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Capítulo VII

Cobiça


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Ataliba Gouveia, aos trinta e dois janeiros, fizera-se ativo homem de negócios, especializando-se no comércio de drogas.

Contratava farmacêuticos zelosos e seguros, cercava-se de cooperadores amigos e acabava de comprar um estabelecimento em movimentada esquina de cidade grande.

Estimava agora varar as tardes, na farmácia nova, ouvindo companheiros ou seguindo os movimentos apressados do povo.

— Muito bem, Ataliba, você fez uma aquisição excelente.

A nota vinha de Neca Fragoso, amigo de muito tempo que o visitava.

Depois do abraço cordial, veio o diálogo aberto.

— É isso — confirmou o proprietário — as condições favoreciam e não vacilei.

— Ótimo ponto! — observou o interlocutor.

— Embora a intromissão de pedestres, a situação do estabelecimento me satisfaz.

— Dizem que essa esquina é perigosa — acentuou Fragoso com seriedade — muitos desastres por aqui, mormente com motoristas afoitos.

— Sabemos, mas o sinaleiro está perto.

E Ataliba continuou:

— Já estamos aqui, há dois meses e, diante de carros batidos, com pessoas nervosas, exibindo escoriações, instalei um ambulatório para serviços de emergência. Aliás, temos dois médicos amigos no prédio ao lado…

— Muito bem — tornou o amigo a sua ideia foi bem inspirada. Um ambulatório é um recanto providencial para socorro e caridade.

Ataliba fez um sorriso irônico e ajuntou:

— Caridade? Isso é que não. Aqui, qualquer serviço é no dinheiro vivo. Beneficência em esquina de luxo não dá pé. Tenho trabalhado sem descanso e, além disso, estou casado, tenho um filho, a completar cinco anos. E ele não conhecerá as dificuldades que atravessei na meninice. Trabalho à maneira do burro, sob cangalha pesada, mas ao pensar que meu filho crescerá rico e feliz, consolo-me das canseiras. Não temos atividade gratuita. E se qualquer pessoa surgir aqui em necessidade, sem dinheiro, que vá bater noutra freguesia.

A noite descera apressada.

Fazia frio.

O relógio marcava dez minutos para as sete.

A conversação entre os dois prosseguiu, quando uma senhora chegou espavorida, carregando uma criança nos braços.

— Senhor — dirigiu-se a Ataliba, por indicação de um balconista — esta criança desgarrou-se da ama e correu pela rua afora… Vi quando foi atropelada por um carro que seguia em alta velocidade… Corri ao encontro do menino que gemia no chão. Enrolei-o em minha blusa, mas a cabecinha sangra muito e o corpo todo deve ter sérias contusões… Venho pedir socorro… Soube que o senhor tem aqui um ambulatório…

— A senhora tem dinheiro suficiente para as despesas? — perguntou o proprietário com indiferença.

— Ah! isso não… Sou arrumadeira e estava a caminho do ônibus para o meu bairro.

— Então passe bem, minha senhora. Não temos aqui serviços gratuitos.

— Senhor, tenha piedade! Creio que esta criança está quase morta… Não lhe conheço a família… Estou agindo pelo coração… Em nome de Deus, rogo socorro… Não posso abandonar este menino infeliz… Eu também sou mãe de dois filhos pequenos que me esperam em casa…

E para melhorar a respiração do menino que se lhe fizera imóvel nos braços, retirou-lhe do rosto o lenço ensanguentado com que tentava estancar-lhe o sangue da boca.

Ao contemplar a face triste da criança, agora morta, Ataliba Gouveia transfigurou-se. Abraçado a Fragoso que acompanhava o realismo daquele quadro de dor, caiu em pranto a clamara para o companheiro:

— Fragoso!… Fragoso!… O que será de mim?!… Este menino é o meu filho…




Augusto Cezar
Francisco Cândido Xavier

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