O Céu e o Inferno
Versão para cópia
Origem da doutrina das penas eternas
• Item 1 •
• Item 2 •
• Item 3 •
• Item 4 •
• Item 5 •
• Item 6 •
• Item 7 •
• Item 8 •
• Item 9 •
Argumentos em apoio as penas eternas
• Item 10 •
• Item 11 •
• Item 12 •
• Item 13 •
• Item 14 •
• Item 15 •
• Item 16 •
• Item 17 •
Impossibilidade material das penas eternas
• Item 18 •
• Item 19 •
• Item 20 •
• Item 21 •
A doutrina das penas eternas fez sua época
• Item 22 •
• Item 23 •
• Item 24 •
Ezequiel contra a eternidade das penas e o pecado original
• Item 25 •
1. O Senhor novamente me falou e disse:
2. Donde vem o uso desta parábola entre vós e consagrada proverbialmente em Israel: Os pais, dizeis, comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos ficaram estragados?
3. Por mim juro, disse o Senhor Deus, que essa parábola não passará mais entre vós, como provérbio em Israel:
4. Pois todas as almas me pertencem; a do filho está comigo como a do pai; a alma que tiver pecado morrerá ela própria.
5. Se um homem for justo, se proceder segundo a eqüidade e a justiça; -7. Se não magoar nem oprimir ninguém; se entregar ao seu devedor o penhor que este lhe houver dado; se não tomar nada do bem de outrem por violência; se dá o seu pão a quem tem fome; se veste os que estão nus; -
8. Se não se presta à usura e não percebe mais do que tem dado; se desvia sua mão da iniqüidade e promove um juízo conciliatório entre dois que contendem; -
9. Se caminha segundo a pauta dos meus preceitos e observa as minhas ordens para obrar conforme a verdade, esse homem é justo e viverá mui certamente, disse o Senhor Deus.
10. Se esse homem tem um filho que dê em ladrão, e derrame sangue, ou que cometa algumas destas faltas; -
13. Esse filho morrerá mui certamente, pois tem praticadotodas essas ações detestáveis, e seu sangue permanecerá sobre a terra.
14. Se esse homem tem um filho que, vendo todos os crimes por seu pai cometidos, se aterrorize e evite imitação; -
17. Este não morrerá por causa da iniqüidade de seu pai, mas viverá mui certamente. -
18. Seu pai, que tinha oprimido os outros por calúnias e que tinha praticado ações criminosas no meio do seu povo, morreu por causa da sua própria iniqüidade.
19. Se dizes: Por que o filho não tem suportado a iniqüidade de seu pai? É porque o filho tem obrado segundo a eqüidade e a justiça; tem guardado todos os meus preceitos; e porque os tem praticado viverá mui certamente.
20. A alma que tem pecado morrerá ela mesma: o filho não sofrerá pela iniqüidade do pai e o pai não sofrerá pelo iniqüidade do filho; a justiça do justo verterá sobre ele mesmo, a impiedade do ímpio verterá sobre ele.
21. Se o ímpio fez penitencia de todos os pecados que tem cometido, se observou todos os meus preceitos, se obra segundo a eqüidade e a justiça, ele viverá certamente e não morrerá. -
22. Eu não me lembrei mais de todas as iniqüidades que ele tenha cometido; viverá nas obras de justiça que houver praticado.
23. É que eu quero a morte do ímpio? disse o Senhor Deus, e não quero antes que se converta e desgarre do mau caminho que trilha? (Ezequiel, cap. XVIII.) Dizei-lhes estas palavras: Eu juro por mim mesmo que não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta, que abandone o mau caminho e que viva. (Ezequiel, cap. XXXIII, v. 11.)
Criminosos Arrependidos
- Resposta: Ainda estou preso ao corpo.
2
Então a vossa alma não está inteiramente liberta?- Resposta: Não... tenho medo... não sei... Esperai que torne a mim. Não estou morto, não é assim?
3
Arrependei-vos do que fizestes?- Resposta: Fiz mal em matar, mas a isso fui levado pelo meu caráter, que não podia tolerar humilhações... Evocar-me-eis de outra vez.
4
Por que vos retirais?- Resposta: Se o visse, muito me atemorizaria, pelo receio de que me fizesse outro tanto.
5
Mas nada tendes a temer, uma vez que a vossa alma está separada do corpo. Renunciai a qualquer in-quietação, que não é razoável agora.- Resposta: Que quereis? Acaso sois senhor das vossas impressões? Quanto a mim, não sei onde estou... estou doido. 6. Esforçai-vos por ser calmo.
- Resposta: Não posso, porque estou louco... Esperai, que vou invocar toda a minha lucidez.
7
Se orásseis, talvez pudésseis concentrar os vossos pensamentos...- Resposta: Intimido-me... não me atrevo a orar.
8
Orai, que grande é a misericórdia de Deus! Oraremos convosco.- Resposta: Sim; eu sempre acreditei na infinita misericórdia de Deus.
9
Compreendeis melhor, agora, a vossa situação?- Resposta: Ela é tão extraordinária que ainda não posso apreendê-la.
10
Vedes a vossa vítima?- Resposta: Parece-me ouvir uma voz semelhante à sua, dizendo-me: 'Não mais te quero..." Será, talvez, um efeito da imaginação!... Estou doido, vo-lo asseguro, pois que vejo meu corpo de um lado e a cabeça de outro... afigurando-se-me, porém, que vivo no Espaço, entre a Terra e o que denominais céu.. . Sinto como o frio de uma faca prestes a decepar-me o pescoço, mas isso será talvez o terror da morte... Também me parece ver uma multidão de Espíritos a rodear-me, olhando-me compadecidos... E falam-me, mas não os compreendo.
11
Entretanto, entre esses Espíritos há talvez um cuja presença vos humilha por causa do vosso crime.- Resposta: Dir-vos-ei que há apenas um que me apavora - o daquele a quem matei.
12
Lembrai-vos das anteriores existências?- Resposta: Não; estou indeciso, acreditando sonhar... Ainda uma vez, preciso tornar a mim.
13
(Três dias depois.) - Reconhecei-vos melhor agora?- Resposta: Já sei que não mais pertenço a esse mundo, e não o deploro. Pesa-me o que fiz, porém meu Espírito está mais livre. Sei a mais que há uma série de encarnações que nos dão conhecimentos úteis, a fim de nos tornarmos tão perfeitos quanto possível à criatura humana.
14
Sois punido pelo crime que cometestes?- Resposta: Sim; lamento o que fiz e isso faz-me sofrer.
15
Qual a vossa punição?- Resposta: Sou punido porque tenho consciência da minha falta, e para ela peço perdão a Deus; sou punido porque reconheço a minha descrença nesse Deus, sabendo agora que não devemos abreviar os dias de vida de nossos irmãos; sou punido pelo remorso de haver adiado o meu progresso, enveredando por caminho errado, sem ouvir o grito da própria consciência que me dizia não ser pelo assassínio que alcançaria o meu desiderato. Deixei-me dominar pela inveja e pelo orgulho; enganei-me e arrependo-me, pois o homem deve esforçar-se sempre por dominar as más paixões - o que aliás não fiz.
16
Qual a vossa sensação quando vos evocamos?- Resposta: De prazer e de temor, por isso que não sou mau.
17
Em que consiste tal prazer e tal temor?- Resposta: Prazer de conversar com os homens e poder em parte reparar as minhas faltas, confessando-as; e temor, que não posso definir - um quê de vergonha por ter sido um assassino.
18
Desejais reencarnar na Terra?- Resposta: Até o peço e desejo achar-me constantemente exposto ao assassínio, provando-lhe o temor. Nota - Monsenhor Sibour, evocado, disse que perdoava ao assassino e orava para que ele se arrependesse. Disse mais que, posto estivesse presente à sua evocação, não se lhe tinhamostrado para lhe não aumentar os sofrimentos, porquanto o receio de o ver já era um sintoma de remorso, era já um castigo.
- Pergunta: O homem que mata sabe que, ao escolher nova existência, nela se tornará assassino?
