Sexo e destino
Versão para cópiaCapítulo IX
Rumei, junto de Neves, para o instituto de renovação que Félix dirigia na esfera espiritual.
A caminho, reconfortava-me ouvindo o companheiro asserenado, contente. Acompanhava o restabelecimento de Dona Beatriz, nutrindo júbilos novos. Luzia-lhe o olhar povoado de sonhos.
E contava-me as surpresas da filha recém-chegada ao plano superior. Afeições de outros tempos, familiares queridos chegavam de longe para felicitá-la. Beatriz concluíra nobre tarefa — dentre as muitas empresas admiráveis cuja extensão é avaliável apenas na pátria dos Espíritos —, a tarefa da renovação íntima, obtida à custa de sacrifícios ignorados. As lágrimas vertidas no silêncio e as dores anônimas lhe haviam granjeado paz e luz. Mulher desconhecida no mundo, aparentemente escrava de um marido e de um filho que não a valorizavam, atingira realizações sublimes em si própria, entesourando no íntimo riquezas inalienáveis para a imortalidade. Decerto não retornara alçada à glória angélica, mas, tanto quanto era possível, na condição em que renascera, voltara triunfante.
Regozijava-me igualmente com as impressões que ouvia e, de propósito, fiz quanto pude para não ser inquirido acerca dos Torres que, a meu ver, ainda estavam por aproveitar os merecimentos da missionária de abnegação que os servira. Receava embaciar o espelho de otimismo em que as esperanças do amigo se retratavam. Neves, talvez peias mesmas razões, nada me perguntou, em torno do genro e do neto que, sem a guardiã maternal, se viam agora entregues a si mesmos.
Fomos defrontados pelo instituto que demandávamos. O “Almas Irmãs”, assim chamado pelos fundadores que o levantaram em socorro dos irmãos necessitados de reeducação sexual, após a desencarnação, exibia plano extenso de construções. Conjunto de linhas harmoniosas e simples, ocupando quatro quilômetros quadrados de edifícios e arruamentos, parques e jardins. Autêntica cidade por si.
Inalava-se tranquilidade, alegria.
Das aleias em verde repousante, flores tangidas pelo vento figuravam-se acenos de boas-vindas. Rostos sorridentes nos saudavam, de permeio com os semblantes circunspetos que nos lançavam olhares de simpatia.
Todas as idades aí se expressavam nos companheiros de ambos os sexos, com os quais renteávamos, satisfeitos.
Bloco de casario sugeria universidades reunidas.
Mas, longe de encontrar representantes da psicopatia ligada às perturbações sexuais, eram criaturas de aparência hígida as que nos acolhiam, afetuosas.
Neves, que ali aportara dias antes, interpelado por minha curiosidade, esclareceu que a agremiação possuía vasta dependência reservada a enfermos; entretanto, que eu modificasse qualquer conceituação prévia, com respeito à obra ali desenvolvida, porquanto os verdadeiros alienados em consequência de alucinações emotivas, trazidas da Terra, permaneciam reclusos em manicômios, sob tratamento indicado, sempre que apartados das falanges dementadas nas regiões tenebrosas. Acrescentou que muitos daqueles que nos cumprimentavam, tranquilos, remanesciam de tragédias passionais, intensamente vividas no mundo ; todavia, revelavam-se agora pacificados e lúcidos, quais as próprias personalidades humanas, depois de reprimir as crises de insânia, quando se rendem ao desequilíbrio mental.
As elucidações, no entanto, se interromperam de brusco, porque atingíramos o ponto em que nos cabia tomar contacto com Félix, antecipadamente avisado quanto à nossa presença.
O instrutor, contudo, prevenia-nos da impossibilidade de abraçar-nos, de pronto. Aguardar-nos-ia, mais tarde, na própria residência. Enternecia-nos, entretanto, com grata surpresa. Belino Andrade, amigo que eu não via há precisamente dez anos, e com quem convivera, intimamente, em atividades outras, ali se achava a fim de iniciar-nos no conhecimento da casa.
