Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868
Versão para cópiaCapítulo LXI
Outubro - Doutrina de Lao-Tseu - Filosofia Chinesa
Outubro
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Devemos a notícia seguinte à gentileza e ao zelo esclarecido de um dos nossos correspondentes em Saigon, na Cochinchina.
No sexto século antes de nossa era, portanto quase ao mesmo tempo que Pitágoras, e dois séculos antes de Sócrates e Platão, na província de Lunan, na China, vivia Lao-Tseu, um dos maiores filósofos que jamais existiram. Originário da mais ínfima origem, Lao-Tseu não teve outros meios de se instruir senão a reflexão e numerosas viagens. Quando chegou aos cinquenta anos de idade, seja porque suas disposições filosóficas desenvolvidas pelo estudo enfim tivessem produzido os seus frutos, seja porque inconscientemente tenha combinado esses frutos com uma revelação particular, ele escreveu seu livro A Razão Suprema e Virtude, obra considerada como autêntica, a despeito de sua antiguidade, pelos historiadores chineses de todas as seitas, e com tanto mais autoridade pelo fato de certamente não ter sido incluída no incêndio de livros ordenado pelo imperador Loang-Ti, duzentos anos antes da era cristã.
Para mais clareza digamos, para começar, o que Lao-Tseu designava pela palavra tas. Era uma denominação dada por ele ao primeiro ser; impotente que ele era para chamá-lo por seu nome eterno e imutável, qualificava-o por seus principais atributos: tas, razão suprema. À primeira vista parece que o termo chinês... (Aqui o nosso correspondente o reproduz em caracteres chineses, que o nosso impressor não pôde reproduzir), cuja pronúncia figurada é tas, tem alguma analogia, do ponto de vista fonético, com o Theos dos gregos ou o Deus dos latinos, de onde veio o nosso vocábulo francês Dieu. Contudo, ninguém crê que a língua chinesa e a língua grega jamais tenham pontos comuns. Ademais, a anterioridade reconhecida da nação e da civilização chinesas basta para provar que esta expressão é um idiotismo chinês[1].
O tas, ou a razão suprema universal de Lao-Tseu, tem duas naturezas ou modos de ser: o modo espiritual ou imaterial, e o modo corporal ou material. A natureza espiritual é a natureza perfeita; é dela que emanou o homem; é a ela que ele deve voltar, desprendendo-se dos laços materiais do corpo. O aniquilamento de todas as paixões materiais e o afastamento dos prazeres mundanos são meios eficazes de se tornar digno de a ela retornar. Mas escutemos o próprio Lao-Tseu falar. Servir-me-ei da tradução de Pauthier, sinólogo tão erudito quão consciencioso. Seus trabalhos sobre o filósofo chinês e sua doutrina são tanto mais notáveis e isentos de suspeita porquanto, falecido há muito tempo, ele ignorava até o nome da Doutrina Espírita.
Na vigésima primeira seção da razão suprema, Lao-Tseu estabeleceu uma verdadeira cosmogonia:
“As formas materiais do grande poder criador não são senão as emanações do tas; foi o tas que produziu os seres materiais existentes. (Antes) não havia senão uma confusão completa, um caos indefinível; era um caos! uma confusão inacessível ao pensamento humano.
“Em meio a esse caos havia um princípio sutil, vivificante; esse princípio sutil, vivificante, era a suprema verdade.
“Em meio a esse caos havia seres, mas seres em germes; seres imperceptíveis, indefinidos.
“Em meio a esse caos, havia um princípio de fé. Desde a Antiguidade até os nossos dias, seu nome não desapareceu. Ele examina com cuidado o bom de todos os seres. Mas nós, como conhecemos as virtudes da multidão? Por esse tas, essa razão suprema.
“Os seres de formas corporais foram formados da matéria primeira, confusa.
“Antes da existência do céu e da Terra, não havia senão um silêncio imenso, um vazio incomensurável e sem formas perceptíveis.
