Nos domínios da mediunidade

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Capítulo XXX

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Acompanhávamos o Assistente, refletindo agora em nossa separação…

Achávamo-nos, Hilário e eu, preocupados e comovidos.

Ante o sol renascente, o campo terrestre brilhava em plena manhã clara.

Mudos e expectantes, renteamos com um homem do campo manobrando a enxada na defesa do solo.

Áulus apontou-o com a destra e rompeu o silêncio, murmurando:

— Vejam! A mediunidade como instrumentação da vida surge em toda a parte. O lavrador é o médium da colheita, a planta é o médium da frutificação e a flor é o médium do perfume. Em todos os lugares, damos e recebemos, filtrando os recursos que nos cercam e moldando-lhes a manifestação, segundo as nossas possibilidades.

Avançávamos e, em breves momentos, víamo-nos defrontados por singela oficina de carpinteiro.

Nosso orientador indicou o operário que aplainava enorme peça e observou:

— Possuímos no artífice o médium de preciosas utilidades. Da devoção com que se consagra ao trabalho, nasce elevada percentagem de reconforto à Civilização.

Não longe, surpreendemos pequena marmoraria, à porta da qual um jovem envergava o escopro, ferindo a pedra.

— Eis o escultor — disse Áulus —, o médium da obra-prima. A Arte é a mediunidade do Belo, em cujas realizações encontramos as sublimes visões do futuro que nos é reservado.

O Assistente prosseguiu enunciando importantes considerações sobre o assunto, quando passamos por alguns empregados da higiene pública, removendo o lixo de extensa praça.

— Aqui temos os varredores — disse com respeitoso acento —, valiosos médiuns da limpeza.

Logo após, contornamos um edifício em que funcionava um tribunal de justiça e nosso instrutor adiantou:

— Vemos aqui o fórum onde o juiz é o médium das leis. Todos os homens em suas atividades, profissões e associações são instrumentos das forças a que se devotam. Produzem, de conformidade com os ideais superiores ou inferiores em que se inspiram, atraindo os elementos invisíveis que os rodeiam, conforme a natureza dos sentimentos e ideias de que se nutrem.

Atingíramos, no entanto, o lar em que Hilário e eu nos dedicaríamos ao socorro de uma criança doente.

Nesse ponto da excursão, o orientador, esperado a distância, separar-se-ia de nós, por fim.

Áulus seguiu-nos, paternal.

Na intimidade doméstica, um cavalheiro maduro e a esposa tomavam café em companhia de três petizes.

Ladeando a mesa limpa e sóbria, descansava em larga poltrona o menino abatido e pálido que nos recolheria o esforço assistencial.

O instrutor fixou os olhos no quadro expressivo que nos tomava a atenção e exclamou:

— A família consanguínea é uma reunião de almas em processo de evolução, reajuste, aperfeiçoamento ou santificação. O homem e a mulher, abraçando o matrimônio por escola de amor e trabalho, honrando o vínculo dos compromissos que assumem perante a Harmonia Universal, nele se transformam em médiuns da própria vida, responsabilizando-se pela materialização, a longo prazo, dos amigos e dos adversários de ontem, convertidos no santuário doméstico em filhos e irmãos. A paternidade e a maternidade, dignamente vividas no mundo, constituem sacerdócio dos mais altos para o Espírito reencarnado na Terra, pois através delas, a regeneração e o progresso se efetuam com segurança e clareza. Além do lar, será difícil identificar uma região onde a mediunidade seja mais espontânea e mais pura, de vez que, na posição de pai e de mãe, o homem e a mulher, realmente credores desses títulos, aprendem a buscar a sublimação de si mesmos na renúncia em favor das almas que, por intermédio deles, se manifestam na condição de filhos.

E, num sopro de bela inspiração, concluiu:

— A família física pode ser comparada a uma reunião de serviço espiritual no espaço e no tempo, cinzelando corações para a imortalidade.


Em seguida, o Assistente leu o mostrador de um relógio e observou:

— Quem caminha com a responsabilidade não deve esquecer as horas.

Retirou-se, precípite, e seguimo-lo até a praça próxima.

Áulus fixou o céu azul em que o Sol como que se desfazia em chuva de ouro quintessenciado, e dispunha-se a enlaçar-nos, quando me percebeu o propósito mais íntimo, falando com humildade:

— Faça a prece por nós, André!

Reverente, pedi em voz alta:


— Senhor Jesus!

Faze-nos dignos daqueles que espalham a verdade e o amor!

Acrescenta os tesouros da sabedoria nas almas que se engrandecem no amparo aos semelhantes.

Ajuda aos que se despreocupam de si mesmos, distribuindo em Teu Nome a esperança e a paz…

Ensina-nos a honrar-te os discípulos fiéis com o respeito e o carinho que lhes devemos.

Extirpa do campo de nossas almas a erva daninha da indisciplina e do orgulho, para que a simplicidade nos favoreça a renovação.

Não nos deixes confiados à própria cegueira e guia-nos o passo, no rumo daqueles companheiros que se elevam, humilhando-se, e que por serem nobres e grandes, diante de Ti, não se sentem diminuídos, em se fazendo pequeninos, a fim de auxiliar-nos…

Glorifica-os, Senhor, coroando-lhes a fronte com os teus lauréis de luz!…


O orientador devia saber que ele próprio personificava para nós os benfeitores a cuja grandeza nos reportávamos; entretanto, não ousei pronunciar-lhe o nome, tal a veneração que nos merecia.

Terminada a oração, fitei-o de olhos úmidos.

Áulus não disse uma palavra.

Revestido de radiações luminescentes, dando-nos a entender que se despedia de nós igualmente em prece, recolheu-nos num só abraço e partiu…

À maneira de crianças, Hilário e eu, em pranto mudo de reconhecimento, contemplamo-lo, até que se lhe apagou o vulto ao longe.

Lembramo-nos, então, do trabalho que nos aguardava e, louvando o serviço que em toda a parte é a nossa bênção, passamos a socorrer a criança enferma, como quem se incorporava ao grande futuro…




André Luiz
Francisco Cândido Xavier

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