Lemos aqui mais uma cura de certa mulher obsidiada. Jesus ainda fala, aos sábados, nas sinagogas dos judeus (embora seja esta a última vez que Lucas o assinala). Ao falar, num dos sábados, percebe na assistência uma criatura com um obsessor preso a ela, forçando-lhe a cabeça para baixo, porque ele mesmo era doente. O narrador não assinala nenhum pedido dela nem dos outros, mas talvez tenha havido uma intercessão no astral. Apiedado, Jesus chamou-a e anunciou-lhe a cura, efetuada ao aplicarlhe um passe de descarga, com a imposição das mãos, cuja força magnética era extraordinária.
Sendo sábado, o chefe da sinagoga - zeloso observador da lei mosaica e das prescrições tradicionais dos fariseus - zanga-se, e dirige-se ao povo, parecendo temer falar diretamente àquele Rabbi poderoso.
... Pois que nesses dias tragam seus enfermos para serem curados.
O orador do dia retruca com a energia que lhe outorga sua autoridade, acusando os fariseus de "hipócritas", pois soltam jumentos e bois da manjedoura e os levam a beber, no sábado, e vêm protestar quando Ele solta da ligação de um espírito enfermo uma irmã de crença, filha de Abraão, como eles! O efeito da reprimenda causou mal-estar e vergonha aos fariseus, e produziu alegria ao povo, que se regozijou com a cura e com a resposta de Jesus.
Há duas observações a fazer, ambas no campo do Espiritismo.
A primeira é o fato da obsessão, tão comum entre as criaturas, de qualquer raça ou credo. Dizem os exegetas que era "crença" dos judeus daquela época que algumas doenças fossem causadas por obsessores.
Mas aqui é o evangelista que afirma categoricamente, com sua autoridade de médico diplomado, que a mulher NÃO ESTAVA enferma, mas que TINHA UM ESPÍRITO ENFERMO (gynê pneuma êchousa astheneías). E ao falar, o próprio Jesus confirmou o FATO não a suposta crença: "a qual o antagonista incorporou há dezoito anos" (hên édêsen ho satanãs idoú dêka kaí okto étê). O verbo êdêsen, aoristo ativo de édô, tem o sentido de LIGAR, prender amarrando, agrilhoando, vinculando, e uma boa tradução dele é "incorporou", que, na realidade, é uma ligação fluídica que prende a vítima.
Não se trata de agrilhoar fisicamente, mas no plano astral: logo, é uma incorporação. Caso típico, estudado e explicado pelo Espiritismo e milhares de vezes atestado nas sessões mediúnicas.
Observe-se, quanto à tradução, a diferença entre desmós, que é a ligação (de édô, ligar, amarrar) que tanto pode referir-se à matéria quanto ao astral, e phylakês, que é a cadeia, prisão material, entre quatro paredes (1).
26:29; Philip, 1:7, 13
Na mediunidade dá-se, exatamente, a ligação fluídica, que amarra o espírito ao médium. A isso chama "incorporação", embora o termo não exprima a realidade do fenômeno, pois o espírito não "entra no corpo" (in - corpore), mas apenas SE LIGA.
A segunda observação é quanto ao método da libertação, o "passe", ou "imposição das mãos". O verbo utilizado, epitíthémi (também no aoristo ativo epéthêken) significa literalmente "colocar sobre", "pôr em cima". As anotações evangélicas não falam em "passe" no sentido de movimentar as mãos, mas sempre no de colocar as mãos sobre o enfermo (cfr. MT
Esse derrame de magnetismo através das mãos serve para curar, para retirar obsessores, para infundir o espírito (fazer "incorporar") ou para conferir à criatura um grau iniciático que necessite de magnetismo superior do Mestre.
O passe foi utilizado abertamente por Jesus e Seus discípulos, conforme farta documentação em Evangelhos e Atos, embora não fossem diplomados por nenhuma faculdade de medicina (o único médico era Lucas). Hoje estariam todos condenados pelas sociedades que se dizem cristãs, mas não seguem o cristianismo. O próprio Jesus, hoje, teria que responder a processo por "exercício ilegal da medicina", acusado, julgado e talvez condenado pelos próprios "cristãos".
O passe com gestos e com imposição das mãos (embora só produzindo efeitos em casos raríssimos) continua a ser praticado abundante e continuadamente, ainda que com outro nome, nas bênçãos de criaturas e de objetos, sendo o movimento executado em forma de cruz traçada no ar e em certos casos, colocando as mãos, logo a seguir, sobre o objeto que se abençoa.