- Resposta: Não; ele sabe que, escolhendo uma vida de luta, tem probabilidades de matar um semelhante, ignorando porém se o fará, pois está quase sempre em luta consigo mesmo. Nota - A situação de Verger, ao morrer, é a de quase todos os que sucumbem violentamente. Não se verificando bruscamente a separação, eles ficam como aturdidos, sem saber se estão mortos ou vivos. A visão do arcebispo foi-lhe poupada por desnecessária ao seu remorso; mas outros Espíritos, em circunstâncias idênticas, são constantemente acossados pelo olhar das suas vítimas. À enormidade do delito, Verger acrescentara a agravante de se não ter arrependido ainda em vida, estando, pois, nas condições requeridas para a eterna condenação. Mas, logo que deixou a Terra, o arrependimento invadiu-lhe a alma e, repudiando o passado, deseja sinceramente repará-lo. A isso não o impele a demasia do sofrimento, visto como nem mesmo teve tempo para sofrer, mas o alarme dessa consciência desprezada durante a vida, e que ora se lhe faz ouvir. Por que não considerar valioso esse arrependimento? Por que admiti-lo dias antes corno salvante do inferno, e depois não'? E por que, finalmente, o Deus misericordioso para o penitente, em vida, deixaria de o ser, por questão de horas, mais tarde? Fora para causar admiração a rápida mudança algumas vezes operada nas idéias de um criminoso, endurecido e impenitente até ã morte, se o trespasse lhe não fosse também bastante, às vezes, para reconhecer toda a iniquidade da sua conduta. Contudo, esse resultado está longe de ser geral - o que daria em conseqüência o não haver Espíritos maus. O arrependimento é muita vez tardio, e dai a dilação do castigo. A obstinação no mal, em vida, provém às vezes do orgulho de quem recusa submeter-se e confessar os próprios erros, visto estar o homem sujeito à influência da matéria,que, lançando-lhe um véu sobre as percepções espirituais, o fascina e desvaira. Roto esse véu, súbita luz o aclara, e ele se encontra senhor da sua razão. A manifestação imediata de melhores sentimentos é sempre indicio de um progresso moral realizado, que apenas aguarda uma circunstância favorável para se revelar, ao passo que a persistência mais ou menos longa no mal, depois da morte, é incontestavelmente a prova de atraso do Espírito, no qual os instintos materiais atrofiam o gérmen do bem, de modo a lhe serem precisas novas provações para se corrigir.
1
Evocação.- Resposta: Aqui estou.
2
Vendo-nos, que sensação experimentais?- Resposta: A da vergonha.
3
Retivestes os sentidos até o último momento? R. Sim.4
Após a execução tivestes imediata noção dessa nova existência?- Resposta: Eu estava imerso em grande perturbação, da qual, aliás, ainda me não libertei. Senti uma dor imensa, afigurando-se-me ser o coração quem a sofria. Vi rolar não sei quê aos pés do cadafalso; vi o sangue que corria e mais pungente se me tornou a minha dor.
- Pergunta: Era uma dor puramente física, análoga à que proviria de um grande ferimento, pela amputação de um membro, por exemplo?
- Resposta: Não; figurai-vos antes um remorso, uma grande dor moral.
5
Mas a dor física do suplício, quem a experimentava: o corpo ou o Espírito?- Resposta: A dor moral es-tava em meu Espírito, sentindo o corpo a dor física; mas o Espírito desligado também dela se ressentia.
6
Vistes o corpo mutilado?- Resposta: Vi qualquer coisa informe, à qual me parecia integrado; entretanto, reconhecia-me intacto, isto é, que eu era eu mesmo...
- Pergunta: Que impressões vos advieram desse fato?
- Resposta: Eu sentia muito a minha dor, estava completamente ligado a ela.
7
Será verdade que o corpo viva ainda alguns instantes depois da decapitação, tendo o supliciado a consciência das suas idéias?- Resposta: O Espírito retira-se pouco a pouco; quanto mais o retêm os laços materiais, menos pronta é a separação.
8
Dizem que se há notado a expressão da cólera e movimentos na fisionomia de certos supliciados, como se estes quisessem falar; será isso efeito de contrações nervosas, ou um ato da vontade?- Resposta: Da vontade, visto como o Espírito não se tem desligado.
9
Qual o primeiro sentimento que experimentastes ao penetrar na vossa nova existência?- Resposta: Um sofrimento intolerável, uma espécie de remorso pungente cuja causa ignorava.
10
Acaso vos achastes reunido aos vossos cúmplices concomitantemente supliciados?- Resposta: Infelizmente, sim, por desgraça nossa, pois essa visão recíproca é um suplício contínuo, exprobrando-se uns aos outros os seus crimes.
11
Tendes encontrado as vossas vítimas?- Resposta: Vejo-as... são felizes; seus olhares perseguem-me... sinto que me varam o ser e debalde tento fugir-lhes.
- Pergunta: Que impressão vos causam esses olhares?
- Resposta: Vergonha e remorso. Ocasionei-os voluntariamente e ainda os abomino.-P. E qual a impressão que lhes causais vós?
- Resposta: Piedade, é sentimento que lhes apreendo a meu respeito.
12
Terão por sua vez o ódio e o desejo de vingança?- Resposta: Não; os olhares que volvem lembram-me a minha expiação. Vós não podeis avaliar o suplício horrível de tudo devermos àqueles a quem odiamos.
13
Lamentais a perda da vida corporal?- Resposta: Apenas lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, não mais sucumbiria.
14
O pendor para o mal estava na vossa natureza, ou fostes ainda influenciado pelo meio em que vivestes?- Resposta: Sendo eu um Espírito inferior, a tendência para o mal estava na minha própria natureza. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam as minhas forças. Acreditando-me forte, escolhi uma rude prova e acabei por ceder às tentações do mal.
15
Se tivésseis recebido sãos princípios de educação, ter-vos-íeis desviado da senda criminosa?- Resposta: Sim, mas eu havia escolhido a condição do nascimento.
- Pergunta: Acaso não vos poderíeis ter feito homem de bem?
- Resposta: Um homem fraco é incapaz, tanto para o bem como para o mal. Poderia, talvez, corrigir na vida o mal inerente à minha natureza, mas nunca me elevar à prática do bem.
16
Quando encarnado acreditáveis em Deus?- Resposta: Não.
- Pergunta: Mas dizem que à última hora vos arrependeste....
- Resposta: Porque acreditei num Deus vingativo, era natural que o temesse...
- Pergunta: E agora o vosso arrependimento é mais sincero?
- Resposta: Pudera! Eu vejo o que fiz...
- Pergunta: Que pensais de Deus então?
- Resposta: Sinto-o e não o compreendo.
17
Parece-vos justo o castigo que vos infligiram na Terra?- Resposta: Sim.
18
Esperais obter o perdão dos vossos crimes?- Resposta: Não sei.
- Pergunta: Como pretendeis repará-los? Por novas provações, conquanto me pareça que uma eternidade existe entre elas e mim.
19
Onde vos achais agora?- Resposta: Estou no meu sofrimento.
- Pergunta: Perguntamos qual o lugar em que vos encontrais...
- Resposta: Perto da médium.
20
Uma vez que assim é, sob que forma vos veríamos, se tal nos fosse possível?- Resposta: Ver-me-íeis sob a minha forma corpórea: a cabeça separada do tronco.
- Pergunta: Podereis aparecer-nos?
- Resposta: Não; deixai-me.
21
Poderíeis dizer-nos como vos evadistes da prisão de Montdidier?- Resposta: Nada mais sei... é tão grande o meu sofrimento, que apenas guardo a lembrança do crime... Deixai-me.
22
Poderíamos concorrer para vos aliviar desse sofrimento?- Resposta: Fazei votos para que sobrevenha a expiação.
862)
1
Que fostes na Terra?- Resposta: Frade sem fé.
2
Foi a descrença a vossa única falta?- Resposta: Só ela é bastante para acarretar outras.
3
Podereis dar-nos alguns pormenores sobre a vossa vida? Ser-vos-á levada em boa conta a sinceridade da confissão.- Resposta: Pobre e indolente, ordenei-me para ter uma posição, sem pendor aliás para tal encargo. Inteligente, consegui essa posição; influente, abusei do meu poderio; vicioso, corrompi aqueles que tinha por missão salvar; cruel, persegui os que me pareciam querer verberar os meus excessos; os pacíficos foram por mim inquietados. As torturas da fome de muitas vítimas eram extintas amiúde pela violência. Agora, sofro todas as torturas do inferno, ateando-me as vítimas o fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciáveis perseguem-me; crestame a sede os lábios escaldantes, sem que uma gota lhes cala em refrigério. Orai pelo meu Espírito.
4
As preces feitas pelos finados deverão ser-vos atribuídas como aos outros?- Resposta: Acreditais que sejam edificantes, e no entanto elas têm para mim o valor das que eu simulava fazer. Não executei o meu trabalho, e, assim, recebo o salário.
5
Nunca vos arrependestes?- Resposta: Há muito tempo; mas ele só veio pelo sofrimento. E como fui surdo ao clamor de vítimas inocentes, o Senhor também é surdo aos meus clamores. Justiça!
