Trigo de Deus

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CAPÍTULO 22

EIS AQUI O HOMEM (Nota)

A Sua presença incomodava.

A pulcritude e o absoluto desinteresse pelas quinquilharias humanas tornaram-nO antipático aos poderosos, e a Sua autoridade moral apavorava os fracos que se haviam investido de falsa força.

À medida que crescia sua realidade entre as pessoas, mais aumentava a onda dos ódios e ressentimentos contra Ele.

Insubmisso aos dominadores de Roma e de Jerusalém, não os respeitava, porque lhes conhecia as misérias, embora não os combatesse. Eles eram necessários aos seus coevos, que se lhes assemelhavam.

Seria breve o curso da Sua realização e Ele o sabia. Por isso, não se detinha ante nada, parecendo mesmo querer que tudo acontecesse, que Lhe chegasse a Morte, a fim de que triunfasse a Vida.


* * *

Desde a morte de Herodes, o Grande, a Palestina estava em conflitos, que se alastraram a partir da sua enfermidade.

Na demência do poder, a sua crueldade fez-se insuportável, e temendo não ser pranteado, após o decesso, quanto gostaria, deu ordens para que fossem aniquilados os judeus ilustres que mandara aprisionar no hipódromo, igualmente deixando instruções para que os seus guarda-costas matassem Antípatro, seu filho.

O reino ficou dividido entre os seus outros vários filhos, incapazes e pusilânimes, à exceção de Herodes Antipas, outro filho de Maltace da Samaria, sua quarta mulher, que mandaria degolar João Batista, a instância de sua sobrinha Salomé.

Sucederam-se, então, atos intérminos de violência, inclusive perpetrados por Arquelau, etnarca dos territórios da Judeia, da Samaria e da Iduméia. Incapaz de frear os acontecimentos em Jerusalém, convocou o exército e, num banho de sangue, ceifou três mil vidas, sendo exilado para Viena depois, aproximadamente em VI d. C. por ordem de Augusto...

Em tal desordem, a Palestina passou a ser administrada por procuradores militares, destacando-se, entre eles, Pôncio Pilatos, que se tornou famoso em razão dos acontecimentos que lhe assinalaram o período, com a prisão, julgamento e morte arbitrários de Jesus.

O poder religioso, confundindo-se com o civil e militar, criava no país uma rede infindável de intrigas, suspeitas e perseguições que tornavam insuportáveis as vidas brilhantes.

Os triunfadores de um momento eram, noutro instante, combatidos pelo medo de derrubarem os seus chefes, e as ameaças sucediam-se em malhas perigosas.

A Fortaleza Antônia, a noroeste do monte do Templo, vigiava a inquieta Jerusalém, desafiando o poder do Sinédrio e a prosápia exagerada dos sacerdotes.

É neste cenário de conturbação e paixões que se encontra Jesus.

Depois de preso sem culpa formal, vendido traiçoeiramente pelo amigo invigilante, Ele foi conduzido à presença de Pilatos, que desconhecia as tricas e astúcias religiosas desse povo apaixonado e vingador.

Aguardando um Messias que lhe concedesse o mundo, repudiava Jesus, que lhe oferecia a paz.

À doação eterna preferia a transitoriedade terrena e, para consegui-la, utilizava-se de todos os instrumentos imagináveis.

Após dialogar com o prisioneiro e deslumbrar-se com a Sua altivez, Pilatos não Lhe notara qualquer conduta ou pensamento passível de punição, desabonador. Tentara, por isso mesmo, negociar a Sua pela vida do salteador Barrabás, sem conseguir êxito.

A alucinação que tomara conta da massa, sustentada pelos profissionais açuladores dos ódios ali mesclados, queria o Justo, não o criminoso; o Sábio, rião o selvagem.

Para a multidão, é melhor matar quem lhe dá a vida, àquele que lhe insufla o ódio em cuja faixa sintoniza...

O herói provoca inveja, enquanto o réprobo, que inspira desprezo, é aceito, pois que serve de patamar para outros seus semelhantes mais astutos, que se destacam graças a eles...

Jesus não devia continuar vivo, pensavam os famanazes do poder temporal, e Pilatos não sabia como solucionar honradamente a questão.

Pusilânime, não impôs a autoridade que a Lex Romana lhe concedia. Quis negociar com o crime organizado e tornou-se um cristicida.