A lição aqui ensinada é de interesse real. Além da parte referente ao Espiritismo, aprovado e justificado com o exemplo do Mestre em Seu modo de agir, encontramos outras observações.
Por exemplo, Lucas salienta que a ligação ou incorporação do obsessor enfermo durava havia dezoito anos, quando se deu o desligamento. Esse número dezoito aparece duas vezes neste capítulo, pois também oram dezoito as vítimas do desabamento da torre em Siloé. Façamos, pois, uma análise rápida do arcano DEZOITO, para depois tentar penetrar o sentido do ensino.
No plano divino, simboliza o abismo sem fundo do Infinito; no plano humano, denota o crepúsculo do espírito e suas últimas provações; no plano da natureza, exprime as forças ocultas hostis do Cosmo.
Baseando-nos nesses ensinos ocultistas, observamos que os números citados por Lucas têm sua razão de ser. As forças ocultas hostis da natureza (não personalizemos; são forças cegas, fundamentadas em leis científicas, que nada cogitam a respeito de carmas humanos, embora possam ser utilizadas pelo "Senhores do Carma", em ocasiões determinadas, para atingir objetivos desejados) agem de acordo com os impulsos das leis de atração e repulsão, de causa e efeito, de gravidade (centrípeta) e de expansão (centrífuga). No entanto, se seus resultados beneficiam (arcano 7), nós as denominamos "benéficas"; se nos causam prejuízo (arcano 18), as dizemos "hostis". Em si, porém, elas agem, essas forças da natureza material, sem ligação com as vidas dos homens. Daí a queda da torre de Siloé que, por terem sido esmagadas criaturas humanas, foram julgadas hostis, o que foi traduzido com o número dezoito.
No plano do homem, esse mesmo arcano simboliza "o crepúsculo do espírito e as últimas provações".
Daí ser dito que a mulher obsidiada o estava havia dezoito anos, ou seja, finalizara sua provação.
Este caso difere do da mulher que tinha o fluxo sanguíneo (MT
3) e que "se sacrificava" havia doze anos. Já aqui sabemos que existiu uma provação, ou seja, uma experiência que devia ser suportada, a fim de provocar uma melhoria. Como chegara ao fim o período probacional, e como a vítima estava totalmente resignada (tanto que não solicitou sua cura) o Mestre lhe anuncia que foi libertada, passando, a seguir, a desligá-la do obsessor. Ela não foi liberta da por causa dos passes, mas por causa do término da prova; os passes foram o meio de efetuar o desligamento já obtido antes, pela aprovação nos exames da dor. Por isso, a contradição aparente nos tempos de verbo: "foste libertada" ... é feita a imposição das mãos... ela se cura.
Uma das lições a deduzir é que as "provações" constituem experimentações, uma espécie de "exames", para verificar o grau de adiantamento do espírito: se aprendeu a comportar-se nas lutas e tristezas, com a mesma força e equanimidade com que enfrenta os momentos de alegria e prazer. Vencida a prova, superado o exame, o espírito é libertado da prova: ascende mais um passo evolutivo.
Outro ponto a considerar é que a realização iniciática só se efetua na prática da vida. Simples e lógica a ciência, mas vale apenas na aplicação vivida do dia a dia. Só essa prática experimental transforma um profano num iniciado, e não o conhecimento teórico intelectual nem os títulos que ele ou outrem agreguem a si. Assim, uma experiência dolorosa e longa suportada com heroísmo é mais apta a elevar um espírito, que o simples estudo intelectual. Mas cada criatura recebe apenas o que está preparado a receber, segundo a idade de seu espírito e o estágio atingido em suas encarnações atual e anteriores.
18, que representa um iniciado a chegar ao cimo da montanha, descobrindo que esta se divide em duas, abrindo-se um abismo entre elas, cheio de monstros. Se ele se desespera, perde a caminhada. Se confia, descobre a realidade: tudo é ilusão dos sentidos. Neste ponto é que precisa ter a humildade suficiente para pedir ou pelo menos para aceitar a intervenção da misericórdia divina, tal como ocorreu com a "mulher curvada". A simples força do homem é insuficiente. E quando ele verifica isso, descobre a fragilidade de suas forcas pessoais, tornando-se humilde. Quando, ao contrário, subentra nesse ponto a vaidade das posições adquiridas, dos títulos, do conhecimento intelectual, tudo se esboroa e ele cai (arcano
16) constrangido pelo carma.
