Tormentos da Obsessão

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CAPÍTULO 1

ERRO E PUNIÇÃO

Em nossas reuniões habituais com amigos afeiçoados ao dever, não poucas vezes direcionamos as conversações para as questões que dizem respeito àjustiça humana e à justiça divina, assunto palpitante que a todos nos interessa.

Erro e punição, culpa e castigo, dolo e cobrança, fazem parte dos temas que reservamos para análise e debate, considerando o processo de evolução de cada indivíduo em particular e da coletividade em geral.

Muito interessado na problemática obsessiva, diante das ocorrências do cotidiano terrestre, chama-me a atenção a grave interferência dos desencarnados no comportamento dos homens.

As manchetes sensacionalistas e estarrecedoras, apresentadas pelos periódicos da grande imprensa e o perturbador noticiário da mídia televisiva com espalhafato e pavor, revelando algumas expressões de sadomasoquismo dos seus divulgadores, na maneira de apresentar as tragédias e desgraças da atualidade; os comentários em torno da violência, gerando mais indignação e revolta do que propondo soluções, vêm-me despertando crescente sentimento de consternação pelas criaturas, acrescido do lamentável desconhecimento das variadas psicopatologiaS de que são vítimas, assim como das obsessões de que se fazem servas.

Comentando com amigos dedicados aos estudos sociológicos, psicológicos e penalógicos em nossa Esfera de ação, aguardei oportunidade própria para auscultar nobre especialista nessas áreas, com objetivo de esclarecer-me, ao tempo em que pudesse ampliar informações e estudos junto aos caros leitores encarnados, igualmente dedicados às terapias preventiva e curadora dessa enfermidade epidêmica e ultriz.

Nesse estado de espírito, oportunamente fui convidado, por afeiçoado servidor de nossa comunidade, para um encontro íntimo com o venerável Espírito Dr. Bezerra de Menezes, numa das suas estâncias entre nós, cuja dedicação à Humanidade, na condição de desencarnadO, se aproximava de um século de ininterrupto humanitarismO, em labor de caridade e iluminação da consciência terrestre.

A reunião fora reservada para pequeno grupo de pesquisadores das terapêuticas próprias para a criminalidade e suas consequências entre os seres humanos reencarnados, havendo sido convidados apenas aqueles dedicados ao importante mister.

Em uma área ao ar livre, reservada a tertúlias íntimas realizadas no Nosocômio, que fora programado para obsidiados que faliram nos compromissos terrestres, e que desencarnaram sob o guante dos transtornos psíquicos dessa natureza, teve lugar o encontro abençoado.

Erguido, graças aos esforços e sacrifícios do eminente Espírito Eurípedes Barsanulfo, na década de 1930 a 1940, aquele Sanatório passou a recolher desde então as vítimas da própria incúria, tornando-se um laboratório vivo e pulsante para a análise profunda das alienações espirituais.

O missionário sacramentano havia constatado ser expressivo o número de almas falidas nos compromissos relevantes, após haverem recebido as luzes do Consolador, e que retornavam à pátria espiritual em lamentável estado de desequilíbrio, sofrendo sem consolo na erraticidade inferior.

Movido pela compaixão que o caracteriza, empenhou-se e conseguiu sensibilizar uma expressiva equipe de trabalhadores espirituais dedicados à psiquiatria, para o socorro a esses náufragos da ilusão e do desrespeito às soberanas leis da Vida, credores de misericórdia e amparo.

Médiuns levianos, que desrespeitaram o mandato de que se fizeram portadores; divulgadores descompromissados com a responsabilidade do esclarecimento espiritual; servidores que malograram na execução de graves tarefas da beneficência; escritores equipados de instrumentos culturais que deveriam plasmar imagens dignificadoras e que descambaram para as discussões estéreis e as agressões injustificáveis; corações que se responsabilizaram pela edificação da honra em si mesmos, abraçando a fé renovadora, e delinquiram; mercenários da caridade bela e pura; agentes da simonia no Cristianismo restaurado ali se encontravam recolhidos, muitos deles após haverem naufragado na experiência carnal, por não terem suportado as pressões dos Espíritos vingadores, inclementes perseguidores aos quais deveriam conquistar, ao invés de se lhes tornarem vítimas, extraviando-se da estrada do reto dever sob sua injunção perversa...

Normalmente, naquele Instituto de saúde espiritual, se realizavam encontros esclarecedores, quando se analisavam as desditosas experiências dos seus pacientes.

Vezes outras, candidatos à reencarnação com tarefas definidas na mediunidade estagiavam nos seus pavilhões, observando os companheiros que se iludiram e foram vencidos, ou escutando-os durante suas catarses significativas ao despertar da consciência, dando-se conta do prejuízo que se causaram a si mesmos, assim como aos outros, que arrastaram na sua vertiginosa alucinação.

Verdadeiro Hospital-Escola, constitui um brado enérgico de advertência para os viajores do carro orgânico, que se comprometeram com as atividades de enobrecimento e de amor.

