Contos e Apólogos

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Capítulo XXVIII

O conferencista atribulado


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Naquela manhã ensolarada de domingo, Gustavo Torres, em seu gabinete de estudo, alinhava preciosos conceitos sobre a arte de ajudar.

Espiritualista consciencioso, acreditava que a luta na Terra era abençoada escola de formação do caráter e, por isso, atendendo às exigências do próprio ideal, enfileirava, tranquilo, frases primorosas para o comentário evangélico que pretendia movimentar na noite seguinte.

Depois de renovadora prece, começou a escrever, sentidamente:

— O próximo, de qualquer procedência, é nosso irmão, credor de nosso melhor carinho.

— O caluniador é um teste de paciência.

— Quando somos vitimados pela ofensa, estamos recebendo de Jesus o bendito ensejo de auxiliar.

— Desesperação é chuva de veneno invisível.

— A desculpa constante é garantia de paz.

— Não olvides que a irritação, em qualquer parte, é fermento da discórdia.

— Suporta a dificuldade com valor, porque a provação é recurso demonstrativo de nossa fé.

— Se um irmão transviado te prejudica o interesse, recebe nele a tua valiosa oportunidade de perdoar.

— Se alguém aparece, como instrumento de aflição em tua casa, não fujas ao exercício da tolerância.

— A calma tonifica o espírito…

Nesse momento, a velha criada veio trazer o chocolate, sobre o qual, sem que ela percebesse, pousara pequena mosca, encontrando a morte.

Torres anotou o corpo estranho e, repentinamente indignado, bradou para a servidora:

— Como se atreve a semelhante desconsideração? Acredita que eu deva engolir um mosquito deste tamanho?

Impressionada com o golpe que o patrão vibrara na bandeja, a pobre mulher implorou:

— Desculpe-me, senhor! A enfermidade ensombra-me os olhos…

— Se é assim — falou áspero —, fique sabendo que não preciso de empregados inúteis…

O conferencista da arte de ajudar ainda não dera o incidente por terminado, quando o recinto foi invadido pelo estrondo de um desmoronamento.

O condutor de um caminhão, num lance infeliz, arrojara a máquina sobre um dos muros da sua residência.

O dono da casa desceu para a via pública, como se fora atingido por um raio.

Abeirou-se do motorista mal trajado e gritou, colérico:

— Criminoso! Que fizeste?

— Senhor — rogou o mísero —, perdoe-me o desastre. Pagarei as despesas da reconstrução. Tenho a cabeça tonta com a moléstia de meu filhinho, que agoniza, há muitos dias…

— Desgraçado! O problema é seu, mas o meu caso será entregue à polícia.

E quando Torres, possesso, usa o telefone, discando para o delegado de plantão, meninos curiosos invadiam-lhe o jardim bem tratado, esmagando a plantação de cravos que lhe exigira imenso trabalho na véspera.

Exasperado, avançou para as crianças, ameaçando:

— Vagabundos! Larápios! Rua, rua!… Fora daqui!… Fora daqui!…

Daí a instantes, policiais atenciosos cercavam-lhe o domicílio e Torres regressou ao gabinete, qual se estivesse acordando de um pesadelo…

Da mesa, destacava-se minúsculo cartaz, em que releu o formoso dístico aí grafado por ele mesmo: — “Quando Jesus domina o coração, a vida está em paz.”

Atribulado, sentou-se.

Deteve-se novamente, na frase preciosa que escrevera, reconheceu quão fácil é ensinar com as palavras e quão difícil é instruir com os exemplos e, envergonhado, passou a refletir…


(.Humberto de Campos)


Irmão X
Francisco Cândido Xavier


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