“Só ele existia, infinito, imutável. Ele circulava no espaço, sem experimentar qualquer alteração.
“Podemos considerá-lo como a mãe do Universo; eu ignoro o seu nome, mas o designo por seus atributos, e o digo Grande, Elevado.
“Sendo (reconhecido) grande, elevado, eu o chamo: grande ao longe.
“Sendo (reconhecido) grande ao longe, eu o chamo: distante, infinito.
“Sendo (reconhecido) distante, infinito, eu o chamo: o que é oposto a mim.
“O homem tem a sua lei na Terra;
“A Terra tem a sua lei no Céu;
“O céu tem a lei no Tas ou a razão suprema universal;
“A razão suprema tem a sua lei em si mesma.”
Alhures diz Lao-Tseu:
“É preciso esforçar-se para chegar ao último degrau da incorporeidade, a fim de poder conservar a maior imutabilidade possível.
“Todos os seres aparecem na vida e realizam os seus destinos; nós contemplamos as suas renovações sucessivas. Esses seres materiais se mostram incessantemente com novas formas exteriores. Cada um deles retorna à sua origem.
“Retornar à sua origem significa tornar-se em repouso;
“Tornar-se em repouso significa cumprir o seu mandato;
“Cumprir o seu mandato significa tornar-se eterno;
“Saber que se torna eterno (ou imortal) significa ser esclarecido;
“Não saber que se torna imortal é ser entregue ao erro e a toda sorte de calamidades.
“Se sabem que se tornam imortais, contêm-se e se abraçam todos os seres;
“Abraçando todos os seres numa comum afeição, é-se justo, equitativo para todos os seres;
“Sendo justo e equitativo para todos os seres, possuem-se os atributos do soberano;
“Possuindo os atributos do soberano, tem-se a natureza divina;
“Tendo a natureza divina, chega-se a ser identificado com o tas;
“Estando identificado com a razão suprema universal, subsiste-se eternamente; sendo o próprio corpo exposto à morte, não se tem que temer nenhum aniquilamento.”
Vejamos agora qual é a moral da filosofia chinesa:
“O santo homem não tem um coração inexorável; ele faz o seu coração segundo o coração de todos os homens.
“O homem virtuoso, devemos tratá-lo como um homem virtuoso; o homem vicioso devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso. Eis a sabedoria e a virtude.
“O homem sincero e fiel, devemos tratá-lo como um homem sincero e fiel; o homem não sincero e infiel, devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso.
Eis a sabedoria e a sinceridade.”
Estas máximas correspondem ao que chamamos indulgência e caridade. Demonstrando-nos que o progresso é uma lei da Natureza, o Espiritismo precisa melhor esse pensamento, dizendo que é necessário tratar o homem vicioso como podendo e devendo, um dia, em consequência de suas existências sucessivas, tornarse virtuoso, para o que lhe devemos fornecer os meios, em vez de o relegar entre os párias da danação eterna, e pensando que nós próprios talvez tivéssemos sido piores que ele.
Toda a doutrina de Lao-Tseu respira a mesma mansuetude, o mesmo amor pelos homens, unidos numa elevação extraordinária de sentimentos. Sua sabedoria se revela sobretudo na passagem seguinte, na qual ele reproduz o célebre axioma da sabedoria antiga: Conhece-te a ti mesmo, sem que tivesse tido conhecimento da fórmula de Tales:
“Aquele que conhece os homens é instruído;
“Aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido.
“Aquele que subjuga os homens é poderoso;
“Aquele que se domina a si mesmo é verdadeiramente forte.
“Aquele que realiza obras difíceis e meritórias deixa uma lembrança durável na memória dos homens.
“Aquele que não dissipa a sua vida é imperecível;
“Aquele que morre e não é esquecido tem uma vida eterna.”
