Almas em Desfile

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Capítulo XIX

Assistência mútua


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O grupo de companheiros espíritas fazia o trabalho de assistência aos enfermos, com entusiasmo e alegria.

Em casa de Dona Carlota Ribas, o quadro era comovente.

A pobre senhora, assistida pelos vizinhos, jazia paralítica, como que algemada ao catre. Sofria. Contorcia-se de vez em quando, em vista da posição incômoda. Doía ver-lhe a magreza extrema.

— Se Dona Carlota pudesse ao menos instalar-se numa boa cadeira de rodas…

A observação vinha de alguém que integrava a caravana; entretanto, os visitantes eram pessoas remediadas, sem serem ricos, e ninguém se arriscou à promessa de doação de apetrecho assim tão caro.

Joaquim Peixoto, no entanto, que conhecera no próprio lar o martírio silencioso da sogra doente, mostrava os olhos marejados de pranto, e falou à esposa, igualmente comovida:

— Veja, Lilinda! Tenho a impressão de reencontrar a nossa querida enferma que Deus levou…

Dona Lilinda concordou em silêncio, mal contendo a emoção.

Mais tarde, em casa, Peixoto dirigiu-se à companheira, considerando:

— Lilinda, você compreende… Temos aqui a cadeira de rodas deixada por sua mãe. É uma relíquia, bem sei. Entretanto, como será grande a alegria de Dona Carlota, se lhe entregarmos essa doce herança como presente!…

A interpelada esboçou um gesto de repulsa e falou:

— Impossível! A cadeira de mamãe foi primorosamente trabalhada na Alemanha… Tem a bolsa anexa com espelho incrustado de pérolas de que ela tanto gostava! Já enjeitamos vinte contos de réis! Você ganha pouco. Até hoje sou obrigada a dar o pé na máquina de costura, embora as promessas de nomeação para o magistério… A cadeira de mamãe é uma reserva que não podemos menosprezar… Quando a dificuldade maior aparecer…

Peixoto não prosseguiu.

No dia seguinte, porém, ao chegar do serviço para o almoço, encontrou Dona Lilinda com a face clareada por enorme sorriso, a dizer-lhe, contente:

— Peixoto! Peixoto! mudei de ideia. Sonhei com mamãe a pedir-me para que atendesse a você… Vamos levar, hoje mesmo, a cadeira de rodas para Dona Carlota…

Dessa vez, no entanto, foi o marido quem se mostrou acabrunhado…

— Ora, Lilinda — disse ele —, agora é tarde… Já comprei uma cadeira, mais humilde, embora muito confortável, e já a mandei para a nossa doente… Sei que você não se aborrecerá comigo… Pagarei tudo em seis prestações.

Dona Lilinda ouviu a notícia, imensamente desapontada.

Pesado silêncio caiu entre ambos.

Nisso, alguém bate à porta.

Peixoto abre.

É um rapaz modesto que se dirige ao casal, consultando:

— Sr. Peixoto, vovó soube por amigos que o senhor e Dona Lilinda possuem uma cadeira de rodas em casa… Não sei se quererão vendê-la, mas, francamente, se assim é, não poderemos fazer a compra. Vovó está paralítica, há dois meses, com muito pouca esperança de cura… Foi professora e ganha regular vencimento. Mas somos oito irmãos, seis dos quais ainda não têm doze anos de idade… Vovó manda saber se o senhor e Dona Lilinda poderão emprestar-lhe a cadeira por algum tempo…

A dona da casa voltou a sorrir novamente e exclamou, encantada:

— Peixoto e eu vamos levar-lhe a cadeira hoje ainda… Nada de empréstimos… A cadeira é dela, será dela sempre…

O mocinho agradeceu, contente, e, na tarde do mesmo dia, o casal procurou a casa indicada, transportando a encomenda.

Dona Umbelina, a paralítica, rodeada dos netinhos órfãos, chorou de felicidade.

Enfim, a cadeira sonhada…

Enfim, repousava, como queria…

Lilinda e Peixoto acomodam-na com jeito.

A enferma pede a Deus para que os abençoe e pergunta à benfeitora:

— A senhora tem alguma irmã que deseje trabalhar?

— Como assim? — inquire Lilinda, surpresa.

— Alguma jovem professora, por exemplo? Deixei os encargos no colégio, jubilada desde anteontem. Minha diretora, porém, solicita que indique a minha substituta…

Emocionada, a visitante fala do diploma conseguido à custa de muito esforço e do velho sonho de ingressar nos trabalhos do ensino público…

Depois de dois meses sobre o encontro expressivo, a senhora Peixoto entrava no educandário, cercada de simpatia.

A bondade gerara a bondade, e uma cadeira de carinho e repouso trouxera outra de serviço e educação.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)



Hilário Silva
Francisco Cândido Xavier

ASSISTÊNCIA MÚTUA

O grupo de companheiros espíritas fazia o trabalho de assistência aos enfermos, com entusiasmo e alegria.

