Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

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Capítulo V

Janeiro - Palestra de além-túmulo - Fredegunda

Janeiro
Fredegunda

Damos a seguir as duas evocações do Espírito de Fredegunda, feitas na Sociedade, com um mês de intervalo, e que formam o complemento dos dois precedentes artigos sobre a possessão da senhorita Júlia.

O Espírito não se manifestou com sinais de violência, mas escrevia com grande dificuldade e fatigava extremamente o médium, que até ficou indisposto e cujas faculdades pareciam, de certo modo, paralisadas. Na previsão desse resultado, tínhamos tido o cuidado de não confiar essa evocação a um médium muito delicado.

Em outra circunstância, interrogado a respeito de Fredegunda, um outro Espírito disse que há muito tempo ela procurava reencarnar-se, mas que isso não lhe havia sido permitido, porque seu objetivo ainda não era melhorar-se, mas, ao contrário, ter mais facilidade para fazer o mal, auxiliado por um corpo material. Essa disposição deveria tornar sobremaneira difícil a sua conversão, no entanto não foi tão difícil quanto se esperava, graças, sem dúvida, ao concurso benevolente de todas as pessoas que participaram dos trabalhos, e talvez também porque já era chegado o momento em que esse Espírito deveria entrar na via do arrependimento.


(16 DE OUTUBRO DE 1863 ─ MÉDIUM: SR. LEYMARIE)


1. Evocação. ─ Não sou Fredegunda. Que quereis de mim?

2. ─ Então, quem sois? ─ Um Espírito que sofre.

3. ─ Desde que sofreis, deveis desejar não mais sofrer. Nós vos assistiremos, pois lamentamos todos os que sofrem neste mundo e no outro. Mas é necessário que nos acompanheis, e para isto é preciso que oreis. ─ Agradeço-vos, mas não posso orar.

4. ─ Nós vamos orar, e isto vos ajudará. Tende confiança na bondade de Deus, que perdoa sempre àquele que se arrepende. ─ Eu acredito. Orai, orai. Talvez eu possa converter-me.

5. ─ Mas não basta que oremos. É preciso que também oreis. ─ Eu quis orar e não pude. Agora vou tentar com o vosso auxílio.

6. ─ Dizei conosco: Meu Deus, perdoai-me, pois pequei. Arrependo-me do mal que fiz. ─ Di-lo-ei depois.

7. ─ Isto não basta. É preciso escrever. ─ Meu... (Aqui o Espírito não consegue escrever a palavra Deus. Só após muito encorajamento ele consegue terminar a frase, de maneira irregular e pouco legível.)

8. ─ Não se deve dizer isto pro forma. É preciso pensar e tomar a resolução de não mais fazer o mal e vereis que logo sereis aliviada. ─ Eu vou orar.

9. ─ Como orastes sinceramente, não experimentais melhora? ─ Oh! Sim!

10. ─ Agora dai-nos alguns detalhes sobre a vossa vida e as causas do vosso encarniçamento contra Júlia! ─ Mais tarde... direi... mas não posso hoje.

11. ─ Prometeis deixar Júlia sossegada? O mal que lhe fazeis cai sobre vós e aumenta o vosso sofrimento. ─ Sim, mas sou levada por outros Espíritos piores que eu.

12. ─ Esta é uma desculpa ruim, que dais para vos escusardes. Em todo caso, deveis ter uma vontade, e com os recursos da vontade sempre se pode resistir às más sugestões. ─ Se eu tivesse tido vontade não sofreria. Sou castigada porque não soube resistir.

13. ─ Entretanto, demonstrastes muita vontade para atormentar Júlia. Como acabais de tomar boas resoluções, nós aconselhamos a nelas persistirdes, e pediremos aos bons Espíritos que vos ajudem.

OBSERVAÇÃO: Durante esta evocação um outro médium recebeu de seu guia uma comunicação contendo, entre outras coisas, o seguinte: “Não vos inquieteis com as recusas que notais nas respostas desse Espírito. Sua ideia fixa de reencarnarse lhe faz repelir toda solidariedade com o passado, se bem que suporta bem pouco os efeitos disso. Ela é o Espírito que foi evocado, mas nem consigo mesmo quer concordar.”


(13 DE NOVEMBRO DE 1863)


14. ─ Evocação. ─ Estou pronta para responder.

15. ─ Persististes na boa resolução em que estáveis da última vez? ─ Sim.

16. ─ Como vos achais? ─ Muito bem, porque orei, estou bem calma e muito mais feliz.

