Fotos da Vida

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Capítulo V

Ambição


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Era noite.

O mentor Silvério Pires recomendou-me esperá-lo por instantes.

Em seguida, veio a mim explicando:

— Augusto, temos serviço urgente. Venha comigo. Trata-se de um pedido de mãe devotada, em apoio de um filho enfermo.

Obedeci, de imediato, mesmo porque o orientador é um desses professores diletos a que nos vinculamos por afetuoso reconhecimento.

Alguns minutos voaram e atingimos um palacete de primorosa estrutura, cercado por jardins que brilhavam ao luar, dentro da noite.

Entramos.

O mentor parecia familiarizado com os mínimos recantos do solar, enriquecido de tapetes e telas raras.

Em aposento próximo, mobiliado segundo os hábitos portugueses do século XVIII, um homem, aparentando cinquenta janeiros, escrevia e escrevia…

Porque estacássemos, de repente, perguntei surpreso ao meu condutor:

— Onde está o doente?

O amigo fez um gesto de proteção, sobre a cabeça do homem que me era desconhecido e acentuou:

— Este é o irmão Celestino que nos requisita assistência.

Fitei o desconhecido, da cabeça aos pés e não lhe notei qualquer anormalidade.

Entretanto, o mentor solicitou-me:

— Tome papel e lápis e copie a carta em andamento. Trata-se de um estudo que nos cabe fazer.

Sem vacilar, passei a escrever o texto que o desconhecido produzia à nossa frente.

Era uma carta que ele provavelmente endereçava a algum irmão distante, e assim dizia:


“Meu caro Aprígio:

“Segure os cinquenta mil sacos de arroz no armazém número dois e aguardemos mais preço. Os dez mil litros de óleo para cozinha, mantenha você em estoque e os dois mil sacos de café em grão guarde no armazém número quatro. Não venda bulhufas. Mais algumas semanas e estaremos numa boa. Tudo isso terá preços altos, nos próximos dias.

“E olhe: Não dê migalha alguma a ninguém. Religiosos têm vindo aqui a me pedir socorro. Dizem que os tutelados deles estão em carência. Até freiras já vieram aqui com petitórios. Não atenda a ninguém se você for procurado. Esse negócio de religião e caridade já era. Um certo amigo chegou a me dizer que a minha fazenda pela qual suei tanto, pertence a Deus e a mim, que eu não passo de sócio. Eu queria que esse maluco visse os meus terrenos quando Deus estava aqui trabalhando sozinho. Era mato e cobras em toda parte. Fique tranquilo e nada de coração mole. Espero estar aí na próxima semana.

“Até quinta-feira.

“Um abraço do seu irmão Celestino”


Celestino, pois esse era o nome de nosso anfitrião, colocou a caneta em lugar adequado e, logo após, levou a mão ao peito. Gemia. Afigurava-se-me que ele sentia muita dor.

Em dado momento, pressionou o botão de uma campainha e estirou-se em larga poltrona.

Um servidor apareceu.

Celestino pediu um coronário-dilatador e a presença do seu médico particular.

O cardiologista surgiu com presteza e determinou a remoção do doente para um hospital.

Pires sentenciou:

— Devemos acompanhá-lo. Esta é a última noite de nosso amigo na vida física.

Internado, Celestino estava submetido a minuciosos exames.

Silvério se dispôs à retirada e disse-me simplesmente:

— Veja você. Tanta ambição e dentro de poucas horas o nosso amigo estará desencarnado, sob a suspeita de enfarte. Amanhã viremos buscá-lo.

Nada mais acrescentou e eu fiquei a meditar sobre a lição recebida.




Augusto Cezar
Francisco Cândido Xavier

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