Nos domínios da mediunidade

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Capítulo V

Assimilação de correntes mentais


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Faltavam apenas dois minutos para as vinte horas, quando o dirigente espiritual mais responsável deu entrada no pequeno recinto.

Nosso orientador articulou a apresentação.

O Irmão Clementino abraçou-nos, acolhedor.

A casa pertencia-nos a todos, explicou sorridente. Estivéssemos, pois, à vontade, na tarefa de que nos achávamos investidos.

A essa altura, diversas entidades do nosso Plano colocaram-se junto dos médiuns que estariam de serviço.

Clementino avançou em direção de Raul Silva, perto de quem se postou em muda reflexão.

Logo após, Áulus convidou-me ao psicoscópio e, graduando-o sob nova modalidade, recomendou-nos acurado exame.

Foquei os companheiros encarnados em concentração mental, identificando-os sob aspecto diferente.

Dessa vez, os veículos físicos apareciam quais se fossem correntes eletromagnéticas em elevada tensão.

O sistema nervoso, os núcleos glandulares e os plexos emitiam luminescência particular. E, justapondo-se ao cérebro, a mente surgia como esfera de luz característica, oferecendo em cada companheiro determinado potencial de radiação.

Assinalando-nos a curiosidade, o Assistente explicou:

— Em qualquer estudo mediúnico, não podemos esquecer que a individualidade espiritual, na carne, mora na cidadela atômica do corpo, formado por recursos tomados de empréstimo ao ambiente do mundo. Sangue, encéfalo, nervos, ossos, pele e músculos representam materiais que se aglutinam entre si para a manifestação transitória da alma, na Terra, constituindo-lhe vestimenta temporária, segundo as condições em que a mente se acha.

Nesse instante, o irmão Clementino pousou a destra na fronte do amigo que comandava a assembleia, mostrando-se-nos mais humanizado, quase obscuro.

— O benfeitor espiritual que ora nos dirige acentuou o nosso instrutor — afigura-se-nos mais pesado porque amorteceu o elevado tom vibratório em que respira habitualmente, descendo à posição de Raul, tanto quanto lhe é possível, para benefício do trabalho começante. Influencia agora a vida cerebral do condutor da casa, à maneira dum musicista emérito manobrando, respeitoso, um violino de alto valor, do qual conhece a firmeza e a harmonia.

Notamos que a cabeça venerável de Clementino passou a emitir raios fulgurantes, ao mesmo tempo que o cérebro de Silva, sob os dedos do benfeitor, se nimbava de luminosidade intensa, embora diversa.

O mentor desencarnado levantou a voz comovente, suplicando a Bênção Divina com expressões que nos eram familiares, expressões essas que Silva transmitiu igualmente em alta voz, imprimindo-lhes diminutas variações.

Com a emotividade que nos invadia a todos, brando silêncio se interpôs, durante rápidos minutos.

Fios de luz brilhante ligavam os componentes da mesa, dando-nos a perceber que a prece os reunia mais fortemente entre si.


Terminada a oração, acerquei-me de Silva.

Desejava investigar mais a fundo as impressões que lhe assaltavam o campo físico, e observei-lhe, então, todo o busto, inclusive braços e mãos, sob vigorosa onda de força, a eriçar-lhe a pele, num fenômeno de doce excitação, como que “agradável calafrio”. Essa onda de força descansava sobre o plexo solar, onde se transformava em luminoso estímulo, que se estendia pelos nervos até o cérebro, do qual se derramava pela boca, em forma de palavras.

Acompanhando-me a análise, o Assistente explicou:

— O jato de forças mentais do irmão Clementino atuou sobre a organização psíquica de Silva, como a corrente dirigida para a lâmpada elétrica. Apoiando-se no plexo solar, elevou-se ao sistema neuro-cerebrino, como a energia elétrica da usina emissora que, atingindo a lâmpada, se espalha no filamento incandescente, produzindo o fenômeno da luz.

— E o problema da voltagem? — indaguei, curioso.

— Não foi esquecido. Clementino graduou o pensamento e a expressão, de acordo com a capacidade do nosso Raul e do ambiente que o cerca, ajustando-se-lhes às possibilidades, tanto quanto o técnico de eletricidade controla a projeção de energia, segundo a rede dos elementos receptivos.

E sorrindo:

— Cada vaso recebe de conformidade com a estrutura que lhe é própria.

Os confrontos de Áulus sugeriam belas indagações. A ligação elétrica gera luz na lâmpada. E ali? O contato espiritual, decerto, segundo inferíamos, improvisava forças igualmente a se derramarem do cérebro e da boca de Silva, na feição de palavras e raios luminosos…

O instrutor percebeu-nos a muda inquirição e apressou-se em aclarar:

— A lâmpada em cujo bojo se faz luz arroja de si mesma os fotônios que são elementos vivos da Natureza a vibrarem no “espaço físico”, através dos movimentos que lhes são peculiares, e nossa alma, em cuja intimidade se processa a ideia irradiante, lança fora de si os princípios espirituais, condensados na força ponderável e múltipla do pensamento, princípios esses com que influímos no “espaço mental”. Os mundos atuam uns sobre os outros pelas irradiações que despedem e as almas influenciam-se mutuamente, por intermédio dos agentes mentais que produzem.

A palavra serena e precisa do orientador compelia-nos à meditação, embora rápida.


Os claros apontamentos, em torno da energia mental, conduziam-me a preciosas reflexões.

Então, o pensamento não escapava às realidades do mundo corpuscular, ponderei de mim para comigo.

