Psicologia da Gratidão

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CAPÍTULO 9

7 A GRATIDÃO: META ESSENCIAL DA EXISTÊNCIA HUMANA

Visitado pelos transtornos emocionais de qualquer etiologia -

ansiedade, anorexia, bulimia, distimia, medo, solidão, depressão, dentre outros -, o indivíduo debate-se em aflições íntimas sem a capacidade mental lúcida para discernir a melhor maneira de conduzir-se.

A queixa e a reclamação constituem-lhe bengalas psicológicas em que busca apoio para a manutenção do estado mórbido, inconscientemente reagindo às possibilidades de refazimento e recuperação.

O sofrimento decorrente atira-o ao abismo do egotismo e da autocomiseração, tornando-se incapaz de adotar a conduta afetiva indispensável para a vigência da gratidão, o que lhe caracteriza o primarismo emocional.

Havendo, no entanto, amadurecimento psicológico, apesar da injunção penosa, dá-se conta do empenho que lhe cumpre desenvolver, de modo que conquiste a harmonia, ora desorganizada.

O Self lúcido, sofrendo o impositivo da sombra, aturde-se, e o ego enfermo predomina, criando dificuldades para a recuperação da saúde emocional.

Graças ao desenvolvimento psicológico, o impositivo da disciplina moral e o cultivo dos hábitos saudáveis proporcionam a vitória sobre os transtornos emocionais, evitando que se instale a depressão com toda a carga de prejuízos que proporciona.

Os estímulos que defluem do hábito de pensar corretamente contribuem para a produção dos neurotransmissores do bem-estar e o Self termina superando as imposições malsãs, controlando o comportamento que restaura a saúde.

Nesse embate exitoso, o sentimento de gratidão exterioriza-se como significativas emoções de reconhecimento que facultam experiências psicológicas de plenitude.

Equivocadamente, se pensa em gratidão quando somente sucedem as ocorrências felizes, quando são recebidos benefícios de qualquer tipo, dando lugar à retribuição como maneira ética do bom proceder.

Não desmerecendo o seu valor significativo, defrontamos, no caso em tela, vestígios de egotismo, por significar reconhecimento pelo bem que ao ego foi oferecido, e não pelo prazer de ser-se agradecido.

A gratidão real e nobre vai além da retribuição gentil, afável e benéfica, manifestando-se também nas situações desagradáveis de dor, reafirmamos, de sombra, de enfrentamentos agressivos.

Diante das mais graves tragédias, sempre se encontram razões para as manifestações gratulatórias.

Situações funestas que surpreendem em clima de terror e de debilitação das forças morais podem ser encaradas com menos angústia se pensar-se que, estando-se vivo, sempre haverá como lhes diminuir as consequências perversas e cáusticas.

Enquanto se pode lutar, embora as circunstâncias negativas dispõe-se de possibilidades de futuro encan tamento e prazer, construindo-se novos fatores de alegria e de paz, superando a noite tempestuosa e encontrando o amanhecer benfazejo.

Situações que parecem insuportáveis, quais aquelas dos fenômenos sísmicos destrutivos, do terrorismo e de outros crimes hediondos, quem os sobrevive dispõe de recursos morais e emocionais para louvar e agradecer.

Isso porque, permanecendo a existência orgânica, dispõem-se de meios para se diminuir os danos e reiniciar-se experiências evolutivas, tendo em vista que a vida verdadeira encontra-se além das dimensões somáticas...

Ademais, a filosofia das vidas sucessivas leciona que tudo quanto acontece ao ser humano, especialmente no que diz respeito ao sofrimento, e não foi ele quem o provocou, procede-lhe do passado espiritual, sendo, portanto, para o seu próprio bem.

Quando Jesus enunciou que no mundo somente se teriam tribulações, não apresentou uma tese pessimista, mas realista, em razão do processo evolutivo em que estagiam os Espíritos no corpo físico domiciliados.

Complementando o ensinamento, ele aduziu: [... ] mas tende bom ânimo, eu venci o mundo (Jo 16:33), demonstrando que o êxito é natural e inevitável se houver o empenho e a dedicação para consegui-lo.

