Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

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Capítulo XXXVI

Maio - Necrologia - Morte do Doutor Cailleux

Maio
Necrologia - Morte do Doutor Cailleux

(Presidente do grupo Espírita de Montreuil - Sur - Mer)

O Espiritismo acaba de perder um de seus mais dignos e mais fervorosos adeptos na pessoa do Sr. Dr. Cailleux, falecido sexta-feira, 20 de abril de 1866. Não podemos render mais brilhante homenagem à sua memória do que reproduzindo um dos artigos publicados a propósito pelo Journal de Montreuil, de 5 de abril.

“Um homem de bem acaba de extinguir-se em meio à dor geral. O Sr. Cailleux, doutor em medicina há aproximadamente trinta anos, membro do Conselho Municipal, membro da Associação de Beneficência, médico dos pobres, médico das epidemias, morreu sexta-feira última às 7 da noite.

“Segunda-feira, uma imensa multidão, composta de todas as classes da Sociedade, o conduziu à sua última morada. O silêncio religioso que reinou em todo o percurso dava a essa triste e imponente cerimônia o caráter de uma manifestação pública. Esse simples féretro, acompanhado por aproximadamente três mil pessoas em lágrimas ou mergulhadas numa dor muda, teria tocado os mais duros corações. Era toda uma cidade que acorria a prestar a última homenagem a um de seus mais caros habitantes; era toda uma população que queria conduzir até o cemitério aquele que tantas vezes por ela se sacrificara.

“Os pobres que o Sr. Cailleux tinha tantas vezes cumulado de benefícios mostraram que têm um coração reconhecido; um grande número de operários tomaram das mãos dos transportadores o caixão de seu benfeitor e consideraram uma glória levar até o cemitério esse precioso fardo!...

“As pontas da mortalha eram sustidas pelo Sr. Lecomte, 1.º adjunto; pelo Sr. Cosyn, 1.º conselheiro municipal; pelo Sr. Hacot, membro da Associação de Beneficência e pelo Sr. Delplanque, médico e conselheiro municipal.

À frente do cortejo ia o Conselho Municipal, precedido pelo prefeito, Sr. Émile Delhomel. Na assembleia, notavam-se o Sr. Charbonnier, vice-prefeito; o Sr. Martinet, procurador imperial; o Sr. Chefe da Guarnição, todas as notabilidades da cidade e os médicos das localidades vizinhas.

“Um grande número de soldados da guarnição que o Sr. Cailleux havia tratado no Hospital tinha obtido licença para assistir ao enterro e se havia apressado em misturar-se à multidão.

“Ao chegar ao cemitério, um operário rompeu a multidão e, parando diante do túmulo, pronunciou com voz comovida, em meio ao silêncio geral, estas poucas palavras: ‘Homem de bem, que fostes o benfeitor dos pobres e que morrestes vítima de vossa sublime dedicação, recebei nossos últimos adeuses; vossa lembrança ficará eternamente em nossos corações.’ Depois destas palavras, ditadas por um sentimento de reconhecimento, a multidão retirou-se num recolhimento religioso. A tristeza que reinava em todos os rostos bem mostrava que imensa perda acabava de sofrer a cidade de Montreuil.

“Com efeito, o Sr. Cailleux tinha sabido, por suas numerosas qualidades, conquistar a estima geral. Toda a sua vida não tinha sido mais que uma longa série de atos de dedicação; ele trabalhou até o último dia sem querer jamais repousar e, terça-feira última, ainda foi visitar vários doentes no campo. Quando lhe falavam de sua idade avançada e o aconselhavam a descansar de suas numerosas fadigas, de boa vontade teria respondido como Arnauld: ‘Tenho toda a eternidade para repousar.’

Cada hora de sua vida foi consagrada a cuidar dos doentes, a consolar os aflitos. Ele não vivia para si, mas para os seus semelhantes, e toda a sua existência pode resumir-se nestas três palavras: Caridade, Devotamento, Abnegação.

“Nestes últimos tempos, quando a epidemia grassou em Étaples e nas aldeias circunvizinhas, o Dr. Cailleux se pôs inteiramente a serviço dos doentes e percorreu as aldeias infestadas, visitando os pobres, cuidando de uns, socorrendo outros e tendo consolações para todos. Assim, visitou mais de 800 doentes, entrando nas mais insalubres casas, sentando-se à cabeceira dos moribundos e ele próprio lhes administrando os remédios, sem jamais se lamentar, mantendo sempre, ao contrário, um humor constante e uma alegria proverbial. O doente que o visse já ficava meio curado por esse humor jovial, sempre acompanhado de um dito espirituoso que provocava o riso.