Foi, portanto, em agradável recanto arborizado, em noite transparente e coroada de estrelas, clareada por diáfana e ignota luz, que ouvimos o Apóstolo da caridade entretecendo considerações em torno do erro e da punição, que logo o segue.

Já conhecido, e partícipe de outros cometimentos, fui recebido com o seu proverbial carinho e eloquente sabedoria, qual sucedera com os demais membros do grupo atencioso.


Após breves instantes de saudações afetuosas e palavras introdutórias a respeito do tema, o venerável Mentor elucidou:

— A problemática do comportamento moral do ser humano encontra-se relacionada com o seu nível de progresso espiritual. "Por essa razão, Jesus acentuou que mais se pedirá àquele a quem mais se deu, considerando-se o grau de responsabilidade pessoal, em razão dos fatores predisponentes e preponderantes para a conduta.

Cada indivíduo é a história viva dos seus atos passados.

A soma das suas experiências modelalhe o caráter, as aspirações, o conhecimento e a responsabilidade moral.

Invariavelmente, ao lado das conquistas significativas conseguidas em cada etapa reencarnacionista, não raro, gravames e quedas turvam a pureza dos seus triunfos, constituindo-lhe empecilhos para avanços mais expressivos. ’ Soprava uma brisa levemente perfumada, enquanto ele silenciou por breves segundos, para logo prosseguir: - Em razão dessa atitude, renascem os Espíritos no clima moral a que fazem jus, nos grupos familiares compatíveis com as suas necessidades, portadores de compromissos próprios para o desenvolvimento dos valores éticos e morais relevantes.

Não podendo eliminar as causas precedentes, de alguma forma fazem-se acompanhar por afetos ou adversários que se lhes permanecem vinculados à economia evolutiva.

É certo que nunca falta, a Espírito algum, o divino amparo, a inspiração e os meios hábeis para o êxito, mas, muitos deles, logo despertam no corpo e atingem a idade da razão, são atraidos de retorno aos sítios de onde se deveriam evadir e às viciações que lhes cumpre vencer... "As tendências inatas, que são reflexos dos com promissos vividos, impelem-nos para as condutas que lhes parecem mais agradáveis e que não lhes exigem esforços para superar.


As conexões psíquicas, por afinidade, facilitam o intercâmbio com os desafetos da retaguarda, e sem o necessário empenho que, às vezes, impõe sacrifício e renúncia, fazem-nos tombar nas urdiduras bem estabelecidas para vencê-los, derrotá-los no empreendimento que deveria ser libertador. " Novamente silenciou, e olhando para a grande e significativa construção hospitalar, com iniludível compaixão pelos seus internados, deu prosseguimento:

— A justiça está ínsita em a natureza, e o desenvolvimento moral do ser amplia-lhe os conteúdos sublimes na consciência.

A aplicação dos códigos da justiça na Terra vem-se dando conforme o grau de responsabilidade humana e o seu aprimoramento moral.

Das grotescas e impiedosas punições do barbarismo e da Idade Média, para a moderna visão da ciência da Penalogia, houve uma identificação maior da mente humana com a justiça divina, lentamente incorporada aos códigos legais terrestres.

Ainda se está longe de uma justiça saudável e igualitária para todos, não obstante, já se pensa em diretrizes humanitárias a serem utilizadas, dignificando o delinquente antes que apenas o punindo.

Isso porque o conceito sobre a justiça de Deus, mediante a evolução do pensamento e da consciência, elimina a arbitrariedade e a crueldade que Lhe eram atribuídas, a fim de apresentá-lO como misericórdia e amor, que oferecem métodos de reeducação construtiva e terapeutica para todos os males, conforme se detecta na con ceituação atual da doutrina da reencarnação. "Quase sempre, quando se pensa em justiça, imediatamente ocorre o pensamento em torno do componente da punição, como se a sua fosse a finalidade do castigo, e jamais da equanimidade, da preservação da ordem e do dever.

Tão associado tem-lhe estado esse reflexo, que se confunde o seu ministério de preservar o equilíbrio do indivíduo, da massa e das nações, mediante medidas coercitivas da liberdade, ao lado de recessões, embargos de alimentos e remédios, e dilacerações físicas, psicológicas e morais destruidoras do sentido da vida. "Um estudo profundo, à luz da psicologia, faculta identificar-se no delinquente um enfermo emocional, cujas raízes do desequilíbrio se encontram nas experiências transatas das existências.

Culpa, remorso, desarmonia interior, desamor, que foram vivenciados, refletem-se em forma de comportamentos transtornados e atitudes infelizes que desbordam nas várias expressões do crime.