Desse modo, em vez do receio e da rebeldia ante tais insucessos, a bênção da gratidão, porque a dor somente se expressa como investimento da vida em favor da plenitude do ser.

Nenhuma conquista ocorre sem o contributo do esforço, da temperança, da constância, do sacrifício.

A inquietação de um momento, examinada com cuidado e bom direcionamento, resulta na paz de outro instante.

Nos denominados livros sagrados de todas as religiões, que sempre exerceram um papel psicológico significativo no desenvolvimento das criaturas, à gratidão são reservados textos e páginas de conteúdo enriquecedor, envolvendo as emoções em encantamento e saúde, como resultado desse comportamento.

A Bíblia, por exemplo, é portadora de momentos ricos de exaltação ao sentimento gratulatório tanto no Velho como no Novo testamento.

O Livro de Jó, por exemplo, oferece o testemunho do amadurecimento psicológico de alguém que ama a Deus e que, mesmo sob o açodar das vicissitudes, O exalta e agradece a miséria, a enfermidade e a perda dos filhos, dos rebanhos, dos escravos e dos servos...

Essa conduta favoreceo com a restituição de tudo quanto se havia diluído durante o infausto período anterior...

Os Salmos cantam as glórias da vida e convocam ao júbilo perene, seja em qual condição esteja o ser humano.


...

E o Evangelho de Jesus é uma sinfonia de gratidão entoada em todas as fases do seu ministério.

Quando Ele enunciou que nos trazia boas-novas de alegria, propôsnos a felicidade, e esta, de imediato, adorna-se de gratidão.

O desenvolvimento emocional alarga os horizontes mentais do ser humano, contribuindo para a sua autor realização.

Nesse estágio, experiênciam-se conquistas íntimas relevantes: autoconsciência, tranquilidade, espírito de solidariedade, bem-estar e amor pleno.

Atingida essa faixa vibratória, pode-se viver no mundo sem as mesquinhezes do ego e suas deploráveis imposições: ciúme, insegurança, competição, medo e seus sequazes...

Nesse clima, o mal dos maus não faz nenhum mal, porque se lhe percebe o primarismo, a inferioridade, entendendo-o, desculpando-o e contribuindo para a sua erradicação.

A postura inevitável em circunstância desse porte não pode ser outra senão a da gratidão.


Ambições psicológicas e transtornos de conduta

Infelizmente, o ser humano atual renasce num contexto cultural imediatista, utilitarista, em que os valores reais são postos em plano secundário e é-lhe exigida a conquista daqueles que são de efêmera duração, porque pertencentes ao carreiro material.

A formação cultural e educacional centra-se especialmente na meta em que se destacam os triunfos de fora, as conquistas dos recursos que exaltam o ego, que o alienam, que entorpecem os melhores sentimentos de beleza e de amor, substituídos pelo poder e pelo ter, através de cujos significados acredita-se em vitória e triunfo social, econômico, político, religioso ou de outras denominações...

Raramente se pensa na construção interior saudável do ser que (re) inicia a jornada carnal, incutindo-lhe as propostas nobres da autor realização pelo bem, pelo reto cumprimento do dever, pelas aspirações da beleza, da harmonia e da imortalidade.

Tidos como de significação modesta, que se os podem reservar para a velhice ou para quando se instalem as doenças, tal filosofia da comodidade suplanta a busca do equilíbrio emocional e moral, porquanto se mantém no patamar dos prazeres sensoriais.

Perante esse comportamento, o egoísmo assinala o percurso da preparação do ser jovem, insculpindo-lhe na mente a necessidade de destacar-se na comunidade a qualquer preço, o que o perturba nesse período de formação da personalidade e da própria identidade, tomando como modelo o que chama a atenção: os comportamentos exóticos, alienantes, as paixões de imediatos efeitos, sem que os sentimentos educados possam fixar-se nos painéis dos hábitos para a construção da conduta do futuro.