17. ─ Com efeito, sabemos que Júlia não foi mais atormentada. Como podeis comunicar-vos mais facilmente, quereis dizer por que vos encarniçáveis contra ela? ─ Eu estava esquecida há séculos e desejava que a maldição que cobre o meu nome cessasse um pouco, a fim de que uma prece, uma única, me viesse consolar. Eu oro, eu creio em Deus; agora posso pronunciar o seu nome, e certamente isto é mais do que eu podia esperar do benefício que me concedeis.

OBSERVAÇÃO: No intervalo das duas comunicações, o Espírito era chamado todos os dias pelo nosso colega que ficou encarregado de instruí-la. Um fato positivo é que, a partir desse momento, a senhorita Júlia deixou de ser atormentada.

18. ─ É muito duvidoso que apenas o desejo de obter uma prece tenha sido o móvel que vos levava a atormentar aquela moça. Sem dúvida buscais ainda um paliativo para os vossos erros. Em todo caso, era uma forma ruim de atrair a compaixão dos homens. ─ Contudo, se eu não tivesse atormentado tanto a Júlia, não teríeis pensado em mim e eu não teria saído do miserável estado em que languescia. Disso resultou uma instrução para vós e um grande bem para mim, pois me abristes os olhos.

19. ─ (Ao guia do médium). Foi mesmo Fredegunda que deu esta resposta? ─ Sim, foi ela, um pouco auxiliada, é verdade, porque se humilhou. Mas este Espírito é muito mais adiantado em inteligência do que pensais; falta-lhe o progresso moral, no qual a ajudais a dar os primeiros passos. Ela não vos disse que Júlia tirará grande proveito do que se passou para o seu avanço pessoal.

20. ─ (A Fredegunda.) A senhorita Júlia vivia em vosso tempo? Poderíeis dizer quem era ela? ─ Sim. Era uma do meu séquito, chamada Hildegarde. Uma alma sofredora e resignada, que fez a minha vontade. Ela suportou o tormento de seus serviços muito humildes e muito complacentes a meu respeito.

21. ─ Desejais uma nova encarnação? ─ Sim, desejo. Ó meu Deus! Sofri mil torturas, e se mereci uma pena muito justa, ah! é tempo para que eu possa, com a ajuda de vossas preces, começar uma existência melhor, a fim de me lavar das antigas sujeiras. Deus é justo. Orai por mim. Até hoje eu tinha desconhecido toda a extensão de minha pena. Eu tinha o olhar velado e como que uma vertigem, mas agora vejo, compreendo, desejo o perdão do Senhor juntamente com o das minhas vítimas. Meu Deus! Como é suave o perdão!

22. ─ Dizei-nos algo de Brunehaut! ─ Brunehaut!... Este nome me dá vertigem... Ela é o grande erro de minha vida e senti o meu velho ódio despertar ao ouvir o seu nome!... Mas meu Deus me perdoará, e de agora em diante poderei escrever esse nome sem estremecer. Mais feliz do que eu, ela reencarnou pela segunda vez, desempenhando um papel que desejo: o de uma irmã de caridade.

23. ─ Ficamos felizes com a vossa mudança. Nós vos encorajaremos e sustentaremos com nossas preces. ─ Obrigada! Obrigada, bons Espíritos! Deus vos pagará.

OBSERVAÇÃO: Um fato característico dos maus Espíritos à a impossibilidade em que muitas vezes se acham de escrever ou pronunciar o nome de Deus. Isto denota, sem dúvida, uma natureza má, mas, ao mesmo tempo, um fundo de medo e de respeito, que não sentem os Espíritos hipócritas, em aparência menos maus. Longe de recuar ante o nome de Deus, estes últimos dele se servem afrontosamente, para captar a confiança. São infinitamente mais perversos e mais perigosos que os Espíritos francamente maus. É nesta classe que são encontrados a maioria dos Espíritos fascinadores, dos quais é muito mais difícil desembaçar-se do que dos outros, porque é do Espírito mesmo que eles se apossam com o auxilio de uma falsa mostra de saber, de virtude ou de religião, ao passo que os outros só se apossam do corpo. Um Espírito que como o de Fredegunda, recua ante o nome de Deus, está mais próximo de sua conversão que os que se cobrem com a máscara do bem. Dá-se o mesmo entre os homens, onde encontrais estas duas categorias de Espíritos, encarnados.