Consequentemente, assistência específica, na mesma área psicológica, deveria ser utilizada para recuperar o paciente infeliz e conceder-lhe o direito à reabilitação, ao resgate do erro perante a vítima e a sociedade. " Pensativo, como se estivesse melhor organizando a argumentação, fez nova pausa, logo dando prosseguimento:

—Além desses fatores psicológicos, outros mais, quando deficientes contribuem para o erro da criatura humana, quais sejam: a educação no lar e a convivência familiar, o meio social, os recursos financeiros e o trabalho, a recreação e a saúde, que desempenham papel de infinita importância na construção da personalidade e no desenvolvimento dos sentimentos.

Em uma sociedade justa, há predominância dos valores de que se desincumbem airosamente os governantes, dando conta das responsabilidades que assumiram perante o povo, sempre vigilantes no que diz respeito aos deveres em relação às massas.

Infelizmente, ainda não viceja genericamente essa consciência, o que responde pelos altos índices da violência e da criminalidade, em razão das fugas espetaculares pelas drogas químicas, pela anarquia, pelo desbordar das paixões a que se entregam os indivíduos mais frágeis moralmente.

Isso faculta-lhes a eventualidade da prática do delito, conforme se pode constatar na literatura do passado e do presente.

Fedor Dostoiewski, na sua famosa obra Crime e Castigo, bem descreve os tormentos da personagem Raskolnikof que, apesar de ser um homem honrado e portador de sentimentos nobres, terminou por cometer atrocidades sem limites contra as suas vítimas, a fim de apropriar-se dos valores que possuíam, particularmente da atormentada usurária, que ele passou a detestar.

Diversos autores, como Victor Hugo, Charles Dickens, Arthur Muller e muitos outros, utilizando-se deste fator eventual, apresentam criminosos que se tornam simpáticos aos seus leitores, porque foram levados ao crime por circunstâncias ocasionais, desde que, portadores de elevados princípios, viram-se na contingência de errar, recebendo em troca punições perversas e injustas. "O erro é sombra que acompanha aquele que o pratica até que se dilua mediante a luz clara da reparação.


Providenciados os meios hábeis para a renovação do equivocado, reeducando-o para a convivência social, é justo se lhe conceda o ensejo de prosseguir construindo o futuro, enquanto se sente liberado do desequilíbrio praticado. " A fim de conceder-nos ensejo de bem aprofundar reflexões, o amorável amigo fez uma nova pausa, e concluiu:

— Dia virá em que os estudiosos do comportamento criminoso da criatura humana perceberão, além desses fatores que levam à delinquência, um outro muito mais grave e sutil, que necessita de profundos estudos, a fim de que se criem novos códigos de justiça para os infratores colhidos por essa incidência.

Referimo-nos à obsessão, quando Espíritos adversários, desejando interromper-lhes a marcha evolutiva, induzem-nos à prática de delitos de toda ordem, tornando-se coautores de incontáveis agressões criminosas, que muitas vezes redundam em acontecimentos infaustos, irreversíveis.

Trabalhando lentamente o campo mental das vítimas com as quais se hospedam psiquicamente, terminam por inspirar-lhes sentimentos vis, armando-as contra aqueles que, por uma ou outra circunstância, se lhes tornam inimigos, com ou sem razão.

Transformando-se em adversários incansáveis, obstinada-mente as perseguem ou as enfrentam em combates de violência, que terminam em tragédias...

Sob outro aspecto, esses Espíritos utilizam-se daqueles com os quais têm sintonia mental e moral, para se desforçarem de quem os prejudicou anteriormente, e agora não são alcançados pela sua sordidez nem perversidade, praticando homicídios espirituais hediondos.

As obsessões, nessa área, são muito expressivas.

Seria o caso de examinar-se se a personagem de Dostoiewski não teria sido vítima de algum adversário desencarnado pessoal ou se não houvera conseguido sintonizar com aqueles que se compraziam em odiar todos quantos lhe tombaram nas cruas perversidades! "O erro, em si mesmo, gera um clima psíquico nefasto, que atrai Espíritos semelhantes ao que se compromete moralmente, passando a manter sistemática sintonia e comércio emocional continuado.

O castigo geral aplicado a todos quantos se fazem vítimas da criminalidade, sem diferença de situação ou conteúdo espiritual, torna-se injusto e mesmo odiento, transferindo-se para o mundo espiritual os efeitos desses conúbios desastrosos. "A Divindade, porém, vela, e as Suas Leis sábias alcançam inapelavelmente todos os seres da Criação, facultando o processo evolutivo, mediante o qual será possível a felicidade que se anela. "Cuidemo-nos, todos nós, de nos preservar do mal, suplicando o divino socorro, conforme propôs o incomparável Mestre, na Sua Oração dominical, buscando-Lhe o amparo e a inspiração, a fim de podermos transitar com equilíbrio pelos difíceis caminhos da ascensão espiritual. " Silenciou, o bondoso amigo, deixando-nos material expressivo para reflexão.

Despedindo-se momentaneamente, prometeu dar prosseguimento ao tema fascinante que é a obsessão, nesse aspecto, quase desconhecida.



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