidiana é impossível a sobrevivência do vitorioso, caso ocorresse o surgimento de algum, indivíduo, grupo, nação ou continente, porque logo tombaria, vitimado em si mesmo, sobre os despojos do vencido.

Toda a cooperação, pois, torna-se necessária e urgente, a fim de que a grande crise que domina os quadrantes do planeta e todas as criaturas sencientes, especialmente humanas, possa viger nas consciências e nos pensamentos dos geradores de crises.

O próprio planeta sofre a devastação em diversas áreas, como efeito da crise de respeito pela vida, pela Natureza, pela mãe Terra, sendo indispensável que haja uma renovação de conceito em torno da sua preservação imediata, antes que o caos se estabeleça por definitivo.

E certo que a Natureza possui recursos próprios de auto-renovação, de autoreconstrução, necessitando, porém, de tempo e de condições propiciatórias para o cometimento que o ser humano não lhe faculta.

Então padece o efeito das chuvas ácidas, do envenenamento por metais pesados que extinguem o ozônio, intoxicam o oxigênio, alterando o clima em face do degelo dos pólos, das neves eternas, com a consequente aridez de terras antes férteis, desaparecimento de lagos e mares, aumento do volume de águas dos oceanos, desaparecimento paulatino de água potável, ameaças de todo lado...

Somente uma crise de consciência humana e sociológica poderá despertar aqueles que destroem o habitat, facultando-lhes a compreensão da responsabilidade e do respeito pelas imposições naturais do equilíbrio cósmico.

A inconsciência em torno da vida, o abuso dos recursos naturais, os exageros industriais e a prepotência de algumas nações respondem pelo estado em que se encontra a Terra, ameaçada e sem meios de superar a injunção, caso não sejam tomadas medidas salvadoras urgentes em favor da vida...

Tudo por efeito da crise moral que assalta o homem e a mulher dos últimos tempos, já lúcidos a respeito dos mecanismos planetários, mas indiferentes aos seus efeitos, como se não lhes interessasse o futuro, no qual, pensam, por certo, não estarão...

Engodo que se origina no conceito materialista em torno da morte como fim da vida, olvidando-se a lei do progresso e a de causa e efeito, vigentes em toda parte, mediante as quais o retorno ao caminho da evolução é inevitável, através da reencarnação, quando colherão a aspereza daquilo que estabeleceram durante a vilegiatura carnal anterior, quando depredaram, agrediram, destruíram as dádivas do amor de Deus em a Natureza...

Na raiz dessas crises, porém, encontra-se a ambição econômica dos seres humanos imediatistas, que tudo investem em favor do poder e do ter, na desenfreada pretensão de reunir bens materiais e consumistas, que o tempo se encarrega de demonstrar quão inúteis são em realidade.

Pensando apenas em si e não no grupo, esses estúrdios entesouram de qualquer maneira, atormentados pela sede de afirmação da personalidade no grupo social, pela ânsia do destaque, em face do autodesamor de que são portadores e da falta de confiança pessoal.

Necessitam do aval da sociedade, para convencer-se de valores que sabem não possuir.

Então surgem os desastres mediante as grandes crises individuais, coletivas e planetárias, que tomam conta destes conflitivos dias.


Crises existenciais

Em face dos avanços científicos e tecnológicos apressados e das ambições individuais quanto coletivas, na busca insana de mais acumular e desfrutar, surgiu quase que de golpe a insatisfação pelo que se tem, pelo já conseguido, dando lugar ao vazio existencial, responsável por conflitos íntimos preocupantes.

As moles humanas, desnorteadas, em face das falsas necessidades de acumular e de desfrutar, ao lado das ânsias desmedidas pelo prazer, fogem para as depressões coletivas ou para a violência, esperando encontrar nas ações agressivas o gozo que vem perdendo o sentido de gratificação.

Eis, então, os dislates de toda ordem, a sofreguidão para chamar a atenção, para a auto-realização exterior, cm face da frustração por não a haver conseguido int ornamente.

Surgem, inevitavelmente, as crises de comportamento, resultantes dos conflitos da emoção.