Junho VARIEDADES

Junho

Conta o Espiritismo numerosos representantes no exército, entre oficiais de todos os graus, que lhe constatam a influência benfazeja sobre si mesmos e sobre os subalternos. Em algumas regiões, no entanto, entre os chefes superiores, encontra não negadores, mas adversários declarados, que interditam formalmente a seus subordinados de dele se ocuparem. Conhecemos um oficial que foi riscado do quadro de propostas para a Legião de Honra e outros que foram confinados por causa do Espiritismo. Temos aconselhado que se submetam sem murmúrio à disciplina hierárquica e que esperem pacientemente uma ocasião melhor, que não pode tardar, pois será levado pela força da opinião. Temos mesmo aconselhado a se absterem de toda manifestação espírita exterior, se preciso for, porque nenhum constrangimento pode ser exercido sobre sua crença íntima, nem lhes tirar as consolações e o encorajamento que nele haurem. Essas pequenas perseguições são provas para sua fé e servem ao Espiritismo, em vez de o prejudicar. Devem considerar-se felizes por sofrer um pouco por uma causa que lhes é cara. Não se orgulham de deixar um membro no campo de batalha pela pátria terrestre? Que são, pois, alguns dissabores e contrariedades suportados pela pátria eterna e pela causa da Humanidade?



Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril

A progressão de todas as coisas leva necessariamente à transubstanciação, e a mediunidade espiritual é uma das forças da Natureza que lá fará chegar mais rapidamente o nosso planeta, porque, como todos os mundos, deve sofrer a lei da transformação e do progresso. Não só o seu pessoal humano, mas todas as suas produções minerais, vegetais e animais, seus gases e seus fluidos imponderáveis, também devem aperfeiçoar-se e se transformar em substâncias mais depuradas. A Ciência, que já trabalhou esta questão tão interessante da formação deste mundo, reconheceu que ele não foi criado de uma palavra, como diz a Gênese, numa sublime alegoria, mas que sofreu, numa longa sucessão de séculos, transformações que produziram camadas minerais de diversas naturezas. Seguindo a gradação dessas camadas, aparecem sucessivamente e se multiplicam as produções vegetais; mais tarde encontram-se traços dos animais, o que indica que somente nessa época os corpos organizados haviam encontrado a possibilidade de viver.

Estudando a progressão dos seres animados, como se fez com os minerais e os vegetais, reconhece-se que esses seres, a princípio moluscos, elevaram-se gradualmente na escala animal e que sua progressão acompanhou a das produções e a da depuração do solo; nota-se, ao mesmo tempo, o desaparecimento de certas espécies, desde que as condições físicas necessárias à sua vida não mais existem. Foi assim, por exemplo, que os grandes sáurios, monstros anfíbios, e os mamíferos gigantes, dos quais hoje só se encontram os fósseis, desapareceram completamente da Terra, com as condições de existência que as inundações lhes haviam criado. Sendo os dilúvios um dos meios de transformação da Terra, foram quase gerais, isto é, durante um certo período, causaram forte comoção no globo e assim determinaram produções vegetais e fluidos atmosféricos diferentes. Assim como todos os seres orgânicos, o homem apareceu na Terra quando nela pôde encontrar as condições necessárias à sua existência.

Aí para a criação material que depende apenas das forças da Natureza; aí começa o papel do Espírito encarnado no homem para o trabalho, pois deve concorrer para a obra comum; trabalhando para si mesmo, o homem trabalha para a melhora geral. Assim, desde as primeiras raças, vemo-lo a cultivar a terra, fazê-la produzir para suas necessidades corporais e, desse modo, provocar transformações em seu solo, em seus produtos, em seus gases e em seus fluidos. Quanto mais se povoa a Terra, tanto mais os homens a trabalham, a cultivam, a saneiam, tanto mais abundantes e variados são os seus produtos; a depuração de seus fluidos pouco a pouco leva ao desaparecimento das espécies vegetais e animais venenosas e nocivas ao homem, que já não podem subsistir num ar muito depurado e muito sutil para a sua organização, e não mais lhes fornece os elementos necessários à sua manutenção. O estado sanitário do globo melhorou sensivelmente desde a sua origem; mas como ainda deixa muito a desejar, é indício de que melhorará ainda pelo trabalho e pela indústria do homem. Não é sem propósito que este é impelido a estabelecer-se nas regiões mais ingratas e mais insalubres; já tornou habitáveis regiões infestadas por animais imundos e miasmas deletérios; pouco a pouco as transformações que faz sofrer o solo levarão à depuração completa.

Pelo trabalho o homem aprende a conhecer e dirigir as forças da Natureza. Pode-se acompanhar na História o fio das descobertas e das conquistas do espírito humano e a aplicação delas feitas para as suas necessidades e satisfações. Mas seguindo essa fieira, .deve-se notar também que o homem se delineou, desmaterializou-se; e se se quiser fazer um paralelo do homem de hoje com os primeiros habitantes do globo, julgar-se-á do progresso já realizado; ver-se-á que quanto mais o homem progride, mais é estimulado a progredir, e que a progressão está na razão do progresso realizado. Hoje o progresso marcha em grande velocidade, arrastando forçosamente os retardatários.

