CAPÍTULO VI

Antigos e Modernos Sistemas do Mundo

O espaço e o tempo
• Item 1 •
Já foram dadas várias definições de espaço, sendo a principal esta: o espaço é a extensão que separa dois corpos, na qual certos sofistas deduziram que onde não haja corpos não haverá espaço. Foi nisto que se basearam alguns doutores em Teologia para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que certo número de corpos limitados não poderiam formar uma série infinita e que, onde acabassem os corpos, o espaço igualmente acabaria. Também definiram o espaço como o lugar onde se movem os mundos, o vácuo onde a matéria atua etc. Deixemos todas essas definições, que nada definem, nos tratados em que repousam.
Espaço é uma dessas palavras que exprimem uma ideia primitiva e axiomática, evidente por si mesma, e a cujo respeito as diversas definições que se possam dar nada mais fazem do que obscurecê-la. Todos sabemos o que é o espaço, e eu apenas quero firmar que ele é infinito, a fim de que os nossos estudos ulteriores não encontrem nenhuma barreira que se oponha às investigações do nosso olhar.
Ora, digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível imaginar-se um limite qualquer para ele e porque, apesar da dificuldade com que nos defrontamos para conceber o infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a percorrer.
Para figurarmos a infinidade do espaço, tanto quanto no-lo permitam as nossas limitadas faculdades, suponhamos que, partindo da Terra, perdida no meio do infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a velocidade prodigiosa da centelha elétrica, que percorre milhares de léguas por segundo, hajamos percorrido milhões de léguas tão logo tenhamos deixado este globo, a ponto de nos acharmos num lugar de onde apenas o divisamos sob o aspecto de pálida estrela. Passado um instante, seguindo sempre a mesma direção, chegamos a essas estrelas longínquas que mal distinguis da vossa estação terrestre. Daí, não só a Terra nos desaparece inteiramente do olhar nas profundezas do céu, como também o próprio Sol, com todo o seu esplendor, se haverá eclipsado pela extensão que dele nos separa. Animados sempre da mesma velocidade do relâmpago, a cada passo que avançamos na imensidão, transpomos sistemas de mundos, ilhas de luz etérea, estradas estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou os mundos com a mesma profusão com que semeou as plantas nas pradarias terrenas.
Ora, caminhando há poucos minutos e já centenas de milhões e milhões de léguas nos separam da Terra, bilhões de mundos nos passaram sob as vistas e, na realidade, não avançamos um só passo que seja no Universo. Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares e sempre com a mesma velocidade do relâmpago, nem um passo igualmente teremos avançado, qualquer que seja o lado para onde nos dirijamos, a partir desse grãozinho invisível que deixamos e que se chama Terra. Eis aí o que é o espaço!

O espaço e o tempo
• Item 2 •
Como o espaço, o tempo é também um termo que se define por si mesmo. Dele se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo infinito. O tempo é a sucessão das coisas. Está ligado à eternidade do mesmo modo que as coisas estão ligadas ao infinito. Suponhamo-nos na origem do nosso mundo, na época primitiva em que a Terra ainda não se movia sob a divina impulsão; numa palavra: no começo da Gênese. O tempo então ainda não saíra do misterioso berço da Natureza e ninguém pode dizer em que época de séculos nos achamos, visto que o pêndulo do tempo ainda não foi posto em movimento.
Mas silêncio! Soa na sineta eterna a primeira hora de uma Terra isolada, o planeta se move no espaço e, desde então, há tarde e manhã. Para lá da Terra, a eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a muitos outros mundos. Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.
Transportemo-nos agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o peso da vetustez, ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer. Interrompe-se então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que mediam o tempo, e o tempo acaba com eles.
Esta simples exposição das coisas naturais que dão nascimento ao tempo, que o alimentam e deixam que ele se extinga, basta para mostrar que, visto do ponto em que devemos nos colocar para os nossos estudos, o tempo é uma gota d’água que cai da nuvem no mar e cuja queda é medida.
Tantos mundos na vasta amplidão, quantos tempos diversos e incompatíveis. Fora dos mundos, somente a eternidade substitui essas efêmeras sucessões e enche tranquilamente da sua luz imóvel a imensidade dos céus. Imensidade sem limites e eternidade sem limites, tais as duas grandes propriedades da natureza universal.
O olhar do observador, que atravessa, sem jamais encontrar o que o detenha, as incomensuráveis distâncias do espaço, e o do geólogo, que remonta além dos limites das idades, ou que desce às profundezas da eternidade, em que ambos um dia se perderão, atuam em concordância, cada um na sua direção, para adquirir esta dupla noção do infinito: extensão e duração.
Dentro desta ordem de ideias, ser-nos-á fácil conceber que, sendo o tempo apenas a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos milheiros, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais que um ponto na eternidade, do mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a milhares de léguas não dão mais que um ponto na extensão.
Assim, por exemplo, estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos escrever um número tão longo quanto o equador terrestre e supor-nos envelhecidos desse número de séculos, sem que na realidade nossa alma conte um dia a mais. E, juntando a esse número indefinível de séculos uma série de números semelhantes, longa como daqui ao Sol, ou ainda mais consideráveis, se imaginássemos viver durante uma sucessão prodigiosa de períodos seculares representados pela adição de tais números, quando chegássemos ao termo, o inconcebível amontoado de séculos que nos pesaria sobre a cabeça seria como se não existisse: diante de nós estaria sempre toda a eternidade.
O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias. A eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela não há começo nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos e séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?

A matéria
• Item 3 •
À primeira vista, nada parece tão profundamente variado, nem tão essencialmente distinto como as diversas substâncias que compõem o mundo. Entre os objetos que a Arte ou a Natureza nos fazem passar diariamente ante o olhar, haverá duas que revelem perfeita identidade ou, ao menos, paridade de composição? Quanta dessemelhança, do ponto de vista da solidez, da compressibilidade, do peso e das múltiplas propriedades dos corpos, entre os gases atmosféricos e um filete de ouro, entre a molécula aquosa da nuvem e a do mineral que forma a carcaça óssea do globo! Quanta diversidade entre o tecido químico das variadas plantas que adornam o reino vegetal e o dos representantes não menos numerosos da animalidade na Terra.
!ntretanto, podemos estabelecer como princípio absoluto que todas as substâncias, conhecidas e desconhecidas, por mais desiguais que pareçam, quer do ponto de vista da sua constituição íntima, quer sob o aspecto de suas ações recíprocas, não são, de fato, senão modos diversos sob os quais a matéria se apresenta; variedades em que ela se transforma sob a direção das forças inumeráveis que a governam.

A matéria
• Item 4 •
A Química, cujos progressos foram tão rápidos depois da minha época, em que seus próprios adeptos ainda a relegavam para o domínio secreto da magia; ciência que se pode considerar, com justa razão, filha do século da observação e baseada unicamente, com mais solidez do que suas irmãs mais velhas, no método experimental; a Química, digo, ignorou completamente os quatro elementos primitivos que os Antigos concordaram em reconhecer na Natureza; mostrou que o elemento terrestre não passa da combinação de diversas substâncias variadas ao infinito; que o ar e a água são igualmente decomponíveis e produtos de certo número de equivalentes de gás; que o fogo, longe de ser também um elemento principal, é apenas um estado da matéria, resultante do movimento universal a que se acha submetida, e de uma combustão sensível ou latente.
Em compensação, descobriu um número considerável de princípios, até então desconhecidos, que lhe pareceram formar, por determinadas combinações, as diversas substâncias, os diversos corpos que ela estudou e que atuam simultaneamente, segundo certas leis e em certas proporções, nos trabalhos que se realizam dentro do grande laboratório da Natureza. Deu a esses princípios o nome de corpos simples, indicando de tal modo que os considera primitivos e indecomponíveis e que nenhuma operação, até hoje, pode reduzi-los a frações relativamente mais simples que eles próprios. [3] [4]

A matéria
• Item 5 •
Mas onde param as apreciações do homem, mesmo auxiliado pelos mais impressionantes sentidos artificiais, prossegue a obra da Natureza; onde o vulgo toma a aparência como realidade, onde o prático levanta o véu e distingue o começo das coisas, o olhar daquele que pode captar o modo de agir da Natureza apenas vê, nos materiais constitutivos do mundo, a matéria cósmica primitiva, diversificada em certas regiões na época do seu aparecimento, repartida em corpos solidários entre si, enquanto têm vida, e que um dia se desmembram, por efeitos da decomposição no receptáculo da extensão.