É certo, como o faz notar o eminente tradutor, que não se encontraria na Grécia, antes de Aristóteles, uma série de sorites tão logicamente encadeadas. Quanto aos princípios mesmos, eles constituem, seguramente, uma doutrina, e se é certo que ela nada contém de incompatível com o que admite a razão, por que não seria tão boa quanto tantas outras que dificilmente suportam a discussão? “A verdadeira religião, necessária à salvação, já o disseram, deve ter começado com o gênero humano.” Ora, desde que ela é essencialmente una, como a verdade, como Deus, a religião primitiva já era o Cristianismo, assim como o Cristianismo, depois do Evangelho, é a religião primitiva consideravelmente desenvolvida.
Nesta série de ensinamentos não vemos retraçados os mesmos princípios que servem de base ao Espiritismo, a despeito de um único ponto, a leve tendência panteísta da não distinção, ou melhor, da identificação da criatura santificada com o Criador, tendência que, se viciosa, pode ser devida à influência do meio em que vivia o filósofo Lao-Tseu, talvez a uma sequência muito longa dada a essa notável cadeia de argumentos ou, enfim, à imperfeita interpretação dada por nós ao seu próprio pensamento?
Se, pois, como está constatado, Lao-Tseu é posto, pelos séculos, entre essas vozes potentes de sabedoria e de razão que as leis providenciais e naturais das sociedades humanas fazem surgir em certas épocas para protestar energicamente contra um estado de dissolução social e reconduzir os Espíritos aos destinos eternos do gênero humano; se sua doutrina pode ser a base da verdadeira religião, a qual, como vimos, sendo necessária à salvação, ela deve ter existido de todos os tempos. Considerando-se que os princípios filosóficos do Espiritismo não são, em substância, senão os de Lao-Tseu, não se pode considerar a verdade da Doutrina Espírita como estando moralmente provada, fora dos ensinamentos do Cristo?
OBSERVAÇÃO: Como vemos, os chineses não são absolutamente tão bárbaros quanto geralmente se pensa; de longa data eles são nossos irmãos mais velhos em civilização, e alguns dentre eles serviriam de exemplo a mais de um dos nossos contemporâneos em matéria de Filosofia. Como é, então, que um povo que teve sábios como Lao-Tseu, Confúcio e outros, ainda tenha costumes tão pouco em harmonia com tão belas doutrinas? Outro tanto poder-se-ia dizer de Sócrates, Platão, Sólon, etc., em relação aos gregos; do Cristo, cujos preceitos estão longe de ser praticados por todos os cristãos.
Os trabalhos desses homens que de tempos em tempos aparecem entre os povos, como meteoros da inteligência, jamais são estéreis. São sementes que ficam durante longos anos em estado latente, que não beneficiam senão a algumas individualidades, mas que as massas são incapazes de assimilar. Os povos são lentos em modificar-se, até o momento em que um abalo violento venha tirá-los de seu torpor.
É de notar que a maior parte dos filósofos pouco se preocupam com a prática de suas ideias. Inteiramente dados ao trabalho da concepção e da elaboração, eles não têm o tempo necessário, e por vezes nem mesmo a aptidão necessária, para a execução do que concebem. Esse trabalho incumbe a outros que delas se penetram, e frequentemente são esses mesmos trabalhos, habilmente postos em ação, que servem, ao cabo de muitos séculos, para mobilizar os povos e esclarecê-los.
Poucos Chineses, salvo alguns letrados, sem dúvida, conhecem Lao-Tseu. Hoje que a China está aberta às nações ocidentais, não seria impossível que estas contribuíssem para vulgarização dos trabalhos do filósofo em seu próprio país, e quem sabe se os pontos de contato existentes entre a sua doutrina e o Espiritismo não será um dia um traço de união para a aliança fraterna das crenças? O que é bem certo é que quando todas as religiões reconhecerem que adoram o mesmo Deus sob nomes diversos; quando lhe concederem os mesmos atributos de soberana bondade e justiça; quando não diferirem senão na forma de adoração, os antagonistas religiosos cairão. É a esse resultado que deve levar o Espiritismo.