Acabamos de falar do progresso físico, material, inteligente. Mas vejamos o progresso moral e a influência que deve ter sobre o primeiro.

O progresso moral despertou ao mesmo tempo que o desenvolvimento material, mas foi mais lento, porque, achando-se o homem em meio a uma criação exclusivamente material, tinha necessidades e aspirações em harmonia com o que o cercava. Avançando, sentiu o espiritual desenvolver-se e crescer em si, e, ajudado pelas influências celestes, começou a compreender a necessidade da direção inteligente do Espírito sobre a matéria; o progresso moral continuou o seu desenvolvimento e, em diferentes épocas, Espíritos adiantados vieram guiar a Humanidade e dar um maior impulso à sua marcha ascendente; tais são Moisés, os profetas, Confúcio, os sábios da antiguidade e o Cristo, o maior de todos, embora o mais humilde na Terra. O Cristo deu ao homem uma ideia maior de seu próprio valor, de sua independência e de sua personalidade espiritual. Mas sendo os seus sucessores muito inferiores a ele, não compreenderam a ideia grandiosa, que brilha em todos os seus ensinos; materializaram o que era espiritual; daí a espécie de statu quo moral, no qual a Humanidade se deteve. O progresso científico e inteligente continua a sua marcha; o progresso moral se arrasta lentamente. Não é certo que, desde o Cristo, se todos os que professaram sua doutrina a tivessem praticado, os homens se teriam poupado de muitos males e hoje estariam moralmente mais adiantados?

O Espiritismo vem acelerar o progresso, desvendando à Humanidade os seus destinos; e já vemos a sua força pelo número de adeptos e a facilidade com que é compreendido. Vai provocar uma transformação moral ativa e, pela multiplicidade das comunicações mediúnicas, o coração e o Espírito de todos os encarnados serão trabalhados pelos Espíritos amigos e instrutores. Dessa instrução vai surgir um novo impulso científico, porquanto novas vias serão abertas à Ciência, que dirigirá suas pesquisas para as novas forças da Natureza, que se revelam; as faculdades humanas que já se desenvolvem, desenvolver-se-ão ainda mais pelo trabalho mediúnico.

Acolhido inicialmente pelas almas ternas e inconsoláveis pela perda de parentes e amigos, o Espiritismo o foi em seguida pelos infelizes deste mundo, cujo número é grande, e que têm sido encorajados e sustentados em suas provações por sua doutrina, ao mesmo tempo tão suave e confortadora; propagou-se, assim, rapidamente, e muitos incrédulos admirados, que a princípio o estudaram como curiosos, foram convencidos quando, por si mesmos, nele encontraram esperanças e consolações.

Hoje os sábios começam a inquietar-se e alguns deles o estudam seriamente e o admitem como força natural até agora desconhecida; aplicando a ele sua inteligência e seus conhecimentos já adquiridos, farão a Humanidade dar um imenso passo científico.

Mas os Espíritos não se limitam à instrução científica; seu dever é duplo e eles devem, sobretudo, cultivar a vossa moral. Ao lado dos estudos da Ciência, eles vos farão, e já fazem desde agora, trabalhar o vosso próprio eu. Os encarnados inteligentes e desejosos de progredir compreenderão que sua desmaterialização é a melhor condição para o estudo progressivo, e que sua felicidade presente e futura a isto está ligada.

[Sem nome.]


Observação. – É assim que o mundo, depois de haver alcançado um certo grau de elevação no progresso intelectual, vai entrar no período do progresso moral, cuja rota o Espiritismo lhe abre. Esse progresso realizar-se-á pela força das coisas e levará naturalmente à transformação da Humanidade, pelo alargamento do círculo das ideias no seu sentido espiritual, e pela prática inteligente e raciocinada das leis morais, ensinadas pelo Cristo. A rapidez com que as ideias espíritas se propagam no próprio meio do materialismo, que domina a nossa época, ë indício certo de uma pronta mudança na ordem das coisas. Basta para isto a extinção de uma geração, pois a que se ergue já se anuncia sob auspícios completamente diferentes.



