Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

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Capítulo VI
Ilustração tribal

Janeiro - Inauguração de vários grupos e sociedades espíritas

Janeiro


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As reuniões espíritas que surgem são tão numerosas que nos seria impossível citar todas as boas palavras ditas a respeito, testemunhando os sentimentos suscitados pela doutrina. O novo grupo que acaba de constituir-se na 1lha de Oléron é tanto mais digno de simpatia quanto o Espiritismo foi, nessas regiões, objeto de muito viva oposição. Transcrevemos uma das alocuções feitas na circunstância, para provar como os espíritas respondem aos adversários.

DISCURSO DO PRESIDENTE DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE MARENNES

“Senhores e caros irmãos espíritas de Oléron,

“A extensão que diariamente toma o Espiritismo em nossa região é a mais evidente prova da impotência dos ataques de que ele é objeto. É como diz o Sr. Allan Kardec: ‘De duas uma: ou é um erro, ou uma verdade. Se é um erro, cairá por si mesmo, como todas as utopias, que têm existência efêmera, e morrem por falta da única base sólida que pode dar a vida; se é uma dessas grandes verdades que, por vontade de Deus, devem classificar-se na história do mundo e marcar uma era do progresso da Humanidade, nada deteria a sua marcha.

“Aqui está a experiência para mostrar em qual dessas duas categorias ele deve ser colocado. A facilidade com que é aceito pelas massas, digamos mais: a felicidade, a consolação, a coragem contra a adversidade que se adquire nesta crença, a incrível rapidez de sua propagação, não são marca de uma ideia sem valor. O mais excêntrico sistema pode fazer seita e agrupar em seu derredor alguns partidários, mas, como uma árvore sem raízes, se desfolha rapidamente e morre sem produzir rebentos. É assim com o Espiritismo? Não, vós o sabeis tão bem quanto eu. Desde seu aparecimento, ele não cessou de crescer, malgrado os ataques de que foi objeto, e hoje fincou sua bandeira em todos os pontos do globo; seus partidários se contam aos milhões, e se levarmos em consideração o caminho feito em dez anos, através dos inúmeros obstáculos semeados em sua rota, pode-se julgar o que será daqui a dez anos, tanto mais quanto mais se aplainam os obstáculos, à medida que ele avança e que aumenta o número de seus adeptos. Assim, pode-se dizer, com o Sr. Allan Kardec, que o Espiritismo é hoje um fato consumado. A árvore criou raízes. Só lhe resta desenvolver-se, e tudo concorre para lhe ser favorável, porque, malgrado as borrascas, o vento está a favor do Espiritismo. Seria preciso ser cego para não o reconhecer.

“Uma circunstância que contribuiu poderosamente para o seu desenvolvimento é que ele não é exclusivo de nenhuma religião. Sua divisa: Fora da caridade não há salvação pertence a todas; é, ao mesmo tempo, a bandeira da tolerância, da união e da fraternidade, em torno da qual todos podem ligar-se, sem renunciar à sua crença particular. Começa-se a compreender que é um penhor de segurança para a Sociedade.

“Quanto a mim, caros irmãos, vou mais longe e penso que concordareis comigo quando digo que quando todos os povos tiverem inscrito em sua bandeira: Fora da caridade não há salvação, a paz do mundo será garantida e todos os povos viverão como irmãos. Será apenas um belo sonho? Não, senhores, é a promessa feita pelo Cristo, e estamos nos dias de sua realização.

“Que somos nós, nós outros, no grande movimento que se opera? Somos obscuros obreiros, que levamos a nossa pedra ao edifício, mas quando milhões de obreiros tiverem levado milhões de pedras, o edifício estará concluído. Trabalhemos, pois, com zelo e perseverança, sem nos desencorajarmos com a pequenez do sulco que abrimos, pois inúmeros sulcos se traçam em redor de nós. “Permiti-me uma comparação material, que corresponde a este pensamento:

“No começo das estradas de ferro, cada pequena localidade queria ter o seu ramal. Cada um desses ramais pouco era em si mesmo, mas quando todos fossem interligados teríamos essa imensa rede que hoje cobre o mundo e derruba as barreiras dos povos.