[1] É quase supérfluo dizer que o vocábulo chinês tas não tem qualquer relação de sentido com o francês tas, pois apenas tem pronúncia figurada.
No sexto século antes de nossa era, portanto quase ao mesmo tempo que Pitágoras, e dois séculos antes de Sócrates e Platão, na província de Lunan, na China, vivia Lao-Tseu, um dos maiores filósofos que jamais existiram. Originário da mais ínfima origem, Lao-Tseu não teve outros meios de se instruir senão a reflexão e numerosas viagens. Quando chegou aos cinquenta anos de idade, seja porque suas disposições filosóficas desenvolvidas pelo estudo enfim tivessem produzido os seus frutos, seja porque inconscientemente tenha combinado esses frutos com uma revelação particular, ele escreveu seu livro A Razão Suprema e Virtude, obra considerada como autêntica, a despeito de sua antiguidade, pelos historiadores chineses de todas as seitas, e com tanto mais autoridade pelo fato de certamente não ter sido incluída no incêndio de livros ordenado pelo imperador Loang-Ti, duzentos anos antes da era cristã.
Para mais clareza digamos, para começar, o que Lao-Tseu designava pela palavra tas. Era uma denominação dada por ele ao primeiro ser; impotente que ele era para chamá-lo por seu nome eterno e imutável, qualificava-o por seus principais atributos: tas, razão suprema. À primeira vista parece que o termo chinês... (Aqui o nosso correspondente o reproduz em caracteres chineses, que o nosso impressor não pôde reproduzir), cuja pronúncia figurada é tas, tem alguma analogia, do ponto de vista fonético, com o Theos dos gregos ou o Deus dos latinos, de onde veio o nosso vocábulo francês Dieu. Contudo, ninguém crê que a língua chinesa e a língua grega jamais tenham pontos comuns. Ademais, a anterioridade reconhecida da nação e da civilização chinesas basta para provar que esta expressão é um idiotismo chinês[1].
O tas, ou a razão suprema universal de Lao-Tseu, tem duas naturezas ou modos de ser: o modo espiritual ou imaterial, e o modo corporal ou material. A natureza espiritual é a natureza perfeita; é dela que emanou o homem; é a ela que ele deve voltar, desprendendo-se dos laços materiais do corpo. O aniquilamento de todas as paixões materiais e o afastamento dos prazeres mundanos são meios eficazes de se tornar digno de a ela retornar. Mas escutemos o próprio Lao-Tseu falar. Servir-me-ei da tradução de Pauthier, sinólogo tão erudito quão consciencioso. Seus trabalhos sobre o filósofo chinês e sua doutrina são tanto mais notáveis e isentos de suspeita porquanto, falecido há muito tempo, ele ignorava até o nome da Doutrina Espírita.
Na vigésima primeira seção da razão suprema, Lao-Tseu estabeleceu uma verdadeira cosmogonia:
“As formas materiais do grande poder criador não são senão as emanações do tas; foi o tas que produziu os seres materiais existentes. (Antes) não havia senão uma confusão completa, um caos indefinível; era um caos! uma confusão inacessível ao pensamento humano.
“Em meio a esse caos havia um princípio sutil, vivificante; esse princípio sutil, vivificante, era a suprema verdade.
“Em meio a esse caos havia seres, mas seres em germes; seres imperceptíveis, indefinidos.
“Em meio a esse caos, havia um princípio de fé. Desde a Antiguidade até os nossos dias, seu nome não desapareceu. Ele examina com cuidado o bom de todos os seres. Mas nós, como conhecemos as virtudes da multidão? Por esse tas, essa razão suprema.
“Os seres de formas corporais foram formados da matéria primeira, confusa.
“Antes da existência do céu e da Terra, não havia senão um silêncio imenso, um vazio incomensurável e sem formas perceptíveis.
“Só ele existia, infinito, imutável. Ele circulava no espaço, sem experimentar qualquer alteração.
“Podemos considerá-lo como a mãe do Universo; eu ignoro o seu nome, mas o designo por seus atributos, e o digo Grande, Elevado.