Embora, algumas vezes, a crise seja o portal de acesso a novas realizações, a revisão de valores que já se encontram superados e permanecem em vigência dificultando o acesso ao crescimento e à realização, na conjuntura conflitiva, torna-se tormento pessoal.

Durante a sua vigência, porque instalada em turbulência mental, com dificuldade de raciocínio e de discernimento, produz desequilíbrios variados.

Inicialmente, apresenta-se como falta de motivação para o prosseguimento dos objetivos que se vinha perseguindo e que perderam o significado psicológico, porque a saturação, que se fez inevitável, necessita de estímulos fortes para romper a sua couraça constritora.

A insatisfação, disso decorrente, perturba o humor e a alegria de viver, cede lugar ao tédio, à indiferença em relação a tudo quanto antes constituía enriquecimento interior e júbilo existencial.

Há, inevitavelmente, em todo processo de evolução, uma forma de descontinuidade, que se encarrega de gerar o seu prosseguimento.

O método utilizado durante um período em que revelou resultados saudáveis, torna-se inaceitável em outra conjuntura, exigindo reestruturação e mudança, conforme os padrões do conhecimento, dos processos ora vigentes.

Essa descontinuidade é fator estimulante para novas buscas e mais compatíveis realizações que acompanham a evolução do pensamento e das técnicas em uso.

A maquinaria humana, em face da sensibilidade emocional e dos extratos jacentes no inconsciente profundo, como no subconsciente atual, é sujeita a alterações contínuas, mantendo a sua individualidade e a sua personalidade, sem permanecer em condição de robô que atende a comandos repetitivos, sem reflexão, nem aptidão que lhe faculte a escolha.

O ser humano tem preferências, seleciona o que lhe compraz, elege aquilo que realmente lhe convém, dentro dos parâmetros dos interesses motivadores da existência.

Assim sendo, quando defrontado com o repetido ou o desafiador, não estando em equilíbrio emocional, desliza para fugas psicológicas, transferindo os conflitos de direção e disfarçando-os sob outras manifestações.

No fundo permanecem as raízes da insatisfação, que reflorescerão murchas e desfiguradas em outras apresentações conflitivas.

Os desafios fazem parte do crescimento emocional e intelectual do indivíduo, no entanto, paulatino, e não golpeante, contínuo, volumoso.

A atualidade permite através das comunicações virtuais e daquelas que são veiculadas pela mídia, volumosa carga de informações, especialmente degradantes e perversas que sobrecarregam o pensamento e a emoção, exigindo-lhes uma de duas condutas para melhor suportá-las: o receio dos relacionamentos, da vida, da luta ou o bloqueio dos sentimentos, a indiferença para aceitar novas informações perturbadoras e aflitivas.

Os temperamentos tímidos refugiam-se no medo e procuram soluções que não existem, evitando novos contatos, acontecimentos desgastantes, realizações geradoras de preocupações.

Os mais audazes, necessitando de viver mais pelo habito do que pela satisfação decorrente da existência, bloqueiam os medos e os conflitos, navegando nesse mar encapelado, na fragilidade da embarcação da autoconfiança e da autoindiferença pelos dramas existentes e pelos sofrimentos a sua volta.

Uns e outros, surpreendidos, no entanto, pelo im-positivo do progresso, obrigados à convivência social, que lhes é fundamental à vida, impulsionados ao crescimento, que é lei universal, entram em crise existencial, experimentando aflições que se lhes apresentam sobre-humanas, maiores do que a sua capacidade de as solucionar.

Não habituado à interiorização, à reflexão mental, procuram caminhos exteriores que não existem.

A psique humana tem quase a mesma idade do universo.

Desde a Criação que o psiquismo passou a formar-se sob o comando da Mente Divina.

Avançando mediante os processos naturais, através das expressões do Cosmo, alcançou o estágio de humanidade preservando todas as experiências ancestrais, que são os alicerces das suas conquistas contemporâneas.