“As estradas de ferro derrubaram as barreiras materiais. A palavra de ordem Fora da caridade não há salvação fará caírem as barreiras morais. Ela fará, acima de tudo, cessar o antagonismo religioso, causa de tantos ódios e de sangrentos conflitos, porque então, judeus, católicos, protestantes e muçulmanos estender-se-ão as mãos adorando, cada um à sua maneira, o único Deus de misericórdia e de paz que é o mesmo para todos.

“Como vedes, senhores e caros irmãos, o objetivo é grande. Restar-nos-ia examinar a organização de nossa pequena esfera, para transformá-la numa engrenagem útil ao conjunto. Para tanto, nossa tarefa é facilitada pelas instruções encontradas nas obras do nosso chefe venerando, e que, pode-se dizer, se tornaram as obras clássicas da doutrina. Seguindo-as pontualmente, estamos certos de não nos transviarmos numa falsa rota, porque essas instruções são o fruto da experiência. Assim, que cada um medite nessas obras cuidadosamente, e aí encontraremos tudo quanto nos é necessário. Aliás, tenho certeza que o apoio e os conselhos do mestre jamais nos faltarão.

“A nenhum de nós é permitido esquecer que se a esperança e a fé reentrarem na maioria dos corações; se muitos dentre nós fomos arrancados do materialismo e da incredulidade, devemo-lo a seu zelo e a sua coragem perseverante que nem as calúnias, nem as diatribes, nem os ataques de toda sorte abalaram. Ele foi o primeiro que soube compreender o imenso alcance do Espiritismo, e desde então tudo sacrificou para lhe espalhar os benefícios entre os seus irmãos na Terra. Digamo-lo: evidentemente ele foi escolhido para esse grande apostolado, pois é impossível desconhecer que cumpre entre nós uma missão moralizadora. Eu vos proponho, senhores, votar-lhe os agradecimentos que todos os verdadeiros e sinceros espíritas lhe devem. Ao mesmo tempo, peçamos a Deus que continue a sustentá-lo nesse empreendimento que somente ele tem condições de fazer frutificar em sua plenitude.

“Ainda algumas palavras, senhores, sobre o caráter desta reunião. A máxima que nos serve de guia é de natureza a tranquilizar aqueles a quem o nome do Espiritismo poderia afugentar. Com efeito, que se pode temer de pessoas que fazem do princípio da caridade para com todos, amigos e inimigos, a sua regra de conduta? E este princípio para nós é tão sério, que dele fazemos a condição expressa de nossa salvação. Não é o melhor penhor que possamos dar de nossas intenções pacíficas? Quem poderia ver com maus olhos, mesmo entre os que não compartilham de nossas crenças, pessoas que não pregam senão a tolerância, a união e a concórdia, e cujo único objetivo é o de reconduzir a Deus os que dele se afastam e de combater o materialismo e a incredulidade que invadem a Sociedade e a ameaçam em seus fundamentos?

“Dirijamo-nos, pois, aos que não creem, pois o campo da colheita é bastante vasto, como disse o Sr. Allan Kardec. Em virtude do princípio de caridade que nos serve de guia, guardemo-nos de perturbar qualquer consciência; acolhamos como irmãos os que vêm a nós, e não procuremos contrariar ninguém em sua fé religiosa. Não vimos erguer altar contra altar, mas levantar um onde não existe nenhum. Os que acharem bons os nossos princípios, adotá-los-ão. Os que os acharem maus, deixá-los-ão de lado, e nem por isso os consideraremos menos como irmãos. Se nos atirarem pedras, pediremos a Deus que lhes perdoe a falta de caridade e que lhes lembre o Evangelho e o exemplo de Jesus Cristo, Nosso Senhor, que orava por seus carrascos.