Ressumam as culpas que lhe dormem no inconsciente e ressurgem as qualidades negativas, que deveriam ser corrigidas, mas que encontram campo para se expressar através da irresponsabilidade moral e comportamental em uma sociedade leniente, que tudo aceita, desde que esteja nos padrões do exibicionismo, da fama, da fortuna, da transitória mocidade do corpo e da sua estética...

Paralelamente, apresentam-se os vícios sociais como forma de participação dos grupos em que se movimenta, iniciando-se pelo tabaco, a seguir pelo álcool, quando não se apresentam simultaneamente, abrindo espaço para as drogas alucinógenas e de poder destrutivo dos neurônios, do discernimento, da saúde orgânica, emocional e mental.

Nessa conceituação, o importante é o prazer, e tudo se aceita como natural, normal, alegre, mesmo que seja à custa de substâncias químicas devastadoras e de comprometimentos sexuais desgastantes.

A cultura jaz permissiva e cruel, na qual a ética e a moral são tidas como amolecimento do caráter, debilidade mental, conflito de inferioridade com disfarces de pureza, em lamentável ironia contra os tesouros espirituais, únicos a proporcionarem saúde real e equilíbrio.

Lentamente, o exibicionismo do crime que se torna legal estimula ao desrespeito às leis da vida, quando os multiplicadores de opinião e pessoas ditas famosas, mais pela exuberância do desequilíbrio do que pela construção edificante, apresentam-se na mídia para narrar as experiências dolorosas dos abortos praticados, das traições conjugais, das mudanças de parceiro em adultérios chocantes ou relacionamentos múltiplos e promíscuos, como os novos padrões de conduta.

Marchando para a decrepitude que não demora para se lhes instalar no organismo gasto nas futilidades e na corrupção, subitamente se dão conta de que se encontram no exílio, ao abandono, no esquecimento, graças ao surgimento de outros biótipos mais ousados e paranoicos, experimentando remorso e fazendo lamentáveis quadros de depressão tardiamente...

À medida que a velhice lhes devora a vitalidade orgânica, e a morte se lhes avizinha, quando os não surpreende nas bacanais, nas overdoses, na luxúria e no despautério, desesperam-se e buscam novos escândalos para serem notícias que desapareceram da mídia que os explorou e consumiu, logo se apagando no silêncio do anonimato ou sendo estigmatizados pelos novos deuses de ocasião...

Nesse ínterim, manifestam-se os transtornos psicológicos, nas áreas da afetividade, da conduta, das emoções.

Sem as necessárias resistências morais para os enfrentamentos naturais que ocorrem com todos os seres vivos, apegam-se à negativa, posição cômoda para justificar a falta de valor íntimo, permitindo que a sombra lhes passe a governar os sentimentos angustiados.

Abre-se-lhes, então, a comporta emocional para a fuga psicológica e a transferência de responsabilidade para os outros, variando de algoz e sempre culminando no governo, em Cristo ou mesmo em Deus...

Essa conduta resulta da necessidade de realizar a compensação interna, libertando-se do autoenfrentamento para se transformar em vítima da família, da sociedade, da vida...

O significado da existência encontra-se também no transcurso em que se viaja na direção da meta colocada como determinante para o bemestar.

Nesse sentido, é necessário manter-se em atitude receptiva em relação aos dons do existir, retirando os melhores resultados de cada momento, sem angústia nem projeção para o objetivo pelo qual se luta.

Qualquer indivíduo que aspira ao bem e ao amor trabalha-se interiormente e recorre aos relacionamentos afetivos ou não, experimentando satisfação a cada momento, porque a experiência de ambos os sentimentos transforma-se em alegria de viver pelos conteúdos de que se revestem.

Há muita coisa no mundo da ilusão de que não se tem necessidade.

Nada obstante, o apego egoico às quinquilharias, às quais se atribui valor, atormentam o ser que as não possui, levando-o a uma permanente inquietação para aumentar a posse, acumulando inutilidades em detrimento dos bens internos que enriquecem a vida.

A preocupação em consumir é contínua, sem valorizar realmente as bênçãos de que se encontra investido na saúde, na lucidez mental, nos movimentos harmônicos, na afetividade compensadora.