Nada obstante, muitos substratos constituem-lhe resistências para a assimilação de novos impulsos de reflexão e de transcendência, permanecendo mais no cotidiano das questões simples do que nos grandes voos do pensamento ampliado.

A crise existencial é uma forma de ruptura com o passado, com alguns desses substratos, propiciando novos investimentos da inteligência e da emoção, a fim de surgirem outros patamares de apoio para as conquistas mais complexas da harmonia, que pressupõe equilíbrio, estabilidade, realização pessoal.

O ser humano possui profundidade que deve ser penetrada, superando a superficialidade do dia a dia, na busca das qualidades autênticas que o fazem diferente dos demais animais, não reagindo, não agredindo, não se destruindo, não se desequilibrando, graças ao discernimento que o leva aos atos compatíveis com os níveis alcançados de sabedoria.

Dessa forma, torna-se um elo que une e que reúne todos os seres na grande família universal, por enquanto, terrestre, avançando para Deus, que é a Meta mais elevada e que será alcançada a pouco e pouco.

As conquistas da inteligência através da ciência e da tecnologia, cujos avanços invejáveis perturbam, no momento, servem para facilitar o processo de harmonização interior e de administração de todas as conquistas, sem permitir-se o indivíduo submergir no volume das suas informações difíceis de ser entendidas em um momento único.

Portanto, cada passo emocional e mental deve ser dado com precisão e reflexão, superando uma fase a fim de conquistar outra, solucionando um problema para logo enfrentar o seguinte, fruindo o prazer de realizar o que lhe é importante, agradável ou não, indispensável, porém, para a conquista da saúde real.

Se se entender crise emocional como um crisol psicológico, logo se avançará para novos enfrentamentos e diferentes realizações que são essenciais no transcurso da existência.

Surgindo a crise existencial, é imperioso que sejam examinados os fatores indicativos e aqueles responsáveis pela sua origem, de modo a descobrir-se a solução no próprio acontecimento, mediante o desejo de resolver-se o impasse antes de permitir-lhe o agravamento, que sempre dá lugar à instalação de conflito angustiante.

O ser humano é constituído psicologicamente de resistências que lhe facultam enfrentar constantes desafios emocionais, graças aos quais a vida ruma na direção da auto-realização.

Crise existencial, portanto, é ocorrência normal, predispondo a avanços significativos na história do ser humano.

Ao invés do abatimento e do desconforto, do abandono dos objetivos, cabe ao indivíduo em crise, reconhecer que lhe é reservado o dever de enfrentar o acontecimento, somente ele, partindo, então, para experiências mais enriquecedoras, portanto, mais carregadas de desafios.


Crises sociais

Como efeito das crises existenciais nos indivíduos, surgem as de natureza social, inevitáveis, porque o grupo resulta do conjunto das unidades.

Desde que a unidade se apresenta em desconcerto, a inarmonia logo se faz identificar.

O mesmo ocorre no organismo físico, quando apenas um célula, perdendo a memória da sua mitose, propicia o surgimento do tumor, da anomalia.

O ser humano deve sempre racionalizar a sua ambição, direcionando-a para aquelas de natureza espiritual, portadoras de caráter permanente, porquanto, as efêmeras, que se caracterizam pelos desejos egoísticos, fazem-se geradoras de posses que ultrapassam os limites da capacidade de armazenar-se.

Transformando-se num tormento, advém-lhe a cegueira a respeito dos direitos dos demais e logo converte-se em verdugo da própria paz, assim como da harmonia que deve vicejar à sua volta.

Não se satisfaz com o conseguido, permanecendo em torpe anseio de mais acumular.

A sua abundância exagerada produz a miséria dos outros, fomentando ódios e desejos desenfreados de tomar-se-lhe uma parte que seja e que têm direito, esses infelizes, a qualquer custo.

Surgem, então, as crises econômicas, porque os governos - que são esses indivíduos ambiciosos e insaciáveis - abandonam os compromissos que assumiram com o povo, para tratar do seu e do enriquecimento do seu partido, da sua família, dos seus interesses inconfessáveis.

