Cartas do Alto

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A Manuel Quintão que introduziu Chico Xavier nas páginas de Reformador e prefaciou o primeiro de seus muitos livros

A Manuel Quintão que introduziu Chico Xavier nas páginas de Reformador e prefaciou o primeiro de seus muitos livros


Em março de 1927, o nome M. Quintão apareceu pela primeira vez como redator-chefe do Reformador. Era assim que sempre aparecia o nome de Manuel Justiniano de Freitas Quintão — com o primeiro nome abreviado. Em maio daquele ano, uma das irmãs de Chico Xavier foi acometida de terrível obsessão, levando, indiretamente, o então católico Chico Xavier a tomar contato com a Doutrina Espírita pela primeira vez. . Já em agosto daquele ano o médium começaria a receber uma série de poesias de grandes poetas desencarnados, que seriam incluídas em sua primeira obra, o Parnaso de Além-Túmulo, publicado pela Federação Espírita Brasileira, em 1932.

Manuel Quintão não conhecia Chico Xavier. Mas atento militante da Federação Espírita Brasileira não deixou de perceber quando, a partir de 1928, começaram a ser publicadas no jornal espírita Aurora, e em colunas espíritas de jornais leigos, mensagens assinadas por F. Xavier, que, àquela época, era um total desconhecido fora da sua cidade natal, Pedro Leopoldo, em Minas Gerais.

Em 1930, quando começaram a aparecer as primeiras mensagens de Chico Xavier no Reformador — ainda com a assinatura F. Xavier — Manuel Quintão era o diretor dessa publicação.

No mês de fevereiro desse ano, quando Manuel Quintão publicou a primeira mensagem de Chico Xavier no Reformador (“Os felizes”), Chico publicou a mensagem “Imortalidade” no jornal Aurora, dedicada a ele.

Em 1932, quando Chico Xavier publicou o seu primeiro livro, o Parnaso de Além-Túmulo, quem prefaciou a obra foi Manuel Quintão.

E quando apenas o jornalista Clementino de Alencar havia publicado uma série de matérias sobre Chico Xavier, Manuel Quintão foi a Pedro Leopoldo e escreveu o livro Romaria da Graça, que foi editado pela Federação Espírita Brasileira, em 1939. Acreditamos ser esse o primeiro livro a tratar da vida de Chico Xavier.

Manuel Quintão e Chico Xavier foram amigos e trocaram correspondências por longos anos. Parece-nos que Quintão foi o continuador do trabalho que anteriormente havia sido realizado por José Hermínio Perácio e D. Carmen Pena Perácio. Assumiu Manuel Quintão a qualidade de mentor encarnado de Chico Xavier. Nessa correspondência, Chico, um médium ainda em formação, expunha suas dúvidas em torno da sua mediunidade.

Quintão se acercou de figuras de destaque do meio espírita, que eram especialistas em literatura, para se certificar de que o trabalho era realmente mediúnico. Foi ele, ainda, um grande incentivador do trabalho de Chico Xavier, ora pedindo uma mensagem para publicar no Reformador, ora opinando que as mensagens não deveriam ser publicadas em jornais, mas sim em livros. Esse vínculo forte tinha razão de ser, pois remontava aos fortes laços de afeto de vidas passadas.

Nesta vida, seus familiares trataram de solidificar ainda mais esse laço quando o filho de Manuel Quintão, Pedro Quintão, casou-se com Geralda Xavier, irmã de Chico.

Manuel Quintão foi jornalista, escritor, médium e grande divulgador da Doutrina Espírita, tendo publicado seus textos em diversos jornais. Ingressou na Federação Espírita Brasileira em 1903, da qual foi presidente em 1915, 1918, 1919 e 1929, integrando o seu quadro social por 44 anos.


Organizador



João Marcos Weguelin
Francisco Cândido Xavier

A todos que permitiram a Chico Xavier iniciar esse glorioso mandato de amor que ora atinge os seus 90 anos.

A José Hermínio Perácio e D. Carmen Pena Perácio, que ensinaram as primeiras noções de Espiritismo e orientaram os primeiros passos de Chico Xavier no campo da mediunidade.

A José Cândido Xavier e Ataliba Vieira Vianna, que tiraram Chico Xavier do anonimato, enviando as primeiras psicografias do médium para os jornais cariocas do Rio de Janeiro, desvendando e legando ao mundo a mais importante obra mediúnica que se tem conhecimento.