6
Reconheceis a Justiça do Senhor; pois bem, confiai na sua bondade e socorrei-vos do seu auxílio.- Resposta: Os demônios berram mais do que eu; seus gritos sufocam-me; enchem-me a boca de pez fervente!... Eu o fiz, grande... (O Espírito não pôde escrever a palavra Deus.)
7
Não estais suficientemente liberto das idéias terrenas de modo a compreender que essas torturas são todas morais?- Resposta: Sofro-as... sinto-as... vejo os meuscarrascos, que têm todos uma cara conhecida, um nome que repercute em meu cérebro.
8
Mas, que poderia impelir-vos ao cometimento de tantas infâmias?- Resposta: Os vícios de que me achava saturado, a brutalidade das paixões.
9
Nunca implorastes a assistência dos bons Espíritos para vos ajudarem a sair dessa contingência?- Resposta: Apenas vejo os demônios do inferno.
10
E quando estáveis na Terra temíeis esses demônios?- Resposta: Não, absolutamente, visto que só cria em o nada. Os prazeres a todo o transe constituíam o meu culto. E, pois que lhes consagrei a vida, as divindades do inferno não mais me abandonaram, nem abandonarão!
11
Então não lobrigais um termo para esses sofrimentos?- Resposta: O infinito não tem termo.
12
Mas Deus é infinito na sua misericórdia, e tudo pode ter um fim quando lhe aprouver.- Resposta: Se Ele o quisesse!
13
Por que vos viestes inscrever aqui?- Resposta: Não sei mesmo como, mas eu queria falar e gritar para que me aliviassem.
14
E esses demônios não vos inibem de escrever?- Resposta: Não, mas conservam-se à minha frente, e esperam-me... Também por isso, eu desejaria não terminar.
15
É a primeira vez que deste modo escreveis?- Resposta: Sim.
- Pergunta: E sabíeis que os Espíritos podiam assim aproximar-se dos homens?
- Resposta: Não.
- Pergunta: Como, pois, o percebestes?
- Resposta: Não sei.
16
Que sensações experimentastes ao acercar-vos de mim?- Resposta: Um como entorpecimento dos meus terrores.
17
Como vos apercebestes da vossa presença aqui?- Resposta: Como quando se acorda.
18
Como procedestes para comunicar comigo?- Resposta: Não posso compreender, mas tu também não sentiste?
19
Não se trata de mim, porém de vós... Procurai assegurar-vos do que fazeis enquanto eu escrevo.- Resposta: És o meu pensamento, eis tudo. 20. Não tivestes, pois, o desejo de me fazer escrever?
- Resposta: Não, sou eu quem escreve, e tu pensas por mim.
21
Procurai assegurar-vos do vosso estado, porque os bons Espíritos que vos cercam vos ajudarão.- Resposta: Não, que os anjos não vêm ao inferno. Tu não estás só?
- Pergunta: Vedes em torno.
- Resposta: Sinto que me auxiliam a atuar sobre ti... a tua mão obedeceme... não te toco, aliás, e seguro-te... Como? Não sei...
22
Implorai a assistência dos vossos protetores. Vamos pedir ambos.- Resposta: Queres deixar-me? Fica comigo, porque vão reapossar-se de mim. Eu to peço... Fica! Fica!...
23
Não posso demorar-me por mais tempo. Voltai diariamente para orarmos juntos e os bons Espíritos vos auxiliarão.- Resposta: Sim, desejo o perdão. Orai por mim, que não posso fazê-lo. (O guia do médium.) - Coragem, meu filho, porque ser-lhe-á concedido o que pedes, posto longe esteja ainda o termo da expiação. As atrocidades por ele cometidas não têm número nem conta, e maior é a sua culpa porque possuía inteligência, instrução e luzes para guiar-se. Tendo falido com conhecimento de causa, mais terríveis lhe são os sofrimentos, os quais, não obstante, se suavizarão com o auxílio e o exemplo da prece, de modo a que lhes veja o termo, confortado pela esperança. Deus o vê no caminho do arrependimento, e já lheconcedeu a graça de poder comunicar-se a fim de ser encorajado e confortado. Pensa nele muitas vezes, pois nós to entregamos para fortalecer-se nas boas resoluções que lhe poderão advir dos teus conselhos. Ao seu arrependimento sucederá o desejo da reparação, e pedirá então uma nova existência para praticar o bem como compensação do mal que fez. Quando Deus estiver satisfeito a seu respeito e o vir resoluto e firme, far-lhe-á entrever as divinas luzes que o hão de conduzir à salvação, recebendo-o no seu seio qual pai ao filho pródigo. Tem fé, e nós te ajudaremos a completar o teu trabalho. Paulin. Nota - Colocamos este Espírito entre os criminosos, posto que não atingido pela justiça humana, porque o crime se contém nos atos, que não no castigo infligido pelos homens. O mesmo se dá com o que se segue.
- Pergunta: Este Espírito é passível de melhora?
- Resposta: Por que não? pois não o são todos, este como os outros? E possível entretanto que haja nisso dificuldades, porém a permuta do bem pelo mal acabará por sensibilizá-lo. Orai em primeiro lugar, e, se o evocardes daqui a um mês, vereis a transformação operada. Novamente evocado mais tarde, o Espírito mostrou-se mais brando e, pouco a pouco, submisso e arrependido. Explicações posteriores, ministradas não só por ele como por outros Espíritos, deram em resultado saber-se que, em 1608, habitando aquela casa, assassinara um irmão por motivos de terrível ciúme, degolando-o durante o sono. Alguns anos decorridos, também assassinara a esposa. O seu falecimento ocorreu em 1659, na idade de 80 anos, sem que houvesse respondido por estes crimes, que pouca atenção despertaram naquela época de balbúrdias. Depois da morte, jamais cessara de praticar o mal, provocando vários acidentes ocorridos na tal casa. Um médium vidente que assistiu à primeira evocação viu-o, no momento em que pretendiam forçá-lo a escrever, quando sacudiu violentamente o braço do médium. De medonha catadura, trajava uma camisa ensangüentada, tendo na mão um punhal.
1
P. (A S. Luís.) - Tende a bondade de nos descrever o gênero de suplício deste Espírito.- Resposta: É atroz, porque está condenado a habitar a casa em que cometeu o crime, sem poder fixar o pensamento noutra coisa que não no crime, tendo-o sempre ante os olhos e acreditando na eternidade de tal tortura. Está como no momento do próprio crime, porque qualquer outra recordação lhe foi retirada e interdita toda comunicação com qualquer outro Espírito. Sobre a Terra, só pode permanecer naquela casa, e no Espaço só lhe restam solidão e trevas.2. Haveria um meio de o desalojar dessa casa? Qual seria esse meio?
- Resposta: Quando se quer desembaraçar obsessões de semelhantes Espíritos, o meio é fácil - orar por eles. Contudo, é precisamente isso que se deixa de fazer muitas vezes, preferindo-se intimidá-los com exorcismos formulados que, aliás, muito os divertem. 3. Insinuando às pessoas interessadas essa idéia de orar por ele, fazendo-o também nós, conseguiríamos desalojá-lo?
- Resposta: Sim, mas reparai que eu disse para orar e não para mandar orar.
4
Estando em tal situação há dois séculos, apreciará ele todo esse tempo como se fora encarnado, isto é, o tempo parecer-lhe-á tanto ou menos longo do que quando na Terra?- Resposta: Mais longo: o sono não existe para ele.
5
Disseram-nos que o tempo não existe para os Espíritos e que um século, para eles, não passa de um instante na eternidade. Dar-se-á efetivamente esse fato para com todos os Espíritos?- Resposta: Não, decerto, porquanto isso só se dá com os Espíritos que têm atingido elevadíssimo grau de adiantamento; para os inferiores, porém, o tempo é freqüentemente moroso, sobretudo quando sofrem.
6
Donde vinha esse Espírito antes da sua encarnação?- Resposta: Tivera uma existência entre tribos das mais ferozes e selvagens, e, precedentemente, em planeta inferior à Terra.
7
Severamente punido agora por esse crime, sê-lo-ia igualmente pelos que porventura tivesse cometido, como é de supor, quando vivendo entre selvagens?- Resposta: Sim, porém não tanto, visto como, em ser mais ignorante, menos alcançava a extensão do delito.
