Antologia Mediúnica do Natal
Versão para cópiaNa noite de Natal
Nome literário de Cinira do Carmo Bordini Cardoso: nasceu no Rio de Janeiro, em 1902, e faleceu em 30 de Agosto de 1933. Sua espontaneidade poética era tão grande que ela própria acreditava serem os seus versos de origem mediúnica. Glorificou o Amor, a Renúncia, o Sacrifício e a Humildade, em obras como: Crisálida, Grimalda de Violetas, Sensibilidade.
MINHA LUZEu era, Dor, a alma rubra e inquieta, A pomba predileta Do prazer, da ilusão e da alegria… Meu coração, alegre cotovia, Saudava alvoroçado O segredo da noite e a luz clara do dia, Quando chegaste de mansinho, Pisando sutilmente o meu caminho… E eu te enxerguei, despreocupada, Em meu engano, em minha fantasia: Primeiramente, Foste, austera e inclemente, A um dos belos tesouros que eu possuía E mo roubaste para sempre… Em fúria iconoclasta, Como o simum que arrasta As cidades repletas de tesouros Confundindo-as no pó, Foste aos meus ídolos mais caros, Destruindo-os sem dó. Prosseguiste, ó divina estatuária, Na tua obra silente e solitária, E quebraste Minhas cítaras de ouro Meus mármores de Paros, Meus cofres de alabastros, Minhas bonecas de biscuí, Minhas estatuetas singulares… E humilhaste Meus sonhos de mulher e de menina, Que eu pusera nos astros Em meio às melodias estelares! Mas, desde que chegaste, Foste a sombra divina Que acompanhou meus passos ao sepulcro… Tudo sofri, Ó Dor, por te querer, Porque depois que vieste Qual pássaro celeste Para abrir rosas de sangue no meu peito, Encheste a minha vida De um estupendo prazer, quase perfeito! Aos poucos me ensinaste a abandonar Meus prazeres fictícios, Trocando-os pela luz dos sacrifícios! Por tudo eu te bendigo, ó Dor depuradora, Porque representaste em meu destino, De alma sofredora, O fanal peregrino Que me guiou constantemente Através das estradas espinhosas Para as manhãs radiosas Da Luz Resplandecente… Sê, pois, bendita, ó Dor linda e gloriosa, Pois da volúpia estranha dos teus braços, Vim pelas mãos da morte complacente Para a vida sublime dos Espaços!… |
AOS ESPÍRITOS CONSOLADORESDonde éreis vós, ó formas imprecisas De arcanjos tutelares, Cujas vozes suaves como brisas Trouxeram-me nas dores, No auge do meu sofrer, nos meus penares, A irradiação de brando refrigério?!… Frontes aureoladas de esplendores, Seres cheios de amor e de mistério, Cujas mãos compassivas Ungiram meu coração resignado Com o bálsamo do olvido do passado, E com os místicos olores Das meigas sempre-vivas Da fé mais luminosa e mais ardente… Seríeis o fantasma imaginário Da mórbida exaltação dalma do crente? Não, porque sois os cireneus piedosos Dos que vão em demanda do Calvário Da Redenção, nos sofrimentos rudes: Vindes das mais remotas altitudes De sublimados mundos luminosos!… Seres do Amor, jamais traduziria O cântico de luz Que trouxestes ao leito da agonia Que eu transpus, Cheia de desenganos e gemidos!… Verto ainda os meus prantos comovidos Lembrando-me do vosso Stradivárius, Repetindo as cadências dos hinários Dos orbes da Ventura e da Harmonia, Onde habitais, glorificando o Amor Que dalma faz um ninho de alegria E foco de esplendor! Em que sol deslumbrante, em qual esfera Viveis a vossa eterna primavera? Ó irmãos consoladores, Que vindes confortar os pecadores Penitentes da vida transitória, Dai-me um pouco de luz da vossa glória, Estendei-me uma única migalha Da vossa paz, que nutre e que agasalha Os corações iguais ao meu!… Tenho sede do amor que enfeita o Céu! Espíritos da luz radiosa e infinda, Minhalma é fraca e pobre ainda; Todavia, imortal, Quero ter dessa luz resplandecente, E quero embriagar-me inteiramente Com os vinhos da alegria celestial. |
CIGARRA MORTAChamam-me agora aí Cigarra morta, E não podia haver melhor definição, Porque caí estonteada à porta Do castelo em ruínas, Do desencanto e da desilusão!… Minhas futilidades pequeninas… Meus grandes desenganos… Eu mesma inda não sei Se é ventura morrer na flor dos anos… Sei apenas que choro O tempo que perdi, Cantando em demasia a carne inutilmente; E vivo aqui somente, De quanto idealizei De belo, de perfeito, grande e santo, Que inda hei-de realizar Com a rima do meu verso e a gota do meu pranto. Dá-me força, Senhor, Para concretizar meu anseio de amor: Evita-me a saudade Da minha improdutiva mocidade! Eu não quero sentir, Como cigarra que era, A falta das canículas doiradas Sob a luz de ridente primavera. Já que tombei cansada de cantar, Calando amargamente, Perdoa, Deus de Amor, o meu pecado: Que eu olvide a cigarra do passado, Para ser uma abelha previdente. |