Torna-se indispensável, portanto, para vencer o arcano 18, que a criatura já se tenha desapegado de sua situação no mundo, de seu orgulho, de sua posição social, de seus títulos. Mas, se se dá a vitória, com a intervenção do Mestre, depois da provação do arcano 18 surge o Amor no arcano 19, como nova aurora, para ajudá-lo a transformar-se, e então a criatura "levanta a cabeça e crê em Deus", sua fé aumenta, solidifica-se sua confiança no poder Supremo, e reconhece que foi reintegrado em sua individualidade.
As palavras de Jesus, consideradas sob este prisma, adquirem novo significado: os homens que ainda se acreditam ser apenas o corpo, apegados ao animalismo, dão valor às datas (sábados) e à parte animal (jumento e boi), mas não conseguem vislumbrar a altitude que adquiriu o espírito que já se tornou "filho de Abraão", ou seja, que está ligado ao "Pai-Luz" (cfr. vol.
3) que deu origem. Embora o intelecto racionalista (os opositores) se houvesse envergonhado da interpretação involuída que havia dado, a "multidão" das células de todos os veículos se alegrou com a ação do Cristo Interno.
A imagem trazida com a "mulher recurvada" é maravilhosamente bem escolhida: é a criatura tão obsidiada por preconceitos que chega a andar curvada sob o peso dos preceitos e das exigências descabidas, que lhe são impostas pelos legistas. Há que libertar-se a humanidade desse peso inútil e prejudicial, adquirindo conhecimento que a coloque no nível de filhos de Deus, que só reconhecem o Espírito.
"Ora, o Senhor é o Espírito, e onde há o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (2CO
Aqui encontramos duas parábolas, em Mateus e Lucas, e uma só em Marcos. Como o sentido de ambas é o mesmo, deixamo-las juntas.
Mateus relata simplesmente as historietas, ao passo que Lucas e Marcos as precedem de uma interrogação natural e espontânea, vívida e de grande efeito, como se o Mestre, cercado de Seus discípulos, os introduzisse em Seu próprio pensamento e lhes pedisse colaboração, para os exemplos a citar: a que compararemos o reino de Deus? Em Mateus, a expressão é substituída por "céus", já que a palavra sagrada não devia, entre os judeus, ser proferida "em vão", coisa que, para Lucas, pagão, e para Marcos, que escreveu entre os pagãos de Roma, não representava motivo de escrúpulo.
Por falar em Marcos, observamos que seu estilo, nesta parábola, se revela confuso e infantil, como se escrito por incipiente aluno. Talvez dificuldade de manusear o grego, por parte de alguém que só manejava o aramaico. Mateus é o mais completo. E do ensino, Lucas registrou apenas o essencial à memória da lição.
A primeira parábola fala do grão de mostarda (sínapis nigra, L., da família das crucíferas), arbusto comum na Palestina, atingindo, na região lago de Tiberíades, até 3 ou 4 metros de altura. A semente é ansiosamente devorada sobretudo por pardais e pintassilgos.
& Billerbeck, o. c. tomo 1 pág. 669). Foi novamente usada por Jesus: " se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda" (Mt. 17:20).
O verbo grego usado, kataskênô significa "fazer tabernáculo, campar em tenda" e, portanto, "fazer ninho, nidificar". Mas na maioria das traduções aparece "pousar" porque, no século 17, o jesuíta espanhol Maldonado atesta: nam ego, qui magnas aliquando sinapis silvas vidi, insidentes saepe aves vidi, nidos non vidi ("Commentarii in quatuor Evangelistas", pág, 279), isto é, "pois eu que já vi muitos bosques de mostardeiras, muitas vezes vi pássaros pousados, ninhos não vi". Isso bastou para que as traduções se modificassem...
A interpretação comum é que o Mestre salienta que a vida espiritual, mesmo começando pequenina, cresce enormemente. Outros aplicam a parábola ao cristianismo, iniciado em pequeno grupo, mas que se expandirá por toda a Terra. Essa imagem já fora empregada por Ezequiel (17:23 e 31:
6) e por Daniel (4:9). Mas Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 26, col.