A Inácio Bittencourt, que foi o primeiro a publicar uma mensagem de Chico Xavier, seguida de muitas outras, em seu jornal Aurora, a partir de 1928.

A Manuel Quintão, que publicou as primeiras mensagens de Chico Xavier no Reformador, prefaciou a obra Parnaso de Além-Túmulo, além de nos legar o primeiro livro sobre a vida e a atividade mediúnica de Chico Xavier.


Organizador



Romaria da Graça — FEDERAÇÃO ESPÍFITA BRASILEIRA - FEB, 1939.



João Marcos Weguelin
Francisco Cândido Xavier

Sensação de dever cumprido

É com imensa alegria e sensação de dever cumprido que entregamos ao amigo leitor a presente obra, que encerra a , iniciada no livro Palavras Sublimes, publicado também pela Vinha de Luz Editora, em 2014.

Não foram poucos os esforços empenhados para a organização da obra. Foi necessário folhear cada exemplar do Reformador desde 1927 até 2015, embora a primeira mensagem de Chico Xavier no periódico só tenha sido publicada em 1930. Isso mesmo. Foi folheado cada exemplar do Reformador desde 1927 e foram encontradas mais de quatro mil publicações com mensagens de Chico Xavier, embora muitas dessas mensagens tenham sido publicadas mais de uma vez. Mas o trabalho não parou por aí: era preciso verificar se essas mensagens haviam sido publicadas nas obras de Chico Xavier. Aí foi necessário pesquisar na internet e acessar a vasta bibliografia de Chico Xavier que, nos dias atuais, já ultrapassa as 500 obras! O resultado dessa busca é o que apresentamos ao leitor: as mensagens psicografadas por Chico Xavier publicadas no Reformador e que não localizamos em nenhum de seus livros.

O roteiro dessa obra contempla, e complementa, o que há de melhor na psicografia de Francisco Cândido Xavier: aí estão o seu mentor espiritual Emmanuel e os amigos espirituais que o acompanharam ao longo de décadas. Entre os poetas, Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Olavo Bilac, Castro Alves, Cornélio Pires e Maria Dolores deixaram seus versos. Não faltaram as prosas de André Luiz e de Irmão X (Humberto de Campos). E destacamos ainda os textos doutrinários do Dr. Bezerra de Menezes, de Bittencourt Sampaio e de Eurípedes Barsanulfo. Trata-se de um compêndio que engloba material para profundos estudos, proporcionando valiosos conhecimentos e oportunas reflexões.

Concluir esse trabalho é uma conquista significativa, em função de Reformador ser a revista espírita mais antiga em circulação no Brasil e uma das mais antigas do mundo. Mas se essa etapa vencida encerra um ciclo, nos traz o empenho e a responsabilidade de continuar a buscar em dezenas de outras revistas e jornais as mensagens que Chico Xavier espalhou por toda a imprensa, como também por todos os lugares por onde passou. A jornada continua e parece não ter fim. Pois se sabemos como tudo começou — e tivemos a grata satisfação de publicar a mensagem “Exultemos” — a primeira que Chico Xavier publicou na vida, não sabemos até onde vamos chegar.

Chico viveu muito. Trabalhou muito. Dormiu pouco. Num dia qualquer Chico psicografava mais de quinhentas receitas do Dr. Bezerra de Menezes. Depois continuava nas reuniões psicografando mensagens e atendendo ao público até às últimas horas da madrugada. O seu lazer de domingo era responder a centenas de cartas. Quantas delas estão perdidas por aí, embora no momento que foram produzidas serviram de lenitivo, de consolo e esperança a tantos milhares de sofredores!

Chico trabalhou durante décadas no seu ofício de médium psicógrafo no Centro Espírita Luiz Gonzaga, no Centro Espírita Meimei, na Fazenda Modelo, na Comunhão Espírita Cristã, no Grupo Espírita da Prece e em muitas outras instituições. Há tanto material perdido por aí, como os inúmeros programas de televisão em que ele participou — mas aí já é outra história. Aos poucos, muitos outros tesouros em forma de mensagens, cartas, entrevistas e programas de televisão vão sendo encontrados e divulgados ao público. Isso só nos faz redobrar as nossas energias e os nossos esforços para continuar buscando incansavelmente o legado daquele que, na sua humildade, se considerava no máximo um cisco de Deus, mas que, na realidade, foi um apóstolo da caridade, alguém cujo maior objetivo foi semear o bem. Seus escritos e suas palavras não foram letras mortas em sua vida, pois ele personificou como poucos o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo cada dia de sua longa jornada. Talvez mais que um cisco ele fosse um lenço de Deus, pois o que mais fez na vida foi enxugar lágrimas — pessoalmente ou por meio das mensagens contidas em sua vasta obra. Nosso objetivo é soprar a poeira dessas mensagens que se encontram perdidas em bibliotecas inacessíveis ao grande público e espalhá-las aos quatro cantos, a fim de que ninguém se esqueça desse grande servidor do Cristo.