A matéria
• Item 6 •
Há questões que nós mesmos, Espíritos amantes da Ciência, não podemos aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais ou menos hipotéticas. Sobre tais questões eu me calarei, ou justificarei a minha maneira de ver. A questão com que nos ocupamos, porém, não pertence a esse número. Àqueles, portanto, que fossem tentados a enxergar nas minhas palavras unicamente uma teoria ousada, direi: Abarcai, se for possível, com olhar investigador, a multiplicidade das operações da Natureza e reconhecereis que, se não se admitir a unidade da matéria, será impossível explicar, já não direi somente os sóis e as esferas, mas, sem ir tão longe, a germinação de uma semente na terra ou a produção de um inseto.

A matéria
• Item 7 •
Se se observa tão grande diversidade na matéria é porque, sendo em número ilimitado as forças que presidiram às suas transformações e as condições em que estas se produziram, também as várias combinações da matéria não podiam deixar de ser ilimitadas. Logo, quer a substância que se considere pertença aos fluidos propriamente ditos, isto é, aos corpos imponderáveis, quer revista os caracteres e as propriedades ordinárias da matéria, não há, em todo o Universo, senão uma única substância primitiva: o cosmo, ou matéria cósmica dos astrônomos.

As leis e as forças
• Item 8 •
Se um desses seres desconhecidos que consomem a sua existência efêmera no fundo das regiões tenebrosas do oceano; se um desses poligástricos, uma dessas nereidas – miseráveis animálculos que da Natureza só conhecem os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse de repente o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de basear suas apreciações num raciocínio conjetural extensivo à universalidade das coisas, que ideia faria da natureza viva que se desenvolve no meio por ele habitado e do mundo terrestre que escapa ao campo de suas observações.
?e, agora, por efeito maravilhoso do poder da sua nova faculdade, esse mesmo ser chegasse a elevar-se acima das suas trevas eternas, a galgar a superfície do mar, não distante das margens opulentas de uma ilha de esplêndida vegetação, banhada pelo Sol fecundante, dispensador de calor benéfico, que juízo faria ele das suas antecipadas teorias sobre a criação universal? Não as baniria de pronto, substituindo-as por uma apreciação mais ampla, relativamente tão incompleta ainda quanto a primeira? Esta é a imagem, ó homens, da vossa ciência toda especulativa. [5]

As leis e as forças
• Item 9 •
Vindo, pois, tratar aqui da questão das leis e das forças que regem o Universo, eu, que apenas sou, como vós, um ser relativamente ignorante, em face da ciência real, a despeito da aparente superioridade sobre os meus irmãos da Terra, advinda da possibilidade de estudar problemas naturais que lhes são interditos na posição em que se encontram, trago por único objetivo dar-vos uma noção geral das leis universais, sem explicar em detalhes o modo de ação e a natureza das forças especiais que lhes são dependentes.

As leis e as forças
• Item 10 •
Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é o éter, ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. São inerentes ao éter as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas forças múltiplas, indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas em seus modos de ação, de acordo com as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração, magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos vibratórios do agente são conhecidos sob os nomes de som, calor, luz etc. Em outros mundos, elas se apresentam sob outros aspectos, revelam outros caracteres desconhecidos na Terra e, na imensa amplidão dos céus, forças em número indefinido se têm desenvolvido em escala inimaginável, cuja grandeza somos tão incapazes de avaliar quanto o crustáceo, no fundo do oceano, para apreender a universalidade dos fenômenos terrestres. [6]

Ora, assim como só há uma substância simples, primitiva, geradora de todos os corpos, porém diversificada em suas combinações, também todas essas forças dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos e que, pelos desígnios eternos, foi soberanamente imposta à Criação, para lhe imprimir harmonia e estabilidade.

As leis e as forças
• Item 11 •
A Natureza jamais se encontra em oposição a si mesma. Uma só é a divisa do brasão do Universo: unidade/variedade. Remontando à escala dos mundos, encontra-se a unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo que uma variedade infinita no imenso jardim de estrelas. Percorrendo os degraus da vida, desde o último dos seres até Deus, torna-se evidente a grande lei de continuidade. Considerando as forças em si mesmas, pode-se formar com elas uma série, cuja resultante, confundindo-se com a geratriz, é a lei universal.
Não podeis apreciar esta lei em toda a sua amplitude, por serem restritas e limitadas as forças que a representam no campo das vossas observações. Entretanto, a gravitação e a eletricidade podem ser consideradas como uma larga aplicação da lei primordial, que impera para lá dos céus.
Todas essas forças são eternas – explicaremos este termo – e universais como a Criação. Sendo inerentes ao fluido cósmico, elas atuam necessariamente em tudo e em toda parte, modificando suas ações pela simultaneidade ou pela sucessão, predominando aqui, apagando-se ali, pujantes e ativas em certos pontos, latentes ou ocultas em outros, mas, afinal, preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos em seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos trabalhos da Natureza, onde quer que eles se executem, assegurando para sempre o eterno esplendor da Criação.

A criação primeira
• Item 12 •
Depois de termos considerado o Universo sob os pontos de vista gerais da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos estender os nossos estudos ao modo de formação que deu origem aos mundos e aos seres. Desceremos em seguida à criação da Terra, em particular, e ao seu estado atual na universalidade das coisas e daí, tomando esse globo por ponto de partida e por unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais.

A criação primeira
• Item 13 •
Se bem compreendemos a relação, ou antes, a oposição entre a eternidade e o tempo, se nos familiarizamos com a ideia de que o tempo não passa de uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, enquanto a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, e não suscetível de qualquer medida, do ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não há começo nem fim.
Por outro lado, se fazemos uma ideia justa, embora necessariamente muito fraca, da infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o Universo haja existido sempre e sempre exista. Desde que Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. Antes que houvessem nascido os tempos, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, igualmente eterno.

A criação primeira
• Item 14 •
Existindo, por sua natureza, desde toda a eternidade, Deus criou desde toda a eternidade e não poderia ser de outro modo, visto que, por mais longínqua que seja a época a que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da Criação, haverá sempre, além desse limite, uma eternidade – ponderai bem esta ideia – uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições infinitas teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de mutismo indiferente para o Verbo que os governa; de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e vivificação.
Compreendamos melhor a grandeza da ação divina e a sua perpetuidade sob a mão do Ser absoluto! Deus é o sol dos seres, é a luz do mundo. Ora, a aparição do Sol dá nascimento instantâneo a ondas de luz que se vão espalhando por todos os lados na extensão. Do mesmo modo, o Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis do infinito de duração, ao Fiat lux! do início.

A criação primeira
• Item 15 •
O começo absoluto das coisas remonta, pois, a Deus. As sucessivas aparições delas no domínio da existência constituem a ordem da criação perpétua. Que mortal poderia dizer das magnificências desconhecidas e soberbamente veladas sob a noite das idades que se desdobraram nesses tempos antigos, em que nenhuma das maravilhas do Universo atual existia; nessa época primitiva em que, tendo-se feito ouvir a voz do Senhor, os materiais que no futuro haviam de agregar-se por si mesmos e simetricamente, para formar o templo da Natureza, se encontraram de súbito no seio dos vácuos infinitos; quando aquela voz misteriosa, que toda criatura venera e estima como a de uma mãe, produziu notas harmoniosamente variadas, para irem vibrar juntas e modular o concerto dos céus imensos.
! mundo, no nascedouro, não se apresentou na sua virilidade e na plenitude de sua vida, não. O poder criador nunca se contradiz e, como todas as coisas, o Universo nasceu criança. Revestido das leis mencionadas acima e da impulsão inicial inerente à sua própria formação, a matéria cósmica primitiva fez que sucessivamente nascessem turbilhões, aglomerações desse fluido difuso, amontoados de matéria nebulosa que se cindiram por si próprios e se modificaram ao infinito para gerar, nas regiões incomensuráveis da amplidão, diversos centros de criações simultâneas ou sucessivas.
Em virtude das forças que predominaram sobre um ou sobre outro deles, e das circunstâncias ulteriores que presidiram aos seus desenvolvimentos, esses centros primitivos se tornaram focos de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em princípios e em forças atuantes, começaram desde logo a sua particular vida astral; os outros, ocupando ilimitada extensão, cresceram com extrema lentidão, ou de novo se dividiram em outros centros secundários.