Mandou, antes, que O açoitassem, que O flagelassem, a fim de acalmar a malta, que se nutre de sangue inocente.


* * *

Cícero considerava a crucificação como a mais cruel e repugnante das penas, que os romanos aplicavam contra os rebeldes escravos e criminosos bárbaros. Em Jerusalém, ela era reservada aos criminosos comuns.


Parece ter-se originado entre os persas, com o objetivo de impedir-se a ação da impiedade dos delinqu

̈entes, coarctando a onda que se espraiava do crime pelo terror.

Jamais, porém, a pena de morte trará efeitos benéficos à sociedade ou evitará a criminalidade. Onde viceje, à sua sombra alastram-se a violência, o vício, os delitos mais vis.

Só a educação pode prevenir o mal e corrigir o erro.

Posteriormente, crê-se que foi Alexandre Magno, no seu expansionismo, quem difundiu a crucificação pelo Oriente Médio, sendo aprimorada e mais refinada pelos métodos romanos.

A vítima deveria antes ser despida e atada a um poste, passando a receber os açoites, normalmente em número de trinta e nove ou mais, com o flagrum, um chicote de couro com várias tiras ou correias, em cujas extremidades havia bolas de chumbo ou afiados pedaços de ossos de carneiro para dilacerar as carnes. Dois sicários aplicavam os golpes, nas costas e nas pernas, sucessivamente, lanhando-as e despedaçando-as, a fim de que as hemorragias quebrassem as resistências da vítima, sem possibilidade de sobrevivência ou de mais demora na cruz...

Jesus havia sido mandado de um para outro lugar e estava exausto, percorrendo, naquela noite sinistra, mais de quatro quilômetros entre um palácio e outro...

Ao ser retirado do madeiro de flagício, foi envolvido por uma túnica de púrpura escarlate e coroado de espinhos, em ultraje à Sua pessoa, em ironia ao Seu reino, sendo cuspido e azucrinado pela soldadesca.

Na mais terrível solidão humana Ele aceitou o fardo cruel da ingratidão dos amigos, um dos quais O negara, há pouco, por três vezes consecutivas...

O sangue e o suor abundante misturavam-se na borda das carnes dilaceradas.


Empurrado para o centro do pátio onde Pilatos se encontrava, este gritou para a turba:

— Eis aqui o homem!

Nenhuma emoção nos inimigos, príncipes dos sacerdotes e soldados. Mais ódio e rancor.


Em uma só voz, decretaram e selaram, não o destino dEle, mas, o próprio:

— Crucifica-O! Crucifica-O!

— Mas eu não encontro culpa nEle. Tomai-O vós e crucificai-O vós!

Um reino em desafio e um Rei em julgamento, numa noite de horror, que nunca mais passaria na história de trevas da humanidade.

— Nós temos uma Lei —bradaram os enlouquecidos adversários da Luz — e, segundo a nossa Lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus!

Jamais Ele dissera ser Deus, afirmando-se Seu Filho, como todos nós, e tornando-se o caminho para o Pai.

Era necessário demonstrá-lo, porém.

A luz cega os que se aprisionaram longamente nas trevas, e será aceita, bem recebida, vagarosamente. Assim, era necessária a Sua morte, para que das sombras do sepulcro viesse a claridade imortalista encontrar os Seus assassinos, na longa estrada das reencarnações, erguendo-os para os altiplanos da Verdade.

O processo era já irreversivel. Instalara-se a hora dolorosa na consciência terrena. As criaturas mergulhavam no abismo da insensatez, nele demorando-se milênios afora, em peregrinação de retorno.

Em Jerusalém preferiram Barrabás e rejeitaram Jesus.

Pilatos prosseguiu lavando as mãos sem limpara consciência culpada, sem jamais O esquecer, ele que teve a oportunidade máxima. Suicidando-se depois, mais perturbou o próprio futuro, ao invés de solucioná-lo.


Na sucessão dos séculos a consciência humana procura a vida, a libertação, enquanto ouve a voz confusa do procurador romano gritar para a massa, na noite hedionda:

— Eis aqui o homem!

(Nota) João 1:7 (Nota da Autora espiritual)



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João 1:7

Este veio para testemunho para que testificasse da luz; para que todos cressem por ele.

jo 1:7
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João 19:7

Responderam-lhe os judeus: Nós temos uma lei, e, segundo a nossa lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus.

jo 19:7
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