“Sendo (reconhecido) grande, elevado, eu o chamo: grande ao longe.
“Sendo (reconhecido) grande ao longe, eu o chamo: distante, infinito.
“Sendo (reconhecido) distante, infinito, eu o chamo: o que é oposto a mim.
“O homem tem a sua lei na Terra;
“A Terra tem a sua lei no Céu;
“O céu tem a lei no Tas ou a razão suprema universal;
“A razão suprema tem a sua lei em si mesma.”
Alhures diz Lao-Tseu:
“É preciso esforçar-se para chegar ao último degrau da incorporeidade, a fim de poder conservar a maior imutabilidade possível.
“Todos os seres aparecem na vida e realizam os seus destinos; nós contemplamos as suas renovações sucessivas. Esses seres materiais se mostram incessantemente com novas formas exteriores. Cada um deles retorna à sua origem.
“Retornar à sua origem significa tornar-se em repouso;
“Tornar-se em repouso significa cumprir o seu mandato;
“Cumprir o seu mandato significa tornar-se eterno;
“Saber que se torna eterno (ou imortal) significa ser esclarecido;
“Não saber que se torna imortal é ser entregue ao erro e a toda sorte de calamidades.
“Se sabem que se tornam imortais, contêm-se e se abraçam todos os seres;
“Abraçando todos os seres numa comum afeição, é-se justo, equitativo para todos os seres;
“Sendo justo e equitativo para todos os seres, possuem-se os atributos do soberano;
“Possuindo os atributos do soberano, tem-se a natureza divina;
“Tendo a natureza divina, chega-se a ser identificado com o tas;
“Estando identificado com a razão suprema universal, subsiste-se eternamente; sendo o próprio corpo exposto à morte, não se tem que temer nenhum aniquilamento.”
Vejamos agora qual é a moral da filosofia chinesa:
“O santo homem não tem um coração inexorável; ele faz o seu coração segundo o coração de todos os homens.
“O homem virtuoso, devemos tratá-lo como um homem virtuoso; o homem vicioso devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso. Eis a sabedoria e a virtude.
“O homem sincero e fiel, devemos tratá-lo como um homem sincero e fiel; o homem não sincero e infiel, devemos igualmente tratá-lo como um homem virtuoso.
Eis a sabedoria e a sinceridade.”
Estas máximas correspondem ao que chamamos indulgência e caridade. Demonstrando-nos que o progresso é uma lei da Natureza, o Espiritismo precisa melhor esse pensamento, dizendo que é necessário tratar o homem vicioso como podendo e devendo, um dia, em consequência de suas existências sucessivas, tornarse virtuoso, para o que lhe devemos fornecer os meios, em vez de o relegar entre os párias da danação eterna, e pensando que nós próprios talvez tivéssemos sido piores que ele.
Toda a doutrina de Lao-Tseu respira a mesma mansuetude, o mesmo amor pelos homens, unidos numa elevação extraordinária de sentimentos. Sua sabedoria se revela sobretudo na passagem seguinte, na qual ele reproduz o célebre axioma da sabedoria antiga: Conhece-te a ti mesmo, sem que tivesse tido conhecimento da fórmula de Tales:
“Aquele que conhece os homens é instruído;
“Aquele que se conhece a si mesmo é verdadeiramente esclarecido.
“Aquele que subjuga os homens é poderoso;
“Aquele que se domina a si mesmo é verdadeiramente forte.
“Aquele que realiza obras difíceis e meritórias deixa uma lembrança durável na memória dos homens.
“Aquele que não dissipa a sua vida é imperecível;
“Aquele que morre e não é esquecido tem uma vida eterna.”