Dessas derivam-se as outras, que são de natureza social, quando as classes menos abastadas transformam-se em pasto para a exploração realizada pelos mais poderosos.

Aparecem, no cenário, em começo de conturbação, os partidos políticos apresentando filosofias atraentes, normalmente ilusórias e portadoras de grande poder hipnótico, seduzindo e arrastando fanáticos que se I ransformam em abutres devoradores, sempre voltados contra aqueles que lhes não compartem os propósitos.

As crises sociais culminam em convulsões de poderes, nas quais as massas insatisfeitas com o esmaga mento que sofrem rebelam-se e são normalmente fulminadas, em face da desigualdade de forças em litígio.

Kntretanto, não poucas vezes, conseguem assegurar o seu direito à vida mediante o derramamento de sangue, em cujas lutas as vítimas inocentes são trucidadas.

Entre incontáveis, a História conserva os exemplos inesquecíveis da Revolução Francesa de 1789, quando o poder absoluto dos reis, quase alçados ao status de divinos, provocou a revolta que se consumou em tragédias inesperadas, e, ao mesmo tempo, na fixação dos ideais dignificantes da sociedade: fraternidade, igualdade e liberdade...

Posteriormente, a revolução bolchevista de 1917, que teve Lênin à frente, tentando libertar o operariado e os camponeses, terminou nas alucinações do comunismo que voltou a esmagar as classes majoritárias mediante o poder oferecido ao politburo, partido que governou a Rússia entre 1917 e 1952.

Ocorre que, não apenas de alimentos vive a criatura e, por extensão, a sociedade, mas também da dignidade que é adquirida através da justiça social, quando se tornam acessíveis os bens inalienáveis da escola, do trabalho, da saúde, do repouso, dos direitos da liberdade de pensar, de ir-e-vir, de participação...

Para que as crises sejam superadas, sem converter-se em lutas destrutivas, necessitam da decisão, que equivale a um ideal por meta, que se estruture no bem-estar geral, no serviço em favor de outrem.

Sustentada por esse objetivo, torna-se dinâmica e procedente, porque se faz portadora de vitalidade criativa, convocando os cidadãos a uma tomada de consciência que produza frutos sazonados de progresso para todos, de fraternidade geral, de desenvolvimento artístico, moral, cultural, espiritual...

Essas crises, em tais casos, deixam de ser fenômenos perturbadores da sociedade para transformar-se em mudança necessária quão inadiável.

O seu momento crítico ocorre quando se substituem as lutas de classe por identificação de propósitos que culminam no entendimento fraternal das massas.

As pessoas deixam apenas de opinar para atuar, liberando-se da complexidade das palavras que ocultam os sentimentos, para desvelar aqueles que devem ser aplicados em realizações operosas e libertadoras.

Desse modo, a crise social é uma descontinuadora do modus vivendi e do modus operandi vigentes, ensejando novos métodos de comportamento para que ocorram as mudanças necessárias ao equilíbrio do todo social.

Naturalmente que as crises ocorrem quando se dá o esgotamento dos métodos para diminuir ou terminar com os fatores responsáveis pela perplexidade e confusão generalizadas.

Não se encontrando os recursos filosóficos e éticos que possam alterar os quadros existentes, criando novos caminhos e diferentes padrões de conduta, o desfecho será sempre danoso para todos.

Quase sempre os vitoriosos de um dia, passado algum tempo, tombam sobre os vencidos que fazem silêncio com a sua morte para que também se calem e desapareçam do cenário social.

Os ditadores periódicos e os seus coadjuvantes, ([uando no poder, dão a impressão de perenidade nos desmandos e no ultraje à sociedade e ao cidadão.

No entanto, de um para outro momento, vendavais inesperados desalojam-nos do topo e os atiram em masmorras sombrias e fétidas para onde anteriormente enviavam os seus opositores, experimentando a amargura da situação.

Incapazes de suportar os suplícios que aos outros impuseram, desertam do corpo pelo suicídio, quando não são assassinados pelo ódio popular ou pelos afic-cionados que, por sua vez, ambicionam substituí-los.