8
O estado em que se vê esse Espírito é o dos seres vulgarmente designados por danados?- Resposta: Abso-lutamente não, pois há condições ainda mais horrorosas. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, variando conforme seja o culpado mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, aquela casa é o seu inferno, outros trazem esse inferno em si mesmos, pelas paixões que os atormentam sem que possam saciá- las. 9. Apesar da sua inferioridade, este Espírito é sensível aos efeitos da prece, o que também temos verificado com Espíritos igualmente perversos e da mais grosseira natureza; entretanto, Espíritos há que, esclarecidos, de mais desenvolvida inteligência, demonstram completa ausência de bons sentimentos, motejando de tudo que há de mais sagrado; a nada se comovendo e até não dando tréguas ao seu cinismo...
- Resposta: A prece só aproveita ao Espírito que se arrepende; para aqueles que, arrebatados de orgulho, se revoltam contra Deus e persistem no erro, exagerando-o mesmo, tal como procedem os infelizes; para esses a prece nada adianta, nem adiantará senão quando tênue vislumbre de arrependimento começar a germinar-lhes na consciência. A ineficácia da prece também é para eles um castigo. Enfim, ela só alivia os não totalmente endurecidos.
10
Vendo-se um Espírito insensível à ação da prece, será motivo para que se deixe de orar por ele?- Resposta: Não, porquanto, cedo ou tarde, a prece poderá triunfar do seu endurecimento, sugerindo-lhe benéficos pensamentos. O mesmo sucede com certos doentes nos quais a ação medicamentosa só se torna sensível depois de muito tempo, e vice-versa. Compenetrando-nos bem de que todos os Espíritos são suscetíveis de progresso, e que nenhum é fatal e eternamente condenado, fácil nos será compreender a eficácia da prece em quaisquer circunstâncias. Por mais ineficaz que ela possa parecer-nos à primeira vista, o certo é que contém germens em si mesma, bastante benéficos, para bem predisporem o Espírito, quando o não afetem imediatamente. Erro seria, pois, desanimarmos por não colher dela imediato resultado. 11. Ao reencarnar-se este Espírito, qual será a sua categoria?
- Resposta: Depende dele e do arrependimento que então tiver. Muitos colóquios com este Espírito deram em resultado notável transformação do seu moral. Eis aqui algumas das suas respostas:
12
(Ao Espírito.) Por que não pudestes escrever da primeira vez que vos evocamos?- Resposta: Porque não queria.
- Pergunta: Mas por quê?
- Resposta: Ignorância e embrutecimento.
13
Agora podeis deixar, quando vos apraz, a casa de Castelnaudary?- Resposta: Permitem-mo, porque aproveito os vossos conselhos.
- Pergunta: Sentis algum alívio?
- Resposta: Começo a ter esperança.
14
Se possível nos fora o vermo-vos, qual a vossa aparência?- Resposta: Ver-me-íeis com a camisa, mas sem o punhal.
- Pergunta: Por que não mais com o punhal? Que fim lhe destes?
- Resposta: Amaldiçoando-o, Deus arrebatou-mo das vistas.
15
Se o filho do Sr. D... (o da bofetada) voltasse àquela casa, que lhe faríeis?- Resposta: Nada, porque estou arrependido.
- Pergunta: E se ele pretendesse ainda desafiar-vos?
- Resposta: Não me façais essa pergunta! Eu não me dominaria, isso está acima das minhas forças, pois sou um miserável.
16
Lobrigais um termo aos vossos padecimentos?- Resposta: Oh! ainda não. É já muito o saber, graças à vossa intercessão, que esses padecimentos não serão eternos.
17
Tende a bondade de nos descrever a vossa situação antes de vos evocarmos pela primeira vez. Não é preciso acrescentarmos que este pedido tem por fim sabermos como ser-vos úteis, e não a simples e fútil curiosidade.- Resposta: Já vos disse que nada mais compreendia além do meu crime, e que não podia abandonar a casa em que o cometi, a não ser para vagar no Espaço, solitário e obscuro; disso não poderia eu dar-vos uma idéia,porque nunca pude compreender o que se passava. Desde que me alçava ao Espaço, era tudo negrume e vácuo, ou, antes, não sei mesmo o que era... Hoje o meu remorso é muito maior, e no entanto não sou constrangido a permanecer naquela casa fatal, sendo-me permitido vagar sobre a Terra e orientar-me pela observação de quanto aí vejo, compreendendo melhor, assim, a enormidade dos meus crimes, e, se menos sofro por um lado, por outro aumentam as torturas do remorso... Mas... ainda bem que tenho esperança.
18
A terdes de reencarnar, que existência preferiríeis?- Resposta: Sobre isso não tenho meditado suficientemente.
19
Durante o vosso longo insulamento - quase podemos dizer cativeiro - experimentastes algum remorso?- Resposta: Nenhum, e por isso sofri tão longamente. Somente quando o senti, foi que ele provocou, sem que disso me apercebesse, as circunstâncias determinantes da vossa evocação ao meu Espírito, para inicio da libertação. Obrigado, pois, a vós que de mim vos apiedastes e me esclarecestes. Efetivamente, temos visto avaros sofrerem à vista do ouro, que para eles não passava de verdadeira quimera; orgulhosos, atormentados pelo ciúme das honrarias prestadas a outros que não eles; homens que dominavam na Terra, humilhados pela potência invisível, constrangidos à obediência, em presença de subordinados, que não mais se lhe curvavam; ateus atônitos pela dúvida, em face da imensidade, no mais absoluto insulamento, sem um ser que os esclareça. No mundo dos Espíritos há compensações para todas as virtudes, mas há também penalidades para todas as faltas, e, destas, as que escaparam às leis dos homens são infalivelmente atingidas pelas leis de Deus. Devemos ainda notar que as mesmas faltas, ainda que cometidas em circunstâncias idênticas, são diversamente punidas, conforme o grau de adiantamento do Es-pírito delinqüente. Aos Espíritos mais atrasados, de natureza mais grosseira, como este de que vimos de nos ocupar, são infligidos castigos de alguma sorte mais materiais que morais, ao passo que o contrário se dá para com aqueles cuja inteligência e sensibilidade estejam mais desenvolvidas. Aos primeiros impõe-se o castigo apropriado à rudeza do seu discernimento, para compreenderem o erro e dele se libertarem. Assim é que a vergonha, por exemplo, causando pouca ou nenhuma impressão para estes, torna-se para aqueles intolerável. Neste divino código penal, a sabedoria, a bondade, a providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e concatenado com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas. Pelos dogmas das penas eternas, ao contrário, são no inferno confundidos os grandes e pequenos criminosos, os culpados de momento e os reincidentes contumazes, os endurecidos e os arrependidos. Além disso, nenhuma tábua de salvação se lhes oferece; a falta momentânea pode acarretar uma condenação eterna e, o que mais é, qualquer beneficio que porventura hajam feito de nada lhes valerá. De que lado, pois, a verdadeira justiça, a verdadeira bondade? Esta evocação nada tem de casual; e como deveria aproveitar a esse infeliz, visto que ele já começava a compreender a enormidade do seu crime, eis que os Espíritos que velavam julgaram oportuno esse socorro eficaz e entraram a facilitar-lhe as circunstâncias propícias. É este um fato que temos visto reproduzir-se freqüentemente. Perguntar-se-á que seria deste Espírito se não fosse evocado, o que será de todos os sofredores que o não podem ser, bem como daqueles em que se não pensa... Poderíamos redargüir que os meios de que Deus dispõe para salvar as criaturas são inumeráveis, sendo a evocação um dentre esses meios, porém, não único, certamente. Deus não deixa ninguém olvidado, além de que, sobre os Espíritos suscetíveis de arrependimento, as preces coletivas devem exercer alguma influência. A sorte dos Espíritos sofredores não poderia ser por Deus subordinada à boa-vontade e aos conhecimentos humanos. Desde que os homens puderam estabelecer relações regulares com o mundo invisível, uma das primeiras conseqüências do Espiritismo foi o ensino dos serviços que por meio dessas relações podem prestar aos seus irmãos desencarnados. Deus patenteia por esse modo a solidariedade existente entre todos os seres do Universo, ao mesmo tempo que dá a lei da natureza por base ao princípio da fraternidade. Deus demonstra-nos a feição verdadeira, útil e séria das evocações, até então desviadas do seu fim providencial pela ignorância e pela superstição. Aos sofredores jamais faltaram socorros em qualquer época e, se as evocações lhes proporcionam uma nova via de salvação, aproveitam ainda mais, talvez, aos encarnados, por lhes proporcionar novos meios de fazer o benefício, instruindo-se ao mesmo tempo sobre as condições da vida futura.