Abraçou-nos, fraternal, e, como que retomando os esclarecimentos que Neves empreendera, começou dizendo que pisávamos num hospital-escola de suma importância para os candidatos à reencarnação. Os internados ou estudantes vinham, em maioria, de estâncias purgatoriais, após alijarem as consequências mais imediatas dos vícios e paixões aviltantes, por eles acalentados no plano físico. Rigorosamente examinados, atendiam a critério de seleção, nas paragens de angústia expiatória em que se demoravam, e somente depois de julgados dignos entravam naquele pouso de refazimento para estações mais ou menos longas de estudo e meditação, pesquisando as causas e observando os efeitos das quedas de natureza afetiva em que se haviam precipitado…
Enquanto nos detínhamos em caminhada agradável, Belino prosseguia informando que todos eles, depois de suficientemente instruídos, são recambiados ao domicílio terrestre, onde reencarnam nos ambientes em que faliram e, tanto quanto possível, nas equipes consanguíneas que lhes impuseram prejuízos ou que lhes sofreram os danos.
No “Almas Irmãs” obtinham a láurea do conhecimento, na Terra volviam a aplicá-lo, através das dificuldades e tentações da faina material, que nos comprovam a assimilação das virtudes adquiridas.
Apresentando-nos praças graciosas ou apreciando aspectos da paisagem, Belino comparou as finalidades do educandário aos centros de cultura superior, existentes no mundo, que conferem títulos acadêmicos para o exercício de funções determinadas, dentro da especialização profissional, e confrontou a arena terrestre com a esfera da prática, em que os alunos diplomados são impelidos às experiências e aos encargos que lhes fixam o mérito ou o demérito. Ali, a mente se rearticulava, aprendia, refazia, restaurava, mas, de modo geral, sempre no objetivo de retornar ao mundo, a fim de incorporar em si mesma o valor das lições recebidas : Acrescentou que a não serem as reencarnações compulsórias, por motivos prementes, o problema do regresso requeria considerações específicas e preparações adequadas, razão pela qual muitos companheiros do “Almas Irmãs” se corporificavam na Terra com programas domésticos preestabelecidos, de maneira a hospedarem com os seus próprios recursos genésicos os colegas afins. Dali, do estabelecimento, esses colegas, que se lhes indicavam na posição de filhos para o futuro, os resguardavam e defendiam, até a ocasião em que lhes fosse possível mergulhar no berço terreno, constituindo-se, dessa forma, famílias inteiras, em edificações e provas redentoras, que, no fundo, representavam, espiritualmente, o trabalho do instituto, entre os homens, qual ocorre a múltiplas organizações congêneres e a numerosas associações outras, consagradas à regeneração e ao progresso da alma nas esferas de ação espiritual que circundam a Terra.
Aquele hospital-escola qualificava-se, dessa maneira, na condição de posto avançado da espiritualidade construtiva, sustentando permanente contacto com a vida humana.
Cada individualidade reencarnada com vínculos no “Almas Irmãs”, ali se encontra convenientemente fichada, com todo o histórico do que está realizando na reencarnação obtida, no qual se lhes vê o balanço dos créditos conquistados e dos débitos contraídos, balanço esse que é examinável a qualquer momento, para efeito de auxílio maior ou menor aos interessados, segundo a lealdade que demonstrem na desincumbência das obrigações a que se empenharam e conforme o esforço espontâneo que revelem na construção do bem geral.
Indaguei de Belino se conhecia a média geral de aproveitamento na comunidade e ele informou que sim, acentuando que, em oitenta e dois anos de existência, o “Almas Irmãs”, que detinha habitualmente uma população oscilante de cinco a seis mil pessoas, apontava, no coeficiente de cada cem estudantes, dezoito vitoriosos nos compromissos da reencarnação, vinte e dois melhorados, vinte e seis muito imperfeitamente melhorados e trinta e quatro onerados por dívidas lamentáveis e dolorosas.