Como Chico era avesso a elogios, e na sua simplicidade se comparava a um burrinho, certamente ele apreciaria muito mais que as pessoas lessem essas mensagens e, acima de tudo, colocassem em prática os seus ensinamentos, dando a sua parcela de contribuição para a construção de um mundo melhor. Que Chico vibre por nós, pois assim haverá de ser a transformação do mundo que desejamos para todos.


Organizador



Compõe o livro Chico Xavier — A aurora de uma vida entre o Céu e a Terra (VINHA DE LUZ, 2012)

“Sou um simples burrinho que carrega altos professores (os Espíritos de luz) para um festival de cultura e de amor.” (Declaração de Chico Xavier dada a O Jornal, edição de 29/08/1971).



João Marcos Weguelin
Francisco Cândido Xavier

Referências bibliográficas

ALVES, O. A. F. () Parnaso de Além-túmulo — Apreciação de Humberto de Campos (mensagem pessoal). Mensagem recebida por (); () em 09 de julho de 2017.
BÍBLIA SAGRADA. N. T. I João, 4. (sem data)
BÍBLIA SAGRADA. N. T. Mateus, 5. (sem data)
BÍBLIA SAGRADA. N. T. Tiago, 3. (sem data)
BÍBLIA SAGRADA. N. T. Efésios, 6. (sem data)
HARLEY, Jhon. Nas trilhas da garça — Chico Xavier nas Minas Gerais. Belo Horizonte: Vinha de Luz Editora, 2016.
LEÃO, Geraldo; LEMOS NETO, Geraldo (Organizadores). Pedro Leopoldo vista por Chico Xavier — 49 anos da presença do maior médium de todos os tempos | 1910-1959. Belo Horizonte: Vinha de Luz, 2011.
LEMOS NETO, Geraldo. Acervo fotográfico da Casa de Chico Xavier. Pedro Leopoldo: 2017, Rua Pedro José da Silva, 67.
LEMOS NETO, Geraldo (Organizador). Chico Xavier — Mandato de amor. Ditado por Espíritos diversos. 6ª. Edição, Belo Horizonte, União Espírita Mineira, 2010.
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, novembro 1939. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, julho 1950. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro, agosto 1951. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, agosto 1952. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, julho, setembro, novembro 1953. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, dezembro 1955. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, fevereiro, maio, novembro 1956. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro, abril, agosto 1957. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, abril, setembro 1958. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, junho 1959. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, abril 1961. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, junho 1962. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, agosto, dezembro 1965. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, julho, outubro, dezembro 1966. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, julho 1967. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, abril, maio, novembro 1968. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, abril, setembro, novembro 1969. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro 1971. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, abril, outubro 1972. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro 1973. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro, março, abril, junho 1974. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, março, maio, outubro 1975. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, março, julho, agosto, setembro, novembro 1976. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, janeiro, fevereiro, março 1977. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEI3, fevereiro, maio, agosto 1978. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, junho, setembro 1980. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, maio 1982. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, fevereiro 1987. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, maio, agosto 1989. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, março 1995. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, novembro 1999. (sem data)
REFORMADOR. Rio de Janeiro: FEB, abril 2009. (sem data)
XAVIER, Francisco Cândido; JOVIANO, Wanda Amorim (Organizadores). Militares no além. Ditado por Espíritos diversos. 2ª edição, Belo Horizonte: Vinha de Luz, 2009.
XAVIER, Francisco Cândido; LEMOS NETO, Geraldo; JOVIANO, Wanda Amorim (Organizadores). Depois da travessia. Ditado por Espíritos diversos. Votuporanga: Didier / Vinha de Luz, 2013.
XAVIER, Francisco Cândido; SANTOS. Eugênio Eustáquio (Organizador). Registros imortais. Ditado por Espíritos diversos. Belo Horizonte: Vinha de Luz, 2013.
XAVIER, Francisco Cândido; WEGUELIN, João Marcos (Organizador). Palavras sublimes. Ditado por Espíritos diversos. Belo Horizonte: Vinha de Luz, 2014.