864)
(Estudo sobre o Espírito de Jacques Latour)
Não se pode desconhecer a profundeza e a alta significação de algumas das frases encerradas nessa comunicação. Além disso, ela oferece um dos aspectos do mundo dos Espíritos em castigo, pairando ainda assim sobre ele a misericórdia divina. A alegoria mitológica das Eumênides não é tão ridícula como parece, e os demônios, carrascos oficiais do mundo invisível, que as substituem perante as modernas crenças, são menos racionais com seus cornos e forcados, do que estas vítimas que servem elas próprias ao castigo do culpado. Admitindo-se a identidade deste Espírito, talvez se estranhe tão pronta mudança do seu moral. É o caso da ponderação já feita, de que pode um Espírito brutalmente mau ter em si melhores predicados do que o dominado pelo orgulho ou pela hipocrisia. Esta reversão a sentimentos mais benéficos indica uma natureza mais selvagem que perversa, à qual apenas faltava boa direção. Comparando esta linguagem com a de outro Espírito, adiante consignada sob a epígrafe: castigo pela luz, é fácil concluir qual dos dois seja mais adiantado moralmente, apesar da disparidade de instrução e hierarquia social, obedecendo um ao natural instinto de ferocidade,a uma espécie de superexcitação, ao passo que o outro empresta à perpetração dos seus crimes a calma e sangue-frio inerentes às lentas e obstinadas combinações, afrontando ainda depois de morto o castigo, por orgulho. Este sofre e não o confessa, ao passo que aquele prontamente se submete. Também por aí podemos prever qual deles sofrerá por mais tempo. Diz o Espírito de Latour: "Eu sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a extensão dos meus crimes." Aí está um pensamento profundo. O Espírito só compreende a gravidade dos seus malefícios depois que se arrepende. O arrependimento acarreta o pesar, o remorso, o sentimento doloroso, que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para se furtarem a isso que os Espíritos perversos se revoltam contra a voz da consciência, quais doentes a repelirem o remédio que os há de curar. E assim procuram iludir-se, aturdir-se e persistir no mal. Latour chegou a esse período no qual se extingue o endurecimento, acabando por ceder. Entra-lhe o remorso pelo coração, o arrependimento o assedia, e, compreendendo o mal que fez, vê a sua degradação e sofre dela. Eis por que ele diz: "Sofro por causa desse arrependimento." Na precedente encarnação, ele devia ter sido pior que na última, visto que, se se tivesse arrependido como agora, melhor lhe teria sido a vida subseqüente. As resoluções, por ele ora tomadas, influirão sobre a sua vida terrestre no futuro; e a encarnação que teve nem por ser criminosa deixou de assinalar-lhe um estádio de progresso. E é muito provável que antes de a iniciar ele fosse na erraticidade um desses muitos Espíritos rebeldes, obstinados no mal. A muitas pessoas ocorre perguntar qual seja o proveito dessa anterioridade de existência, desde que dela nos não lembramos e nem temos idéia do que fomos nem do que fizemos. Esta questão está assaz liquidada pela razão de que tal lembrança seria inútil, visto como de todo apagadoo mal cometido, sem que dele nos reste um traço no coração, também com ele não nos devemos preocupar. Quanto aos vícios de que porventura não estejamos inteiramente despojados, nós os conhecemos pelas nossas tendências atuais, e para elas é que devemos voltar todas as atenções. Basta saber o que somos, sem que seja necessário saber o que fomos. Se considerarmos as dificuldades que há na existência para a reabilitação do Espírito, por maior que seja o seu arrependimento, as reprovações de que se torna objeto, devemos louvar a Deus por ter cerrado esse véu sobre o passado. Condenado a tempo ou absolvido que fosse, os antecedentes de Latour fá-lo-iam um enjeitado da sociedade. Quem o acolheria com intimidade, apesar do seu arrependimento? Entretanto, as intenções que ora patenteia, como Espírito, nos dão a esperança de que venha a ser na próxima encarnação um homem honesto e estimado. Suponhamos que soubessem que esse homem honesto fora Latour, e a reprovação continuaria a persegui-lo. Esse véu sobre o passado é que lhe franqueia a porta da reabilitação, porque pode sem receio e sem pejo ombrear-se com os mais honestos. Quantos há que desejariam poder apagar da memória de outrem certas fases da própria vida? Qual a doutrina que melhor se concilia com a bondade e justiça de Deus? Demais, esta doutrina não é uma teoria, porém o resultado de observações. Por certo não foram os Espíritos que a imaginaram, porém eles viram e observaram as situações diferentes que muitos Espíritos apresentam, e daí o procurarem explicá-las, originando-se então a doutrina. Aceitaram-na, pois, como resultante dos fatos, e ainda por lhes parecer mais racional que todas as emitidas até hoje relativamente ao futuro da alma. Não se pode recusar a estas comunicações um grande fundo moral. O Espírito poderia ter sido auxiliadonesses raciocínios e, sobretudo, na escolha das suas expressões, por outros mais adiantados; mas o fato é que estes apenas influem na forma, que não na essência, e jamais fazem que o Espírito inferior esteja em contradição consigo mesmo. Assim é que em Latour poderiam ter poetizado a forma do arrependimento, mas não lho insinuaram contra sua vontade, porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio. Em Latour lobrigaram o gérmen dos bons sentimentos e por isso o auxiliaram a exprimir-se, contribuindo assim para desenvolvê-lo, ao mesmo tempo que em seu favor imploravam comiseração. Que há de mais digno, mais moralizador, capaz de impressionar mais vivamente, do que o espetáculo deste grande criminoso exprobrando-se a si mesmo o desespero e os remorsos? Desse criminoso que, perseguido pelo incessante olhar de suas vítimas e torturado, eleva a Deus o pensamento implorando misericórdia? Não será isso um exemplo salutar para os culpados? Posto que simples e desprovidos de fantasmagóricas encenações, compreende-se a natureza dessas angústias, porque elas, apesar de terríveis, são racionais. Poder-se-ia talvez estranhar tão grande transformação num homem como Latour... Mas por que havia de ser inacessível ao arrependimento? Por que não possuir também ele a sua corda sensível? O pecador seria, pois, votado ao mal eternamente? Não lhe chegaria, por fim, um momento em que a luz se lhe fizesse nalma? Era justamente essa hora que chegara para Latour; e ali está precisamente o lado moral dos seus ditados; é a compreensão que ele tem do seu estado, são os seus pesares, os seus planos de reparação, que tornam tais mensagens eminentemente instrutivas. Que haveria de extraordinário se Latour confessasse um arrependimento sincero antes da morte, se dissesse antes da morte o que veio dizer depois? Não há, quanto a isso, inúmeros exemplos? Uma regeneração antes da morte passaria, aos olhos do maior número dos seus iguais, por fraqueza; mas essa voz de além-túmulo é seguramente a revelação daquilo mesmoque os aguarda. Ele está em absoluto com a verdade, quando afirma ser o seu exemplo mais eficaz que a perspectiva das chamas do inferno, e até do cadafalso. Por que não lhes ministrar esses sentimentos no cárcere? Eles fariam refletir, do que aliás já temos alguns exemplos. Mas como crer nas palavras de um morto, quando ninguém acredita que para além da morte não esteja tudo acabado? Entretanto, dia virá em que se reconheça esta verdade: - os mortos podem vir instruir os vivos. Outras muitas instruções importantes se podem tirar dessas comunicações; assim, a confirmação deste princípio de eterna justiça, pelo qual ao culpado não basta o arrependimento apenas, sendo este o primeiro passo para a reabilitação que atrai a divina misericórdia. O arrependimento é o prelúdio do perdão, o alívio dos sofrimentos, mas porque Deus não absolve incondicionalmente, faz-se mister a expiação, e principalmente a reparação. Assim o entende Latour, e para tanto se predispõe. Se compararmos este criminoso àquele de Castelnaudary, veremos ainda uma diferença nos castigos. Naquele o arrependimento foi tardio, e, conseqüentemente, mais longa a pena. Além disso, essa pena era quase material, ao passo que para Latour o foi antes moral, porque, como acima dissemos, havia grande diferença intelectual entre eles. Ao outro, impunha-se coisa que pudesse ferir-lhe os sentidos obliterados; mas é preciso notar que as penas morais não serão menos pungentes para todo aquele que esteja em condições de compreendê-las. Podemos inferi-lo dos clamores do próprio Latour, que não são de cólera, mas antes a expressão dos remorsos, de perto seguidos de arrependimento e desejo de reparação, visando o progresso.
Espíritos Endurecidos
Aquele que ontem era um homem.