“Assim, pois, caros irmãos, oremos a fim de que Deus se digne estender sobre nós a sua misericórdia e nos perdoe as nossas faltas, como nós perdoarmos aos que nos querem mal. Digamos todos, do fundo do coração:

“Senhor Deus Todo-Poderoso, que ledes no íntimo das almas e vedes a pureza de nossas intenções, dignai-vos sustentar-nos em nossa obra e protegei o nosso chefe. Dai-nos a força de suportar com coragem e resignação, e como provas para a nossa Fé e nossa perseverança, as misérias que a malevolência poderia suscitar-nos. Fazei que, a exemplo dos primeiros mártires cristãos, estejamos prontos para todos os sacrifícios, para vos provar a nossa submissão à vossa santa vontade. Aliás, que são os sacrifícios dos bens deste mundo quando se tem, como devem tê-lo todos os espíritas sinceros, a certeza dos bens imperecíveis da vida futura! Fazei, Senhor, que as preocupações da vida terrena não nos desviem do caminho santo por onde nos conduzistes, e dignai-vos enviar-nos bons Espíritos para nos manterem no caminho do bem. Que a caridade, que é a vossa e a nossa lei, nos torne indulgentes para com as faltas dos nossos irmãos. Que ela abafe em nós todo sentimento de orgulho, de ódio, de inveja e de ciúme, e nos torne bons e benevolentes para com todos, a fim de que preguemos tanto pelo exemplo quanto pela palavra.”

Os delegados de diversos grupos da circunvizinhança se tinham reunido, nessa ocasião, aos seus novos irmãos em crença. Vários outros discursos foram pronunciados, todos testemunhando um perfeito entendimento do verdadeiro espírito do Espiritismo. Lamentamos que a carência de espaço não nos permita citá-los, assim como uma notável comunicação obtida na sessão e assinada por FrançoisNicolas Madeleine, que traça em termos simples e tocantes os deveres do verdadeiro espírita.

Em Lyon acaba de constituir-se um novo grupo em condições especiais que merecem ser assinaladas, como encorajamento e bom exemplo. Esse grupo tem um duplo objetivo: a instrução e a beneficência. Relativamente à instrução, ele se propõe consagrar uma parte menor que a geralmente destinada às comunicações mediúnicas, mas dedicar, em contrapartida, uma parte mais longa às instruções orais, visando desenvolver e explicar os princípios do Espiritismo. Relativamente à beneficência, a nova sociedade se propõe vir em auxílio às pessoas necessitadas, por meio de dádivas in natura de objetos usuais, tais como roupa branca, vestimenta, etc. Além do que ela puder recolher, as senhoras que dela fazem parte dão o seu contributo de trabalho pessoal na confecção de roupas, e por visitas domiciliares aos pobres doentes.

Um dos membros dessa sociedade nos escreve a respeito:

“Graças ao zelo da Sra. G..., em breve Lyon contará com mais uma reunião espírita. Alcançará ela o objetivo a que se propõe? O futuro decidirá. Se ela ainda é pouco numerosa, pelo menos conta com elementos devotados, cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar no empreendimento, mas, aos menos, as intenções são boas. Para nós, bastará que a Sociedade de Paris, sob cuja égide nos colocamos, nos aprove e nos ajude com seus conselhos, para que perseveremos, ajudados por seu apoio moral.”

Este apoio jamais faltará a toda obra fundada no verdadeiro espírito do Espiritismo, e que tenha por objetivo a realização do bem. A Sociedade de Paris sempre se sente feliz ao ver a doutrina produzir bons frutos. Ela não declinará de toda a solidariedade senão em relação a grupos ou sociedades que, desconhecendo o princípio de caridade e de fraternidade, sem o qual não há verdadeiros espíritas, vissem as outras reuniões com maus olhos, lhes atirassem pedras ou procurassem denegri-las, sob um pretexto qualquer.

A caridade e a fraternidade se reconhecem pelas obras, e não pelas palavras. É uma medida de apreciação que não pode enganar senão aqueles que são cegos em relação a seu próprio mérito, mas não em relação a terceiros desinteressados. É a pedra de toque pela qual se reconhece a sinceridade de sentimentos. Em Espiritismo, quando se fala de caridade, sabe-se que não se fala apenas daquela que dá, mas também, e sobretudo, daquela que esquece e perdoa; que é benevolente e indulgente; que repudia todo sentimento de ciúme e rancor.