Dezembro NECROLÓGIO

Dezembro


Temas Relacionados:

1. — A Sociedade Espírita de Paris acaba de perder um de seus membros na pessoa do Sr. Bruneau, falecido a 13 de novembro de 1864, aos setenta anos, cuja morte o Opinion nationale anuncia nestes termos:

“A morte atinge em cheio os membros sobreviventes da missão são-simoniana no Egito. Depois de Enfantin, de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, antigo coronel de artilharia, que fundou naquele país a escola de cavalaria, enquanto Lambert Bey, seu genro, organizou uma escola politécnica. O Sr. Bruneau morreu como homem livre, cheio de esperanças no progresso físico, intelectual e moral, cheio de fé nas doutrinas religiosas e sociais da juventude.”

Antigo aluno da Escola Politécnica, o Sr. Bruneau era membro da Sociedade Espírita de Paris há vários anos. Ignoramos a fé que tinha no futuro das doutrinas religiosas e sociais de sua juventude, mas sabemos que tinha confiança absoluta no futuro do Espiritismo, do qual era adepto fervoroso e esclarecido. Havia adquirido uma fé inabalável na vida futura e nas reformas humanitárias, que são a sua consequência. Acrescentaremos que seus colegas puderam apreciar suas excelentes qualidades, sua extrema modéstia, sua benevolência e sua caridade. Comunicou-se na Sociedade poucos dias depois de sua morte, e deu prova da elevação de seu Espírito pela justeza e profundidade de suas apreciações. Para ele o mundo invisível não teve nenhuma surpresa, pois o compreendia antecipadamente. Assim, veio nos confirmar tudo o que a doutrina nos ensina a respeito. Reencontrou com alegria os parentes, amigos e colegas que o haviam precedido e que o aguardavam em sua chegada entre eles.

A Sociedade Espírita de Paris estava representada nas exéquias do Sr. Bruneau por uma delegação de vinte membros. Teríamos considerado um dever exprimir naquela ocasião os sentimentos da Sociedade; como, porém, sabíamos que a família não era simpática às nossas ideias, julgamos por bem abster-nos de qualquer manifestação. O Espiritismo não se impõe; quer ser aceito livremente; daí porque respeita todas as crenças e, por espírito de tolerância e de caridade, evita o que possa chocar as opiniões contrárias às suas.

Aliás, o justo tributo de elogios e pesares, que não lhe pôde ser pago ostensivamente, ante um público indiferente ou hostil, o foi com muito mais recolhimento no seio da Sociedade. Na sessão seguinte às exéquias, foi pronunciada uma alocução, e todos os seus colegas se uniram de coração às preces que foram ditas em sua intenção.


2. — Na sessão da Sociedade consagrada à memória do Sr. Bruneau, o Sr. Allan Kardec proferiu o seguinte discurso:


Senhores e caros irmãos espíritas,

Um de nossos colegas acaba de deixar a Terra para entrar no mundo dos Espíritos. Consagrando-lhe especialmente esta sessão, cumprimos para com ele um dever de confraternidade, ao qual, não tenho dúvida, cada um de nós se associará de coração e por santa comunhão de pensamentos.

O Sr. Bruneau fazia parte da Sociedade desde 1º de abril de 1862. Membro do comitê, ele era, como o sabeis, muito assíduo às nossas sessões. Todos pudemos apreciar a doçura de seu caráter, sua extrema benevolência, sua simplicidade e sua caridade. Não há um infortúnio assinalado na Sociedade, em favor do qual não tenha ele trazido a sua oferenda. Sua morte nos revelou outra qualidade eminente que ele possuía: a modéstia. Jamais alardeou seus títulos, que o recomendavam como homem de saber. Uma circunstância fortuita me dera a conhecer que era antigo aluno da Escola Politécnica, mas todos nós ignorávamos que tivesse sido coronel de artilharia e desempenhado uma missão superior no Egito, onde fundou uma escola de cavalaria, ao mesmo tempo que seu genro, Lambert Bey, ali fundava uma escola politécnica. Nós o conhecíamos como um espírita sincero, devotado e esclarecido; e, embora se calasse sobre os seus títulos, não escondia suas opiniões.

Estas circunstâncias, senhores, nos tornam sua memória ainda mais cara, e não duvidamos que tenha encontrado, no mundo dos Espíritos, uma posição digna de seu mérito.

O Sr. Bruneau tinha sido um dos membros ativos da escola são-simoniana, detalhe que os jornais que anunciaram sua morte tiveram o cuidado de destacar, embora tivessem evitado dizer que ele morreu na crença espírita.

Não vamos discutir aqui os princípios da escola são-simoniana. Contudo, o início do artigo do Opinion nationale nos leva involuntariamente a fazer uma comparação. Ali está dito: “A morte atinge em cheio os membros da missão são-simoniana no Egito; depois de Enfantin, de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, etc.” Durante alguns anos o são-simonismo brilhou intensamente, quer pela singularidade de algumas de suas doutrinas, quer pelos homens eminentes ligados a ele; sabe-se, porém, quão passageiro foi esse brilho. Por que, então, uma existência tão efêmera, se estava de posse da verdade filosófica?