A criação primeira
• Item 16 •
Transportando-nos a alguns milhões de séculos somente, acima da época atual, verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso sistema solar ainda não começou as evoluções da vida planetária. Entretanto, já esplêndidos sóis iluminam o éter; já planetas habitados dão vida e existência a uma imensidão de seres que nos precederam na carreira humana, que as produções opulentas de uma natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do céu desdobram, sob outros olhares, os quadros imensos da Criação. Que digo! já deixaram de existir esplendores que muito antes fizeram palpitar o coração de outros mortais, sob o pensamento da potência infinita! E nós, pobres seres pequeninos, que viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos contemporâneos da Criação.
!inda uma vez, compreendamos melhor a Natureza. Saibamos que atrás de nós, como à nossa frente, está a eternidade, que o espaço é teatro de inimaginável sucessão e simultaneidade de criações. Tais nebulosas, que mal percebemos nos mais longínquos pontos do céu, são aglomerações de sóis em vias de formação; outras são vias lácteas de mundos habitados; outras, ainda, são sedes de catástrofes e de perecimento. Saibamos que, assim como estamos colocados no meio de uma infinidade de mundos, também estamos no meio de uma dupla infinidade de durações, anteriores e ulteriores; que a criação universal não se acha restrita a nós, e que, portanto, não podemos aplicar essa expressão à formação isolada do nosso pequenino globo.

A criação universal
• Item 17 •
Após haver remontado, tanto quanto o permitia a nossa fraqueza, em direção à fonte oculta de onde procedem os mundos, como as gotas d’água de um rio, consideremos a marcha das criações sucessivas e dos seus desenvolvimentos seriais.
A matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos e vitais de todos os universos que desdobram suas magnificências diante da eternidade. Ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e, sobretudo, a eterna geratriz. Essa substância, de onde provêm as esferas siderais, não desapareceu de modo algum; essa potência não morreu, pois que ainda gera, sem cessar, novas criações e incessantemente recebe, reconstituídos, os princípios dos mundos que se apagam do livro eterno.
A matéria etérea mais ou menos rarefeita que se difunde pelos espaços interplanetários; esse fluido cósmico que enche o mundo, mais ou menos rarefeito, nas regiões imensas, ricas de aglomerações de estrelas; mais ou menos condensado onde o céu astral ainda não brilha; mais ou menos modificado por diversas combinações, de acordo com as localidades da amplidão, nada mais é do que a substância primitiva onde residem as forças universais, a partir da qual a Natureza tirou todas as coisas. [7]

A criação universal
• Item 18 •
Esse fluido penetra os corpos como um imenso oceano. É nele que reside o princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo, conforme a sua condição, princípio que, em estado latente, se conserva adormecido onde a voz de um ser não o chama. Toda criatura, mineral, vegetal, animal ou qualquer outra – visto que há muitos outros reinos naturais, de cuja existência nem sequer suspeitais – sabe, em virtude desse princípio vital e universal, apropriar as condições de sua existência e de sua duração.
As moléculas do mineral têm uma certa soma dessa vida, do mesmo modo que a semente do embrião, e se grupam, como no organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos.
. muito importante nos convencermos da noção de que a matéria cósmica primitiva se achava revestida não só das leis que asseguram a estabilidade dos mundos, como também do princípio vital e universal que forma gerações espontâneas em cada mundo, à medida que se apresentam as condições da existência sucessiva dos seres e quando soa a hora do aparecimento dos filhos da vida, durante o período criador.
Assim se efetua a criação universal. É, pois, exato dizer-se que, sendo as operações da Natureza a expressão da vontade divina, Deus sempre criou, cria incessantemente e nunca deixará de criar.

A criação universal
• Item 19 •
Até aqui, porém, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que também faz parte da Criação e cumpre seus destinos conforme as augustas prescrições do Senhor. Acerca do modo da criação dos Espíritos, entretanto, não posso ministrar senão um ensino muito restrito, em virtude da minha própria ignorância e também porque tenho ainda de calar-me sobre certas questões, se bem já me haja sido permitido aprofundá-las.
Aos que desejam religiosamente conhecer e se mostrem humildes perante Deus, direi, rogando-lhes, todavia, que não deduzam das minhas palavras nenhum sistema prematuro, o seguinte: o Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualização. Somente a partir do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma lugar no seio das humanidades.
Ainda uma vez vos peço: não construais sobre as minhas palavras os vossos raciocínios, tão tristemente célebres na história da Metafísica. Eu preferiria mil vezes calar-me sobre tão elevadas questões, tão acima das nossas meditações ordinárias, a vos expor a desnaturar o sentido de meu ensino e a vos lançar, por culpa minha, nos labirintos inextrincáveis do deísmo ou do fatalismo.

Os sóis e os planetas
• Item 20 •
Sucedeu que, num ponto do Universo, perdido entre as miríades de mundos, a matéria cósmica se condensou sob a forma de imensa nebulosa, animada das leis universais que regem a matéria. Em virtude dessas leis, principalmente da força molecular de atração, ela tomou a forma de um esferoide, a única que pode assumir uma massa de matéria isolada no espaço.
O movimento circular produzido pela gravitação, rigorosamente igual, de todas as zonas moleculares em direção ao centro, logo modificou a esfera primitiva, a fim de conduzi-la, de movimento em movimento, à forma lenticular. Aqui nos referimos ao conjunto da nebulosa.

Os sóis e os planetas
• Item 21 •
Novas forças surgiram em consequência desse movimento de rotação: a força centrípeta e a força centrífuga; a primeira tende a reunir todas as partes no centro, enquanto a segunda as afasta do centro. Ora, acelerando-se o movimento à proporção que a nebulosa se condensa, e aumentando o seu raio à medida que ela se aproxima da forma lenticular, a força centrífuga, incessantemente desenvolvida por essas duas causas, logo predominou sobre a atração central.
Assim como um movimento rápido demais de uma funda lhe quebra a corda, deixando o projétil cair longe, também a predominância da força centrífuga destacou o círculo equatorial da nebulosa e desse anel se formou uma nova massa, isolada da primeira, mas submetida ao seu domínio. Aquela massa conservou o seu movimento equatorial que, modificado, se lhe tornou movimento de translação em torno do astro solar. Além disso, o seu novo estado lhe dá um movimento de rotação em torno do próprio centro.

Os sóis e os planetas
• Item 22 •
A nebulosa geratriz que deu origem a esse novo mundo condensou-se e retomou a forma esférica; mas, como o primitivo calor, desenvolvido por seus diversos movimentos, só se atenuasse com extrema lentidão, o fenômeno que acabamos de descrever se reproduzirá muitas vezes e durante longo período, enquanto a nebulosa não se haja tornado bastante densa, bastante sólida, para oferecer resistência eficaz às modificações de forma, que lhe imprime sucessivamente o seu movimento de rotação.
Esta nebulosa geratriz não terá dado origem a um só astro, mas a centenas de mundos destacados do foco central, saídos dela pelo modo de formação mencionado neste item. Ora, cada um desses mundos, revestido, como o mundo primitivo, das forças naturais que presidem à criação dos universos, gerará sucessivamente novos globos que desde então lhe gravitarão em torno, como ele, juntamente com seus irmãos, gravita em torno do foco que lhes deu existência e vida. Cada um desses mundos será um Sol, centro de um turbilhão de planetas sucessivamente destacados do seu equador. Esses planetas receberão uma vida especial, particular, embora dependente do astro que os gerou.