90) arrisca que a semeadura é feita na própria criatura, no coração, e quem semeia é a inteligência e a alma.
A segunda parábola é a da mulher que faz o pão, costume tradicional na 2 Palestina e nas aldeias pequenas, mesmo da Europa. Ela "esconde" o fermento na massa da farinha de trigo (áleuron) em quantidade pequena, mas isso basta para que a massa cresça até o dobro em sua quantidade (no campo, sendo maior a quantidade de fermento, a massa cresce até o triplo, mas o pão fica com gosto acre e mofa depressa).
As três medidas (sáton) correspondem à medida do módio (em hebraico seah, cfr. Flávio Josefo. Ant. JD
Também aí Jerônimo (Patrol. Lat. vol. 26, col.
92) aventa hipóteses simbólicas: que as três medidas representam as três qualidades platônicas da alma, a racional (logikós), a irascível (thymós) e a concupiscível (epithymós); ou ainda, embora a classifique de pius sensus, a mistura da fé humana com as três manifestações da Trindade.
A interpretação profunda revela-nos que o "reino dos céus" ou "reino de Deus" não pode ser definido com palavras humanas. Daí só ter sido revelado pelo Cristo por meio de comparações e parábolas (cfr. vol. 3).
Aqui é dado, justamente, um complemento às parábolas que aí comentamos (MT
O Cristo parece encontrar dificuldade em traduzir, em palavras humanas, em conceitos intelectuais, a verdade profunda, em vista da pobreza do linguajar terreno, e da capacidade intelectual nossa. "A que poderemos comparar o reino céus"? E acaba descobrindo na semente minúscula da mostarda, um símile que pode dar vaga ideia da Mônada Divina, ultra-microscópica, infinitésima, invisível. E, no entanto, quando encontrada, agiganta-se de modo espetacular.
Assim o reino de Deus, o Cristo Interno, embora um átomo Espiritual, ao ser encontrado, dá a possibilidade de encontrar-se o infinito e o eterno, de mergulhar-se no inespacial e no atemporal. O ponto de partida pode ser o infinitamente pequeno, mas o ponto de chegada é o infinitamente grande.
A ideia do crescimento de algo pequeno, é trazida, também, com o fermento: o Encontro Sublime age na criatura como o fermento na massa de farinha de trigo, isto é, faz crescer espiritualmente de maneira inesperada.
Duas imagens diferentes, procurando explicar a mesma ideia básica. Nem atribuamos ao Cristo a dificuldade a que acenamos acima: a dificuldade residia nos ouvintes. Figuremos um professor a querer explicar algo mais transcendental a uma criança: que dificuldade não teria em achar termos e comparações que o intelecto infantil pudesse captar! Os próprios exemplos seriam aproximados, nunca perfeitos, porque a criança não entenderia.
Em ambas as parábolas, pormenores comuns ressaltam a justeza dos exemplos: a semente é enterrada no solo, o fermento escondido na massa. A semente é a menor antes de enterrada, mas depois de plantada, cresce; o fermento é pouco, mas depois de escondido, faz crescer: só a humildade, no mergulho interno, poderá obter o êxito desejado. Mas num e noutro caso, os "frutos" são espalhados por muitos: os grãos atraem os pássaros, os pães alimentam os homens. Assim os pensamentos, as vibrações, as palavras e obras dos que se uniram ao Cristo interno, sustentam e fazem crescer todos os que deles se aproximam.
No campo iniciático, a lição é dada aos estudantes com precisão maravilhosa. A jornada não é feita por meio de ações externas, mas com o início humilde dentro de si mesmo.
O reino dos céus - o grau de REI ou hierofante, o sétimo passo - não é o coroamento mundano de valores terrenos, mas o labor oculto ("enterrado, escondido") que é o único que pode garantir o crescimento certo e benéfico posterior.
Tudo isso faz-nos penetrar no sentido exato da Escola Iniciática "Assembleia do Caminho". Coloquemos a semente, embora pequena, e o fermento, embora pouco, no coração das criaturas, e aguardemos que cada um cresça por si; se o terreno for fértil, a semente se tornará árvore; se a massa for boa, levedará com o fermento, por si mesma. Saibamos agir, em nós e nos outros, com humildade: a ação divina fará por si, não nos preocupemos. Basta que lancemos as sementes e coloquemos o fermento: "eu plantei, Apolo regou, mas Deus fez crescer" (1. ª Cor. 3:6).