Diálogo dos Vivos

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Capítulo VIII

Poesia-Prece


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Francisco Cândido Xavier

Precedendo-nos a sessão pública, as conversações dos amigos que nos visitavam, em grande número, punham em destaque a beleza de nossos princípios e as nossas dificuldades para traze-los à luz da prática. Falávamos a respeito dos choques e das depressões que nos tomam o pensamento quando caímos em erros e da necessidade de nos superarmos para continuar lutando pelo autoburilamento.

Iniciadas as tarefas da noite, O Livro dos Espíritos nos deu a exame a questão 660, () referente à prece. E depois dos comentários de uma nossa irmã, a poetisa desencarnada Maria Dolores escreveu a poesia-prece Confidência Mais Íntima.



Maria Dolores

Senhor!…

Quantos te deram

A vida de uma vez!…


Bendito o santo que se fez

Na virtude integral!…


Louvado seja o apóstolo da fé

Que viveu e sofreu, padecendo de pé,

Dando-te o coração para vencer o mal!…


Glorificados sejam para sempre

Os mártires e heróis

Que te seguiram sem vacilações

Para o Reino do Amor onde te pões,

À maneira de sol refulgindo entre os sóis!…


Ampara-me, porém,

Compassivo Senhor do Eterno Bem,

A mim — pobre de mim — que só te posso dar

Meus frágeis sentimentos como são,

Consagrando-te a vida, gota a gota,

Dentro de minha própria imperfeição!…


Quando me chamas para a caridade

Ante os encargos de que me encarrego,

Perdoa se te entrego

Apenas um vintém

No socorro de alguém.

Quando me sabes de mãos ricas…

Tão logo me assinalas e edificas.


Pedindo-me concurso em favor de um doente,

Desculpa se te dou tão somente um minuto

De todo o largo tempo que desfruto,

A fim de repousar indefinidamente.


Quando me buscas para ser

A intervenção do amor,

Segundo o meu dever,

Onde o ódio campeia

E a discórdia domina,

Perdoa se te oferto simplesmente,

Em frase pequenina,

Breve conceito superficial,

Que fale de harmonia e conserve tal qual

O problema que aflige a vida alheia.


Fugindo de espalhar a paz a que me elevas

Deixando em fogo e pranto as vítimas das trevas…

Quando me indicas à piedade

Por aqueles que a crítica condena,

Perdoa se te trago,

De sentimento indefinido,

Curto gesto de pena,

Qual se colaborasse,

Na indecisão de minha própria face,

Para que o bem seja esquecido…


Releva-me, Senhor,

A doação escassa

Nos imensos recursos que me deste

Do Tesouro Celeste!…


Do teu rio gigante de ternura

Recebo, dia a dia,

Carinho, bênção, graça,

Providência e alegria

Em manifestações da luz que nunca falha;

Mas de tudo o que dou, cedo apenas migalha…


Leve nota de amor, incrustada de ciúme,

Um pingo de paciência em caudais de azedume,

Uma palavra de esperança

Entre laudas de queixa desatada,

Leve nota de paz

Em tom distante e indiferente,

Eis o que dou somente…


Tantos me amparam tanto e auxilio a tão poucos!…


Senhor!…

Abre-me o coração,

Dá força nova aos meus ouvidos moucos,

Prende-me os braços ao serviço,

Cura-me o pensamento ocioso e enfermiço!…


E, por agora,

Se te dou minha vida, gota a gota,

Nas sombras do egoísmo em que me vejo,

Entre rosas de sonho e espinhos de desejo,

Lavrando contra mim

Exigências fatais

Que somarão mais tarde prova e dor,

Perdoa-me, Senhor,

Se nada posso fazer mais…



Irmão Saulo

Na possibilidade de servir

Sempre nos tolhe a impossibilidade,

Porque não damos nunca sem pedir

O necessário sem necessidade.


Se tantos nos apoiam sem medir

Nem pesar a farinha da bondade,

Por que não entregar sem exigir

Os nossos pães às mãos da caridade?


Que o Senhor da fartura sem limites

Consiga abrir-nos os ouvidos moucos,

Pondo limite aos nossos apetites.


Se pudermos abrir nossos bornais

À multiplicação dos pães (tão poucos!)

Já estaremos fazendo muito mais!



Francisco Cândido Xavier

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