Os sóis e os planetas
• Item 23 •
Os planetas são, assim, formados de massas de matéria condensada, porém ainda não solidificada, destacadas da massa central pela ação da força centrífuga, e que tomam, em virtude das leis do movimento, a forma esferoidal, mais ou menos elíptica, conforme o grau de fluidez que conservaram. Um desses planetas será a Terra que, antes de se resfriar e revestir de uma crosta sólida, dará nascimento à Lua, pelo mesmo processo de formação astral a que ela própria deveu a sua existência. A Terra, doravante inscrita no livro da vida, é berço de criaturas cuja fraqueza a Divina Providência protege, nova corda colocada na harpa infinita e que, no lugar que ocupa, tem de vibrar no concerto universal dos mundos.

Os satélites
• Item 24 •
Antes que as massas planetárias houvessem atingido um grau de resfriamento suficiente para lhes operar a solidificação, massas menores, verdadeiros glóbulos líquidos, se desprenderam de algumas no plano equatorial, plano em que é maior a força centrífuga, e, por efeito das mesmas leis, adquiriram um movimento de translação em torno do planeta que as gerou, como sucedeu a estes com relação ao astro central que lhes deu origem.
Foi assim que a Terra deu nascimento à Lua, cuja massa, menos considerável, teve que sofrer um resfriamento mais rápido. Ora, as leis e as forças que presidiram ao seu desprendimento do equador terreno, e o seu movimento de translação no mesmo plano, agiram de tal sorte que esse mundo, em vez de revestir a forma esferoidal, tomou a de um globo ovoide, isto é, a forma alongada de um ovo, com o centro de gravidade fixado na parte inferior.

Os satélites
• Item 25 •
As condições em que se efetuou a desagregação da Lua pouco lhe permitiram afastar-se da Terra e a constrangeram a conservar-se perpetuamente suspensa no seu firmamento, como uma figura ovoide cujas partes mais pesadas formaram a face inferior voltada para a Terra e cujas partes menos densas constituíram o seu vértice, se com essa palavra se designar a face que, do lado oposto à Terra, se eleva para o céu. O que é certo é que esse astro nos apresenta sempre a mesma face. Para melhor compreender-se o seu estado geológico, ele pode ser comparado a um globo de cortiça, cuja base voltada para a Terra seria formada de chumbo.
Daí, duas naturezas essencialmente distintas na superfície do mundo lunar: uma, sem qualquer analogia com o nosso, visto que os corpos fluidos e etéreos lhe são desconhecidos; a outra, leve, relativamente à Terra, uma vez que todas as substâncias menos densas se encaminharam para esse hemisfério. A primeira, perpetuamente voltada para a Terra, sem águas e sem atmosfera, a não ser aqui e ali, nos limites desse hemisfério subterrestre; a outra, rica de fluidos, perpetuamente oposta ao nosso mundo. [8] [9]

Os satélites
• Item 26 •
O número e o estado dos satélites de cada planeta têm variado de acordo com as condições especiais em que se formaram. Alguns não deram origem a nenhum astro secundário, como se verifica com Mercúrio, Vênus e Marte, [10] ao passo que outros, como a Terra, Júpiter, Saturno etc., formaram um ou vários desses astros secundários.

Os satélites
• Item 27 •
Além de seus satélites ou luas, o planeta Saturno apresenta o fenômeno especial do anel que, visto de longe, parece cercá-lo de uma espécie de auréola branca. Para nós, esta formação é uma nova prova da universalidade das Leis da Natureza. Esse anel é, com efeito, o resultado de uma separação que se operou no equador de Saturno, ainda nos tempos primitivos, do mesmo modo que uma zona equatorial se escapou da Terra para formar o seu satélite. A diferença consiste em que o anel de Saturno se formou, em todas as suas partes, de moléculas homogêneas, provavelmente já em certo estado de condensação, e pode, dessa maneira, continuar seu movimento de rotação no mesmo sentido e em tempo mais ou menos igual ao que anima o planeta. Se um dos pontos desse anel tivesse ficado mais denso que outro, uma ou várias aglomerações de substâncias se teriam subitamente operado e Saturno contaria muitos satélites a mais. Desde a época da sua formação, esse anel se solidificou, do mesmo modo que os outros corpos planetários.

Os cometas
• Item 28 •
Astros errantes, ainda mais do que os planetas, que conservaram a denominação etimológica, os cometas serão os guias que nos ajudarão a transpor os limites do sistema a que pertence a Terra e nos levarão às regiões longínquas da amplidão sideral.
Mas, antes de explorarmos os domínios celestes, com o auxílio desses viajantes do Universo, será bom que ministremos o conhecimento, tanto quanto possível, da natureza intrínseca deles e do papel que lhes cabe na economia planetária.

Os cometas
• Item 29 •
Alguns têm visto, nesses astros dotados de cabeleira, mundos nascentes a elaborarem, no primitivo caos em que se acham, as condições de vida e de existência que tocam em partilha às terras habitadas; outros imaginaram que esses corpos extraordinários eram mundos em estado de destruição e, para muitos, a aparência singular que apresentam foi motivo de apreciações errôneas acerca da natureza deles, de tal sorte que não houve, inclusive na astrologia judiciária, quem não os considerasse como pressagiadores de desgraças, enviados por desígnios providenciais à Terra espantada e tremente.

Os cometas
• Item 30 •
A lei de variedade se aplica em tão larga escala nos trabalhos da Natureza que se pergunta como os naturalistas, os astrônomos e os filósofos hajam fabricado tantos sistemas para assimilar os cometas aos astros planetários e para somente verem neles astros em graus mais ou menos adiantados de desenvolvimento ou de caducidade. Entretanto, os quadros da Natureza deveriam bastar amplamente para afastar o observador da preocupação de pesquisar relações inexistentes e deixar aos cometas o papel modesto, porém útil, de astros errantes, que servem de guarda avançada aos impérios solares. Os corpos celestes de que tratamos são coisa muito diversa dos corpos planetários; não têm por destinação, como estes, servir de habitação às humanidades. Vão sucessivamente de sóis em sóis, enriquecendo-se, às vezes, pelo caminho, de fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, haurir nos focos solares os princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos terrestres. (Cap. IX, item 12.)

Os cometas
• Item 31 •
Se, quando um desses astros se aproxima do nosso pequenino globo, para lhe atravessar a órbita e voltar ao seu apogeu, situado a uma distância incomensurável do Sol, nós o acompanhássemos, pelo pensamento, para visitar com ele as regiões siderais, transporíamos a prodigiosa extensão de matéria etérea que separa o Sol das estrelas mais próximas e, observando os movimentos combinados desse astro, que se suporia desgarrado no deserto infinito, ainda aí encontraríamos uma prova eloquente da universalidade das Leis da Natureza, que atuam a distâncias que a mais ativa imaginação mal pode conceber.
Aí, a forma elíptica toma a forma parabólica e a marcha se torna tão lenta que o cometa não chega a percorrer mais que alguns metros, no mesmo tempo durante o qual, em seu perigeu, percorria muitos milhares de léguas. Talvez um Sol mais poderoso, mais importante do que o que ele acaba de deixar, exerça sobre esse cometa uma atração preponderante e o receba na categoria de seus próprios súditos. Então, na vossa pequenina Terra, em vão as crianças espantadas lhe aguardarão o retorno, que haviam predito, baseando-se em observações incompletas. Nesse caso, nós, que pelo pensamento acompanhamos o cometa errante a essas regiões desconhecidas, depararemos com uma nova nação, que os olhares terrenos não podem encontrar, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra, inconcebível mesmo para as suas mentes, porquanto ela será teatro de maravilhas inexploradas.
Chegamos ao mundo astral, nesse mundo deslumbrante dos vastos sóis que irradiam pelo espaço infinito e que são as flores brilhantes do magnífico jardim da Criação. Só depois de lá chegarmos é que saberemos o que é a Terra.