Analisada esta comunicação na assembléia seguinte, reconheceu-se no próprio cinismo da sua linguagem um profundo ensinamento, patenteando na situação desse infeliz uma nova fase do castigo que espera o culpado. Efetivamente, enquanto alguns são imersos em trevas ou num absoluto insulamento, outros sofrem por longos anos as angústias da extrema hora, ou acreditam-se ainda encarnados. Para estes, a luz brilha, gozando o Espírito, e plenamente, das suas faculdades, sabendo-se morto e não se lastimando, antes repelindo qualquer assistência e afrontando ainda as leis divinas e humanas. Quererá isto dizer que escapassem à punição? De modo algum; é que a justiça de Deus completa-se sob todas as formas, e o que a uns causa alegria é para outros um tormento. A luz faz o suplício desse Espírito, e é ele próprio que o confessa, em que pese ao seu orgulho, quando diz que lutará por si mesmo, só, contra essa luz odiosa. E ainda nesta frase: - "a luz ofusca-me e penetra, qual flecha aguda, a sutileza do meu ser". Essas palavras: - "sutileza do meu ser", são características, dando a entender que sabe que o seu corpo e fluídico e penetrável à luz, à qual não pode escapar, luz que o penetra qual aguda flecha. Este Espírito aqui está colocado entre os endurecidos, em razão do muito tempo que levou, antes que manifestasse arrependimen-to - o que é também um exemplo a mais para provar que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual. Entretanto, pouco a pouco se foi corrigindo, e deu mais tarde ditados instrutivos e sensatos. Hoje, ele poderá ser colocado entre os Espíritos arrependidos. Convidados a emitirem a sua apreciação a respeito, os nossos guias espirituais ditaram as três seguintes comunicações, aliás dignas da mais séria atenção.
I
Lamennais.II
Precipitar um homem nas trevas ou em ondas de luz não dará o mesmo resultado? Num como noutro caso, esse homem nada vê do que o cerca, e habituar-seá mesmo mais facilmente à sombra do que à monótona claridade elétrica, na qual pode estar submerso. O Espírito manifestado na última sessão exprime bem a verdade quando diz: "Oh! eu saberei libertar-me dessa odiosa luz." De fato, essa luz é tanto mais terrível, horrorosa, quanto ela o penetra completamente e lhe devassa os pensamentos mais recônditos. Aí está uma das circunstâncias mais rudes de tal castigo espiritual. O Espírito encontra-se, por assim dizer, na casa de vidro pedida por Sócrates. Disso decorre ainda um ensinamento, visto como o que seria alegria e consolo para o sábio, transforma-se em punição infamante e contínua para o perverso, para o criminoso, para o parricida, sobressaltado em sua própria personalidade. Meus filhos, calculai o sofrimento, o terror dos hipócritas que se compraziam em toda uma existência sinistra a planejar, a combinar os mais hediondos crimes no seu foro íntimo, quais feras refugiadas no seu antro, e que hoje, expulsas desse covil intimo, não se podem furtar à investigação dos seus pares... Arrancada que lhe seja a máscara da impassibilidade, todos os pensamentos se lhe estampam na fronte! Sim, e além de tudo nenhum repouso, nada de asilo para esse formidando criminoso. Todo pensamento mau - e Deus sabe se a sua alma o exprime - se lhe trai porfora e por dentro, como impelido por choque elétrico irresistível. Procura esquivar-se à multidão, e a luz odiosa o devassa continuamente. Quer fugir, e desanda numa carreira infrene, desesperada, através dos espaços incomensuráveis, e por toda a parte luz, olhares que o observam. E corre, e voa novamente em busca da sombra, em busca da noite, e sombra e noite não mais existem para ele! Chama pela morte... Mas a morte não é mais que palavra sem sentido. E o infeliz foge sempre, a caminho da loucura espiritual - castigo tremendo, dor horrível, a debater-se consigo para se desembaraçar de si mesmo, porque tal é a lei suprema para além da Terra, isto é: o culpado busca por si mesmo o seu mais inexorável castigo. Quanto tempo durará esse estado? Até o momento em que a vontade, por fim vencida, se curve constrangida pelo remorso, humilhada a fronte altiva ante os Espíritos de justiça e ante as suas vítimas apaziguadas. Notai a lógica profunda das leis imutáveis; com isso o Espírito realizará o que escrevia nessa altaneira comunicação tão clara, tão lúcida, tão desconsoladoramente egoística, comunicação que vos deu na sexta-feira passada, redigindo-a por um ato da sua própria vontade.Érasto.
III
A justiça humana não faz distinção de individualidades, quanto aos seres que castiga; medindo o crime pelo próprio crime, fere indistintamente os infratores, e a mesma pena atinge o paciente sem distinção de sexo, qualquer que seja a sua educação. De modo diverso procede a justiça divina, cujas punições correspondem ao progresso dos seres aos quais elas são infligidas. Igualdade de crimes não importa, de fato, igualdade individual, visto como dois homens culpados, sob o mesmo ponto de vista, podem separar-se pela dessemelhança de provações, imergindo um deles na opacidade intelectivados primeiros círculos iniciadores, enquanto que o outro dispõe, por haver ultrapassado esses círculos, da lucidez que isenta o Espírito da perturbação. E nesse caso não são mais as trevas a puni-lo, mas a agudeza da luz espiritual que vara a inteligência terrena e lhe faz sentir as dores de uma chaga viva. Os seres desencarnados que presenciam a representação material dos seus crimes, sofrem o choque da eletricidade física: padecem pelos sentidos. E aqueles que pelo Espírito estejam desmaterializados sofrem uma dor muito superior que lhes aniquila, por assim dizer, em seus amargores, a lembrança dos fatos, deixando subsistir a noção de suas respectivas causas. Assim, pode o homem, a despeito da sua criminalidade, possuir um progresso interno e elevar-se acima da espessa atmosfera das baixas camadas, isto pelas faculdades intelectuais sutilizadas, embora tivesse, sob o jugo das paixões, procedido como um bruto. A ausência de ponderação, o desequilíbrio entre o progresso moral e o intelectual, produzem essas tão freqüentes anomalias nas épocas de materialismo e transição. A luz que tortura o Espírito é, portanto e precisamente, o raio espiritual inundando de claridades os secretos recessos do seu orgulho e descobrindo-lhe a inanidade do seu fragmentário ser. Aí estão os primeiros sintomas, as primeiras angústias da agonia espiritual, e que prenunciam a dissolução dos elementos intelectuais e materiais componentes da primitiva dualidade humana, e que devem desaparecer na unidade grandiosa do ser acabado.Jean Reynaud
Além de se completarem reciprocamente, estas três comunicações, obtidas simultaneamente, apresentam o castigo debaixo de um novo prisma, aliás eminentemente filosófico e racional. É provável que os Espíritos, querendo tratar do assunto de acordo com um exemplo, tivessem provocado a manifestação do culpado Ao lado deste quadro vivo, baseado sobre um fato, eis, para estabelecer um paralelo, este que um pregador de Montreuil-sur-Mer, em 1864, por ocasião da quaresma, traçou do inferno: "O fogo do inferno é milhões de vezes mais intenso que o da Terra, e se acaso um dos corpos que lá se queimam, sem se consumirem, fosse lançado ao planeta, empestá-lo-ia de um a outro extremo! O inferno é vasta e sombria caverna, eriçada de agudas pontas de lâminas de espadas aceradas, de lâminas de navalhas afiadíssimas, nas quais são precipitadas as almas dos condenados."
(Ver a Revue Spirite, julho de 1864, pág. 199.)
862)
1
Arrependei-vos das vossas faltas?- Resposta: Não.
- Pergunta: Então por que me procurais?
- Resposta: Para experimentar.
- Pergunta: Acaso não sois feliz?
- Resposta: Não.
- Pergunta: Sofreis?
- Resposta: Não.
- Pergunta: Que vos falta, pois?
- Resposta: A paz. Nota - Certos Espíritos só consideram sofrimento o que lhes lembra as suas dores físicas, convindo, não obstante, ser intolerável o seu estado moral.
2
Como pode faltar-vos a paz na vida espiritual?- Resposta: Uma mágoa do passado.
- Pergunta: A mágoa do passado é remorso; estareis, pois, arrependida?
- Resposta: Não; temor do futuro é o que experimento.
- Pergunta: Que temeis?
- Resposta: O desconhecido.
3
Estais disposta a dizer-me o que fizestes na última encarnação? Isso talvez me facilite a orientar-vos.- Resposta: Nada.
4
Qual a vossa posição social?- Resposta: Mediana.
- Pergunta: Fostes casada?
- Resposta: Sim; fui esposa e mãe.
- Pergunta: E cumpristes zelosa os deveres decorrentes desse duplo encargo?