“Oito dias antes de sua morte, o Sr. Cailleux foi visitar seus doentes de Berek, Lefaux, Camiers e Étaples, depois, a noite foi consagrada aos doentes da cidade: eis o que era para ele o trabalho de um dia!

“Tanta abnegação ia ser-lhe funesta, e ele devia ser a última vítima do flagelo. A 29 de março começou a sentir uma forte diarreia... Ia repousar quando o chamaram para ver um doente do campo. A despeito dos conselhos dos amigos, ele partiu dizendo: ‘Não quero expor um doente por falta minha; se ele morresse eu seria a causa da morte. Não faço nada mais que cumprir o meu dever.’ Quando voltou, à noite, com mau tempo, manifestaram-se novamente os sintomas da moléstia. Ele foi para a cama, o mal aumentou, no dia seguinte a moléstia estava declarada e sexta-feira ele expirava...

“Fica-se horrorizado quando se pensa nas dores terríveis que deve sentir um homem que conhece a sua posição, que se vê morrer. O próprio Sr. Cailleux indicava o tratamento a dois de seus confrades que tinham corrido para assisti-lo. Ele sabia muito bem que não se curaria. ‘Se a melhora não se fizer sentir logo’, dizia ele, ‘em doze horas não existirei mais.’ Via-se morrer, sentia a força vital diminuir e extinguir-se pouco a pouco, sem poder parar essa marcha para o túmulo. Seus últimos momentos foram calmos e serenos e eu não poderia dar a essa morte um nome melhor do que repouso no Senhor. Beati qui moriuntur in Domino.

“Algumas horas antes de sua morte perguntaram-lhe que remédio deveriam empregar. ‘A ciência humana empregou todos os remédios que estão em seu poder, disse ele. Agora só Deus pode parar o mal; é preciso entregar-se à sua divina providência’

Curvou-se então sobre o leito e, com os olhos fixos na direção do céu, como se tivesse um antegozo da beatitude celeste, expirou sem dor, sem um grito, na mais doce e mais calma das mortes.

“Homem de bem, cuja vida toda não foi senão um longo devotamento, trabalhastes nesta Terra; agora gozais da recompensa que Deus reserva aos que sempre observaram sua lei. Enquanto o egoísmo corria em borbotões na Terra, vós transbordáveis de abnegação e de caridade. Visitar os pobres, socorrer os doentes, consolar os aflitos, eis qual foi a vossa obra. Oh! Quantas famílias vos abençoaram! Quantos pais a quem salvastes os filhos durante a última epidemia, quantas crianças que iam ficar órfãs subtraístes ao flagelo destruidor, quantas famílias salvas por vosso devotamento vieram, segunda-feira, de muitas léguas de distância, para vos acompanhar à vossa última morada e chorar em vosso túmulo!

“Vossa vida foi sempre pura e sem mácula; vossa morte foi heroica; soldado da caridade, sucumbistes salvando vossos irmãos da morte; perecestes ferido pelo flagelo que combatíeis. Esse glorioso devotamento ia receber a sua recompensa e em breve a cruz de honra, que tínheis ganho tão nobremente, ia brilhar em vosso peito... Mas Deus tinha para vós outros desígnios. Ele vos preparava uma recompensa mais bela que as recompensas dos homens. Ele vos preparava a felicidade que reserva aos seus servos fiéis. Vossa alma voou para mundos superiores onde, desembaraçada deste pesado envoltório material, livre de todos os laços que nesta Terra pesam sobre nós, ela goza agora da perfeição e da felicidade que a esperavam.

“Neste dia de felicidade, não nos esqueçais; pensai nos numerosos amigos que deixais nesta Terra e que vossa separação mergulha numa dor profunda. Praza aos Céus que um dia nós vos encontremos no alto, para aí gozar de uma felicidade eterna... É esta esperança que nos consola e que nos dará forças para suportar a vossa ausência com paciência...”

A. J.” Por cópia fiel: JULES DUVAL.

Seja-me permitido, como complemento deste artigo, citar alguns fragmentos do magnífico discurso fúnebre pronunciado há um ano por Victor Hugo.

(Segue um extrato desse discurso, que publicamos na Revista de fevereiro de 1865).

Certamente não são apóstolos do niilismo que escrevem tais palavras.