Toda reunião espírita que não se fundar sobre o princípio da verdadeira caridade, será mais prejudicial que útil à causa, porque tenderá a dividir, em vez de unir. Além do mais, ela conterá em si mesma o seu elemento destruidor.

Nossas simpatias pessoais serão sempre conquistadas por todos que provarem, por seus atos, o bom espírito que os anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem.

No próximo número falaremos de novas sociedades espíritas de Bruxelas, de Turim e de Esmirna, que igualmente se colocam sob o patrocínio da Sociedade de Paris.


Maio VARIEDADES

Maio


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Escrevem-nos de São Petersburgo:

“Venerável mestre, tendo lido no primeiro número da Revista Espírita de 1864, o caso de um Espírito batedor do século dezesseis, lembrei-me de outro; talvez o julgueis digno de um pequeno lugar no vosso jornal. Tomo-o de uma notícia sobre a vida e o caráter de Tasso, escrita pelo Sr. Suard, secretário perpétuo da classe de língua e literatura francesas e inserido na tradução da Jerusalém Libertada, publicada em 1803. [Jérusalem délivrée: Poëme — Google Books.]

“Após dizer que os sentimentos religiosos de Tasso, exaltados em consequência de sua disposição melancólica e das infelicidades resultantes, o levaram seriamente a convencer-se de que era objeto das perseguições de um diabrete que derrubava tudo em sua casa, roubava-lhe o dinheiro e tirava, de sobre a mesa e aos seus olhos, tudo quanto lhe era servido, acrescenta com o seu historiador: Eis a maneira pela qual o próprio Tasso lhe dá conta dessa perseguição:

“O irmão R… (comunica ele a um de seus amigos) trouxe-me duas cartas vossas, mas uma delas desapareceu assim que a li e creio que o duende a levou, tanto mais quanto era aquela em que faláveis dele. É um desses prodígios, dos quais tantas vezes fui testemunha no hospital, o que não permite duvidar que seja obra de algum mágico, e tenho muitas outras provas. Hoje mesmo retirou um pão de minha frente e noutro dia um prato de frutas.”

A seguir, queixa-se dos livros e papéis que lhe roubam e acrescenta: “Os que desapareceram enquanto eu não estava aqui, podem ter sido levados por homens que, penso, têm as chaves de todas as minhas caixetas, de sorte que nada mais tenho que possa proteger contra os atentados dos inimigos ou do diabo, a não ser a minha vontade, que jamais consentirá que algo me seja ensinado por ele ou seus sectários, nem a contrair familiaridade com ele ou seus magos.

Em outra carta ele diz: “Tudo vai de mal a pior; esse diabo, que jamais me deixava, quer eu dormisse ou passeasse, vendo que não conseguia de mim o acordo que desejava, tomou o partido de roubar abertamente o meu dinheiro.”

“De outra vez, continuava o autor da notícia, julgou que a Virgem Maria lhe aparecia, e o abade Serassi conta que numa doença que teve na prisão, Tasso se recomendou com tanto ardor à Santa Virgem, que esta lhe apareceu e o curou. Tasso consagrou esse milagre num soneto.

“Continuando, o duende transformou-se em demônio mais afável, com quem Tasso pretendia conversar mais familiarmente e que lhe ensinava coisas maravilhosas. Todavia, pouco satisfeito com esse estranho comércio, Tasso atribuía sua origem à imprudência que cometera na juventude, de compor um diálogo onde se imaginava a conversar com um Espírito. “O que não teria eu querido fazer seriamente, ainda quando me tivesse sido possível”, concluiu.

“O Sr. Suard termina o relato dizendo: Não se pode evitar uma triste reflexão, ao pensar que foi aos trinta anos, depois de haver escrito uma obra imortal, que o infeliz foi escolhido para dar o mais deplorável exemplo da fraqueza do espírito.