Francisco Cândido Xavier

Poetas do Outro Mundo

Francisco Candido Xavier é o nome de um moço de origem humilde, nascido em Pedro Leopoldo, Estado de Minas Gerais, em 1910. Após um estágio na escola primaria de sua terra, entrou como operário e órfão, para uma fábrica de tecidos e, em seguida, para um estabelecimento comercial. E como este mundo não lhe parecesse dos mais amáveis, começou a pensar no outro, aderindo ao Espiritismo, com as altas funções e responsabilidades de “médium”.

Lidando nesta vida, com os Espíritos medíocres que frequentam a casa de comércio em que trabalha, resolveu Francisco Candido Xavier tornar-se mais exigente no reino das sombras, buscando, nele, para conversar, inteligências superiores, homens de letras e, especialmente, poetas, que já haviam passado por este mundo.

Nessas palestras em que a boca se mantinha em silêncio, transmitiam-lhe os seus novos amigos algumas poesias elaboradas depois de desencarnados, e que o jovem caixeiro de Pedro Leopoldo ia escrevendo mecanicamente, sem esforço do braço ou da imaginação. Esses Espíritos eram, ordinariamente, Guerra Junqueiro, Antero do Quental, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Casimiro de Abreu, João de Deus, Auta de Souza, Pedro II, Souza Caldas, Júlio Diniz, Cruz e Souza e Casimiro Cunha, poeta vassourense. Às vezes aparecia, também, um anônimo, cuja modéstia não desaparecera nem no outro mundo. E cada um deles escrevia o seu soneto, ou a sua poesia, com a pena de Francisco Candido Xavier, o qual, reunindo-as, acaba de publicar o “Parnaso de Além-túmulo”, editado pela Federação Espírita Brasileira.

O primeiro pensamento que assalta o leitor, antes de examinar o merecimento literário da obra, é a ideia de que, nem no outro mundo, estará livre dos poetas. A poesia é uma predestinação de tal modo fatal, irremediável, que a vitima não se livra dessa maldição nem mesmo depois da morte. Quem fez sonetos ou redondilhas neste planeta, está condenado a faze-las em todos os pontos do espaço e da eternidade a que o leve o dedo divino. E sem variar de temas. E sem modificação de ritmos, de rimas ou de inspiração.

Admitindo essa verdade, a vida literária no outro mundo deve ser mais variada, embora mais fatigante, do que neste. Lá estarão, ainda, Anchieta, a celebrar a Virgem Maria em língua tupi; Botelho de Oliveira a cantar no estilo da “Ilha da Maré” e da “Música do Parnaso”; Claudio Manoel da Costa, escrevendo sonetos clássicos; Gonçalves Dias, com a sua lira romântica; e os parnasianos; e os simbolistas; e os futuristas, que morreram antes do futurismo morrer. A vantagem apresentada por essa reunião de escolas ficará, todavia, comprometida pela eternidade da produção. A superioridade que esta vida apresenta sobre as outras está, precisamente, no seu caráter transitório. Quando um individuo, entre nós, dizendo-se benquisto dos deuses, empunha a lira, ficamos certos, desde logo, que ele um dia emudecerá. E é esse consolo que não têm os habitantes do Astral, os quais se acham condenados a escutar os maus poetas até a consumação dos séculos.

O inferno católico é, nesse particular, mais bem organizado do que os mundos em que o Espiritismo coloca os mortos. Quando Dante nele penetrou, lá encontrou Virgílio, e outros mestres latinos e medievais. Travou com eles palestras, sobre a existência que levavam; e nenhum lhe recitou versos novos, — fato que prova, e sobejamente, que os Demônios lhes tomaram a lira, a bem da ordem interna do estabelecimento, no momento da entrada.

