Alvorada Cristã

Versão para cópia
Capítulo X

O burro de carga


Temas Relacionados:

No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de famoso palácio real um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias e remoques dos companheiros de apartamento.

Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe, que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse, orgulhoso:

— Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição nas corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis!

— Pudera! — exclamou um potro de fina origem inglesa — como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça?

O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente.

Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou:

— Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos de bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. E vergonhoso suportar-lhe a companhia.

Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade:

— Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil… Não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas, se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar.

As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalariças.

— Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade — informou o monarca —, animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança.

O empregado perguntou:

— Não prefere o árabe, Majestade?

— Não, não — falou o soberano —, é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância.

— Não quer o potro inglês?

— De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça.

— Não deseja o húngaro?

— Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.

— O jumento serviria? — insistiu o servidor atencioso.

— De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança.

Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

— Onde está o meu burro de carga?

O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais.

O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para longa viagem.


Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a suportar, servir e sofrer, sem cogitar de si mesmos.




Neio Lúcio
Francisco Cândido Xavier


Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 10.
Para visualizar o capítulo 10 completo, clique no botão abaixo:

Ver 10 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?