Por vezes a verdade é lenta para propagar-se; mas, desde que começa a despontar, cresce sem cessar e não perece, porque a verdade é eterna, e é eterna porque emana de Deus. Só o erro é perecível, porque vem dos homens. O progresso é a lei da Humanidade. Ora, a Humanidade não pode progredir senão à medida que descobre a verdade. Uma vez feita a descoberta, está adquirida e inquebrantável. Que teoria poderia hoje prevalecer contra a lei do movimento dos astros, da formação da Terra e tantas outras? A filosofia só é mutável porque é o produto de sistemas criados pelos homens; só terá estabilidade quando tiver adquirido a precisão da verdade matemática. Se, pois, um sistema, uma teoria, uma doutrina qualquer, filosófica, religiosa ou social, marchar para o declínio, é prova certa de que não está com a verdade absoluta. Em todas as religiões, sem excetuar o Cristianismo, o elemento divino é imperecível; o elemento humano cai, se não estiver em harmonia com a lei do progresso; mas como o progresso é incessante, resulta que, nas religiões, o elemento humano deve modificar-se, sob pena de perecer; só o elemento divino é invariável. Vede-o na lei mosaica: as tábuas do Sinai estão de pé, tornando-se cada vez mais o código da Humanidade, enquanto o resto já fez seu tempo.

Não podendo a verdade absoluta estabelecer-se senão sobre as ruínas do erro, forçosamente encontra antagonistas entre os que, vivendo do erro, têm interesse em combater a verdade e, por isto mesmo, lhe fazem uma guerra obstinada; mas ela logo conquista as simpatias das massas desinteressadas. Foi assim com doutrina são-simoniana? Não. Como prática ela viveu; só sobreviveu como teoria simpática e crença individual no pensamento de alguns de seus antigos adeptos. Mas, como o constata o Opinion nationale, levando diariamente alguns de seus representantes, não está longe o tempo em que todos terão desaparecido; então, ela só viverá na História. Donde se deve concluir que não possuía toda a verdade e não correspondia a todas as aspirações.

Isto quer dizer que todas as seitas e escolas que caem estejam no falso absoluto? Não; ao contrário, em sua maior parte, elas entreviram uma ponta da verdade; mas a soma das verdades que possuíam não era bastante grande para sustentar a luta contra o progresso e não se acharam à altura das necessidades da Humanidade. Aliás, em geral as seitas são muito exclusivas e, por isto mesmo, estacionárias. Disto resulta que as que puderam marcar uma etapa do progresso em certa época, acabam se distanciando e se extinguem pela força das coisas. Entretanto, sejam quais forem os erros sob os quais sucumbiram, sua passagem não foi inútil: agitaram as ideias, tiraram o homem do entorpecimento, levantaram questões novas que, mais bem elaboradas e libertas do espírito de sistema e de exagero, mais tarde recebem a sua solução. Entre as ideias que semeiam, só as boas frutificam e renascem sob outra forma; o tempo, a experiência e a razão fazem justiça às outras.

O erro de quase todas as doutrinas sociais, apresentadas como a panaceia dos males da Humanidade, é o de apoiar-se exclusivamente nos interesses materiais. Disto resulta que a solidariedade que buscam estabelecer entre os homens é frágil como a vida corporal; os laços de confraternidade, não tendo raízes no coração e na fé no futuro, rompem-se ao menor choque do egoísmo.

O Espiritismo se apresenta em condições completamente diversas. Está com a verdade? Nós o cremos; mas nossas bases são melhores que as dos outros? Os motivos que nos levam a nele crer são muito simples; eles ressaltam, ao mesmo tempo, da causa e dos efeitos. Como causa, tem a seu favor não ser uma concepção humana, produto de um sistema pessoal, o que é capital. Não há um só de seus princípios – e quando digo um só não faço nenhuma exceção – que não seja baseado na observação dos fatos. Se um só dos princípios do Espiritismo fosse o resultado de uma opinião individual, este seria o seu lado vulnerável. Mas desde que nada avança que não seja sancionado pela experiência dos fatos, e que os fatos estão nas leis da Natureza, deve ser imutável como essas leis, porque por toda parte e em todos os tempos encontrará sua sanção e sua confirmação e, mais cedo ou mais tarde, é preciso que, diante dos fatos, todas as crenças se inclinem.