Em casa de Dona Carlota Ribas, o quadro era comovente.

A pobre senhora, assistida pelos vizinhos, jazia paralítica, como que algemada ao catre.

Sofria. Contorcia-se de vez em quando, em vista da posição incômoda. Doía ver-lhe a magreza extrema.

-Se Dona Carlota pudesse ao menos instalar-se numa boa cadeira de rodas. . .

A observação vinha de alguém que integrava a caravana; entretanto, os visitantes eram pessoas remediadas, sem serem ricos, e ninguém se arriscou à promessa de doação de apetrecho assim tão caro.


Joaquim Peixoto, no entanto, que conhecera no próprio lar o martírio silencioso da sogra doente, mostrava os olhos marejados de pranto, e falou à esposa, igualmente comovida:

—Veja, Lilinda! Tenho a impressão de reencontrar a nossa querida enferma que Deus levou. . .

Dona Lilinda concordou em silêncio, mal contendo a emoção.


Mais tarde, em casa, Peixoto dirigiu-se à companheira, considerando:

-Lilinda, você compreende. . . Temos aqui a cadeira de rodas deixada por sua mãe. É uma relíquia, bem sei. Entretanto, como será grande a alegria de Dona Carlota, se lhe entregarmos essa doce herança como presente!. . .


A interpelada esboçou um gesto de repulsa e falou:

—Impossivel! A cadeira de mamãe foi primorosamente trabalhada na Alemanha. . . Tem a bolsa anexa com espelho incrustado de pérolas de que ela tanto gostava! Já enjeitamos vinte contos de réis! Você ganha pouco. Até hoje sou obrigada a dar o pé na máquina de costura, embora as promessas de nomeação para o magistério. . . A cadeira de mamãe é uma reserva que não podemos menosprezar. . .

Quando a dificuldade maior aparecer. . .

Peixoto não prosseguiu.


No dia seguinte, porém, ao chegar do serviço para o almoço, encontrou Dona Lilinda com a face clareada por enorme sorriso, a dizer-lhe, contente:

—Peixoto! Peixoto! mudei de ideia. Sonhei com mamãe a pedir-me para que atendesse a você. . . Vamos levar, hoje mesmo, a cadeira de rodas para Dona Carlota. . .

Dessa vez, no entanto, foi o marido quem se mostrou acabrunhado. . .

—Ora, Lilinda – disse ele -, agora é tarde. . .

Já comprei uma cadeira, mais humilde, embora muito confortável, e já a mandei para a nossa doente. . .

Sei que você não se aborrecerá comigo. . . Pagarei tudo em seis prestações.

Dona Lilinda ouviu a notícia, imensamente desapontada.

Pesado silêncio caiu entre ambos.

Nisso, alguém bate à porta.

Peixoto abre.


É um rapaz modesto que se dirige ao casal, consultando:

—Sr. Peixoto, vovó soube por amigos que o senhor e Dona Lilinda possuem uma cadeira de rodas em casa. . . Não sei se quererão vendê-la, mas, francamente, se assim é, não poderemos fazer a compra. Vovó está paralítica, há dois meses, com muito pouca esperança de cura. . . Foi professora e ganha regular vencimento. Mas somos oito irmãos, seis dos quais ainda não têm doze anos de idade. . .

Vovó manda saber se o senhor e Dona Lilinda poderão emprestar-lhe a cadeira por algum tempo. . .


A dona da casa voltou a sorrir novamente e exclamou, encantada:

—Peixoto e eu vamos levar-lhe a cadeira hoje ainda. . . Nada de empréstimos. . . A cadeira é dela, será dela sempre. . .

O mocinho agradeceu, contente, e, na tarde do mesmo dia, o casal procurou a casa indicada, transportando a encomenda.

Dona Umbelina, a paralítica, rodeada dos netinhos órfãos, chorou de felicidade.

Enfim, a cadeira sonhada. . .

Enfim, repousava, como queria. . .

Lilinda e Peixoto acomodam-na com jeito.


A enferma pede a Deus para que os abençoe e pergunta à benfeitora:

—A senhora tem alguma irmã que deseje trabalhar?

—Como assim? – inquire Lilinda, surpresa.

—Alguma jovem professora, por exemplo? Deixei os encargos no colégio, jubilada desde anteontem. Minha diretora, porém, solicita que indique a minha substituta. . .

Emocionada, a visitante fala do diploma conseguido à custa de muito esforço e do velho sonho de ingressar nos trabalhos do ensino público. . .

Depois de dois meses sobre o encontro expressivo, a senhora Peixoto entrava no educandário, cercada de simpatia.

A bondade gerara a bondade, e uma cadeira de carinho e repouso trouxera outra de serviço e educação.







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