À minha nova inquirição sobre se os fracassados eram readmitidos, informou que ninguém na Terra consegue avaliar a expectativa, a ternura, o esforço e o sacrifício com que os amigos desencarnados torcem pelo triunfo ou pelo aprimoramento parcial dos afeiçoados, em serviço no mundo, e nem imaginar a desolação que lhes sacode o ânimo, quando não logram abraçá-los de volta, mesmo ligeiramente renovados para o suspirado convívio. Noticiou que os companheiros em malogro positivo, após a desencarnação, passam, automaticamente, às zonas inferiores, onde, por vezes, ainda se demoram, por muito tempo, em desequilíbrio ou devassidão, conquanto nunca percam o devotamento dos amigos ali domiciliados, que intercedem por eles, junto a colônias dedicadas a outros tipos de assistência. Sabia, porém, de casos pertinentes a vários rematriculados depois dessas refregas. Em compensação, exaltou os prêmios atribuídos aos vencedores. Os aprendizes que se laureiam, através do aproveitamento substancial dos recursos fornecidos pela organização, aí se honram com admiráveis oportunidades de trabalho, em estâncias superiores, conforme os desejos que expressem.
Atingíramos, entretanto, comprido agregado de edifícios, nos quais Andrade informou estarem localizadas diversas atividades de instrução.
Iniciamos vistoria afetuosa.
Os salões de aula comoviam pelas revelações, e os professores pela simpatia. O sexo, por tema central, merecendo o maior apreço.
Os alunos contemplavam gravuras e croquis que configuravam implementos do sexo, com o interesse carinhoso de quem se enternece ante o colo maternal e com a atenção de quem agradece concessões divinas.
Todos nos acolhiam denotando cordialidade, sem que a nossa passagem lhes alterasse a aplicação; contudo, é de salientar a emoção que me empolgava ao observar o crescendo de veneração com que o sexo era homenageado nas diversas faculdades de ensino, pesquisado e enobrecido em cadeiras diferentes. Matérias professadas em regime de especialização. Cada qual atendida em construção apropositada. Sexo e amor. Sexo e matrimônio. Sexo e maternidade. Sexo e estímulo. Sexo e equilíbrio. Sexo e medicina. Sexo e evolução. Sexo e penalogia. E outras discriminações.
Disse Andrade que todas as disciplinas são frequentadas por grande cópia de alunos, e, tentando saber em quais delas se inscrevia o número mais extenso, viera a saber que os assuntos de “sexo e maternidade” e “sexo e penalogia” retinham proeminência franca. O primeiro reúne centenas de criaturas que se endereçam sos ajustes de lar, na Terra, e o segundo enfeixa enorme quantidade de Espíritos conscientes que examinam a melhor maneira de infligirem a si próprios determinadas inibições, para se corrigirem de hábitos deprimentes no curso da reencarnação a que se dirigem. Muitos chegam a deixar escritas nos arquivos da casa as sentenças que lavram contra si mesmos, antes de se envolverem nas provações que consideram necessárias ao aperfeiçoamento e felicidade que demandam.
Tornavam-se as elucidações de Belino cada vez mais interessantes e refletia, de minha parte, na extensão das obras da cidade espiritual em que me achava, há quinze anos, longe de conhecer-lhe todos os monumentos de benemerência e cultura, quando alcançamos a residência do diretor.
Félix, em companhia do Irmão Régis, que nos apresentou por substituto eventual dele, acolheu-nos amavelmente.
Admirei-me.
Não parecia o amigo que se apequenava no Rio para compartilhar-nos o trabalho Reverenciado e querido, era ali distinguido dignitário do conhecimento superior, a quem a administração de “Nosso Lar” delegara responsabilidades vultosas. Dirigente e comandante, pai e irmão.
O ambiente no gabinete em que nos alojara, afetuoso, ressumava simplicidade sem negligência, conforto sem luxo.
Por trás da poltrona singela de que se servia, salientava-se tela de proporções avantajadas, na qual a mão de pintor exímio gravara o retrato de nobre matrona em prece nas regiões inferiores. A venerável mulher elevava os braços para o céu plúmbeo, que filtrava revérberos de luz qual se lhe respondesse às rogativas e, em torno dela, magotes de Espíritos conturbados a se rojarem no solo, taciturnos, entre consolados e estarrecidos.