Com efeito, ele corresponde a todas as aspirações da alma; satisfaz, ao mesmo tempo, ao espírito, à razão e ao coração; preenche o vazio deixado pela dúvida; dá uma base, uma razão de ser à solidariedade, pela ligação que estabelece entre o presente e o futuro; enfim, assenta em base sólida o princípio de igualdade, de liberdade e de fraternidade. É, assim, o pivô sobre o qual se apoiarão todas as reformas sociais sérias. Ele próprio apoiando-se nos fatos e nas leis da Natureza, sem mistura de teorias humanas, não se arrisca a afastar-se do elemento divino. Assim, oferece o espetáculo, único na história de uma doutrina que, em alguns anos, implantou-se em todos os pontos do globo e cresce sem cessar; que liga todas as crenças religiosas, ao passo que as outras são exclusivas e permanecem fechadas num círculo circunscrito de adeptos.

Tais são, em poucas palavras, as razões sobre as quais se apoia a nossa fé na verdade e na estabilidade do Espiritismo. Esperamos que nosso antigo colega e sempre irmão Bruneau tenha a bondade de nos dizer como encara a questão, hoje que a pode considerar de um ponto mais elevado.


Nota. – A comunicação do Sr. Bruneau correspondeu plenamente à nossa expectativa. Ela se liga, assim como as que foram obtidas nesta sessão, a um conjunto de questões que serão tratadas ulteriormente; por isso adiamos a sua publicação.



Novembro VARIEDADES

Novembro

1. — Escrevem-nos de Lyon, em 3 de outubro de 1864:


“Conheceis a reputação do capitão B… É um homem de fé ardente, de convicção comprovada; dele já falastes em vossa Revista. [v. Epidemia demoníaca na Saboia.] Há algum tempo achava-se nas margens do rio Saône, em companhia de um advogado, espírita como ele. Prolongando o passeio, aqueles senhores entraram num restaurante para almoçar e logo viram outro viajante, entrando no mesmo estabelecimento. O recém-chegado falava alto, ordenava o prato com brusquidão e parecia querer monopolizar o pessoal do restaurante. Vendo esse sem-cerimônia, o capitão disse em voz alta algumas palavras um pouco severas ao recém-vindo. De repente sentiu-se tomado de estranha tristeza. O Sr. B… é médium audiente; ouve distintamente a voz de seu filho, do qual recebe frequentes comunicações, murmurando ao seu ouvido: “O homem tão rude que estais vendo vai suicidar-se. Vem aqui fazer sua última refeição.”

“O capitão levanta-se precipitadamente, dirige-se ao desordeiro e lhe pede perdão por ter externado tão alto o seu pensamento. Depois o arrasta para fora do estabelecimento e lhe diz: “Senhor, ides suicidar-vos.” Houve grande estupefação da parte do indivíduo, ancião de setenta e seis anos, que lhe respondeu:

“Quem vos pode revelar semelhante coisa?” – “Deus”, respondeu o Sr. B… Depois, começou a falar-lhe docemente e com bondade sobre a imortalidade da alma e, reconduzindo-o a Lyon, o entreteve sobre o Espiritismo e de tudo quanto em casos tais Deus pode inspirar, a fim de encorajar e consolar.

“O velho contou-lhe sua história. Antigo ortopedista, tinha sido arruinado por um sócio infiel. Ficando doente, viu-se forçado a ficar longo tempo no hospital; mas, uma vez curado, sua saúde o atirou no olho da rua, sem nenhum recurso. Foi recolhido por uma pobre operária, criatura sublime que, durante meses seguidos, o alimentou, sem a isto ser obrigada por nenhum laço que não fosse a piedade. Mas o medo de lhe continuar sendo um fardo o havia impelido ao suicídio.

“O capitão foi ver a digna mulher, encorajou-a, ajudou-a; mas quando se tem de viver, o dinheiro acaba depressa e ontem todo o parco mobiliário da operária teria sido vendido se alguns espíritas não tivessem resgatado os poucos móveis de seu único quarto, pois, desde que passou a alimentar o velho, há um ano, a casa de penhores havia apreendido colchões, cobertores, etc. A penhora foi suspensa graças aos bons corações, tocados por esse generoso devotamento. Mas não é tudo: é preciso continuar até que o velho tenha conseguido um refúgio junto às irmãs de caridade. A respeito, Cárita fez-me escrever uma comunicação, que vos remeto, com toda a expressão de nosso reconhecimento, a vós, caro senhor, que nos tornastes espíritas. Quanto a mim, não esqueço que me convidastes a ir ter convosco, quando voltardes.”


2. — Eis a comunicação:


Apelo aos bons corações.