Assim como possuímos na Terra valiosas observações alusivas à química da matéria densa, relacionando-lhe as unidades atômicas, o campo da mente oferecia largas ensanchas ao estudo de suas combinações… Pensamentos de crueldade, revolta, tristeza, amor, compreensão, esperança ou alegria teriam natureza diferenciada, com característicos e pesos próprios, adensando a alma ou sutilizando-a, além de lhe definirem as qualidades magnéticas… A onda mental possuiria determinados coeficientes de força na concentração silenciosa, no verbo exteriorizado ou na palavra escrita…

Compreendia, desse modo, mais uma vez, e sem qualquer obscuridade, que somos naturalmente vítimas ou beneficiários de nossas próprias criações, segundo as correntes mentais que projetamos, escravizando-nos a compromissos com a retaguarda de nossas experiências ou libertando-nos para a vanguarda do progresso, conforme nossas deliberações e atividades, em harmonia ou em desarmonia com as Leis Eternas…

O solilóquio, porém, não devia alongar-se.


Nosso orientador, atento aos objetivos de nossa permanência na casa, chamou-me a novas observações:

— Repararam na comunhão entre Clementino e Silva, no momento da prece?

E, ante a nossa expectação de aprendizes, continuou:

— Vimos aqui o fenômeno da perfeita assimilação de correntes mentais que preside habitualmente a quase todos os fatos mediúnicos. Para clareza de raciocínio, comparemos a organização de Silva, nosso companheiro encarnado, a um aparelho receptor, quais os que conhecemos na Terra, nos domínios da radiofonia. A emissão mental de Clementino, condensando-lhe o pensamento e a vontade, envolve Raul Silva em profusão de raios que lhe alcançam o campo interior, primeiramente pelos poros, que são miríades de antenas sobre as quais essa emissão adquire o aspecto de impressões fracas e indecisas. Essas impressões apoiam-se nos centros do corpo espiritual, que funcionam à guisa de condensadores, atingem, de imediato, os cabos do sistema nervoso, a desempenharem o papel de preciosas bobinas de indução, acumulando-se aí num átimo e reconstituindo-se, automaticamente, no cérebro, onde possuímos centenas de centros motores, semelhante a milagroso teclado de eletroímãs, ligados uns aos outros e em cujos fulcros dinâmicos se processam as ações e as reações mentais, que determinam vibrações criativas, através do pensamento ou da palavra, considerando-se o encéfalo como poderosa estação emissora e receptora e a boca por valioso alto-falante. Tais estímulos se expressam ainda pelo mecanismo das mãos e dos pés ou pelas impressões dos sentidos e dos órgãos, que trabalham na feição de guindastes e condutores, transformadores e analistas, sob o comando direto da mente.

A elucidação não podia ser mais simples, contudo oferecia oportunidade a mais amplas indagações.

— Temos então aqui a técnica do próprio pensamento? — perguntou Hilário, com interesse.

— Não tanto — adiantou o interlocutor —; o pensamento que nos é exclusivo flui incessantemente de nosso campo cerebral, tanto quanto as ondas magnéticas e caloríficas que nos são particulares, e usamo-lo normalmente, acionando os recursos de que dispomos.


— Não será, porém, tão fácil estabelecer a diferença entre a criação mental que nos pertence daquela que se nos incorpora à cabeça… — ponderou meu colega intrigado.

— Sua afirmativa carece de base — exclamou o Assistente. — Qualquer pessoa que saiba manejar a própria atenção observará a mudança, de vez que o nosso pensamento vibra em certo grau de frequência, a concretizar-se em nossa maneira especial de expressão, no círculo dos hábitos e dos pontos de vista, dos modos e do estilo que nos são peculiares.

E, bem-humorado, comentou:

— Em assuntos dessa ordem, é imprescindível muito cuidado no julgar, porque, enquanto afinamos o critério pela craveira terrena, possuímos uma vida mental quase sempre parasitária, de vez que ocultamos a onda de pensamento que nos é própria, para refletir e agir com os preconceitos consagrados ou com a pragmática dos costumes preestabelecidos, que são cristalizações mentais no tempo, ou com as modas do dia e as opiniões dos afeiçoados que constituem fácil acomodação com o menor esforço. Basta, no entanto, nos afeiçoemos aos exercícios da meditação, ao estudo edificante e ao hábito de discernir para compreendermos onde se nos situa a faixa de pensamento, identificando com nitidez as correntes espirituais que passamos a assimilar.

Hilário pensou alguns instantes e, estampando na fisionomia o contentamento de quem fizera importante descoberta, falou satisfeito:

— Agora percebo como podem surgir fenômenos mediúnicos em comezinhas situações da vida, tanto nos feitos notáveis da genialidade, como nos dramas cotidianos…

— Sim, sim… — acentuou o orientador, agora preocupado com o tempo que a nossa palestração consumia —a mediunidade é um dom inerente a todos os seres, como a faculdade de respirar, e cada criatura assimila as forças superiores ou inferiores com as quais sintoniza. Por isso mesmo, o Divino Mestre recomendou-nos oração e vigilância para não cairmos nas sugestões do mal, porque a tentação é o fio de forças vivas a irradiar-se de nós, captando os elementos que lhe são semelhantes e tecendo, assim, ao redor de nossa alma, espessa rede de impulsos, por vezes irresistíveis.

E, buscando o lugar que lhe competia nos trabalhos em andamento, ajuntou:

— Estudemos trabalhando. O tempo utilizado a serviço do próximo é bênção que entesouramos, em nosso próprio favor, para sempre.




André Luiz
Francisco Cândido Xavier


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