Registrando-nos o assombro, Félix explicou que conservava naquela obra de arte a lembrança de magnânima servidora do Cristo, desconhecida entre os homens, consagrada no mundo espiritual ao socorro de corações mergulhados nas trevas. Visitava as furnas de expiações pungentes, às vezes sozinha, e, de outras, acompanhada por equipes de colaboradores, amparando, reconfortando… Adotava criminosos desencarnados por filhos da alma, infundia-lhes o ideal da regeneração, levantando-os e instruindo-os. De quando em quando, ele, Félix, ia vê-la no asilo maternal que, ainda hoje, a abnegada educadora sustenta nas regiões sombrias por almenara de amor. Prosseguiu relatando que nesse abrigo permanecem, frequentemente, mais de mil hóspedes, sempre substituídos, de vez que a benfeitora efetua o encaminhamento constante dos recolhidos a escolas beneméritas, com vistas à reencarnação na Terra ou a estágios de retificação em outras paragens. E informou dever a ela, que nomeava por Irmã Damiana, o primeiro contacto com a verdade, oitenta anos antes. Guardava aquele quadro, confeccionado a pedido dele próprio, para não se esquecer, nas horas de supremas decisões, nas responsabilidades e encargos de que fora investido, da lama em que um dia se afundara e de que se vira arrebatado por aquela missionária engrandecida no Espaço, a serviço dos infelizes.
Neves, porém, imprimiu novo rumo à palestra, colocando em relevo a satisfação de que nos sentimos possuídos com a revista proveitosa nos órgãos de ensino, que acabávamos de realizar, e os apontamentos se voltaram para as questões do sexo, que, no “Almas Irmãs”, assumiam aspectos inusitados.
O Irmão Régis explicou que também se surpreendera, a princípio, com o respeito profundo ali dedicado aos estudos do sexo, em vista da desconsideração com que autoridades políticas, religiosas e sociais terrestres habitualmente o menoscabam, ressalvadas as exceções. E sublinhou, com humor, que nós, os homens, somos contraditórios quando reencarnados, porquanto estamos sempre ávidos de consertar uma tomada em desajuste e queremos sonegar a Deus o direito de socorrer e reabilitar os seus filhos em desequilíbrio emotivo.
O anfitrião, explanando as ideias que nós, os presentes, aventávamos, historiou, em síntese, que na Espiritualidade Superior o sexo não é considerado unicamente por baliza morfológica do corpo de carne, distinguindo macho e fêmea, definição unilateral que, na Terra, ainda se faz seguir de atitudes e exigências tirânicas, herdadas do comportamento animal. Entre os Espíritos desencarnados, a partir daqueles de evolução mediana, o sexo é categorizado por atributo divino na individualidade humana, qual ocorre com a inteligência, com o sentimento, com o raciocínio e com faculdades outras, até agora menos aplicadas nas técnicas da experiência humana. Quanto mais se eleva a criatura, mais se capacita de que o uso do sexo demanda discernimento pelas responsabilidades que acarreta. Qualquer ligação sexual, instalada no campo emotivo, engendra sistemas de compensação vibratória, e o parceiro que lesa o outro, até o ponto em que suscitou os desastres morais consequentes, passa a responder por dívida justa. Todo desmando sexual danificando consciências reclama corrigenda, tanto quanto qualquer abuso do raciocínio. Homem que abandone a companheira sem razão ou mulher que assim proceda, gerando desregramentos passionais na vítima, cria certo ônus cármico no próprio caminho, pois ninguém causa prejuízo a outrem sem embaraçar a si mesmo. Vaticinou que a Terra, a pouco e pouco, renovará princípios e conceitos, diretriz e legislação, em matéria de sexo, sob a inspiração da Ciência, que situará o problema das relações sexuais no lugar que lhe é próprio. Empenhou-se a repetir que na Crosta Planetária os temas sexuais são levados em conta, na base dos sinais físicos que diferenciam o homem da mulher e vice-versa; no entanto, ponderou que isso não define a realidade integral, porquanto, regendo esses marcos, permanece um Espírito imortal, com idade às vezes multimilenária, encerrando consigo a soma de experiências complexas, o que obriga a própria Ciência terrena a proclamar, presentemente, que masculinidade e feminilidade totais são inexistentes na personalidade humana, do ponto de vista psicológico. Homens e mulheres, em espírito, apresentam certa percentagem mais ou menos elevada de característicos viris e feminis em cada indivíduo, o que não assegura possibilidades de comportamento íntimo normal para todos, segundo a conceituação de normalidade que a maioria dos homens estabeleceu para o meio social.
