Amor sem Adeus
Versão para cópiaPrimeira Carta
Querida mamãe, querido papai, querida Suely, meus irmãos queridos, estou em prece, agradecendo a alegria de poder enviar esta carta.
Deus nos conceda a sua bênção.
Mamãe querida, lutei muito por estes minutos.
Preciso, mas preciso muito pedir a sua confiança em Jesus. Estou ainda menos refeito, digo “menos”, porque estou balançando entre melhoras e quedas súbitas de emoção.
Prosseguimos juntos, nós todos, o tempo de sempre, incluindo nossa Wilma. E Waltinho? — pois agora querida mamãe, tenho igualmente um Waltinho para adorar e cuidar.
Estão em meu íntimo, papai, Soninha, Berto, e a familinha mora em meu coração, mas a senhora, minha velhinha, é como se fosse eu mesmo… Não chore mais, querida mãezinha, suas lágrimas chegam a mim e me transtornam.
Quero esquecer o que me aconteceu, liberar-me de todas as recordações negativas; no entanto, quando a vejo reconstituindo mentalmente aqueles quadros todos, desde a janela para atender o chamado dos meus amigos, até aquela hora inolvidável de despedida, tudo volta em seu filho ao modo de uma sombra que furtasse a visão. Seja a oração com saudade, a nossa saudade melhorando, até transformar-se em esperança.
Agora entendo melhor a minha velhinha rezando sempre como se fosse Nossa Senhora na Terra, porque estou aprendendo a rezar também. A vida continua, não há morte. Tudo que sucedeu veio pelo melhor que nos podia buscar. Aos poucos vou estudando os assuntos para compreendê-los. Vou demorar a saber tudo, porque para isso, amados meus, será preciso tranquilidade para conhecer as situações e reconhecer-nos dentro delas, mas saberemos tudo no momento oportuno. Para isso precisamos de paz.
Papai, meu querido papai: a nossa velhinha precisa muito de distração, e o senhor é aquela autoridade do amor que pode auxiliar-nos.
Soninha, você continue como a nossa querida Su, a retirar mamãe dessas horas difíceis.
Mamãe, sofri muito ao vê-la com tratamento de repouso mental por minha causa. Foi o meu primeiro trabalho aqui, arrancá-la daqueles momentos de angústia. Nunca pensei que pudesse começar fazendo alguma coisa no Santa Helena, pois comecei por lá e venho rogar à senhora, minha santa velhinha, para sorrir e viver. Lembre-se de que a nossa querida Su e eu, precisamos de seus braços para o Waltinho.
Quanta coisa a fazer!… E os outros pequeninos que esperam por nós? Mamãe, não continue assim mergulhada nas ideias da morte, porque a vida prossegue, e nós prosseguimos trabalhando e com necessidade de trabalhar sempre mais.
Querida mãezinha, converso neste papel com todos os nossos, conversando com o meu coração. Sigamos para diante lembrando o bem e esquecendo tudo o que nos tenha parecido o mal na estrada percorrida. Olvidemos as horas tristes atravessadas e superadas. E tenhamos para o irmão menos feliz do caminho, pensamentos de bondade e compreensão.
Agradeço tudo o que meu pai e os meus fizeram contra ideias de ódio ou ressentimento. Deus está em nós e devemos permanecer em Deus.
Mamãe querida, estou quase bem — se isso pudesse acontecer — porque para sentir-me plenamente bem, seria preciso estarmos aqui todos juntos.
O meu avô Perrone me recolheu no Pronto Socorro. Dormi com serenidade e só depois de acordar vim a saber que ele me amparava com carinho e bondade que hoje posso avaliar com noção mais ampla de gratidão e entendimento. A ele se unia a irmã e benfeitora Mariazinha, que me disse tomar de algum modo, o seu lugar junto a mim, até que eu possa ser mais útil e assim, querida mamãe, não há motivo para desespero e aflição.
Procuremos viver e conformar-nos, sobretudo fazendo o bem que pudermos, porque onde estou, o que se conta é o que se fez.
Peço à querida Suely continuar estudando, que ela não siga meu exemplo de pouca dedicação aos livros, embora cultivasse com alegria os dons do trabalho. Nosso querido Waltinho será abençoado, como sempre, por Deus e seguiremos ao encontro do futuro com a nossa fé sempre mais viva.
Tanta coisa para dizer e escrever, mas o tempo está voando. Agradeço as orações de minha madrinha, tia Isaura, e os cuidados da nossa querida tia Guida. Não tenho palavras para agradecer aos nossos amigos, doutor Massau, doutora Harliey e doutor Edgard, tudo o que fizeram e fazem por nós.
Querido papai, o senhor me sente sim, a presença, quando está pensando em casa ou em nosso trabalho da rua Vilela. Estou ainda muito ligado a todos. Ajudem-me.
Quando recordo os episódios daquele 14 de fevereiro, a cabeça tonteia e, se não me amparam, torno a cair. Meu Deus, a vida é maravilhosa, e sublime também é a dor que nos desperta a iluminar-nos com a bênção de nova compreensão.
Papai, auxilie a nossa querida Su. Ela está tão inexperiente e tão jovem. Deixe-a por filha em meu lugar. O senhor e a minha velhinha farão por mim o que não posso agora. Melhorarei e mais tarde farei o que puder para vê-la feliz. Agradeço a ela a paciência e a conformação com que me auxilia.
Carlos, você e a cunhada Sônia recebam todo o meu amor. Soninha, muito obrigado.
Papai, abençoe-me e creia que seu filho, ao lado de meu avô, pede a Jesus o recompense.
Mamãe querida, meu coração está com o seu em nossas lembranças de aniversários e tudo o que a senhora pensa eu estou pensando também. Façamos juntos as nossas preces, e receba um ramalhete de flores com a nossa querida Suely; são flores do coração, sem ser dos jardins terrestres. Querida velhinha, cuide da saúde e trate de viver, pois seu filho está vivendo com aquela fé em Deus, que o seu carinho plantou em meus sentimentos.
Queridos meus, é preciso terminar. O amor vence a morte e desconhece o tempo, mas aqui devo satisfazer as recomendações dos que me auxiliam.
Para a querida mamãe, para o querido papai, para a querida Su, e para o Waltinho querido, para os queridos irmãos, o beijo de muito carinho e de muita confiança, com todo o amor e todo o reconhecimento de quem os acompanha de coração reconhecido.
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