“O Espiritismo, esta estrela do Oriente, não vem somente abrir-vos as portas da Ciência. Faz mais que isto: é um amigo que vos conduz uns aos outros, para vos ensinar o amor ao próximo e, sobretudo, a caridade. Não esta esmola degradante, que procura na bolsa a menor moeda para lançar na mão do pobre, mas a doce mansuetude do Cristo, que conhecia o caminho onde se encontra o infortúnio oculto.

“Meus bons amigos, encontrei em meu caminho uma destas misérias de que a História não fala, mas de que o coração se lembra, quando testemunhou tão rudes provas. É uma pobre mulher; é mãe; tem um filho desempregado há vários meses; além disso, alimenta uma infeliz operária, como ela. E, como se não bastasse, um velho vem diariamente encontrá-la à hora do almoço, quando há o que comer. Mas no dia em que falta o necessário, as duas pobres mulheres, criaturas admiráveis pela caridade, dão a sua refeição aos dois homens, o velho e o jovem, sob a alegação de que,, estando com fome, comeram antes. Vi isto repetir-se muitas vezes; vi o velho, num momento de desespero, vender sua última roupa, e querer, por insigne ato de loucura, dar o último adeus à vida, antes de partir para o mundo invisível, onde Deus vos julga a todos.

“Vi a fome imprimir suas marcas nesses deserdados do bem-estar social, mas as mulheres oraram a Deus com fervor, e foram ouvidas. Já pôs irmãos, espíritas, sobre os seus passos, e quando a caridade chama, os corações devotados respondem. As lágrimas do desespero já secaram; só resta a angústia do amanhã, o fantasma ameaçador do inverno, com seu cortejo de geadas, de gelo e de neve. Eu vos estendo a mão em favor deste infortúnio. Os pobres, amigos, são envidados de Deus. Vêm dizer-vos: Nós sofremos; Deus o quer; é o nosso castigo e, ao mesmo tempo, um exemplo para a nossa melhora. Vendo-nos tão infelizes, vosso coração se enternece, vossos sentimentos se dilatam, aprendeis a amar e a lamentar o infeliz. Socorrei-nos, a fim de que não murmuremos e, também, para que Deus vos sorria dos píncaros de seu belo paraíso.

“Eis o que disse a pobre em seus farrapos; eis o que repete o anjo-da-guarda que vos vela e o que vos repito, simples mensageira da caridade, intermediária entre o Céu e vós.

“Sorride ao infortúnio, ó vós que sois tão ricamente dotados de todas as qualidades do coração; ajudai-me em minha tarefa; não deixeis fechar-se esse santuário de vossa alma, onde mergulhou o olhar de Deus. E um dia, quando entrardes na mãe-pátria, quando, com o olhar incerto e o passo inseguro, buscardes o vosso caminho através da imensidade, eu vos abrirei a porta do templo de par em par, onde tudo é amor e caridade, e vos direi: Entrai, meus amados, eu vos conheço!”

Cárita.


3. — A quem farão acreditar seja esta a linguagem do diabo? Foi a voz do diabo que se fez escutar ao ouvido do capitão, sob o nome de seu filho, para adverti-lo que o velho ia suicidar-se e, ao mesmo tempo, manifestar-lhe pesar por haver dito palavras que o deviam ferir? Conforme a doutrina que um partido busca fazer prevalecer, segundo a qual só o diabo se comunica, esse capitão deveria ter repelido como satânica a voz que lhe falava; disso teria resultado o suicídio do velho, o mobiliário das pobres operárias teria sido vendido e elas talvez tivessem morrido de fome.

Entre os donativos que recebemos em sua intenção, há um que devemos mencionar, embora sem nomear o autor. Estava acompanhado da seguinte carta:


“Senhor Allan Kardec,

“Soube por um parente, que o obteve de vós, o relato da bela ação, verdadeiramente cristã, realizada por uma pobre operária de Lyon, em benefício de um velho infeliz. O parente também me mostrou um apelo muito eloquente em seu favor, por um Espírito que se dá o nome de Cárita. À sua pergunta, se nele eu reconhecia a linguagem do demônio, respondi que os nossos melhores santos não falariam melhor. É minha opinião, e foi por isso que tomei a liberdade de pedir-lhe uma cópia.

“Senhor, não passo de um pobre padre, mas vos envio o óbolo da viúva, em nome de Jesus-Cristo, para essa brava e digna mulher. Anexo, encontrareis a módica soma de cinco francos, lamentando não poder dar mais. Peço o favor de silenciar o meu nome.

“Dignai-vos aceitar, etc.”

Abade X…




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