A Via Láctea
• Item 32 •
Nas noites estreladas e sem luar, muita gente já contemplou essa faixa esbranquiçada que atravessa o céu de uma extremidade a outra, e que os Antigos apelidaram de Via Láctea, por causa da sua aparência leitosa. Nos tempos modernos, esse clarão difuso tem sido longamente explorado pelo telescópio, tendo esse caminho de pó de ouro, ou esse regato de leite da mitologia antiga, se transformado num vasto campo de maravilhas desconhecidas. As pesquisas dos observadores levaram ao conhecimento da sua natureza e revelaram que, ali onde o olhar errante apenas percebia uma fraca luminosidade, há milhões de sóis mais luminosos e mais importantes do que o que nos clareia a Terra.

A Via Láctea
• Item 33 •
Realmente, a Via Láctea é uma campina matizada de flores solares e planetárias que brilham em toda a sua enorme extensão. O nosso Sol e todos os corpos que o acompanham fazem parte desse conjunto de globos radiosos que formam a Via Láctea. Mas, a despeito de suas dimensões gigantescas, relativamente à Terra, e à grandeza do seu império, o Sol ocupa inapreciável lugar em tão vasta Criação. Podem contar-se por uma trintena de milhões de sóis [11] que, à sua semelhança, gravitam nessa imensa região, afastados uns dos outros de mais de cem mil vezes o raio da órbita terrestre. [12]

A Via Láctea
• Item 34 •
Por esse cálculo aproximado se pode julgar da extensão dessa região sideral e da relação que existe entre o nosso sistema e a universalidade dos sistemas que ela contém. Pode-se igualmente julgar da exiguidade do domínio solar e, a fortiori, do nada que é a nossa pequenina Terra. Que seria, então, se se considerassem os seres que o povoam.
!igo “do nada” porque as nossas determinações se aplicam não só à extensão material, física, dos corpos que estudamos, o que pouco seria, mas, também e sobretudo, ao estado moral deles como habitação e ao grau que ocupam na eterna hierarquia dos seres. A Criação se mostra aí em toda a sua majestade, criando e propagando, em torno do mundo solar e em cada um dos sistemas que o rodeiam por todos os lados, as manifestações da vida e da inteligência.

A Via Láctea
• Item 35 •
Desse modo, fica-se conhecendo a posição que ocupam o nosso Sol e a Terra no mundo das estrelas. Estas considerações ganharão maior peso ainda se refletirmos no estado mesmo da Via Láctea que, na imensidade das criações siderais, não representa mais que um ponto insignificante e inapreciável, vista de longe, porquanto ela não é mais que uma nebulosa estelar, entre os milhões das que existem no espaço. Se ela nos parece mais vasta e mais rica do que outras, é pela única razão de que nos cerca e se desenvolve em toda a sua extensão sob os nossos olhos, ao passo que as outras, perdidas nas profundezas insondáveis, mal se deixam entrever.

A Via Láctea
• Item 36 •
Ora, sabendo-se que a Terra nada é, ou quase nada, no sistema solar; que este nada é, ou quase nada, na 5ia Láctea; esta, por sua vez, nada, ou quase nada, na universalidade das nebulosas, e essa própria universalidade bem pouca coisa dentro do imensurável infinito, começa-se a compreender o que é o globo terrestre.

As estrelas fixas
• Item 37 •
As estrelas chamadas “fixas” e que constelam os dois hemisférios do firmamento não se acham completamente isentas de toda atração exterior, como geralmente se supõe. Longe disso: elas pertencem a uma mesma aglomeração de astros estelares, aglomeração que não é senão a grande nebulosa de que fazemos parte e cujo plano equatorial, projetado no céu, recebeu o nome de Via Láctea. Todos os sóis que a constituem são solidários; suas múltiplas influências reagem perpetuamente umas sobre as outras e a gravitação universal as reúne todas numa mesma família.

As estrelas fixas
• Item 38 •
Esses diversos sóis, como o nosso, estão cercados na sua maioria de mundos secundários, que eles iluminam e fecundam por intermédio das mesmas leis que presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como Sírio, são milhares de vezes mais grandiosos e magnificentes em dimensões e em riquezas do que o nosso, sendo muito mais importante o papel que desempenham no Universo. Também são cercados por planetas em muito maior número e muito superiores aos nossos. Outros não se assemelham em nada pelas suas funções astrais. É assim que certo número desses sóis, verdadeiros gêmeos da ordem sideral, são acompanhados de seus congêneres da mesma idade, formando, no espaço, sistemas binários, aos quais a Natureza conferiu funções inteiramente diversas das que couberam ao nosso Sol. [13] Lá os anos não se medem pelos mesmos períodos, nem os dias pelos mesmos sóis, e esses mundos, iluminados por um duplo facho, foram dotados de condições de existência inimagináveis por parte dos que ainda não saíram deste pequenino mundo terrestre.
Outros astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam melhores elementos de habitabilidade do que os conferidos a qualquer dos demais. Na sua imensidade, as Leis da Natureza se diversificam e, se a unidade é a grande expressão do Universo, a variedade infinita é igualmente seu eterno atributo.

As estrelas fixas
• Item 39 •
Apesar do prodigioso número dessas estrelas e de seus sistemas, a despeito das distâncias incomensuráveis que as separam, elas pertencem todas à mesma nebulosa estelar que os mais possantes telescópios mal conseguem atravessar e que as concepções da mais ousada imaginação apenas conseguem alcançar, nebulosa que, entretanto, não passa de uma unidade na ordem das nebulosas que compõem o mundo astral.

As estrelas fixas
• Item 40 •
As estrelas chamadas “fixas” não estão imóveis na amplidão. As constelações que se figuraram na abóbada do firmamento não são criações simbólicas reais. A distância a que se acham da Terra e a perspectiva sob a qual se mede o Universo, a partir da estação terrena, constituem as duas causas dessa dupla ilusão de óptica. (Cap. V, item 12.)

As estrelas fixas
• Item 41 •
Vimos que a totalidade dos astros que cintilam na cúpula azulada se acha encerrada numa aglomeração cósmica, numa mesma nebulosa a que chamais 5ia Láctea. Mas, por pertencerem todos ao mesmo grupo, nem por isso esses astros deixam de estar animados de movimento de translação no espaço, cada um com o seu. Não existe repouso absoluto em parte alguma. Eles são regidos pelas leis universais da gravitação e rolam no espaço ilimitado sob a impulsão incessante dessa imensa força. Rolam, não segundo roteiros traçados pelo acaso, mas segundo órbitas fechadas, cujo centro é ocupado por um astro superior. Para tornar, por meio de um exemplo, mais compreensíveis as minhas palavras, falarei de modo especial do vosso Sol.

As estrelas fixas
• Item 42 •
Sabe-se, por meio de observações modernas, que ele não é fixo nem central, como se acreditava nos primeiros tempos da nova astronomia, mas que avança pelo espaço arrastando consigo o seu vasto sistema de planetas, de satélites e de cometas.
Ora, essa marcha não acontece por acaso e o Sol não vai, errando pelos vácuos infinitos, transviar seus filhos e seus súditos. Não, sua órbita é determinada e, em concorrência com outros sóis da mesma ordem e rodeados de certo número de terras habitadas, ele gravita em torno de um sol central. Seu movimento de gravitação, como o dos sóis seus irmãos, é inapreciável a observações anuais, porque somente grande número de períodos seculares seriam suficientes para marcar um desses anos astrais.

As estrelas fixas
• Item 43 •
O sol central, de que acabamos de falar, também é um globo secundário relativamente a outro ainda mais importante, em torno do qual ele perpetua uma marcha lenta e compassada, na companhia de outros sóis da mesma ordem.
Poderíamos comprovar esta subordinação sucessiva de sóis a sóis, até que a nossa imaginação se canse de subir através de tal hierarquia, porquanto, não o esqueçamos, é possível contar-se, em números redondos, uma trintena de milhões de sóis na 5ia Láctea, subordinados uns aos outros, como rodas gigantescas de um imenso sistema.

