Antologia da Criança

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CAPÍTULO 26
Ilustração tribal

O BARRO DESOBEDIENTE


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Neio Lúcio


Houve um oleiro que chegou ao pátrio de serviço e reparou com alegria um pequeno bloco de barro. Contemplou-o, enlevado, em face da cor viva com que se apresentava e falou:

—Vamos! Farei de ti delicado pote de laboratório. O analista alegrar-se-á com teu concurso valioso.


Imensamente surpreendido, porém, notou que o barro retrucava:

—Oh! Não, não quero! Eu, num laboratório, tolerando precipitações químicas? Por favor, não me toques para semelhante fim!


O oleiro, espantado, considerou:

—Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor do forno para que te faças belo e útil . . . Entretanto, porque te recusas ao que proponho, transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes.

—Oh! Nunca! Nunca! . . . - exclamou o barro isto não! Estaria exposto ao prazer dos inconscientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de peregrinações pelos móveis de luxo.


O dono do serviço meditou muito na desobediência da lama orgulhosa, mas, entendendo que tudo devia fazer por não trair a confiança do Céu, ponderou:

—Bem, converter-te-ei, então, num prato honrado e robusto. Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás conosco e serás companheiro de meus filhinhos.

—Jamais! Bradou o barro, na indisciplina isto seria pesada humilhação . . .

Transportar arroz cozido e aguentar caldos gordurosos na face? Assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? Não, não me submetas! . . .


O trabalhador dedicado perdoou-lhe a ofensa e acrescentou:

—Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em que a límpida água repouse. Ajudarás aos sedentos que se aproximarem de ti.

Muita gente abençoar-te-á a cooperação. Despertarás o contentamento e a gratidão nas criaturas! . . .

—não, não! Protestou a argila não quero! Seria condenar-me a tempo indefinido nas cantoneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por favor, poupa-me! Poupa-me! . . .


O oleiro cuidadoso considerou, preocupado:

—Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior.


O barro, todavia, recusou a advertência, bradando:

—Não aceito sacrifício, nem disciplina . . .

Antes que pudesse prosseguir, passou o enfornador arrebanhando a argila pronta, e o barro desobediente foi também conduzido ao forno em brasa.

Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e ó surpresa! Não era pote de laboratório, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qualquer significação, sendo imediatamente atirada ao pântano.

Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento, mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, se transformam em verdadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênção da vida mais nobre.







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