“Mas vós, senhor, graças à luz do Espiritismo, podeis fazer outro julgamento e ver nestes fatos, estou certo, mais um elo na cadeia dos fenômenos espíritas que ligam os tempos antigos à época atual.”

Sem a menor dúvida os fatos que hoje se passam, perfeitamente comprovados e explicados, provam que Tasso podia achar-se sob o império de uma dessas obsessões que diariamente testemunhamos, e que nada têm de sobrenatural. Se ele tivesse conhecido a verdadeira causa não se teria com ela impressionado mais do que se o é atualmente; mas, naquela época, a ideia do diabo, das feiticeiras e dos mágicos estava em toda a sua força, e como, longe de a combater, buscavam entretê-la, ela podia reagir de modo lamentável sobre os cérebros fracos. Assim, é mais provável que Tasso não fosse mais louco do que o são os obsedados em nossa sociedade hodierna, aos quais são necessários cuidados morais e não medicamentos.




Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril


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1. — A imprensa foi inventada no século quinze. Como tantas outras invenções, conhecidas ou desconhecidas, foi preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, para contar meus dissabores e sofrimentos; porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza, em que vossos pais tinham sobre o peito o pesadelo chamado feudalismo e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras a respeito de minha invenção, de seus resultados e de sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem vossa força expansiva.

A revolução-mãe, que trazia em seus flancos o modo de expressão da Humanidade, despojando o pensamento humano do passado, de sua pele simbólica, é invenção da imprensa. Sob essa forma o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, alça seu voo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, desde esse dia, domina a velha maneira de falar. Os povos primitivos necessitavam de monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis minha religião, minha fé, minhas esperanças, minha poesia.

Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo; sua linguagem é acessível a todos, seus apetrechos são leves; é que um livro não pede senão um pouco de papel, um pouco de tinta, algumas mãos, ao passo que uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.

Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de pedaços de rocha, que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos Celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram lembranças humanas confusas, escritas em monumentos duráveis. O galgal hebreu, os crombels, os dólmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.

Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante, repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.

É o edifício que encerrava o verbo, essa ideia-mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pensamento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.

A maçonaria é a ideia escrita, inteligente, pertencente a todos os homens unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada, que trouxe em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro, substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, esta lei da liberdade.

Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana; depois o estilo romano tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote; as cruzadas nos trouxeram a ogiva e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar; o feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetisa a matéria; dá-se o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! É por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente, cobriu a Europa de catedrais.

Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite ao crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente; mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, exigindo um espaço mais vasto, que doravante nada poderá restringir.

Como o Sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benfazejos; a arquitetura não representará mais a sociedade; será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciados do passado, abre rudes brechas nas teogonias humanas, para seguir a rota traçada por Deus; deixa de ser simples artesão dos monumentos da renascença, para se tornar escultor, pintor, músico; a força da harmonia se consome em livros e, já no século dezesseis, é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário; é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire; trava na velha Europa esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.

E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época? Todos os bilhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderia reerguer o que está no passado e lhe pertence exclusivamente.

Sem desdenhar o grande livro da arquitetura, que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas propícias, pôr em nosso poder uma arma tão forte, que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a ideia comum a todos, a ciência, um á-bê-cê que fecunda a terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres; é ela que destronará a imprensa de Guttemberg, para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.

A ciência espírita, esta salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu uma missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.

Logo estareis prontos, caros amigos; não basta, porém, que sejais apenas espíritas fervorosos: também é preciso estudar, a fim de que tudo quanto vos foi ensinado sobre a eletricidade e os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos; quanto mais sólida a vossa bagagem intelectual, tanto menos vos surpreendereis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.

Eu tinha, pois, razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os bons Espíritos vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas, sem a imprensa, nada seríeis. Para vós, a obsessão que encobre a verdade aos homens desaparecerá; mas, repito, preparai-vos e estudai para serdes dignos do novo benefício e para saberdes mais inteligentemente que os outros, a fim de o espalhar e tornar aceito.