- Resposta: Não; meu marido entediava-me, bem como meus filhos.
5
E de que modo preenchestes a existência?- Resposta: Divertindo-me em solteira e enfadando-me como mulher.
- Pergunta: Quais eram as vossas ocupações?
- Resposta: Nenhuma.
- Pergunta: E quem cuidava da vossa casa?
- Resposta: A criada.
6
Não será cabível atribuir a essa inércia a causa dos vossos pesares e temores?- Resposta: Talvez tenhais razão. Mas não basta concordar.
- Pergunta: Quereis reparar a inutilidade dessa existência e auxiliar os Espíritos sofredores que nos cercam?
- Resposta: Como?
- Pergunta: Ajudando-os a aperfeiçoarem-se pelos vossos conselhos e pelas vossas preces.
- Resposta: Eu não sei orar.
- Pergunta: Fá-lo-emos juntos e aprendereis. Sim?
- Resposta: Não.
- Pergunta: Mas por quê?
- Resposta: Cansa. Instruções do guia do médium Damos-te instrução, facultando-te o conhecimento prático dos diversos estados de sofrimento, bem como da situação dos Espíritos condenados à expiação das próprias faltas. Angèle era uma dessas criaturas sem iniciativa, cuja existência é tão inútil a si como ao próximo. Amando apenas o prazer, incapaz de procurar no estudo, no cumprimento dos deveres domésticos e sociais as únicas satisfações do coração, que fazem o encanto da vida, porque são de todas as épocas, ela não pôde empregar a juventude senão em distrações frívolas; e quando deveres mais sérios se lhe impuseram, já o mundo se lhe havia feito um vácuo, porque vazio também estava o seu coração. Sem faltas graves, mas também sem méritos, ela fez a infelicidade do marido, comprometendo pela sua incúria e desleixo o futuro dos próprios filhos. Deturpou-lhes o coração e os sentimentos, já por seu exemplo, já pelo abandono em que os deixou, entregues a fâmulos, que ela nem sequer se dava ao trabalho de escolher. A sua existência foi improfícua e, por isso mesmo, culposa, visto que o mal é oriundo da negligência do bem. Ficai bem certos de que não basta abster-vos de faltas: é preciso praticar as virtudes que lhes são opostas. Estudai os ensinamentos do Senhor; meditai-os e compenetrai-vos de que eles, se vos fazem estacar na senda do mal, também vos impõem voltar atrás, a fim de tomardes o caminho oposto que conduz ao bem. O mal é a antítese do bem; logo, quem quiser evitar o primeiro deve seguir o segundo, sem o qual a vida se torna nula, mortas as suas obras, e Deus, nosso pai, não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.
- Pergunta: Ser-me-á permitido saber qual teria sido a penúltima existência de Angèle? A última deveria ter sido conseqüência dela, isto é, da penúltima.
- Resposta: Ela viveu na indolência beatífica, na inutilidade da vida monástica. Preguiçosa e egoísta por gosto, quis experimentar a vida doméstica, mas seu Espírito pouco progrediu. Sempre repeliu a voz íntima que lhe apontava o perigo, e, como a propensão era suave, preferiu abandonar-se a ela, a fazer um esforço para sustá-la em começo. Hoje ainda compreende o perigo dessa neutralidade, mas não se sente com forças para tentar o mínimo esforço. Orai por ela, procurai despertá-la e fazer que seus olhos se abram à luz. É um dever, e dever algum se despreza. O homem foi criado para a atividade; a atividade do Espírito é da sua própria essência; e a do corpo, uma necessidade. Cumpri, portanto, as prescrições da existência, como Espírito votado à paz eterna. A serviço do Espírito, o corpo mais não é que máquina submetida à inteligência: trabalhai, cultivai, portanto, a inteligência, para que dê salutar impulso ao instrumento que deve auxiliá-la no cumprimento de sua missão. Não lhe concedais tréguas nem repouso, tendo em mente que essa paz a que aspirais não vos será concedida senão pelo trabalho. Assim, quanto mais protelardes este, tanto mais durará para vós a ansiedade de espera. Trabalhai, trabalhai incessantemente; cumpri todos os deveres sem exceção, isto com zelo, com coragem, com perseverança. A fé vos alentará. Todo aquele que desempenha conscientemente o papel mais ingrato e vil da vossa sociedade, é cem vezes mais elevado aos olhos do Onipotente do que aquele que, impondo esse papel aos outros, despreza o seu. Tudo é degrau que dá acesso ao céu: não quebreis a lápide sob os pés e contai com o concurso de amigos que vos estendem a mão, sustentáculos que são dos que vão haurir suas forças na crença do Senhor.
Monod.
862)
1
Que vos leva a pedir preces?- Resposta: Estou farto de vagar sem objetivo.
- Pergunta: Estais há muito em tal situação?
- Resposta: Faz cento e oitenta anos mais ou menos.
- Pergunta: Que fizestes na Terra?
- Resposta: Nada de bom.
2
Qual a vossa posição entre os Espíritos?- Resposta: Estou entre os entediados.
- Pergunta: Mas isso não forma categoria...
- Resposta: Entre nós, tudo forma categoria. Cada sensação encontra suas semelhantes, ou suas simpatias que se reúnem.
3
Por que permanecestes tanto tempo estacionário, sem que fosseis condenado a sofrer?- Resposta: É que eu estava votado ao tédio, que entre nós é um sofrimento. Tudo o que não é alegria, é dor.
- Pergunta: Fostes, pois, forçado à erraticidade contra a vontade?
- Resposta: São coisas sutilíssimas para vossa inteligência material.
- Pergunta: Procurando explicar-me essas coisas, talvez comeceis a beneficiar-vos a vós mesmos...
- Resposta: Faltando-me termos de comparação, não poderei fazê-lo. Uma vida sem proveito, extinguindo-se, lega ao Espírito, que a encarnou, o mesmo que ao papel pode legar o fogo quando o consome - fagulhas, que lembram às cinzas ainda compactas a sua proveniência, a causa do seu nascimento, ou, se o quiseres, da destruição do papel. Essas fagulhas são a lembrança dos laços terrestres que vinculam o Espírito, até que este disperse as cinzas do seu corpo. Então, e só então, tem ele, eterizada essência, o conhecimento de si mesmo, desejando o progresso.
4
Qual poderia ter sido a causa desse aborrecimento de que vos acusais?- Resposta: conseqüências da existência. O tédio é filho da inação; por não ter eu sabido utilizar o longo tempo de encarnação, as conseqüências vieram refletir-se neste mundo.
5
Os Espíritos que, como vós, foram tomados de tédio, não podem libertar-se de tal contingência desde que o desejem?- Resposta: Não, nem sempre, porque o tédio lhes paralisa a vontade. Sofrem as conseqüências da vida que levaram, e, como foram inúteis, desprovidos de iniciativa, assim também não encontram entre si concurso algum. Entregues a si mesmos, nesse estado permanecem, até que o cansaço, decorrente de tal neutralidade, os agite em sentido contrario, momento no qual a sua menor vontade vai encontrar apoio e bons conselhos e secundar-lhes o esforço e a perseverança.
6
Podeis dizer-me algo da vossa existência terrena?- Resposta: Oh! Deveis compreender que pouco me é dadodizer, visto como o tédio, a nulidade e a inação provêm da preguiça, que, por sua vez, é mãe da ignorância.
7
E não vos aproveitaram as existências anteriores?- Resposta: Sim, todas, porém, parcamente, visto serem reflexos umas das outras. O progresso existe sempre, porém tão insensível que se nos torna inapreciável.
8
Enquanto esperais uma nova encarnação, apraz-vos repetir as vossas comunicações?- Resposta: Evocai-me para me obrigardes a vir, pois com isso me prestareis um beneficio.
9
Podeis dizer-nos por que tão freqüentemente varia a vossa caligrafia?- Resposta: Porque interrogais muito, o que aliás me fatiga, quando tenho necessidade de auxilio. O guia do médium. - O trabalho intelectual é que o fatiga, obrigando-nos a prestar o nosso concurso para que possa dar resposta às tuas perguntas. Este é um ocioso no mundo espiritual, assim como o foi no planeta. Trouxemo-lo a ti para que tentasses arrancá-lo dessa apatia, desse tédio que constitui verdadeiro sofrimento, às vezes mais doloroso que os sofrimentos agudos, por se poder prolongar indefinidamente. Imagina a perspectiva de um tédio sem-fim. A maior parte das vezes são os Espíritos dessa categoria que buscam as vidas terrestres apenas como passatempo e para interromper a monotonia da vida espiritual. Assim acontece aí chegarem freqüentemente sem resoluções definidas para o bem, obrigados a recomeçarem sucessivamente, até atingirem a compreensão do verdadeiro progresso.