O “Parnaso de Além-túmulo” do Sr. Francisco Candido Xavier torna-se, por isso mesmo, interessante para os poetas vivos,


(Continua na 4º página)


POETAS DO OUTRO MUNDO…

(Continuação da 1ª página)

embora constitua uma terrível ameaça para os que detestam a linguagem rimada ou ritmada. “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!” [Deixai toda esperança, vós que entrastes!] Lá dentro, no reino da Morte, há poetas, e eles cantam. E cantam como cantavam aqui, sem omissão, sequer, da linguagem preciosa que aqui utilizavam. “Muitas vezes, — confessa o “médium” no prefácio da obra, — muitas vezes, ao recebermos uma destas páginas, era necessário recorrermos ao dicionário, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nelas empregadas, porque tanto eu como meus colegas as desconhecíamos em nossa ignorância”. Não obstante a mudança de clima, cada um conserva, por lá, as suas virtudes e defeitos literários.

Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena do Sr. Francisco Candido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas características de inspiração e expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verbo obedece, ordinariamente, à mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos, — sente-se ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do Sr. Francisco Candido Xavier para escrever “À la maniére de…” ou para traduzir o que aqueles altos Espíritos sopraram ao seu.

Essa identificação será, todavia, objeto de . Por enquanto eu quero, apenas, por de sobreaviso os poetas vivos contra o perigo que a todos nos ameaça com a ideia que tiveram os mortos de voltar a escrever neste mundo em boa hora abandonado por eles. Se eles voltam a nos fazer concorrência com os seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento de direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam hoje, com tantas e tão poderosas dificuldades?

Quebre, pois, cada Espirito a sua lira na tábua do caixão em que deixou o corpo. Ou, então, encarne-se outra vez, e venha fazer a concorrência aqui em cima da terra, com o feijão e o arroz pela hora da vida.

Do contrário, não vale.

— Transmitido por telefone o “post-scriptum” de ontem saiu errado. Eu havia dito que o Sr. Humberto de Campos “me pedia” que divulgasse a notícia do aparecimento do seu livro “O Monstro e outros contos”. E saiu que esse autor “pediu” a divulgação da notícia. A supressão do pronome alterou o pensamento de quem ditou a nota. E eu dou esta explicação para fazer a propaganda outra vez. — H. de C.



Transcrito do jornal Diário Carioca, edição de 10/07/1932, na grafia da época, [no ; neste tivemos que atualizar a ortografia para não prejudicar as traduções das máquinas neurais “].
Imagens disponíveis em: . Acesso em: 09 de julho de 2017. Informação enviada à Vinha de Luz Editora por Ivanir Severino da Silva, repassada de Otávio Alonso Freire Alves via e-mail. No corpo da mensagem, o pesquisador Otávio Alonso comenta: “Humberto de Campos, ainda encarnado, faz apreciação da obra Parnaso de Além-túmulo, publicada pelo médium Francisco Cândido Xavier na véspera. Seu humor é característico”.



Francisco Cândido Xavier

Como cantam os mortos…

O “Parnaso de Além-túmulo”, do Sr. Francisco Candido Xavier, cujos objetivos examinei em , merece trato mais grave e demorado. Escutando a voz dos mortos, devemos identificá-la, para evitar quaisquer possibilidades de impostura. Vejamos, pois, como canta, ou escreve, Augusto dos Anjos, pela boca ou pela pena do espírita de Pedro Leopoldo:


“Louco, que emerges de apodrecimentos,
Alma pobre, esquelético fantasma,
Que gastaste a energia do teu plasma
Em combates estéreis, famulentos…
Em teus dias inúteis foste apenas
Um corvo ou sanguessuga de defuntos,


Vendo somente a cárie dos conjuntos
Entre as sombras das lágrimas terrenas,
Vias os teus iguais, iguais aos odres
Onde se guarda o fragmento imundo,
De todo o esterco que apavora o mundo
E as ruins exalações dos corpos podres.”


Casimiro de Abreu conserva, nas cordas da sua lira, feitas possivelmente com os restos dos seus nervos, a ingenuidade primitiva. E oferece-nos, nas rimas póstumas, a prova triste de que, mesmo além da vida, no seio mesmo da morte, as paixões não desaparecem. A saudade da pátria é conservada incólume, como se o morto não tivesse mudado de planeta mas, apenas de um país para outro. Ouçamos, para exemplo, o poeta das “Primaveras”, oitenta e dois anos depois de desencarnado:


“Que terno sonho dourado
Das minhas horas fagueiras
No recanto das palmeiras
Do meu querido Brasil!
A vida era um dia lindo
Num vergel cheio de flores,
Cheio de aroma e esplendores
Sob um céu primaveril.”