Guttemberg.


Observação. – Pela difusão das ideias, que tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produz uma revolução intelectual que ninguém pode ignorar. Porque esse resultado era entrevisto, ela foi, de início, qualificada por alguns de invenção diabólica; é uma relação a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar. De fato pareceria, a dar ouvidos a certa gente, que o diabo detém o monopólio das grandes ideias: todas as que tendem a fazer a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas. Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que, na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhas atribuir. Não foi ele quem inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar o dono do Universo.

Mas o que pode parecer estranho é a sua falta de habilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito arruinar o seu império. É um ponto sobre o qual não pensaram bastante.

Se tal foi o poder desse meio de propagação inteiramente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos, comunicando-se em toda parte, penetrando onde o acesso aos livros está proibido, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?

Esta notável dissertação provocou, no seio da Sociedade, as reflexões seguintes, da parte de um outro Espírito.


2. SOBRE A ARQUITETURA E A IMPRENSA, A PROPÓSITO DA COMUNICAÇÃO DE GUTTEMBERG.


(Sociedade Espírita de Paris. – Médium: Sr. A. Didier.)

O Espírito Guttemberg definiu muito poeticamente os efeitos positivos e tão universalmente progressivos da imprensa e o futuro da eletricidade; entretanto, na qualidade de antigo construtor de castelos, torreões, aterros e catedrais, permito-me expor certas teorias sobre o caráter e o objetivo da arquitetura medieval.

Todos sabem, e agora ilustres professores de arqueologia hão ensinado, que a religião, a fé ingênua ergueram com o gênio do homem esses soberbos monumentos góticos, espalhados na superfície da Europa; e aqui, mais que nunca, a ideia expressa pelo Espírito Guttemberg, é cheia de elevação.

Contudo, julgamos por bem emitir a nossa opinião, não contra, mas a seu favor.

A ideia, essa luz da alma, centelha real que comunica a vontade e o movimento ao organismo humano, manifesta-se de diversas maneiras, quer pela arte, pela filosofia, etc. A arquitetura, essa arte elevada que, talvez, melhor exprima o natural e o gênio de um povo, foi consagrada, nas nações impressionáveis e crentes, ao culto de Deus e às cerimônias religiosas. A Idade Média, forte no feudalismo e na crença, teve a glória de fundar duas artes essencialmente diferentes em seu objetivo e sua consagração, mas que exprimem perfeitamente o estado de sua civilização: o castelo forte, habitado pelo senhor ou pelo rei; a abadia, o mosteiro e a igreja; numa palavra, a arte arquitetônica militar e a religiosa. Os romanos, essencialmente administradores, guerreiros, civilizadores, colonizadores universais, forçados que eram pela expansão de suas conquistas, jamais tiveram uma arquitetura inspirada por sua fé religiosa; só a avidez, o amor do ganho e do poder executivo, lhes fizeram construir esses formidáveis montes de pedra, símbolo de sua audácia e de sua capacidade intelectual. A poesia do Norte, contemplativa e nebulosa, aliada à suntuosidade da arte oriental, criou o gênero gótico, a princípio austero e pouco a pouco florido. Com efeito, vemos na arquitetura a realização das tendências religiosas e do despotismo feudal.

Essas ruínas famosas de tantas revoluções humanas, mais que o tempo, ainda se impõem por seu aspecto grandioso e formidável. Parece que o século que as viu erguer-se era duro, sombrio e inexorável, como elas; mas daí não se deve concluir que a descoberta da imprensa, à força de desenvolver o pensamento, tenha simplificado a arte da arquitetura.

Não; a arte, que é uma parte da ideia, será sempre uma manifestação religiosa, política, militar, democrática ou principesca. A arte tem o seu papel, a imprensa o dela; sem ser exclusivamente especialista, não se deve confundir o objetivo de cada coisa; é preciso dizer apenas que não se devem misturar as diferentes faculdades e as diversas manifestações da ideia humana.


Robert de Luzarches.








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