Tendo Neves formulado consulta sobre os homossexuais, Félix demonstrou que inúmeros Espíritos reencarnam em condições inversivas, seja no domínio de lides expiatórias ou em obediência a tarefas específicas, que exigem duras disciplinas por parte daqueles que as solicitam ou que as aceitam. Referiu ainda que homens e mulheres podem nascer homossexuais ou intersexos, como são suscetíveis de retomar o veículo físico na condição de mutilados ou inibidos em certos campos de manifestação, aditando que a alma reencarna, nessa ou naquela circunstância, para melhorar e aperfeiçoar-se e nunca sob a destinação do mal, o que nos constrange a reconhecer que os delitos, sejam quais sejam, em quaisquer posições, correm por nossa conta. À vista disso, destacou que nos foros da Justiça Divina, em todos os distritos da Espiritualidade Superior, as personalidades humanas tachadas por anormais são consideradas tão carecentes de proteção quanto as outras que desfrutam a existência garantida pelas regalias da normalidade, segundo a opinião dos homens, observado-se que as faltas cometidas pelas pessoas de psiquismo julgado anormal são examinadas no mesmo critério aplicado às culpas de pessoas tidas por normais, notando-se, ainda, que, em muitos casos, os desatinos das pessoas supostas normais são consideravelmente agravados, por menos justificáveis perante acomodações e primazias que usufruem, no clima estável da maioria.
E à ligeira pergunta que arrisquei sobre preceitos e preconceitos vigentes na Terra, no que tange ao assunto, Félix ponderou, respeitoso, que os homens não podem efetivamente alterar, de chofre, as leis morais em que se regem, sob pena de precipitar a Humanidade na dissolução, entendendo-se que os Espíritos ainda ignorantes ou animalizados, por enquanto em maioria no seio de todas as nações terrestres, estão invariavelmente decididos a usurpar liberalidades prematuras para converter os valores sublimes do amor em criminalidade e devassidão. Acrescentou, no entanto, que no mundo porvindouro os irmãos reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais, serão tratados em pé de igualdade, no mesmo nível de dignidade humana, reparando-se as injustiças assacadas, há séculos, contra aqueles que renascem sofrendo particularidades anômalas, porquanto a perseguição e a crueldade com que são batidos pela sociedade humana lhes impedem ou dificultam a execução dos encargos que trazem à existência física, quando não fazem deles criaturas hipócritas, com necessidade de mentir incessantemente para viver, sob o Sol que a Bondade Divina acendeu em benefício de todos.
A conversação era fascinante, mas um companheiro de serviço veio avisar que Dona Beatriz se achava pronta a receber-nos.
Demandamos o interior.
O chefe apresentou-nos duas senhoras que lhe partilhavam o refúgio doméstico, Sara e Priscila, que lhe haviam sido irmãs consanguíneas na Terra. Ambas de cativante simpatia na lhaneza de trato.
Notificou Félix que, a princípio, ali morava junto de colaboradores afeiçoados; no entanto, nos anos últimos, conseguira que aa duas manas, servindo em outros setores, se transferissem para o “Almas Irmãs”, a fim de trabalharem juntos, preparando o futuro. Remanesciam os três de família cujos membros, em quase todo o conjunto, se achavam novamente domiciliados na esfera física, e, aparteando, Sara chasqueou, afiançando que não se demoraria a tomar o mesmo rumo.
Parando, de trecho a trecho, para conhecer minudências do extenso átrio que atravessávamos, fiquei sabendo que o instituto sustenta zonas residenciais, além dos edifícios reservados à administração, ao ensino, à subsistência e à hospitalização transitória. Aí se acomodam famílias inteiras, casais, Espíritos em conjunções afetivas e repúblicas de estudiosos que se visitam ou recebem amigos de outras organizações e de outras plagas, efetuando excursões edificantes e recreativas ou atendendo a empresas artísticas e assistenciais, de permeio com as obrigações de rotina.
