Contos Desta e Doutra Vida
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Efraim ben Assef, caudilho de Israel contra o poderio romano, viera a Jerusalém para levantar as forças da resistência, e, informado de que Jesus, o profeta, fora recebido festivamente na cidade, resolveu procurá-lo, na casa de Obede, o guardador de cabras, a fim de ouvi-lo.
— Mestre — falou o guerreiro —, não te procuro como quem desconhece a justiça de Deus, que corrige os erros do mundo, todos os dias… Tenho necessidade de instrução para a minha conduta pessoal no auxílio do povo. Como agir, quando o orgulho dos outros se agiganta e nos entrava o caminho?… quando a vaidade ostenta o poder e multiplica as lágrimas de quem chora?
— É preciso ser mais humilde e servir mais — respondeu o Senhor, fixando nele o olhar translúcido.
— Mas… e quando a maldade se ergue, espreitando-nos a porta? que fazer, quando os ímpios nos caluniam à feição de verdugos?
E Jesus:
— É preciso mais amor e servir mais.
— Senhor, e a palavra feroz? que medidas tomar para coibi-la? como proceder, quando a boca do ofensor cospe fogo de violência, qual nuvem de tempestade, arremessando raios de morte?
— É preciso mais brandura e servir mais.
— E diante dos golpes? há criaturas que se esmeram na crueldade, ferindo-nos até o sangue… De que modo conduzir nosso passo, à frente dos que nos perseguem sem motivo e odeiam sem razão?
— É preciso mais paciência e servir mais.
— E a pilhagem, Senhor? que diretrizes buscar, perante aqueles que furtam, desapiedados e poderosos, assegurando a própria impunidade à custa do ouro que ajuntam sobre o pranto dos semelhantes?
— É preciso mais renúncia e servir mais.
— E os assassinos? que comportamento adotar, junto daqueles que incendeiam campos e lares, exterminando mulheres e crianças?
— É preciso mais perdão e servir mais.
Exasperado, por não encontrar alicerces ao revide político que aspirava a empreender em mais larga escala, indagou Efraim:
— Mestre, que pretendes dizer por “servir mais”?
Jesus afagou uma das crianças que o procuravam e replicou, sem afetação:
— Convencidos de que a justiça de Deus está regendo a vida, a nossa obrigação, no mundo íntimo, é viver retamente na prática do bem, com a certeza de que a Lei cuidará de todos. Não temos, desse modo, outro caminho mais alto senão servir ao bem dos semelhantes, sempre mais…
O chefe israelita, manifestando imenso desprezo, abandonou a pequena sala, sem despedir-se.
Decorridos dois dias, quando os esbirros do Sinédrio chegaram, em companhia de Judas, para deter o Messias, Efraim ben Assef estava à frente. E, sorrindo, ao algemar-lhe o pulso, qual se prendesse temível salteador, perguntou, sarcástico:
— Não reages, galileu?
Mas o Cristo pousou nele, de novo, o olhar tranquilo e disse apenas:
— É preciso compreender e servir mais.
(.Humberto de Campos)
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