Seria ideal que cada um que desperta para os bens imateriais possa afirmar, sorrindo: Quanta coisa eu já não necessito! Agradeço, portanto, a Deus, a dádiva de haver superado essa fase da minha existência.

Vencendo o conflito e o transtorno psicológico, a emoção gratulatória assoma e a satisfação existencial toma sentido no constructo pessoal.

Quando surgem os pródromos da gratidão, mesmo diante do que se considera falta ou insucesso, percebe-se a conquista da normalidade emocional e mental do indivíduo.

Anteriormente, as cidades celebrizavam-se pela presença das suas catedrais, cada qual mais suntuosa, demonstrando o poder e a grandeza da urbe.

Na atualidade, aqueles santuários vêm sendo substituídos pelos shoppings centers e pelos motéis atraentes e perversos...

Houve, de alguma sorte, a superação da beleza, da arte, da fé religiosa, mesmo que arbitrária anteriormente, para o consumismo, o tormento das aquisições e o relaxamento no prazer sexual de origem duvidosa e de efeitos perturbadores.

Em razão disso, surgem as crises, cada uma delas mais vigorosa, até o momento em que o indivíduo desperta para a mudança interior, agradecendo aquilo que lhe constituiu desventura e o despertou para a realidade.

Pessoas que tiveram morte clínica e retornaram, que estiveram a um passo da desencarnação por acidentes, que foram vítimas de ocorrências danosas, de perdas significativas, logo superado o período de aflição, mudam de conceituação a respeito da vida e dos seus valores.

Tornam-se agradecidas ao que lhes aconteceu.


Sonhos de felicidade e significado existencial

Conquistas e projetos de felicidade têm início no campo mental.

Razão por que a mente desempenha papel de alta relevância na construção dos valores humanos e do significado existencial.

É necessário sonhar, a fim de que as inspirações defluentes do amor possam transformar-se em realidade, enriquecendo a vida de atos dignificantes e saudáveis.

A conquista da felicidade depende de como se espera ser feliz, de quais os fatores que a proporcionam, da mais eficiente maneira de alcançá-la.

Desde que não se trate de uma aspiração do que é efêmero e logo se transforma, alterando completamente o seu sentido, é válido que o ser humano anele pela harmonia interior, pela aquisição do que lhe é necessário a uma existência honrada, desde o alimento que o nutre, às questões referentes à educação, à saúde, ao trabalho, ao repouso, mas também ao cultivo dos ideais de beleza que enriquecem o Espírito de estímulos para o prosseguimento das lutas edificantes.

Nessa busca de realização pessoal, base de sustentação para uma existência feliz, surge o desafio do significado existencial, no momento em que a sociedade experimenta a pandemia psicopatológica das vidas vazias.

Normalmente se acredita que a felicidade impõe como condição primordial o poder que facilita a aquisição de poder e de compra, bem como de todas as coisas que a complementam.

Nada obstante, o número de vidas perdidas no vazio existencial, porque assinaladas pelo tédio, pelo desinteresse, é mais expressivo entre os poderosos que buscam realização através de fugas psicológicas lamentáveis.

Em razão de lhes ser muito fácil conseguir tudo quanto lhes apraz, a pouco e pouco descobrem a perda do sentido existencial, porque o fixaram como efeito da posse.

Essa fuga psicológica, resultado do temor do autoenfrentamento, transforma-se em transtornos de conduta como irritabilidade, insatisfação, melancolia, solidão, por supor que todos quantos se lhes acercam estão mais interessados naquilo que têm do que neles mesmos, nos seus problemas, preocupações e afetividade, o que, de certo modo, infelizmente é quase sempre real...

Faz-se imprescindível, nesse momento, uma introspecção, uma análise íntima de como se encontra o indivíduo, procurando descobrir a maneira pela qual possa fruir de realização e de paz, tendo a coragem de realizar uma revisão de conceitos e entregar-se à nova busca.