ERA UMA VEZ…Era uma vez Carmen Cinira. Um coração Cheio de sonho e flor, que mal se abrira Nos jardins encantados da ilusão… Estraçalhou-se para sempre Na voragem Das trevas, dos abrolhos!… Era uma vez Carmen Cinira… Uma suposta imagem Da perene alegria, Mas que trouxe em seus olhos, Eternamente, Essa amarga expressão de alma doente, Cheia de pranto e de melancolia!… Carmen Cinira! Carmen Cinira! Que é da minha cigarra cantadeira? Embalde te procuro. Porque cantaste assim a vida inteira, Cigarra distraída do futuro? Perturbada, Aturdida, Busco a mim mesma aqui nestoutra vida… Onde estou, onde estou? Minha vida terrena se acabou E sinto outra existência revelada! Não sei porque me sinto amargurada… Sinto que a luz me guia Para a paz, para um mundo de alegria. Mas, ó imortalidade, Se na Terra eu te via Como a aurora divina da verdade, Não julguei que inda a morte me abriria Esse cenário deslumbrante De outros sóis e de outros seres, E vejo agora Que não amei bastante, E não cumpri à risca os meus deveres! A fagulha de crença Que eu possuía Devia transformar numa fornalha imensa De fé consoladora, E incendiar-me para ser luzeiro. Mas, ó Senhor da paz confortadora, Eu vi chegar o dia derradeiro Em minha dor, na máscara de festa, E a morte me apanhou Como se apanha uma ave na floresta. Experimento a grande liberdade! Todavia, Senhor, ampara-me e protege Minha triste humildade! Eu te agradeço a paz que já me deste, Mas eis que ainda te imploro comovida, Porque me sinto em fraca segurança; Deixa que eu guarde ainda nesta vida Meu escrínio de estrelas da Esperança. |
À JUVENTUDEJuventude linda e ardente, Mocidade querida que eu exorto, Meu coração de carne, esse está morto, Mas minhalma que é eterna está presente. Zelai pelo plantio, ó juventude, Das flores perfumadas da virtude, Porque depois dos sonhos terminados Em nossos ermos e últimos caminhos, Ai! como nos ferem os espinhos Das belas rosas rubras dos pecados! |
O VIAJOR E A FÉ— «Donde vens, viajor triste e cansado?» — «Venho da terra estéril da ilusão.» — «Que trazes?» — «A miséria do pecado, De alma ferida e morto o coração. Ah! quem me dera a bênção da esperança, Quem me dera consolo à desventura!» Mas a fé generosa, humilde e mansa, Deu-lhe o braço e falou-lhe com doçura: — «Vem ao Mestre que ampara os pobrezinhos, Que esclarece e conforta os sofredores!… Pois com o mundo uma flor tem mil espinhos, Mas com Jesus um espinho tem mil flores!» |
O SINALQuando chegamos do País do Gozo, Nossa alma sem repouso Traz o sinal das trevas do pecado. Nossa alegria é um riso envenenado. A palavra disfarça o coração E a nossa dor é desesperação. Tudo é sombra. A verdade não tem voz. Muita vez, tudo é queda dentro em nós. Mas os que vêm do Mundo dos Deveres Guardam a luz de místicos prazeres. Não têm palmas da Terra impenitente… Como tudo, porém, é diferente!… Sua alegria é um fruto adocicado, Sua palavra é um livro iluminado, Sua dor alivia as outras dores. Trazem o amor de todos os amores, Revelando na vida transitória O sinal do Calvário aberto em glória! |
NA NOITE DE NATALNoite de paz e amor! Repicam sinos, Doces, harmoniosos, cristalinos, Cantando a excelsitude do Natal!… A estrela de Belém volta, de novo, A brilhar, ante os júbilos do povo, Sob a crença imortal. De cada lar ditoso se irradia A glória da amizade e da harmonia, Em festiva oração; Une-se o noivo à noiva bem-amada, Beija o filho a mãezinha idolatrada, O irmão abraça o irmão. Dentro da noite, há corações ao lume E há sempre um bolo, em vagas de perfume, Sob claro dossel… Nascem canções e flores de mansinho, Em édenes fechados de carinho, De esperança e de mel. Mas, lá fora a tristeza continua… Há quem chora sozinho! em plena rua, Ao pé da multidão; Há quem clama piedade e passa ao vento, Ralado de tortura e sofrimento, Sem a graça de um pão. Há quem contempla o céu maravilhoso, Rogando à morte a bênção do repouso Em terrível pesar! Ah! como é triste a imensa caravana, Que segue aflita, sob a treva humana Sem consolo e sem lar… Tu que aceitaste a luz renovadora Do Rei que se humilhou na manjedoura Para amar e servir, Volve o olhar compassivo à senda escura, Vem amparar os filhos da amargura, Que não podem sorrir. Desce do pedestal que te levanta E estende a mão miraculosa e santa Ao desalento atroz; Para unir-nos no Amor, fraternalmente, Desceu Jesus do Céu Resplandecente E imolou-se por nós. Vem medicar quem geme na calçada!… Oferece à criança abandonada Um velho cobertor; Traze a quem sofre a lúcida fatia Do teu prato de sonho e de alegria, Temperado de amor. Visita as chagas negras da mansarda Onde a miséria súplice te aguarda Em nome de Jesus. Há muita criança enferma, quase morta, Que só pede um sorriso brando à porta, Para tornar à luz. Natal!.. Prossegue o Mestre, de viagem, Em vão buscando um quarto de estalagem, Um ninho pobre em vão!… E encontra sempre a cruz, ao fim da estrada, Por não achar socorro, nem pousada Em nosso coração. |
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