Por mais tempo permaneçam à frente das arbitrariedades dos próprios desmandos, o seu período de insânia passa, ficando a memória sombria da sua hediondez.

Outrossim, a velhice os carcome no poder, as enfermidades os devoram, sem que possam alterar e manter o curso dos acontecimentos, culminando na morte que se encarrega de encerrar-lhes o capítulo selvagem da cruel dominação.

As crises sociais, são, portanto, inevitáveis, até mesmo normais, como reação dos processos vitais da continuidade da vida.

Assim sendo, não se trata de uma desgraça, mas de uma necessidade de releitura do desenvolvimento da humanidade que, malconduzida, leva a calamidades que poderíam ser evitadas.

A vida nunca se desenvolve de maneira horizontal, sem ascendência e descendência, num todo descontínuo psicológico e organizacional, responsável pelas alterações e processos de mudanças que devem sempre ser para melhor e por todos partilhada.

À medida que ocorrem a evolução e a compreensão dos valores humanos, apresenta-se o acumular de experiências que se transformam em energias impondo diferentes rumos.

A permanência na mesma trilha de acontecimentos termina por dar lugar ao tédio, a uma parada no mecanismo de crescimento, gerando desconforto e desinteresse pelo fenômeno histórico da busca da felicidade.

Ter-se a coragem de deixar para trás tudo quanto foi adquirido com o pensamento firme nas infinitas possibilidades de realização alcançável, expressa uma crise social, quando o grupo não mais se conforma com as questões em que se envolve e aspira por mais elevados patamares de realizações.

Não havendo esse valor moral para produzir mudanças e alterar rumos, as crises sociais convertem-se em bolsões de inquietação, explodindo na violência pessoal, doméstica, urbana, nacional e internacional, contra quase todos, especialmente os menos equipados que sejam encontrados pela frente.

A turbulência, nessas ocasiões, toma conta dos sentimentos, e os indivíduos estiolam as propensões para a dignidade ante a revolta surda que explode em desespero malcontido.

Não desfrutando de liberdade de valores que dignificam a existência, de igualdade de direitos, de oportunidades, de realizações, surge, como fuga compensatória, a libertinagem que se mascara de licenças morais, advindo o desbordamento das paixões, mediante o erotismo enlouquecido, em forma de sensualidade desmedida, no abuso do álcool, do fumo, das drogas, dos jogos de azar, em buscas desesperadas pelo ter, exclusivamente com o fim de gozar...

Os governos injustos sabem dessa disposição das massas e cerram os olhos à devassidão, como um ópio para alucinar os viciados enquanto aqueles se locupletam nas situações grandiosas a que se guindam, astutos e insensíveis.

Em Roma, o imperador providenciava o pão e o circo, para diminuir a tensão popular, facultar o descarregar das pressões emocionais, no alimento do estômago e na selvageria sem limites das extravagâncias...

Infelizmente, dessas situações calamitosas, porém, surgem os novos rumos da História, como no passado, em relação às sociedades poderosas que se celebrizaram pelas glórias das conquistas e logo depois pelas vergonhosas bacanais a que se entregaram os senhores e os escravos, os patrícios e os servos, misturando as aflições na desenfreada busca do prazer.

Os impérios assírio-babilônio, persa, cartaginês, grego, romano, para citar alguns, no passado e, mais recentemente, o otomano, o austro-húngaro, como outros tantos, perderam as glórias conseguidas pela conduta facciosa e devassa a que se entregaram as massas e os governantes desastrados...

Na atual crise social, o fenômeno parece repetir-se e dar-se-á, sem dúvida, o mesmo, no momento adequado, quando forem requisitados cidadãos para preservar as conquistas da civilização e esses escassearem, convocando-se, então, soldados para atender a fome do monstro da guerra, última alternativa do poder em estertor.

Assim, inevitavelmente, as crises sociais sacudirão o planeta periodicamente, impondo reformulações administrativas e humanas, esboços históricos de equidade e de justiça, esforço de igualdade de direitos entre as diversas classes, correspondendo, com certeza, aos diferentes níveis de necessidades e de realizações especiais.