A felicidade deve constituir o significado existencial, essa busca incessante do amor no sentido mais expressivo da palavra, a entrega afetiva em todas as maneiras de manifestar-se, facultando o preenchimento interior de alegrias e de esperanças, de belezas, de realizações relevantes, de emoções plenificadoras.

A intencional crença de que o amor sempre se vincula à satisfação sexual deve ceder lugar ao sentimento correto da afetividade ampla e sem tormentos da libido, expressando-se como intercâmbio de ternura, de equilíbrio emocional, de gratidão.

A gratidão é fundamental no comportamento do amor dirigido a Deus, à natureza e a todas as suas criaturas, animadas e inanimadas, sem e com a bênção do pensamento.

De imediato surge o trabalho que dignifica essa terapia que acalma, que produz a autor realização e que promove a sociedade, facultando o progresso sob todas as formas possíveis.

Quando o ser humano se dá conta do significado do trabalho na sua existência, amadurece psicologicamente e ama o labor, seja ele qual for, entregando-se sem paixão, mas também sem revolta ao mister de edificar.

Aquele que trabalha e retira do seu esforço a remuneração usufrui a satisfação compensatória da sua dedicação, enquanto experimenta o bem-estar que resulta do estado consciente de que é útil, de que produz benefícios para a Humanidade.

O trabalho apresenta-se-lhe também nesse caso como recurso psicoterapêutico para manter a harmonia interior, o prazer de contribuir positivamente pelo bem geral.

Oportunamente, dois homens dialogavam em uma via pavimentada de uma grande urbe.

Um deles era modesto operário semianalfabeto, enquanto o outro era um pensador de renome internacional.


Porque muito estimasse a companhia honrosa que lhe estava ao lado, o diligente trabalhador que não dispunha de títulos acadêmicos que impressionassem, mas que era amado pelos seus valores morais, num momento de entusiasmo durante o diálogo apontou para as lájeas do piso por onde seguiam e disse com incomum contentamento:

— Veja este piso.

Fui eu quem o pôs nesta rua, há alguns anos, quando trabalhava numa empresa que servia à Prefeitura local.

Nele havia um júbilo incomum, uma gratidão sem palavras pela oportunidade de haver trabalhado em algo que lhe proporcionava felicidade.

E, de fato, as lajes estavam muito bem colocadas, demonstrando a habilidade do obreiro que as arrumara no solo...

Realizado psicologicamente, o homem simples não tinha conflito existencial, porque a sua era uma jornada de trabalho e de amor ao que fazia, como corolário do amor que nutria pela família e por todos.

A sombra nele diluía-se suavemente no self consciente da sua realidade e dos seus limites.

Por outro lado, é comum pensar-se que um enfermo, alguém que experimentou um desastre emocional, outrem que se encontra sob o açodar de dores quase insuportáveis, mais alguém que padece a angústia da saudade de algum ser querido que foi arrebatado pela morte prematuramente, algumas vítimas de tragédias e mesmo alguns que permanecem imobilizados já não dispõem de um sentido existencial para continuarem vivendo.

Trata-se de um grande equívoco, porquanto o significado existencial paira acima de circunstâncias ditosas ou menos agradáveis, constituindo um desafio aos valores morais do indivíduo que, diante do denominado infortúnio, encontra uma razão pelo menos para suportar os sofrimentos e ultrapassá-los, considerando-os de grande utilidade para a sua realização interior e sublimação dos sentimentos.

Sentindo-se honrados pela situação de se tornarem modelos para outras pessoas menos resistentes ao sofrimento, transformam-se em expoentes da coragem, da permanência na situação em que se demoram, anelando o prosseguimento da vida física ou confiando nos resultados superiores decorrentes do comportamento depois do fenômeno morte, quando isso vier a dar-se.

Imortal, o ser psíquico transfere-se de uma para outra dimensão da vida, utilizando-se do corpo físico ou deixando-o, conduzindo as experiências valorosas ou degradantes da sua existência orgânica.

O significado, portanto, de uma existência madura psicologicamente amplia-se além da área fisiológica para prosseguir no rumo da imortalidade, na qual todos se encontram situados por condição da vida que deu origem.

