Astronautas do Além

Versão para cópia
Capítulo VIII

A filhinha excepcional


Temas Relacionados:

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER.

Há algum tempo, numa de nossas reuniões, apareceu um amigo trazendo nos braços a filhinha excepcional. Declarou estar a caminho de São Paulo para tentar-lhe o tratamento.

Veio com ela à nossa instituição a fim de orar, em nossa companhia, solicitando para a pequenina o auxílio dos benfeitores espirituais.

Comoveu-nos a todos o carinho e o cuidado do genitor com a filhinha que lhe choramingava nos braços, agitada e inconsciente. Esse amigo informou proceder de uma cidade pernambucana e guardar a esperança de alcançar melhoras para a filha junto de médicos amigos da Capital bandeirante.

Diante do quadro enternecedor, penso que todo o pessoal refletia sobre os princípios da reencarnação, sem comentários. Iniciadas as tarefas da noite, O Livro dos Espíritos nos ofereceu para estudo a questão 371. ()

Depois das explanações de nossos amigos presentes, a respeito, o nosso caro Emmanuel escreveu alguns comentários sobre a reencarnação. Depois dele veio até nós o poeta Silva Ramos, que escreveu por nosso intermédio o soneto Vinculação Redentora.


O fidalgo, ao partir, diz à jovem senhora:

“Eu sou teu, tu és minha!… Espera-me, querida!…”

Longe, ergue outro lar… Vence, altera-se, olvida…

Ela afoga em suicídio a mágoa que a devora.


Falece o castelão… Vê a noiva esquecida…

Desencarnada e aflita, é uma sombra que chora…

Ele pede outro berço e quer traze-la agora

Em braços paternais ao campo de outra vida!…


O século avançou… Ei-los de novo em cena…

Ele o progenitor; ela, a filha pequena

A crescer retardada, abatida, insegura…


Hoje, ele, em tudo, é sempre o doce pajem dela

E a noiva de outro tempo é a filha triste e bela

Agarrando-se ao pai nos traumas da loucura.


Silva Ramos


O estilo e o tema identificam o autor espiritual. Alcântara Machado notou: “a ausência quase completa em sua obra de paisagem e do homem brasileiro”. O seu arraigado lusitanismo transparece em outros poemas transmitidos pela psicografia de Chico Xavier, como se pode ver em Antologia dos 1mortais.

Não foi por acaso que Silva Ramos escreveu esse alexandrino através da mediunidade, nem por simples inspiração provocada pelo caso relatado pelo médium. É evidente a intenção de explicar o episódio atual recorrendo às causas remotas que ficaram no além-mar.

Quantos fidalgos europeus, e particularmente portugueses, estão hoje encarnados no Brasil em situação difícil, procurando reparar os abusos e as irresponsabilidades em que incorreram no passado! A figura desse pai pernambucano (da mesma terra do poeta) carregando nos braços a filhinha excepcional e desvelando-se por ela, adquire mais denso colorido emocional ante a revelação do passado. A vida nos revela o seu mistério nessas ligações profundas que os Espíritos desvendam de maneira discreta e emotiva.

O soneto, por sua estrutura silogística, é a forma poética mais apropriada a nos revelar uma história como essa que passa de um século a outro. Note-se ainda a flexibilidade da síntese poética que permite ao autor exprimir em apenas um verso, como num corte cinematográfico, a transição temporal do caso e a metamorfose dos personagens: “O século avançou… Ei-los de novo em cena”. ()

A emoção poética se acelera nos dois tercetos finais do alexandrino perfeito de Silva Ramos, dando-nos em breves instantes a visão total da lógica e da mecânica da reencarnação. O compromisso rompido levou a antiga dama à loucura do suicídio, mas agora o responsável de ontem a carrega nos braços, pagando-lhe a dívida de amor e ternura e procurando restabelecer-lhe o equilíbrio perdido. A justiça e a misericórdia de Deus ressaltam dessa situação em que algoz e vítima se reencontram para a mútua redenção.

A opacidade do mundo e a frustração da vida, que justificam o ceticismo existencial deste século, carregado de angústia e desespero, resolvem-se em transparência lógica e renovação da fé. O interexistencialismo espírita soluciona em dois tercetos a amarga equação do existencialismo ateu.


Irmão Saulo

O autor espiritual é o poeta José Júlio da Silva Ramos que foi professor do Colégio Pedro II no Rio e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Filólogo e formado em Direito pela Universidade de Coimbra, pernambucano, sua mãe era portuguesa e ele foi educado em Portugal. Sua temática, foi toda de origem peninsular. Morreu no Rio em 1930.


[Sobre a relação do drama desse pai com sua filhinha excepcional nos braços e o poema de Silva Ramos vide explicações acima de Herculano Pires em “”]



Silva Ramos
Francisco Cândido Xavier

Este texto está incorreto?