As estrelas fixas
• Item 44 •
E esses astros, em números incontáveis, vivem vida solidária. Assim como ninguém se acha isolado na economia do vosso mundinho terrestre, também nada o está no Universo incomensurável.
Vistos a distância, pelo olhar investigador do filósofo que pudesse abarcar o quadro que o espaço e o tempo desdobram, esses sistemas de sistemas pareceriam uma poeira de grãos de ouro levantada em turbilhão pelo sopro divino, que faz voarem nos céus os mundos siderais, como voam os grãos de areia nas dunas do deserto.
Nada de imobilidade, nada de silêncio, nada de noite! O grande espetáculo que então se desdobraria ante os nossos olhos seria a criação real, imensa e cheia da vida etérea, que abrange no seu imenso conjunto o olhar infinito do Criador.
Mas, até aqui, temos falado de uma única nebulosa, que, com os seus milhões de sóis e os seus milhões de terras habitadas, forma apenas, como já dissemos, uma ilha no arquipélago infinito.

Os desertos do espaço
• Item 45 •
Um deserto inimaginável, sem limites, se estende para além da aglomeração de estrelas de que acabamos de tratar, e a envolve. Solidões sucedem a solidões e incomensuráveis planícies do vácuo se estendem pela amplidão afora. Os amontoados de matéria cósmica se encontram isolados no espaço como ilhas flutuantes de um imenso arquipélago. Se, de alguma forma, quisermos apreciar a distância enorme que separa o aglomerado de estrelas, de que fazemos parte, dos outros aglomerados mais próximos, precisamos saber que essas ilhas estelares se encontram disseminadas e raras no vasto oceano dos céus, e que a extensão que as separa uma das outras é incomparavelmente maior do que a que lhes medem as respectivas dimensões.
Ora, como já vimos, a nebulosa estelar mede, em números redondos, mil vezes a distância das estrelas mais próximas, isto é, alguns cem mil trilhões de léguas. A distância que existe entre elas, sendo muito mais vasta, não poderia ser expressa por números acessíveis à compreensão do nosso espírito. Só a imaginação, em suas concepções mais altas, é capaz de transpor tão prodigiosa imensidade, essas solidões mudas e privadas de toda aparência de vida, e de encarar, de certa maneira, a ideia dessa infinidade relativa.

Os desertos do espaço
• Item 46 •
Todavia, o deserto celeste que envolve o nosso universo sideral e que parece estender-se como os afastados confins do nosso mundo astral é abarcado pela visão e pelo poder infinito do Altíssimo que, além desses céus dos nossos céus, desenvolveu a trama da sua criação ilimitada.

Os desertos do espaço
• Item 47 •
Além dessas vastas solidões, com efeito, irradiam mundos magnificentes, tanto quanto nas regiões acessíveis às investigações humanas; para lá desses desertos, vagam esplêndidos oásis no éter límpido, renovando incessantemente as cenas admiráveis da existência e da vida. Sucedem-se lá os agregados longínquos de substância cósmica, que o profundo olhar do telescópio entrevê através das regiões transparentes do nosso céu e a que dais o nome de “nebulosas irresolúveis”, as quais vos parecem ligeiras nuvens de poeira branca, perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Lá se revelam e se desenvolvem mundos novos, cujas condições variadas e diversas das que são peculiares ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar, nem os vossos estudos comprovar. É lá que resplandece em toda a sua plenitude o poder criador. Aquele que vem das regiões que o vosso sistema ocupa se depara com outras leis em ação, cujas forças regem as manifestações da vida. E os novos caminhos que se nos apresentam em tão singulares regiões nos abrem surpreendentes perspectivas. [14]

Eterna sucessão dos mundos
• Item 48 •
Vimos que uma única lei, primordial e geral, foi conferida ao Universo para lhe assegurar eternamente a estabilidade, e que essa lei geral nos é perceptível aos sentidos por muitas ações particulares que chamamos forças diretrizes da Natureza. Vamos agora mostrar que a harmonia do mundo inteiro, considerada sob o duplo aspecto da eternidade e do espaço, é garantida por essa lei suprema.

Eterna sucessão dos mundos
• Item 49 •
Com efeito, se remontarmos à origem primeira das primitivas aglomerações da substância cósmica, notaremos que já então, sob o império dessa lei, a matéria sofre as transformações necessárias, que levam do gérmen ao fruto maduro, e que, sob a impulsão das diversas forças nascidas dessa lei, ela percorre a escala das revoluções periódicas. Primeiramente, centro fluídico dos movimentos; em seguida, gerador dos mundos; mais tarde, núcleo central e atrativo das esferas que nasceram no seu seio.
Já sabemos que essas leis presidem à história do Cosmo; o que agora importa saber é que elas presidem igualmente à destruição dos astros, visto que a morte não é apenas uma metamorfose do ser vivo, mas também uma transformação da matéria inanimada. Se é exato dizer-se, em sentido literal, que a vida só é acessível à foice da morte, não é menos exato dizer-se que para a substância é de toda necessidade sofrer as transformações inerentes à sua constituição.

Eterna sucessão dos mundos
• Item 50 •
Eis aqui um mundo que, desde o seu berço primitivo, percorreu toda a extensão dos anos que a sua organização especial lhe permitia percorrer. Tendo-se extinto o foco interior da sua existência, seus elementos próprios perderam a virtude inicial; os fenômenos da Natureza, que reclamavam, para se produzirem, a presença e a ação das forças conferidas a esse mundo, já não podem produzir-se de agora em diante, porque a alavanca da atividade delas não mais dispõe do ponto de apoio que lhe dava toda a sua força.
Ora, será possível que essa terra extinta e sem vida vai continuar a gravitar nos espaços celestes, sem uma finalidade, e passar como cinza inútil pelo turbilhão dos céus? Será possível que permaneça inscrita no livro da vida universal, quando não passa de letra morta e vazia de sentido? Não. As mesmas leis que a elevaram acima do caos tenebroso e que a gratificaram com os esplendores da vida, as mesmas forças que a governaram durante os séculos da sua adolescência, que lhe firmaram os primeiros passos na existência e que a conduziram à idade madura e à velhice, vão também presidir à desagregação de seus elementos constitutivos, a fim de os restituir ao laboratório onde a potência criadora haure incessantemente as condições da estabilidade geral. Esses elementos vão retornar à massa comum do éter, para se assimilarem a outros corpos, ou para regenerarem outros sóis. E essa morte não será um acontecimento inútil, nem para esta Terra, nem para suas irmãs. Noutras regiões, ela renovará outras criações de natureza diferente e, lá onde os sistemas de mundos se desvaneceram, em breve renascerá outro jardim de flores mais brilhantes e mais perfumadas.

Eterna sucessão dos mundos
• Item 51 •
Desse modo, a eternidade real e efetiva do Universo se acha garantida pelas mesmas leis que dirigem as operações do tempo; dessa maneira, mundos sucedem a mundos, sóis a sóis, sem que o imenso mecanismo dos vastos céus jamais seja atingido nas suas gigantescas molas.
Onde os vossos olhos admiram esplêndidas estrelas sob a abóbada da noite, onde o vosso espírito contempla irradiações magníficas que resplandecem nos espaços distantes, há muito tempo o dedo da morte extinguiu esses esplendores, há muito o vazio sucedeu a esses deslumbramentos e já recebem mesmo novas criações ainda desconhecidas. A distância imensa em que se encontram esses astros, por efeito da qual a luz que nos enviam gasta milhares de anos para chegar até nós, faz com que somente hoje recebamos os raios que eles nos enviaram muito tempo antes da criação da Terra e com que ainda os admiremos durante milhares de anos após a sua desaparição real. [15]

Que são seis mil anos da humanidade histórica diante dos períodos seculares? – Segundos em vossos séculos. Que são as vossas observações astronômicas diante do estado absoluto do mundo? – A sombra eclipsada pelo Sol.