Terminasse no corpo o significado existencial e todos os sacrifícios que engrandecem o ser humano perderiam completamente o seu sentido.

O sentimento predominante nessa como em outras circunstâncias logo se percebe: é o da gratidão, filha do amor, do trabalho e da resistência às situações penosas...


Sentimentos de mágoa e de desencanto

Existe, na criatura humana, um sentimento perverso e de autodestruição que a leva a guardar mágoas e desencantos, como se fossem importantes para o seu desenvolvimento existencial.

Certamente se trata de uma conduta masoquista, mediante a qual o indivíduo se transfere psicologicamente da alegria de ser para a satisfação de sofrer, assumindo uma atitude de vítima.

Não conseguindo, por debilidade de valores morais, superar as situações menos ditosas, acomoda-se na postura de sofredor, buscando sempre compaixão, quando deveria lutar para despertar o nobre sentimento do amor.

Numa longa existência é fácil perceber-se que as mágoas e os desencantos, porque muito comentados, tornam-se aparentemente mais numerosos do que os momentos de risos, de felicidade, de harmonia, de aspirações belas e generosas...

Não raro se observa que as pessoas preferem a chancela de não amadas à condição de pessoas amorosas.

Lamenta-se uma criatura de nunca haver vivenciado a felicidade, nada obstante casou-se, tornou-se mãe...


Se lhe disser que foi amada, talvez antes do casamento, e que também amou, mesmo depois, quando começaram as dificuldades, logo fugirá para a bengala psicológica, interrogando:

— Mas do que adiantou se logo mais vieram as decepções e chegaram as mágoas?


Afirmando-se-lhe que a felicidade de haver sido mãe, até mesmo sob o ponto de vista fisiológico, enriqueceu-na de momentos de júbilo e prazer, logo recorrerá ao falso mecanismo defensivo:

— Deus sabe quanto são ingratos e indiferentes esses ditos filhos...

Nessa conduta doentia, somente foram anotadas as angústias e frustrações, talvez proporcionadas por ela mesma.

Assim, o sentido existencial foi transformado em contínuo sofrimento, por causa da predominância do ego em todos os fenômenos da jornada.

O sofrimento desempenha um papel fundamental em todas as vidas, porque ninguém está isento da sua presença, em razão da transitoriedade da organização fisiológica.

O sofrimento, porém, poderá ser examinado sob dois pontos de vista: pelo ego assinalado por complexos inferiores e pelo self idealista.

O primeiro somente anotará desencanto e dor, porque os valoriza, sem a consciência de que esse fenômeno é perfeitamente normal e presente na estrutura orgânica de todas as formas vivas.

O segundo procurará extrair os melhores efeitos da reflexão durante a sua vigência, o significado moral, os recursos aplicados para superá-lo ou sofrê-lo sem a auréola do martírio, da projeção do ego renitente e doentio.

Não se faz necessária uma condição religiosa para esse comportamento, porque é também logoterapêutica, por proporcionar sentido existencial ao ser humano.

Muitas propostas filosóficas e psicológicas encontram-se enraizadas nos princípios religiosos mais antigos, que exerceram o papel dessas doutrinas antes que elas fossem formuladas.

Com o crescimento intelectual e tecnológico foram-se desdobrando, qual ocorreu, por exemplo, com a Psiquiatria que se ampliou na Psicologia, e esta se multiplicou em diversas escolas de comportamento, de terapia, de estruturação da psique e da personalidade.

Por tal motivo, aqueles que denominam a Psicologia como uma doutrina nova, resultado de elaboração algo recente, equivocam-se, porque os seus postulados modernos repousam em remotas religiões da Antiguidade tanto quanto nos postulados da Filosofia e das crenças populares de todos os tempos.

O ser humano é o enigma de si mesmo e, para melhor entendê-lo, sempre houve interesse de conseguir-se a sua interpretação.

As primeiras tentativas foram realizadas pelos filósofos que se depararam com o fenômeno da morte e passaram a buscar compreendêlo, para melhor decifrar os conflitos e os temores que se lhe instalavam.