É certo, como o faz notar o eminente tradutor, que não se encontraria na Grécia, antes de Aristóteles, uma série de sorites tão logicamente encadeadas. Quanto aos princípios mesmos, eles constituem, seguramente, uma doutrina, e se é certo que ela nada contém de incompatível com o que admite a razão, por que não seria tão boa quanto tantas outras que dificilmente suportam a discussão? “A verdadeira religião, necessária à salvação, já o disseram, deve ter começado com o gênero humano.” Ora, desde que ela é essencialmente una, como a verdade, como Deus, a religião primitiva já era o Cristianismo, assim como o Cristianismo, depois do Evangelho, é a religião primitiva consideravelmente desenvolvida.
Nesta série de ensinamentos não vemos retraçados os mesmos princípios que servem de base ao Espiritismo, a despeito de um único ponto, a leve tendência panteísta da não distinção, ou melhor, da identificação da criatura santificada com o Criador, tendência que, se viciosa, pode ser devida à influência do meio em que vivia o filósofo Lao-Tseu, talvez a uma sequência muito longa dada a essa notável cadeia de argumentos ou, enfim, à imperfeita interpretação dada por nós ao seu próprio pensamento?
Se, pois, como está constatado, Lao-Tseu é posto, pelos séculos, entre essas vozes potentes de sabedoria e de razão que as leis providenciais e naturais das sociedades humanas fazem surgir em certas épocas para protestar energicamente contra um estado de dissolução social e reconduzir os Espíritos aos destinos eternos do gênero humano; se sua doutrina pode ser a base da verdadeira religião, a qual, como vimos, sendo necessária à salvação, ela deve ter existido de todos os tempos. Considerando-se que os princípios filosóficos do Espiritismo não são, em substância, senão os de Lao-Tseu, não se pode considerar a verdade da Doutrina Espírita como estando moralmente provada, fora dos ensinamentos do Cristo?
OBSERVAÇÃO: Como vemos, os chineses não são absolutamente tão bárbaros quanto geralmente se pensa; de longa data eles são nossos irmãos mais velhos em civilização, e alguns dentre eles serviriam de exemplo a mais de um dos nossos contemporâneos em matéria de Filosofia. Como é, então, que um povo que teve sábios como Lao-Tseu, Confúcio e outros, ainda tenha costumes tão pouco em harmonia com tão belas doutrinas? Outro tanto poder-se-ia dizer de Sócrates, Platão, Sólon, etc., em relação aos gregos; do Cristo, cujos preceitos estão longe de ser praticados por todos os cristãos.
Os trabalhos desses homens que de tempos em tempos aparecem entre os povos, como meteoros da inteligência, jamais são estéreis. São sementes que ficam durante longos anos em estado latente, que não beneficiam senão a algumas individualidades, mas que as massas são incapazes de assimilar. Os povos são lentos em modificar-se, até o momento em que um abalo violento venha tirá-los de seu torpor.
É de notar que a maior parte dos filósofos pouco se preocupam com a prática de suas ideias. Inteiramente dados ao trabalho da concepção e da elaboração, eles não têm o tempo necessário, e por vezes nem mesmo a aptidão necessária, para a execução do que concebem. Esse trabalho incumbe a outros que delas se penetram, e frequentemente são esses mesmos trabalhos, habilmente postos em ação, que servem, ao cabo de muitos séculos, para mobilizar os povos e esclarecê-los.
Poucos Chineses, salvo alguns letrados, sem dúvida, conhecem Lao-Tseu. Hoje que a China está aberta às nações ocidentais, não seria impossível que estas contribuíssem para vulgarização dos trabalhos do filósofo em seu próprio país, e quem sabe se os pontos de contato existentes entre a sua doutrina e o Espiritismo não será um dia um traço de união para a aliança fraterna das crenças? O que é bem certo é que quando todas as religiões reconhecerem que adoram o mesmo Deus sob nomes diversos; quando lhe concederem os mesmos atributos de soberana bondade e justiça; quando não diferirem senão na forma de adoração, os antagonistas religiosos cairão. É a esse resultado que deve levar o Espiritismo.
[1] É quase supérfluo dizer que o vocábulo chinês tas não tem qualquer relação de sentido com o francês tas, pois apenas tem pronúncia figurada.