Eterna sucessão dos mundos
• Item 52 •
Logo, reconheçamos aqui como nos nossos outros estudos, que a Terra e o homem nada são em confronto com o que existe e que as mais colossais operações do nosso pensamento ainda se estendem apenas sobre um campo imperceptível, diante da imensidade e da eternidade de um universo que nunca terá fim.
E, quando esses períodos da nossa imortalidade houverem passado sobre as nossas cabeças; quando a história atual da Terra nos aparecer qual sombra vaporosa no fundo da nossa lembrança; quando, durante séculos incontáveis, houvermos habitado esses diversos degraus da nossa hierarquia cosmológica; quando os mais longínquos domínios das idades futuras tiverem sido por nós percorridas em inumeráveis peregrinações, teremos diante de nós a sucessão ilimitada dos mundos e por perspectiva a imóvel eternidade.

A vida universal
• Item 53 •
Essa imortalidade das almas, tendo por base o sistema do mundo físico, pareceu imaginária aos olhos de certos pensadores preconceituosos; qualificaram-na ironicamente de imortalidade viajora e não compreenderam que só ela é verdadeira diante do espetáculo da Criação. Entretanto, é possível compreender-se toda a sua grandeza, quase diríamos: toda a sua perfeição.

A vida universal
• Item 54 •
Que as obras de Deus sejam criadas para o pensamento e a inteligência; que os mundos sejam moradas de seres que as contemplam e lhes descobrem, sob o véu, o poder e a sabedoria daquele que as formou, são questões que já não nos oferecem dúvida. O que importa saber, contudo, é que as almas que as povoam sejam solidárias.

A vida universal
• Item 55 •
De fato, a inteligência humana encontra dificuldade em considerar esses globos radiosos que cintilam na amplidão como simples massas de matéria inerte e sem vida. Custa-lhe pensar que não haja, nessas regiões distantes, magníficos crepúsculos e noites esplendorosas, sóis fecundos e dias repletos de luz, vales e montanhas onde as produções múltiplas da Natureza desenvolvam toda a sua luxuriante pompa. Custa-lhe imaginar que o espetáculo divino em que a alma pode retemperar-se como em sua própria vida seja carente de existência e de qualquer ser pensante que o possa conhecer.

A vida universal
• Item 56 •
Mas, a essa ideia eminentemente justa da Criação, é preciso acrescentar a da humanidade solidária, e é nisso que consiste o mistério da eternidade futura.
Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e os laços de uma fraternidade que ainda não sabeis apreciar foram dados a esses mundos. Se esses astros que se harmonizam em seus vastos sistemas são habitados por inteligências, não o são por seres desconhecidos uns dos outros, mas, ao contrário, por seres que trazem marcados na fronte o mesmo destino, que se hão de encontrar temporariamente, segundo as suas funções de vida, e encontrar de novo, segundo suas mútuas simpatias. É a grande família dos Espíritos que povoam as terras celestes; é a grande irradiação do Espírito divino que abrange a extensão dos céus e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual.

A vida universal
• Item 57 •
Por que singular aberração se acreditou fosse possível negar à imortalidade as vastas regiões do éter, quando a encerravam dentro de um limite inadmissível e de uma dualidade absoluta? O verdadeiro sistema do mundo deveria então preceder à verdadeira doutrina dogmática e a Ciência preceder à Teologia? Esta se transviará tanto que irá estabelecer sua base sobre a Metafísica? A reposta é fácil e nos mostra que a nova filosofia se sentará triunfante nas ruínas da antiga, porque sua base se terá erguido vitoriosa sobre os antigos erros.

Diversidade dos mundos
• Item 58 •
Acompanhando-nos em nossas excursões celestes, visitastes conosco as imensas regiões do espaço. Sob as nossas vistas, os sóis sucederam aos sóis, os sistemas aos sistemas, as nebulosas às nebulosas; diante dos nossos passos desdobrou-se o panorama esplêndido da harmonia do Cosmo e antegozamos a ideia do infinito, que somente de acordo com a nossa perfectibilidade futura poderemos compreender em toda a sua extensão. Os mistérios do éter nos desvendaram o seu enigma, até aqui indecifrável e, pelo menos, concebemos a ideia da universalidade das coisas. É preciso que nos detenhamos agora a refletir.

Diversidade dos mundos
• Item 59 •
É belo, sem dúvida, haver reconhecido quão ínfima é a Terra e medíocre a sua importância na hierarquia dos mundos; é belo haver abatido a presunção humana, que nos é tão cara, e nos termos humilhado ante a grandeza absoluta; entretanto, ainda será mais belo que interpretemos em sentido moral o espetáculo de que fomos testemunhas. Quero falar do poder infinito da Natureza e da ideia que devemos fazer do seu modo de ação nos diversos domínios do vasto Universo.

Diversidade dos mundos
• Item 60 •
Acostumados, como estamos, a julgar as coisas pela nossa pobre e insignificante habitação, imaginamos que a Natureza não pôde ou não teve de agir sobre os outros mundos senão de acordo com as regras que lhe conhecemos na Terra. Ora, é justamente nesse ponto que devemos reformar a nossa maneira de ver.
Lançai por um instante o olhar sobre uma região qualquer do vosso globo e sobre uma das produções da vossa Natureza. Não reconhecereis aí o selo de uma variedade infinita e a prova de uma atividade sem par? Não vedes na asa de um passarinho das Canárias, na pétala de um botão de rosa entreaberto a prestigiosa fecundidade dessa bela Natureza.
?ue os vossos estudos possam ser aplicados aos seres que adejam nos ares; que desçam até a violeta dos prados, mergulhem nas profundezas do oceano e em tudo e por toda parte lereis esta verdade universal: a Natureza onipotente age conforme os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, porém múltipla em suas produções; brinca com um Sol, como com uma gota d’água; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade com que faz eclodir o ovo posto pela borboleta.

Diversidade dos mundos
• Item 61 •
Ora, se é tal a variedade que a Natureza pôde nos descrever em todos os lugares deste pequeno mundo tão acanhado, tão limitado, quão mais ampliado não deveis considerar esse modo de ação, ponderando nas perspectivas dos mundos enormes! Quão mais desenvolvida e pujante não a deveis reconhecer, operando nesses mundos maravilhosos que, muito mais do que a Terra, atestam a sua inapreciável perfeição.
!ão vejais, pois, em torno de cada um dos sóis do espaço, apenas sistemas planetários semelhantes ao vosso; não vejais, nesses planetas desconhecidos, apenas os três reinos da Natureza que brilham ao vosso derredor. Pensai, ao contrário, que, assim como nenhum rosto de homem se assemelha a outro rosto em todo o gênero humano, também uma diversidade prodigiosa, inimaginável, se acha espalhada pelas moradas etéreas que flutuam no seio dos espaços.
Do fato de que a vossa natureza animada começa no zoófito para terminar no homem, de que a atmosfera alimenta a vida terrestre, de que o elemento líquido a renova incessantemente, de que as vossas estações fazem que se sucedam nessa vida os fenômenos que as distinguem, não concluais que os milhões e milhões de terras que rolam pela amplidão sejam semelhantes à que habitais. Longe disso, aquelas diferem, de acordo com as diversas condições que lhes foram prescritas e conforme o papel que coube a cada uma no cenário do mundo. São pedrarias variadas de um imenso mosaico, flores diversificadas de admirável parque.

[1]N. de A. K.: Este capítulo é textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de “Estudos uranográficos”, e assinadas pelo Espírito “Galileu”. Médium: C. F.

[2] N. do T.: As iniciais C. F. coincidem perfeitamente com as do astrônomo e médium Camille Flammarion.

[3]N. de A. K.: Os principais corpos simples são: entre os não metálicos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o cloro, o carbono, o fósforo, o enxofre, o iodo; entre os corpos metálicos: o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o chumbo, o estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsênico, o sódio, o potássio, o cálcio, o alumínio etc.

[4] N. do T.: A respeito dos corpos simples, é conveniente, para mais detalhes, o exame da “Classificação periódica natural dos elementos”, de Mendeleiv.