A carta pela qual nos informam deste acontecimento contém esta passagem:

“O Sr. Cailleux, doutor em Medicina, presidente do grupo espírita de Montreuil, acaba de morrer, vítima de seu devotamento durante o surto de cólera que desolou nossas regiões. Morreu como espírita convicto, e o clero da cidade, por esta razão, julgou dever recusar-lhe sepultura eclesiástica; mas, como vereis pelo número do jornal que vos envio, toda a população rendeu solene homenagem às suas virtudes. Não obstante, a família fez gestões junto ao bispo para que um serviço fúnebre fosse celebrado na igreja, embora tenha havido apenas um enterro civil. Obtiveram autorização, e o serviço foi feito na quinta-feira, 5 de abril.

“O Espiritismo sofre uma grande perda com a morte do Sr. Cailleux e estou persuadido que todos os meus irmãos em crença associar-se-ão aos meus legítimos pesares. Graças ao seu devotamento e ao seu zelo esclarecido, a doutrina fez tão rápidos progressos tanto em nossos campos quanto na cidade, e em seus arredores contam-se algumas centenas de espíritas.

“O Conselho Municipal da cidade de Montreuil decidiu, por unanimidade, por proposta do senhor prefeito, que um monumento público seja erguido às custas da cidade, como homenagem prestada à memória deste homem de bem.”

Mandaram-nos o seguinte resumo de uma comunicação dada por ele aos seus colegas de Montreuil. Dela foi suprimido aquilo que trata de coisas pessoais:

“...Voltais a tratar da minha morte. Ora! Ela foi útil à nossa causa, porquanto despertou a atenção adormecida de muitas almas privadas da verdade e, consequentemente, de vida. Tudo o que desaparece deixa um vazio no lugar que ocupava, mas, sabei-o, esse vazio é apenas aparente; só existe para vós que tendes vista curta, porque ele está cheio, de outro modo. Assim, nada perdeis, repito, com a minha morte; ao contrário, com isto ganhareis muito, não que durante minha vida corpórea eu tenha feito prodígios de caridade próprios a pôr em relevo a doutrina que juntos professamos, mas porque, fiel aos princípios espíritas, eu fui objeto de manifestações hostis que necessariamente deveriam provocar manifestações contrárias. Na Terra jamais a coisa se dá de outra maneira: o bem e o mal não se chocam cada vez que se encontram?

‘‘Portanto, resulta de tudo isto que nesta hora entrais numa fase nova, que nossos bons guias tinham preparado há muito tempo para seus ensinamentos. Mas, de desagregação de vossa Sociedade, não, se persistirdes sempre nos sentimentos de que vos vejo animados neste momento. Sabeis qual a minha recompensa? É ver a felicidade relativa que experimentais pela doutrina pela qual eu me mostrei, em todas as circunstâncias, o zeloso campeão. Para vós é difícil conceber uma alegria mais pura. Que são, ao lado dela, as alegrias grosseiras do vosso mundo? Que são as honras sob as quais escondeis as misérias de vossas almas? Que são os prazeres que buscais para atordoar vossos tristes regressos? O que é tudo isso em comparação com o que eu sinto? Nada! Menos que fumaça.

“Perseverai em vossos sentimentos, perseverai nisso até a morte.

“Vi que vos propondes a vos organizardes regularmente. É uma medida sábia. A fraqueza deve precaver-se sempre contra os embustes e surpresas do espírito do mal. Ah! O espírito do mal! Não é Satã. Ele é encontrado a cada passo no mundo onde vos acotovelais. Regulamentai, pois, a organização de vossas sessões, de vossas evocações, de vossos estudos. Ligai-vos uns aos outros por laços voluntários da caridade, da benevolência e da submissão. Eis a melhor maneira de colher frutos abundantes e doces.”

Eis a primeira comunicação que ele deu na Sociedade de Paris:

(13 de abril de 1866 - Médium: Sr. Morin)

Evocação: ─ Caro e venerado Dr. Cailleux! Em vossa vida, nós vos tínhamos sabido apreciar como espírita fervoroso e devotado. Chamado sem dúvida pela Providência a implantar a doutrina em vossa região, mantivestes a bandeira alta e firme, enfrentando sem desfalecimentos os sarcasmos e as perseguições. Assim, o sucesso coroou vossos esforços. Não é somente o irmão em crença que hoje vimos saudar, por sua partida da Terra, é o homem de bem, aquele que não pregou o Espiritismo apenas por suas palavras, mas que soube fazê-lo amado e respeitado por seu exemplo e pela prática das virtudes cristãs. Recebei, pois, aqui, a expressão de nossas mais vivas simpatias e a esperança de que queirais vir algumas vezes ao nosso meio e associar-vos aos nossos trabalhos.