(continua na 8° página)


COMO CANTAM OS MORTOS…


(Continuação da 1ª página)


“Se a morte aniquila o corpo
Não aniquila a lembrança:
Jamais se extingue a esperança
Nunca se extingue o sonhar!
E à minha terra querida,
Recortada de palmeiras
Espero em horas fagueiras
Um dia, poder voltar.”


Antero de Quental continua triste e trágico no outro mundo, e disposto, parece, a suicidar-se de novo, para reaparecer neste. “À Morte” é um dos seus sonetos característicos, exportados com endereço aos seus antigos admiradores e discípulos, por intermédio do “médium” mineiro:

“Ó Morte, eu te adorei, como se foras
O fim da sinuosa e negra estrada,
Onde habitasse a eterna paz do Nada
Sem agonias desconsoladoras.


“Eras tu a visão idolatrada
Que sorria na dor das minhas horas,
Visão de tristes faces cismadoras,
Nos crepes do silêncio amortalhada.


“Busquei-te, eu que trazia a alma já morta,
Escorraçada no padecimento,
Batendo alucinado à tua porta;


“E escancaraste a porta escura e fria,
Por onde penetrei no Sofrimento,
Numa senda mais triste e mais sombria.”


A notícia que Antero nos dá não é, evidentemente, das mais agradáveis. A outra existência, para ele, não tem sido melhor do que esta. Ou sucederá isso em virtude do gênero de morte que ele escolheu? O homem que se mata engana, ou tenta enganar a Deus. E o castigo que este lhe inflige, consiste, possivelmente, em faze-lo sofrer no outro mundo os mesmos tormentos que padecia neste. Em síntese: a morte, obtida pelo suicídio, não vale. Só é tomada em consideração aquela que Deus dá, isto é, que sobrevém naturalmente.

D. Pedro II continua, mesmo depois de morto, a fazer maus versos. Há uma antiga tradição literária, segundo a qual os melhores sonetos do ex-Imperador eram feitos pelo Barão de Loreto. Admitida essa versão, a conclusão a tirar dos decassílabos que se vai ler é que os dois andam, agora, por lá, separados. Escutemos o velho monarca:


“Magnânimo Senhor, que os orbes cria,
Povoando o Universo ilimitado,
Que dá pão ao faminto, ao desgraçado,
E ao sofredor os raios da alegria;

“Se, de novo, no mundo, desterrado,
Necessitar viver inda algum dia,
Que eu regresse ditoso ao solo amado
Da generosa pátria que eu queria;

“Se é mister retornar a um novo exílio,
Seja o Brasil, lá onde eu desejara
Ter vertido o meu pranto derradeiro.

“Que eu novamente viva sob o brilho
Da mesma luz gloriosa que eu amara,
Na alcandorada terra do Cruzeiro.”


Castro Alves continua condoreiro e utilizando as mesmas imagens em que era mestre, na terra:


“É a gota d’água caindo
No arbusto que vai subindo
Pleno de seiva e verdor;
O fragmento do estrume
Que se transforma em perfume
Na corola de uma flor.

“É a dor que através dos anos,
Dos algozes, dos tiranos,
Anjos puríssimos faz;
Transformando os Neros rudes
Em arautos de virtudes,
Em mensageiros de paz!”


E Junqueiro, sem mudar de tema ou de rima:


“Na silenciosa paz do cimo do Calvário
Ainda se vê na Cruz o Cristo solitário.
“Vinte séculos de dor, de pranto e de agonia
Represam-se no olhar do Filho de Maria.”


As poesias de Junqueiro continuam sendo, na outra vida, extensas em demasia. Ficam, por isso, aí, apenas duas parelhas, para amostra.
O “Parnaso de Além-túmulo” merece, como se vê, a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há nele, de sobrenatural ou de mistificação. No primeiro caso, o outro mundo deve ser insuportável, com os poetas que lá se acham. E pior será, ainda, se houver, também, por lá, declamadoras…



Transcrito do jornal Diário Carioca, edição de 12/07/1932, na grafia da época, [no ; neste tivemos que atualizar a ortografia para não prejudicar as traduções das máquinas neurais “].
Imagens disponíveis em: . Acesso em: 09 de julho de 2017. Informação enviada à Vinha de Luz Editora por Ivanir Severino da Silva, repassada de Otávio Alonso Freire Alves via e-mail.



Francisco Cândido Xavier

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