[5]N. de A. K.: Tal é também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, após se haverem despojado do envoltório carnal, contemplam os horizontes desse mundo que se desdobram à sua vista. Compreendem, então, como eram vazias as teorias com que pretendiam tudo explicar exclusivamente por meio da matéria. Entretanto, esses horizontes ainda lhes ocultam mistérios que só sucessivamente lhes são desvendados, à medida que se elevam pela depuração. Desde, porém, os seus primeiros momentos no outro mundo, veem-se forçados a reconhecer a própria cegueira e como se achavam longe da verdade.

[6]N. de A. K.: Só nos reportamos ao que conhecemos, porquanto, do que escapa à percepção dos nossos sentidos não compreendemos mais do que compreende o cego de nascença acerca dos efeitos da luz e da utilidade dos olhos. É possível, pois, que em outros meios o fluido cósmico tenha propriedades, seja suscetível de combinações de que não fazemos nenhuma ideia, facultando percepções novas ou outros modos de percepção. Não compreendemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem luz. Quem nos diz, porém, que não existam outros agentes que não a luz, aos quais são adequados organismos especiais? A vista sonambúlica, que não é detida nem pelos obstáculos materiais nem pela obscuridade, nos oferece um exemplo disso. Suponhamos que, num mundo qualquer, os seres sejam normalmente o que só excepcionalmente o são os nossos sonâmbulos; eles, sem precisarem da nossa luz, nem dos nossos olhos, verão o que não podemos ver. Dá-se o mesmo com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de percepção, as sensações e as necessidades variam de conformidade com os meios.

[7]N. de A. K.: Se perguntassem qual o princípio dessas forças e como pode esse princípio estar na substância mesma que o produz, responderíamos que a mecânica nos oferece numerosos exemplos desse fato. A elasticidade, que faz com que uma mola se distenda, não está na própria mola e não depende do modo de agregação das moléculas? O corpo que obedece à força centrífuga recebe a sua impulsão do movimento primitivo que lhe foi impresso.

[8]N. de A. K.: Esta teoria da Lua, inteiramente nova, explica, pela lei da gravitação, a razão pela qual esse astro apresenta sempre a mesma face para a Terra. Tendo o centro de gravidade num dos pontos de sua superfície, em vez de estar no centro da esfera, e sendo, em consequência, atraído para a Terra por uma força maior do que a que atrai as partes mais leves, a Lua pode ser tida como uma dessas figuras chamadas vulgarmente joão-teimoso, que se levantam constantemente sobre a sua base, ao passo que os planetas, cujo centro de gravidade está a distâncias iguais da superfície, giram regularmente sobre o próprio eixo. Os fluidos vivificantes, gasosos ou líquidos, em virtude da sua leveza específica, se encontrariam acumulados no hemisfério superior, constantemente oposto à Terra. O hemisfério inferior, o único que vemos, seria desprovido de tais fluidos e, por isso, impróprio à vida que, no entanto, reinaria no outro. Se, pois, o hemisfério superior é habitado, seus habitantes jamais viram a Terra, a menos que excursionem pelo outro, o que lhes seria impossível, já que este não dispõe das condições indispensáveis à vitalidade. Por mais racional e científica que seja essa teoria, como ainda não foi confirmada por nenhuma observação direta, não pode ser aceita senão a título de hipótese e como ideia capaz de servir de baliza à Ciência. Não se pode, porém, deixar de convir em que é a única, até o presente, que dá uma explicação satisfatória das particularidades que apresenta o globo lunar.

[9]N. da E.: Em face desta teoria da Lua, descrita nos itens 24 e 25 deste capítulo, e do comentário do Codificador na respectiva nota de rodapé (28), de que tal teoria somente pode ser admitida a título de hipótese, não obstante ter sido ela a única, até então, que dava explicação satisfatória sobre a esfera lunar, sugerimos ao leitor que consulte também as conclusões a que chegaram os cientistas modernos, sobre o mesmo assunto, nas obras especializadas disponíveis nas livrarias e bibliotecas universitárias, sobretudo as que dispõem de banco eletrônico de dados, por facilitarem e agilizarem a obtenção de tais informações.

[10]N. da E.: Em 1877, foram descobertos dois satélites de Marte: Fobos e Deimos.

[11] N. do T.: Cerca de 200 a 400 bilhões de estrelas.

[12]N. de A. K.: Mais de três trilhões e 400 bilhões de léguas.

[13]N. de A. K.: É o que se chama, em Astronomia, de “estrelas duplas”. São dois sóis, um dos quais gira em torno do outro, como um planeta em torno de seu sol. De que singular e magnífico espetáculo não gozarão os habitantes dos mundos que formam esses sistemas iluminados por duplo sol! Mas, também, quão diferentes não devem ser neles as condições da vitalidade! Numa comunicação dada posteriormente, acrescentou o Espírito Galileu: “Há mesmo sistemas ainda mais complicados, em que diferentes sóis desempenham, uns com relação a outros, o papel de satélites. Produzem-se então maravilhosos efeitos de luz, para os habitantes dos globos que tais sóis iluminam, tanto mais quanto, sem prejuízo da aparente proximidade em que se encontram uns dos outros, mundos habitados podem circular entre eles e receber alternativamente ondas de luz diversamente coloridas, cuja fusão recompõe a luz branca”.

[14]N. de A. K.: Dá-se em Astronomia o nome de nebulosas irresolúveis àquelas em cujo seio ainda não se puderam distinguir as estrelas que as compõem. Foram, a princípio, consideradas acervos de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos; hoje, porém, geralmente se entende que essa aparência é devida ao afastamento e que, com instrumentos bastante poderosos, todas seriam resolúveis.
Uma comparação familiar pode dar ideia, embora muito imperfeita, das nebulosas resolúveis: são os grupos de centelhas projetadas pelas bombas dos fogos de artifício no momento de sua explosão. Cada uma dessas centelhas nos representará uma estrela, e o conjunto delas a nebulosa, ou grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atração e de movimento. Vistas de certa distância, mal se distinguem essas centelhas, tendo o grupo por elas formado a aparência de uma nuvenzinha de fumaça. Esta comparação não seria exata se se tratasse de massas de matéria cósmica condensada.
A nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas. Tem perto de 30 milhões de estrelas ou sóis [vide nota de rodapé no 31, à p. 148], que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos somente uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo. Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio a nossa Via Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto completamente diverso, e este, apesar das suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasta região desabitada, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto espaços incomensuráveis desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas da bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados.
Tudo o que nos possa identificar com a imensidade da extensão e com a estrutura do Universo é de utilidade para a ampliação das ideias, tão restringidas pelas crenças vulgares. Deus se engrandece aos nossos olhos à medida que melhor compreendemos a grandeza de suas obras e nossa extrema pequenez. Estamos longe, como se vê, da crença que a Gênese mosaica implantou e que fez da nossa pequenina, imperceptível Terra, a criação principal de Deus, e dos seus habitantes os únicos objetos da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos homens que creem que tudo no Universo foi feito para eles e dos que ousam discutir a existência do Ser supremo. Dentro de alguns séculos, causará espanto que uma religião feita para glorificar a Deus o tenha rebaixado a tão mesquinhas proporções e que haja repelido, como concepção do espírito do mal, as descobertas que somente vieram aumentar a nossa admiração pela sua onipotência, iniciando-nos nos grandiosos mistérios da Criação. O espanto será ainda maior quando souberem que elas foram repelidas porque emancipariam o espírito dos homens e tirariam a preponderância dos que se diziam representantes de Deus na Terra.

[15]N. de A. K.: Há aqui um efeito do tempo que a luz gasta para atravessar o espaço. Sendo de 70.000 léguas por segundo a sua velocidade, ela nos chega do Sol em 8 minutos e 13 segundos. Daí resulta que, se um fenômeno se passa na superfície do Sol, só o perceberemos 8 minutos mais tarde e, pela mesma razão, ainda o veremos 8 minutos depois da sua extinção. Se, em virtude do seu afastamento, a luz de uma estrela gasta mil anos para chegar até nós, só mil anos depois da sua formação veremos essa estrela. (Veja-se, para a explicação completa, a Revista Espírita de março e maio de 1867, resenha de Lúmen, por C. Flammarion.)

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