Resposta. ─ Eis-me aqui. Obrigado. Há pouco faláveis das tendências inerentes ao organismo humano. Observam-se mais especialmente as que se devem aos maus instintos, porque os homens são sempre levados a guardar-se do que lhes pode ser prejudicial ou lhes causar algum embaraço. No entanto, as tendências para o bem muitas vezes passam despercebidas aos olhos da Sociedade, porque é muito mais difícil encontrar e mostrar a violeta do que o cardo.

Se começo assim, não vos surpreendais. Como dizíeis há pouco, o Espírito é o único responsável por seus atos; ele não pode escusar-se, atribuindo sua falta a Deus. Não, os bons e os maus sentimentos são o resultado de conquistas anteriores. Em minha vida, levado por instinto para o bem, para o alívio dos meus irmãos em Deus, declino da honra de todos os vossos louvores, porque não fiz esforço em seguir a via que me traçava o coração; não tive luta a sustentar contra instintos opostos; apenas me deixei ir suavemente pelas inclinações do meu gosto, que me dizia bem alto: “Marcha! Estás no bom caminho!” E a satisfação moral de todo o meu ser inteligente era tão grande, que certamente eu era tão feliz quanto o avarento que satisfaz a sua paixão pelo ouro contemplando-o e o acariciando. Repito-vos que não tenho mérito neste particular; não obstante, agradeço vossas boas palavras, que não são ouvidas em vão por aqueles a quem são dirigidas. Por mais elevados que sejam, os Espíritos sempre sentem a felicidade de um pensamento simpático.

Não demorei a voltar da emoção muito natural resultante da passagem da vida material à vida dos Espíritos, mas a convicção profunda de entrar em um mundo mais vivo ajudou-me a voltar a mim mesmo. Não posso melhor comparar minha passagem de vida à morte senão a um aniquilamento sem sofrimento e sem fadiga. Despertei do outro lado ao suave toque fluídico de meus caros pais e amigos espirituais. Em seguida vi meus pobres despojos mortais, e os bendisse pelos bons e leais serviços, porque, dóceis à minha vontade, em minha vida não tive lutas sérias a sustentar entre o meu Espírito e a minha matéria. Foi, pois, com prazer que acompanhei ao campo de repouso o meu pobre corpo, que me tinha ajudado a impedir que muitos dos meus coencarnados fizessem essa viagem que absolutamente não encaravam como eu.

Perdoo a todos os que, de um ou de outro modo, julgaram fazer-me o mal; quanto aos que se recusaram a orar por mim no templo consagrado, serei mais caridoso que a caridade que eles pregam: Eu oro por eles. É assim que se deve fazer, meus bons irmãos em crença. Crede-me e perdoai aos que lutam contra vós, pois não sabem o que fazem.

Doutor CAILLEUX

OBSERVAÇÃO: As primeiras palavras desta comunicação provam que o Espírito estava presente e havia assistido às discussões da sessão. Com efeito, haviam discutido um fato notável de instinto incendiário precoce, num menino de quatro anos e meio, relatado pelo Salut Public, de Lyon. Esse fato, que forneceu assunto para um estudo importante, será publicado no próximo número.

Notemos também que o Sr. Cailleux fez abstração de todos os preâmbulos ordinários que fazem os Espíritos que acabam de deixar a Terra. Nota-se, na sequência, que ele não é um fazedor de frases nem de cumprimentos.

Diz obrigado e pensa que esta palavra basta para dar a compreender seu pensamento e que com ela nos devemos contentar; depois entra bruscamente na matéria, como um homem que se acha em seu terreno e não quer perder tempo com palavras inúteis; fala como se não tivesse havido nenhuma interrupção em sua existência. Dir-se-ia que o Sr. Cailleux de Montreuil tinha vindo visitar a Sociedade de Paris.

Se ele declina do mérito de seus atos, é certamente por modéstia. Aqueles que fazem o bem sem esforço chegaram a um grau de adiantamento que lho torna natural. Se não têm mais que lutar hoje, lutaram em outras circunstâncias; a vitória foi ganha; aqueles que têm que combater tendências más ainda estão em luta; mais tarde o bem não lhes custará nenhum esforço, e eles fá-lo-ão sem pensar. Por ter vencido mais cedo, o mérito não existe menos.

O Dr. Cailleux é um desses homens que, como o Dr. Demeure e tantos outros, honram a doutrina que professam e dão o mais brilhante desmentido aos detratores do Espiritismo.


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