858)
1
Quais as vossas sensações ao deixardes o mundo terrestre?- Resposta: Ainda perturbada, torna-se-me impos-sível explicá-las.
- Pergunta: Sois feliz?
- Resposta: Tenho saudades da vida... não sei... experimento acerba dor da qual a vida me libertaria... quisera que o corpo se levantasse do túmulo...
2
Lamentais o ter sido sepultada entre cristãos, que não no vosso país?- Resposta: Sim, a terra indiana menos me pesaria sobre o corpo.
- Pergunta: Que pensais das honras fúnebres tributadas aos vossos despojos?
- Resposta: Não foram grande coisa, pois eu era rainha e nem todos se curvaram diante de mim... Deixai-me... forçam-me a falar, quando não quero que saibais o que ora sou... Asseguro-vos, eu era rainha...
3
Respeitamos a vossa hierarquia e só insistimos para que nos respondais no propósito de nos instruirmos. Acreditais que vosso filho recupere de futuro os Estados de seu pai?- Resposta: Meu sangue reinará, por certo, visto como é digno disso.
- Pergunta: Ligais a essa reintegração de vosso filho a mesma importância que lhe dáveis quando encarnada?
- Resposta: Meu sangue não pode misturar-se com o do povo.
4
Não se pôde fazer constar na respectiva certidão de óbito o lugar do vosso nascimento; podereis no-lo dizer, agora?- Resposta: Sou oriunda do mais nobre dos sangues da Índia. Penso que nasci em Delhi.
5
Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais hoje de tudo isso?- Resposta: Que tenho direito.
- Pergunta: A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada nesse mundo em que ora estais?
- Resposta: Continuo a ser rainha... que se enviem escravas para me servirem!... Mas... não sei... parece-me que pouco se preocupam com a minha pessoa aqui... e contudo eu... sou sempre a mesma.
6
Professáveis a religião muçulmana ou a hindu?- Resposta: Muçulmana; eu, porém, era bastante poderosa para que me ocupasse de Deus.
- Pergunta: No ponto de vista da felicidade humana, quais as diferenças que assinalais entre a vossa religião e o Cristianismo?
- Resposta: A religião cristã é absurda; diz que todos são irmãos.
- Pergunta: Qual a vossa opinião a respeito de Maomé?
- Resposta: Não era filho de rei.
- Pergunta: Acreditais que ele houvesse tido uma missão divina?
- Resposta: Isso que me importa?!
- Pergunta: Qual a vossa opinião quanto ao Cristo?
- Resposta: O filho do carpinteiro não é digno de preocupar meus pensamentos.
7
Que pensais desse uso pelo qual as mulheres muçulmanas se furtam aos olhos masculinos?- Resposta: Penso que as mulheres nasceram para dominar: - eu era mulher.
- Pergunta: Tendes inveja da liberdade de que gozam as européias?
- Resposta: Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, ajoelhados?
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Tendes reminiscências de encarnações anteriores a esta que vindes de deixar?- Resposta: Deveria ter sido sempre rainha.
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Por que acudistes tão prontamente ao nosso apelo?- Resposta: Não queria fazê-lo, mas forçaram-me. Acaso julgarás que eu me dignaria responder-te? Que és tu a meu lado?
- Pergunta: E quem vos forçou a vir?
- Resposta: Eu mesma não sei... posto que não deva existir ninguém mais poderoso do que eu.
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Sob que forma vos apresentais aqui?- Resposta: Sempre rainha... e pensas que eu tenha deixado de o ser? És pouco respeitoso... fica sabendo que não é desse modo que se fala a rainhas.
11
Se nos fosse dado enxergar-vos, ver-vos-íamos com os vossos ornatos e pedrarias?- Resposta: Certamente...
- Pergunta: E como se explica o fato de, despojado de tudo isso, conservar o vosso Espírito tais aparatos, sobretudo os ornamentos?
- Resposta: É que eles me não deixaram. Sou tão bela quanto era, e não compreendo o juízo que de mim fazeis! É verdade que nunca me vistes.
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Qual a impressão que vos causa em vos achardes entre nós?- Resposta: Se eu pudesse evitá-la... Tratam-me com tão pouca cortesia...
(São Luís.) Deixai-a, a pobre perturbada. Tende compaixão da sua cegueira e oxalá vos sirva de exemplo. Não sabeis quanto padece o seu orgulho. Nota - Evocando esta grandeza decaída ao túmulo, não esperávamos respostas de grande alcance, dado o gênero da educação feminina nesse país; julgávamos, porém, encontrar nesse Espírito, não diremos filosofia, mas pelo menos uma noção mais aproximada da realidade, e idéias mais sensatas relativamente a vaidades e grandezas terrenas. Longe disso, vimos que o Espírito conservava todos os preconceitos terrestres na plenitude da sua força; que o orgulho nada perdeu das suas ilusões; que lutava contra a própria fraqueza e, finalmente, que muito devia sofrer pela sua impotência.
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- Pergunta: Quem sois? Este nome é de homem ou de mulher?
- Resposta: De homem, e tão infeliz quanto possível. Sofro todos os tormentos do inferno.
- Pergunta: Mas se o inferno não existe, como podeis sofrer-lhe as torturas?
- Resposta: Pergunta inútil.
- Pergunta: Compreendo, mas outros precisam de explicações...
- Resposta: Isso pouco me incomoda.
- Pergunta: O egoísmo não será uma das causas do vosso sofrimento?
- Resposta: Pode ser.
- Pergunta: Se quiserdes ser aliviado, começai repudiando as más tendências ...
- Resposta: Não te incomodes com o que não é da tua conta; principia orando por mim, como praticas com os outros, e depois veremos.
- Pergunta: A não me auxiliardes com o vosso arrependimento, a prece pouco valor poderá ter.
- Resposta: Mas falando, em vez de orares, menos ainda me adiantarás.
- Pergunta: Então desejais adiantar-vos?
- Resposta: Talvez... não sei. Vejamos o essencial, isto é, se a prece alivia os sofrimentos.
- Pergunta: Unamos então os nossos pensamentos com a firme vontade de obter o vosso alívio.
- Resposta: Vá lá.
- Pergunta: (Depois da prece.) Estais satisfeito?
- Resposta: Não como fora para desejar.
- Pergunta: Mas o remédio, aplicado pela primeira vez, não pode curar imediatamente um mal antigo...
- Resposta: É possível...
- Pergunta: Quereis voltar?
- Resposta: Se me chamares... O guia da médium. - Filha, terás muito trabalho com este Espírito endurecido, mas o maior mérito não advém de salvar os não perdidos. Coragem, perseverança, e triunfarás afinal. Não há culpados que se não possam regenerar por meio da persuasão e do exemplo, visto como os Espíritos, por mais perversos, acabam por corrigir-se com o tempo. O fato de muitas vezes ser impossível regenerá-los prontamente, não importa na inutilidade de tais esforços. Mesmo a contragosto, as idéias sugeridas a tais Espíritos fazem-nos refletir. São como sementes que, cedo ou tarde, tivessem de frutificar. Não se arrebenta a pedra com a primeira marretada. Isto que te digo pode aplicar-se também aos encarnados e tu deves compreender a razão por que o Espi-ritismo não faz imediatamente homens perfeitos, mesmo entre os adeptos mais crentes. A crença é o primeiro passo; vindo em seguida a fé e a transformação a seu turno; mas, além disso, força é que muitos venham revigorar-se no mundo espiritual. Entre os Espíritos endurecidos, não há só perversos e maus. Grande é o número dos que, sem fazer o mal, estacionam por orgulho, indiferença ou apatia. Estes, nem por isso, são menos infelizes, pois tanto mais os aflige a inércia quanto mais se vêem privados das mundanas compensações. Intolerável, por certo, se lhes torna a perspectiva do infinito, porém eles não têm nem a força nem a vontade para romper com essa situação. Referimo-nos a esses indivíduos que levam uma existência ociosa, inútil a si como ao próximo, acabando muita vez no suicídio, sem motivos sérios, por aborrecimento da vida. Em regra, tais Espíritos são menos passíveis de imediata regeneração, do que os positivamente maus, visto como estes ao menos dispõem de energia, e, uma vez doutrinados, votam-se ao bem com o mesmo ardor que lhes inspirava o mal. Aos outros, muitas encarnações se fazem precisas para que progridam, e isto pouco a pouco, domados pelo tédio, procurando, para se distraírem, qualquer ocupação que mais tarde venha transformar-se em necessidade.