Por outro lado, os denominados mortos sempre tiveram a preocupação de desmistificar a ocorrência apavorante, demonstrando a continuidade da vida em outras condições vibratórias.

Graças a esse interesse, surgiram as primeiras comunicações entre encarnados e desencarnados, que se não davam conta da magnitude dos eventos que lhes aconteciam na intimidade das furnas primitivas onde se refugiavam dos perigos...

O temor constituiu-lhes a primeira reação emocional ante o inusitado.

Para expulsar esses inesperados visitantes, que os assustavam, imaginaram as práticas exorcistas, através de tudo quanto a sua imaginação e sensibilidade acreditavam possuir poder mágico de os libertar daqueles que haviam desaparecido pela morte e, apesar disso, retornavam.

Nasceram, então, nessa fase, os cultos religiosos, alguns temíveis, consentâneos com o estágio antropológico em que se demoravam, sutilizando-se com o tempo até o momento em que foi possível a concepção dos recursos imateriais, de alto significado emocional, como a oração, a prática do bem, o sentimento de fraternidade aplicado em relação a todos, a ação nobre da caridade...

Apesar dessa formosa conquista psicológica, os atavismos perturbadores sempre ressumam no processo da evolução, sendo necessário que se os compreendam e os combatam, mediante o esforço da autoconfiança, da autor-responsabilidade, da auto iluminação.

A mágoa corrói os mecanismos eletrônicos do cérebro que passa a sofrer-lhe as ondas sucessivas de energia destrutiva, dando lugar a conexões distônicas no conjunto das reflexões e do comportamento, influenciando os sistemas nervosos simpático e parassimpático, ao lado de outros distúrbios.

O ressentimento, portanto, é ferrugem nas engrenagens da alma, que sempre necessitam do lubrificante da confiança e da alegria de viver, facultando bem-estar e harmonia pessoal.

Todo indivíduo lutador, que se mantém atento ao cumprimento dos deveres, com o tempo mental repleto de ideias edificantes e de preocupações positivas, dispõe de um arsenal de recursos para os enfrentamentos e as incompreensões que defronta pelo caminho.

Ninguém transita na Terra por caminhos sempre floridos e, mesmo quando existem muitas rosas, igualmente há inúmeros espinhos que possuem a finalidade especial de protegê-las.

Desejar-se uma existência física sempre risonha e fácil constitui imaturidade psicológica, estado de infância não vivida, que foi transferida para a idade adulta, porquanto em tudo e em todo lugar o processo de crescimento é como um contínuo parto que proporciona vida, mas que oferece também um quantum de dor.

Todos aqueles que atingiram as culminâncias do equilíbrio emocional e espiritual atravessaram regiões pantanosas de natureza moral entre amigos, correligionários e adversários, sem deixar-se permanecer nos redutos venenosos.

Igualmente venceram muitos desertos e experimentaram solidão e quase ficaram desamparados. No entanto, porque se mantiveram com o pensamento colocado no êxito e não apenas no caminho que deveriam percorrer, alcançaram os patamares róseos do sentido existencial, da vida plena, sem nenhum tipo de ressentimento, porque se deram conta de que a alegria sempre esteve presente durante o período áspero de esforço e de sacrifício.

Compreenderam que a semente que pretende ser árvore deve arrebentar-se para lograr o destino que lhe está reservado.

E, ao fazê-lo, veste-se de vitalidade e estua, crescendo e tornando-se bela, até o momento de explodir em flores e frutos, sementes e lenho a que se encontra destinada.

Assim também o ser humano, que necessita experimentar as transformações naturais que o arrancam do estágio de criança maltratada para a maturidade de adulto realizado.

Nesse processo está embutida a gratidão à vida e à oportunidade de ser pleno.

Terminasse no corpo o significado existencial e todos os sacrifícios que engrandecem o ser humano perderiam completamente o seu sentido.

O sentimento predominante nessa como em outras circunstâncias logo se percebe: é o da gratidão.



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João 16:33

Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.

jo 16:33
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