Trata-se da inexorável lei do progresso trabalhando os metais difíceis do comportamento humano e moldando as novas realizações que terminam no patamar da felicidade.

Exauridas as tentativas de mudanças de valores nos comportamentos sociais, diferentes formas de vida são apresentadas, expressando-se em crises, que podem gerar convulsões dolorosas como procedimentos plenificadores.


Crises gerais

A predominância do ego sobre o Se//responde pela crise de conduta, em razão da fragmentação do que deveria ser a unidade psicológica do ser, trabalhando impulsos descontrolados pela ambição do ter, ao invés da natural busca do ser.

Nessa ocorrência, a sombra escura arquetípica projeta-se exteriormente, gerando instabilidade emocional, em face da perda do senso de elevação e de construção da individualidade sob o impacto da personalidade em desalinho.

Inevitavelmente estabelece-se a turbulência interior, porque desaparecem os ideais mais relevantes, que devem ser cultivados e vividos, sendo substituídos pelas ilusões do cotidiano, responsáveis pelos tormentos menores que se agravam na sucessão dos tempos, adquirindo complexidade perturbadora.

Não possuindo estrutura de profundidade psicológica, essa ambição desvanecese no impacto com a realidade, porque tais procedimentos não oferecem os resultados anelados.

Logo que conseguido um objetivo, outro se apresenta mais exigente, e cada frustração ou insatisfação que se expressa, soma ansiedade ao sentimento, dando lugar à solidão e aos medos.

A ansiedade logo se manifesta como instabilidade cm relação às conquistas plenificadoras, desde que aquelas conseguidas são mais externas do que interiores de afirmação e de bem-estar profundo.

Deixam, por efeito, a sensação de vazio existencial, em face do conteúdo de que se revestem.

Assemelham-se a uma alimentação diária que, logo satisfeita, momentos após volta a apresentar-se como essencial à vida orgânica, exigindo repetição.

A solidão, de imediato, manifesta-se como efeito natural da qualidade íntima de interesse emocional pelas coisas, não se satisfazendo com o já conseguido, produzindo soledade - aqui expressa, em nosso conceito pessoal, como situação de abandono mesmo que no meio da multidão, ou quando acompanhado por outrem, este não consegue participar da interioridade do parceiro ou amigo, familiar ou conhecido, por mais que o busque e esforce-se por oferecer-lhe amizade e companheirismo...

Essas manifestações sutis do sentimento abrem espaço para a instalação dos medos surdos da realidade, gerando fugas psicológicas, que tanto se podem apresentar em manifestação de revolta - processo de transferência do fracasso pessoal - como em afastamento do mundo social em que se vive - vingança inconsciente em forma de ressentimento dos outros.

É inevitável que, somadas essas crises individuais presentes nas criaturas com dificuldades interiores não resolvidas, apareçam em volume, cada vez maior, as crises gerais, na sociedade, na política, na religião, na cultura, na arte, nos relacionamentos humanos, desbordando nas lutas infelizes em que os mais atormentados e mais hábeis fazem-se vitoriosos, passando a impor as suas patologias, e tornando-se invejados como vitoriosos.

O senso de equilíbrio cede lugar ao deslumbramento pelo fetiche da aparência, da fama, da glória de mentira, arrebanhando multidões de imaturos que se locupletam com as migalhas que sobram das mesas fartas desses desumanos triunfadores egotistas.

A solução do problema geral, porém, encontra-se na célula humana, no indivíduo que perdeu o rumo do equilíbrio e atormenta-se no individualismo perverso, sem haver entendido a necessidade do coletivismo saudável.

A sociedade contemporânea, de certo modo, é herdeira de uma competição individualista, por cuja conduta os poderosos de qualquer tipo, sempre acreditaram que a dominação dos outros constituir-lhes-ia segurança e autorealização.

Cercando-se de áulicos, igualmente ambiciosos e pusilânimes, acreditaram nos ardis engendrados pela imaginação desregrada, erguendo, para si mesmos, as posições de comando, que se transformaram em desmandos e desumanidades.

