Somente Amor

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Capítulo XXVIII

O socorro imprevisto


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Vendo a amizade estreita

Da filha que ele amava, ardentemente,

Com a jovem artista,

Comediante e equilibrista,

Sempre atirada sob a espreita

Da crítica feroz de muita gente,

O pai chamou-a e disse em palavras severas:


— “Filha, não tens ainda vinte primaveras

Estudas num colégio austero e nobre,

Dize: qual a razão

Que te leva a escolher a companhia Dessa jovem mulher,

Reles mulher sem consideração?”


E, ante a muda surpresa da menina,

O pai continuou na censura ferina:

— “Proíbo-te qualquer intimidade

Com essa moça envilecida,

Que procura arruinar a própria vida,

E que na condição de atriz, quer no palco ou na rua,

Anda de trama em trama,

Sempre despudorada e seminua

Numa trilha de lama…”


“Mas, meu pai,” — disse a filha humildemente,

“Ela trabalha assim,

Para tratar do pai cego e doente…”

— “Minha ordem é o fim” —

Grita o progenitor, derramando azedume,

“Essa atriz para mim

É uma pessoa deprimente,

Que só por si resume

Calamidade, astúcia, meretrício.

Não mais te quero ver, onde estiver

Essa infeliz mulher,

Hoje dama do vício”.


A menina chorou e obedeceu.

Não mais buscou a antiga companheira

E fez mais do que isso,

Negou-se a recebê-la quando procurada,

Alegando trabalho e compromisso.


Mas os dias na Terra vêm e vão…


Numa clara manhã de tórrido verão

A família fidalga está na praia,

Pai, mãe e filha, em meio dos banhistas…

A multidão descansa, olhando o mar,

Toda gente partilha o mesmo ar,

Os filhos da cidade e os grupos dos turistas.

O mar naquele dia

Estava diferente… Parecia

Um gigante que se alteia

Para depois cair aos estrondos na areia…


Eis que, em certo momento, uma onda mais alta

Chega de escantilhão

E arrasta para longe a menina fidalga

Que desce às profundezas de roldão.

A pobre vem à tona

E grita por socorro,

Aprestam-se a salvá-la os guardas de vigia;

Há confusão, desordem, gritaria…

No entanto, de um grupinho, à parte dos demais,

Certa jovem que estava em gargalhadas,

Avança, mar adentro, em valentes braçadas,

Mergulha, em certo ponto, e num momento,

Volta trazendo a jovem desmaiada.

Mas ao depô-la salva, em terreno seguro,

Um vagalhão enorme, um monstro escuro

Arranca a salvadora para trás,

A moça não resiste ao assalto voraz

E, a debater-se, em vão, é atirada à distância e vai ao fundo…

Esforça-se debalde… Está presa entre plantas,

Que procura vencer, contudo elas são tantas!…

Na luta que mantém, de segundo a segundo,

Perde as forças… Por fim, se desanima,

Não consegue voltar ao ar leve de cima…

Em torno, a multidão, grita por ela,

Agitam-se homens-rã, correm os nadadores,

Depois de esforços desesperadores,

A moça vem à tona… Posta num barco à vela

A menina está morta e, em breve, junto dela,

Une-se toda gente, a lastimar-lhe o fim…


Aflito, chega o pai da jovem salva,

Põe-se a rogar: “Acordem a heroína

Essa moça merece a Proteção Divina,

Ela salvou-me a filha,

A filha que é meu sonho e a luz que me conforta,

Quero entregar-lhe um prêmio e senti-la feliz…”

Mas fitando no barco a pobre moça morta,

Retrocedeu chorando… Era a famosa atriz.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier

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