Dias Gloriosos
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MITOS E FANTASIAS
Herança arquetípica do trânsito pelos períodos iniciais da evolução do pensamento, o ser humano prossegue submetido à injunção dos mitos que se modificam na aparência, mas permanecem subjugando, impondo-se como forma de desenvolvimento cultural ou de fugas da realidade mediante expressões dos modismos que surgem amiúde.
Os vultos mitológicos do Panteão greco-romano, ou os deuses todo-poderosos da herança oriental têm ressurgido com força bastante singular nos mais diferentes períodos das transatas civilizações, tomando forma dominadora na atualidade.
O renascer de culturas bárbaras adotadas como exibicionismo pela moderna juventude, não apenas ressuscita atavismos que remanescem das suas reencarnações anteriores, ainda vivas no inconsciente, senão, também, como expressões violentas do instinto da sobrevivência, agressivo por mecanismos de defesa e de autorrealização, chamando a atenção exteriormente, a fim de ocultar os conflitos internos de cada um, a timidez, o medo da sociedade, assim formando novos grupos de identificação, nos quais se homiziam, dando largas ao primarismo neles jacentes.
Por outro lado, o mito que permanece vivo no indivíduo gera novos deuses, aos quais se submete, criando linguagem própria de comunicação, através da qual se sente elegido, depredando, agredindo os outros grupos sociais e consumindose na alucinação das drogas em terríveis estados de consciência alterados, que se manifestam em desequilíbrio e em morte.
O exacerbado culto ao corpo evoca o helenismo subjacente e os ideais dos gladiadores nas arenas, conquistando glórias enquanto matavam, promovendo o ego destruidor em detrimento do Self profundo e realizador.
Quando, no passado, isso não se fazia possível, eis que os mitos dos heróis vencedores se expressavam nas guerras, convocando às intérminas batalhas de destruição, nas quais a astúcia, a hediondez e o crime sempre tiveram predominância, expulsando a razão e a consciência, a fim de que o barbarismo predominasse esmagador.
Por outro lado, as expressões positivas dos mitos ancestrais constituíram instrumentos estimuladores para o crescimento de incontáveis gerações que se fascinavam com esses arquétipos inerentes ao ser humano, e procedentes das forças vivas da natureza.
Em face do desenvolvimento antropossociopsicológico, a identificação do mito como recurso de evolução experimentou uma necessária releitura, concluindo-se que, na maioria das vezes, transformando-se em fantasia, afastava as mentes e as emoções da realidade, propiciando fugas espetaculares para longe da realidade, com imensos prejuízos para o amadurecimento interior.
Parecendo haver sucumbido, os mitos perderam a força de expressão, não porém, de conteúdo, por estarem ínsitos na história evolutiva da própria criatura.
Recorde-se que, à medida que as velhas histórias da carochinha e outras foram sendo deixadas à margem nos programas educacionais, a industrialização dos povos e as lutas pela aquisição consumista das pessoas produziram terríveis vazios existenciais, roubando o significado profundo da vida humana.
Ante a ausência de uma linguagem psicológica própria para preencher essas lacunas de objetivo no transcurso da vida física, foram criados novos deuses, conforme os padrões comportamentais do momento, mascarando muitos conflitos e dando curso à vigência de mitos que pudessem superar a desinteressante e cansativa jornada operacional, com a qual o ser se encontra a braços.
Ressurgiram as músicas ruidosas, primitivas, exigindo os movimentos tribais do corpo, com os acepipes da exacerbada sensualidade, favorecendo os jogos exaustivos do sexo e da embriaguez dos sentidos, como fontes de prazer e abismos de esquecimento da responsabilidade de consciência perante as exigências da evolução intelecto-moral.
Os desportos ressuscitaram os seus gladiadores, nos mais violentos, ou trouxeram de volta os semideuses das competições de todo gênero, empenhados em vencer sempre, sem o menor respeito pelo prazer de competir.
O profissionalismo impiedoso disseminou organizações, algumas criminosas, sem dúvida, nas quais o atleta é apenas objeto de interesse comercial, que deve ser eliminado quando já não atenda às paixões mafiosas e às dos fanáticos que os adoram, matam e morrem por eles, terminando por devorá-los também...
O exacerbar das paixões produz o delírio das massas e os mitos comandam os espetáculos, violentos uns, selvagens outros, ridículos vários, na sua quase totalidade constituídos por fantoches que são conduzidos por expertos na arte de manipulá-los.
O prazer, em tais situações, torna-se substituído pelo gozo dos sentidos apenas, que combure, atirando no desespero pela conquista de outros novos e incessantes, sem que a satisfação proporcione beleza, tranquilidade, nem harmonia.
Com predominância nos mitos da violência, que sustentam e mantêm os instintos primários, de que o homem já deveria estar libertado, os festivais da loucura arrastam multidões de delirantes, que se entregam à volúpia, ao entretenimento desastroso, cujos desfechos são conduzidos pelas drogas, pela exaustão dos sentidos, pelos enfrentamentos homicidas, pela desintegração da identidade humana...
Tão cruel é essa irrupção mitológica na atualidade que, muitos dos seus aficionados, ao se entregarem à dominante avalanche informativa pela mídia desregrada, introjetam o mito do poder, da glória, da força e, desenvolvendo músculos e condutas, passam a acreditar-se como predestinados à imortalidade física, ao fascínio do arrastamento das multidões que os idolatram, tornando as próprias existências insuportáveis, que somente podem continuar levando, quando mergulhados nas drogas que os abatem e consomem nas infelizes overdoses.
No início, a busca de popularidade atira-os a todos no abismo, e quaisquer expedientes que chamem a atenção, seja através da figura abominável, jocosa, singular, exótica, dão lugar a um estereótipo que fascina os grupos desavisados, que estão sempre à cata de novidades... E ao se fazerem conhecidos, cercam-se de seguranças, disfarçam-se, em nome da privacidade que nunca tiveram, porque receiam ser descobertos, ter desveladas suas fragilidades e conflitos, somente conhecidos do grupo dos eleitos que os assessoram.
O ser humano, porém, avança para a Realidade, na qual, queira ou não, se encontra mergulhado, por ser centelha viva e inextinguível.
Lentamente, porque o progresso é inestancável, passa a onda que avassala por um momento, sucedendo à outra, que também desaparecerá, a evolução impõe-se inevitável, e a busca do Si propiciará diferente conduta, abrindo espaço para a autenticidade, para a interiorização, para o autodescobrimento.
Por muito tempo a prevalência do mito no inconsciente humano regerá o seu comportamento. Inobstante essa presença, desenhar-se-ão programas de ascensão, mediante os sonhos de beleza, de paz e liberdade plena, que darão surgimento a futuros arquétipos que se insculpirão no inconsciente, procedendo das experiências no mundo espiritual, onde a vida estua, e ressumando na Terra, onde se desenvolverão os programas da evolução.