Falando a Terra
Versão para cópiaA escola
Muita caridade se pratica realmente na Terra, como lançamento de alicerces à nossa felicidade futura.
Há quem levante valiosos monumentos de pedra para acolher os famintos da estrada, saciando-lhes a fome e vestindo-lhes o corpo.
Quantas vezes temos vertido lágrimas ao pé do enfermo abandonado à própria sorte? Em quantas ocasiões a indignação nos assoma à boca, diante do sofrimento de uma criancinha desprezada?
Em razão disto, comumente, a prece de gratidão emerge a par de nossa alegria, quando contemplamos as casas de amor fraterno, erguidas pela beneficência nas grandes e nas pequenas cidades, oferecendo uma pausa ou um ponto final à dura miséria.
Perante o moribundo sem família, que haja encontrado um teto, ou diante do menino infeliz, que se regozija com o seio materno que lhe faltava, faz-se em nossa alma o grande e intraduzível silêncio do júbilo, que se não exterioriza em palavras.
O infortúnio do próximo é sempre a nossa infelicidade provável.
A dor é, como o incêndio, suscetível de transferir-se da habitação do vizinho para a nossa casa.
Atentos em semelhante realidade, somos constrangidos a reconhecer que qualquer espécie de benemerência exalta o gênero humano e santifica-o, por fazer-nos mais confiantes na virtude e mais seguros de nossa vitória final no bem.
O Criador como que se revela sempre mais sábio, mais vivo e mais abundante de graças nos mínimos acontecimentos em que a bondade da criatura se manifesta.
Seja amparando o velho mirrado, seja insuflando coragem ao triste, ou abrigando o órfão, ou pensando as feridas de um corpo em chaga, o coração que ajuda é invariavelmente um foco de luz cujo brilho se irradia em ascensão para os mais altos céus.
Mas uma caridade existe, mais extensa e menos visível, mais corajosa e menos exercida, que nos pede concurso decisivo para a melhoria substancial da paisagem humana. É a caridade daquele que ensina.
A Terra de todos os séculos sofre a flagelação de dois grandes males. Um deles é a miséria. O outro, e o maior, é a ignorância.
É a ignorância a magia negra de todos os infortúnios. Ao seu grosso tacão de trevas, o rico esconde o ouro destinado à prosperidade, e o pobre se envenena com o desespero, eliminando as possibilidades resultantes do trabalho.
Pela ignorância, os homens se julgam senhores absolutos do latifúndio terrestre, que lhes não pertence, arruinando-se em guerras de extermínio; o bom se faz ameaçado pela crueldade esmagadora, o mau se torna pior; a evolução de alguns estaciona com o manifesto atraso de muitos, e a vida, que é sempre magnífico patrimônio de recursos para a sublimação, se vê assediada pela discórdia e pela ira, pela ociosidade e pela indigência.
Na rede da ignorância, o homem complica todos os problemas do seu destino, por ela contribui para as aflições alheias e com ela se arroja aos abismos da dor e se entrega às surpresas do tempo.
Por este motivo, se o orfanato ou o asilo são casas abençoadas do agasalho e do pão, a escola será, em todos os seus graus, um templo da luz divina.
O pão mantém a carne perecedoura. A luz santifica o espírito eterno.
Não bastará disciplinar as maneiras do homem adulto, como quem submete animais inteligentes. A domesticação reclama apenas um braço firme, uma vergasta e uma voz autoritária, que não hesitem na aplicação da força corretiva.
Bom é corrigir. Melhor, porém, é educar.
A retificação rude, não raro, produz o temor destrutivo. O aperfeiçoamento suave e persuasivo gera sempre o amor edificante.
A ignorância necessita de muito esforço e sacrifício para deixar suas presas.
Quem se consagre ao mister de auxiliar deve dispor-se a sofrer.
O exemplo é a força mais contagiosa do mundo. Por esta razão, quem conserve hábitos dignos, quem se devote ao dever bem cumprido, quem fale ou escreva para o bem, combate a ignorância na posição de soldado legítimo do progresso.
Semelhantes benefícios, no entanto, precisam da sagrada iniciação com o ato de alfabetizar. Ensinar a ler e elevar o padrão mental de quem lê constituem obras veneráveis de caridade.
Descerremos a espessa cortina de sombras que retém o espírito — ninfa divina — no casulo da inércia.
Os que trabalham em favor das garantias públicas, se quiserem alcançar, efetivamente, as realizações a que se propõem, não podem esquecer, em tempo algum, a instrução e a educação. É por elas e com elas que as nações sobrevivem no turbilhão dos acontecimentos que agitam os séculos. À claridade que despedem, extinguem-se os pruridos de hegemonia que desencadeiam os conflitos civis e internacionais, fenece a agressão, desaparece o ódio, apaga-se o incêndio da revolta.
Depois da morte, reconhecemos que todas as atividades do homem, por mais nobres, terão sido vãs, ou, mesmo, se anulam, caso não se hajam empenhado contra o obscurantismo intelectual, próprio ou alheio.
Regimes políticos e teorias da inteligência, tronos e togas, tiranos e condutores do povo se confundem na mesma cinza niveladora se o objetivo de aperfeiçoamento espiritual não foi procurado.
Pela conquista do ouro, quase sempre acordamos velhos monstros do egoísmo que jazem adormecidos dentro da alma.
Pela ascensão ao poder político, não raro, a massa enlouquece no delírio da vaidade.
Pelo abuso nos prazeres físicos, frequentemente o homem se equipara ao bruto.
Sem a escola, somente liberamos os instintos inferiores da personalidade ou da multidão, quando pretendemos libertar-lhes a consciência.
Educando e educando-se, o Espírito penetra a essência da vida, compreende a lei do uso e elege o equilíbrio por norma de suas menores manifestações.
Grande é a tarefa do pão, que gera o reconhecimento e a simpatia; entretanto, muito maior é o ministério do abecedário, que opera o divino milagre da luz, estabelecendo a comunhão magnética entre a inteligência do aprendiz de hoje e a mente do instrutor que viveu há milênios.
Cultura e, sobretudo, esclarecimento, são armas pacíficas contra a discórdia.
Abramos escolas e o canhão se recolherá ao museu. Se cada criatura que sabe ler alfabetizasse uma só das outras que desconhecem a sublime função do livro, a regeneração do mundo concretizar-se-ia em breve tempo.
Jesus desempenhou o mais alto apostolado da Terra sem uma cátedra de academia, mas não se projetou nos séculos sem as letras sagradas do Evangelho.
É preciso ler para saber pensar e compreender. Por esta razão expressiva, o Cristo, que consolou almas aflitas e curou corpos doentes, que patrocinou a causa dos sofredores e construiu caminhos para a salvação das almas nos continentes infinitos da vida, não se afirmou como sendo restaurador ou médico, advogado ou engenheiro, mas aceitou o título de Mestre e nele se firmou, por universal consagração.
Fortaleçamos a escola, pois.
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