Foram aproximadamente quatro séculos de compe-titivismo cruel e sanguinário, em que a hedionda meta deveria ser alcançada sem qualquer princípio ético ou disposição moral, valendo somente o atingi-la.

Disso resultou muita ansiedade subjacente na conduta social, porque aquele que não alcançava o patamar do destemido e arbitrário, às vezes travestido de vencedor e promotor do progresso, sentia-se fracassado, perturbando-se no comportamento.

Na atualidade, vive-se o coletivismo, no qual as pessoas são padronizadas por modelos, quase sempre estabelecidos por indivíduos atormentados, que preferem o exótico por dificuldade de destacar-se na conduta normal.

Esses padrões transformam-se em cultos ao personalismo, ao mito, às falsas necessidades de comportamento, que esgotam as energias do sentimento e geram mais ansiedade e autodepreciamento, porque se torna qnase impossível atingir o denominado fator ideal, e, quando logrado, raramente pode ser mantido.

Vejam-se, por exemplo, as imposições dos padrões de beleza, violentando a harmonia orgânica e as programações genéticas, que estabelecem biótipos diferentes, jamais padronizadas pelos caprichos da mente.

Surgem, no seu servilismo, as tormentosas dietas trabalhadas na base da agressão ao organismo físico, as ginásticas excessivas, as massagens e cirurgias plásticas retifica-doras, as próteses de silicone e de outra procedência, com o objetivo de modelar o corpo conforme a alucinação momentânea, produzindo conflitos intérminos na juventude em particular, e, por extensão, nas demais pessoas instáveis psicologicamente, embora fisicamente amadurecidas.

De imediato, apresentam-se novos padrões de conduta, quais o excesso de erotismo, exaurindo o aparelho genésico e apelando-se para os variados artifícios, como o uso de substâncias químicas, a prática sexual através de exibições perversas, as quais, de natureza patológica, como as aberrações que culminam no sadismo, no ma-soquismo ou em ambos simultaneamente, adquirindo o apoio cínico dos veículos de propaganda, a fim de mais venderem os seus produtos moralmente venenosos.

A desonestidade, o suborno, a perseguição de partido, de crença, de etnia, de economia, a desvalorização moral da mulher, o desrespeito à infância e à velhice, mesmo que se negando a existência de preconceitos como se os mesmos estivessem ultrapassados, mas que continuam jacentes no inconsciente e na conduta atormentada de todos esses insatisfeitos que buscam novidades em razão de se encontrarem exaustos, tornam-se naturais e, embora censurados por um momento, logosão praticados em regime de cidadania legal...

Nada obstante, por mais que sejam aceitos socialmente, nunca se tornarão portadores de caráter moral, por atentarem contra os atributos sublimes do Self, que procedem do arquétipo primordial, causal, que é Deus...

Ninguém consegue fugir da sua essência, da origem divina, e enquanto assim proceder, buscando soluções mentirosas, viverá em crises contínuas, saltando de uma para outra, interminavelmente, porque insultuosas ao ser real, que é a razão essencial da vida.

Esse coletivismo malcomportado, significando a sombra coletiva doentia, apela para o poder da força em razão de haver perdido a força da razão e do sentimento, da harmonia interior que deve viger em cada indivíduo, a fim de propagar-se para o grupo social como efeito natural do desdobramento pessoal.

Mesmo essa crise geradora de conflitos guerreiros, divisores de comunidades, é lamentável processo de progresso, porque, advindo o cansaço, a exaustão das forças, o indivíduo começa a identificar a necessidade de harmonizar o ego com o Self em procedimento de convivência salutar, entendendo o significado existencial e trabalhando para a auto-realização, para a conquista real da saúde emocional, resultando em equilíbrio físico e mental.

Temas para reflexão: 744.

Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra? "A liberdade e o progresso. "

* "Não penseis que vim trazer paz à Terra; não vim trazer paz, mas espada. (Mateus 10:34)



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Mateus 10:34

Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada;

mt 10:34
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