Satisfazendo-nos as inquirições, Félix informou que Marita se encontrava naquele mesmo sítio, internada num parque destinado a convalescentes; todavia, não nos encorajou o impulso de revê-la, assim de imediato, à face de achar-se bastante traumatizada, conquanto tranquila. A desencarnação precoce acarretara-lhe prejuízos. Ele, porém, rogara de orientadores amigos as possíveis concessões, a fim de que fosse reposta, com urgência, no ambiente familiar do Rio, de modo a que se não perdessem medidas em andamento para o resgate do pretérito. O decesso prematuro representara fundo golpe no programa estabelecido ali, no “Almas Irmãs”, anos antes; contudo, nutria a esperança de reparar as brechas, restituindo-a ao convívio dos entes caros, pela reencarnação de emergência. Dessa forma, aproveitaria oportunidade e clima de serviço, à maneira de operário que muda de máquina sem se afastar da oficina. O processo alusivo ao retorno tramitava, desde a véspera, nos órgãos competentes, pelo que não julgava oportuno interessá-la em assuntos suscetíveis de lhe modificarem a mente, voltada para o reduto doméstico.
Neves abordou a tese referente ao dia determinado para a desencarnação, defendida por alguns religiosos na Terra, ao que Félix enunciou:
— Sim, não nos é lícito desacreditar os ensinamentos religiosos. Há planos prefixados e ocasiões previstas com relativa exatidão para o deperecimento do veículo físico; no entanto, os interessados costumam alterá-los, seja melhorando ou piorando a própria situação. Tempo é comparável a crédito que um estabelecimento bancário empresta ou retira, segundo as atitudes e diretrizes do devedor. Não podemos, assim, olvidar que a consciência é livre para pensar e agir, tanto nas áreas físicas quanto nas espirituais, mesmo quando jungida às consequências do passado culposo…
E, sorrindo, rematou:
— Qualquer dia é dia de criar destino ou reconstituir destino, de vez que todos somos consciências responsáveis.
Nesse ínterim, fomos defrontados pelo aposento da senhora recém-desencarnada, a quem Sara e Priscila dispensavam cuidados especiais.
Beatriz remoçara.
No semblante, a circunspeção que lhe conhecíamos, mas nos olhos o clarão juvenil da criatura que retoma aspirações de há muito esmaecidas.
Neves aproximou-me. Conversamos. Declarava-se encantada, agradecida sos hospedeiros. Falava como se estivesse num lar de pessoas desconhecidas, sem suspeitar das atenções que recebera de Félix, antes de liberar-se do corpo enfermiço.
A palestra deslizou sobre os patins da ternura recíproca. Ela reconhecida e os anfitriões satisfeitos.
Assuntos numerosos vieram à baila. Notava-se que Félix se empenhava em distraí-la, desentranhando-lhe o pensamento fincado no antigo lar. Todos nos esforçávamos por induzi-la a esquecimento construtivo; entretanto, mesmo assim, adivinhando-nos na fase terminal do reencontro, aquele coração generoso de mulher não deixou de se patentear, lembrando a Neves que, até aquele momento, ainda não obtivera qualquer notícia da mãezinha que os precedera no mundo espiritual, tantos anos antes, como também rogava para que os circunstantes a favorecessem com uma visita, na primeira oportunidade, à casa que ficara na Terra. Discípula aplicada do ambiente renovador em que se reconhecia, solicitou com os olhos marejados de pranto que lhe desculpássemos o apego à retaguarda, mas isso acontecia, acentuou com humildade e grandeza de alma, porque acreditava ter sido no mundo imensamente feliz, entre as mulheres mais felizes, ao lado de um esposo que, na apreciação dela, era dos companheiros mais leais do mundo e pai do melhor dos filhos…
A noite avançara.
Neves confortou-a, propiciando-lhe esperanças, e enquanto nos despedíamos, demandando o repouso, refleti na transformação do amigo que aprendera a colocar o amor por cima de mágoas recalcadas, a endereçar afetuoso sorriso para a filha confiante e adiando a verdade para momento oportuno.
[Conforme dito , o “Almas Irmãs” é uma instituição que pertence à jurisdição do Ministério da Regeneração de “Nosso Lar”.]
(Página recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier.)
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