Enciclopédia de Números 6:1-1

Tradução (ARC) - 2009 - Almeida Revisada e Corrigida

Índice

Perícope

nm 6: 1

Versão Versículo
ARA Disse o Senhor a Moisés:
ARC E FALOU o Senhor a Moisés, dizendo:
TB Disse Jeová a Moisés:
HSB וַיְדַבֵּ֥ר יְהוָ֖ה אֶל־ מֹשֶׁ֥ה לֵּאמֹֽר׃
BKJ E falou o SENHOR a Moisés, dizendo:
LTT E falou o SENHOR a Moisés, dizendo:
BJ2 Iahweh falou a Moisés e disse:
VULG Locutusque est Dominus ad Moysen, dicens :

Referências Cruzadas

As referências cruzadas da Bíblia são uma ferramenta de estudo que ajuda a conectar diferentes partes da Bíblia que compartilham temas, palavras-chave, histórias ou ideias semelhantes. Elas são compostas por um conjunto de referências bíblicas que apontam para outros versículos ou capítulos da Bíblia que têm relação com o texto que está sendo estudado. Essa ferramenta é usada para aprofundar a compreensão do significado da Escritura e para ajudar na interpretação e aplicação dos ensinamentos bíblicos na vida diária. Abaixo, temos as referências cruzadas do texto bíblico de Números 6:1

Livros

Livros citados como referências bíblicas, que citam versículos bíblicos, são obras que se baseiam na Bíblia para apresentar um argumento ou discutir um tema específico. Esses livros geralmente contêm referências bíblicas que são usadas para apoiar as afirmações feitas pelo autor. Eles podem incluir explicações adicionais e insights sobre os versículos bíblicos citados, fornecendo uma compreensão mais profunda do texto sagrado.

Referências em Livro Espírita


Saulo Cesar Ribeiro da Silva

nm 6:1
Evangelho por Emmanuel, O – Comentários aos Atos dos Apóstolos

Categoria: Livro Espírita
Capítulo: 115
Francisco Cândido Xavier
Emmanuel
Saulo Cesar Ribeiro da Silva

16 E também foram conosco [alguns] dos discípulos de Cesareia, trazendo consigo Mnasom, um cipriota, velho discípulo, com o qual seríamos hospedados. 17 Quando nós chegamos em Jerusalém, os irmãos nos receberam alegremente. 18 No [dia] seguinte, Paulo entrou conosco na [casa de] Tiago e todos os anciãos estavam presentes. — (At 21:16)


Obedecendo às recomendações de , Paulo de Tarso hospedou-se em casa de Mnason, antes de qualquer entendimento com a igreja. O Apóstolo galileu prometeu visitá-lo na mesma noite.

Pressentindo acontecimentos de importância naquela fase de sua existência, o ex-rabino aproveitou o dia traçando planos de trabalho para os discípulos mais diretos.

À noite, quando espesso manto de sombras envolvia a cidade, Tiago apareceu, cumprimentando o companheiro em atitude muito humilde. Também ele estava envelhecido, exausto, doente. O convertido de Damasco, ao contrário de outras vezes, experimentou extrema simpatia pela sua pessoa, que parecia inteiramente modificada pelos reveses e tribulações da vida.

Trocadas as primeiras impressões relativamente às viagens e feitos evangélicos, o companheiro de pediu ao ex-rabino lhe marcasse lugar e hora em que pudessem falar mais intimamente.

Paulo atendeu de pronto, seguindo ambos para um aposento particular.


O filho de Alfeu começou explicando o motivo de suas graves apreensões. Havia mais de um ano que os rabinos Eliakim e Enoch deliberaram reviver os processos de perseguições iniciados por ele, Paulo, quando da sua movimentada gestão no Sinédrio.  Alegaram que o antigo doutor incidira nos sortilégios e feitiçarias da espúria grei, comprometendo a causa do , e não era justo continuar tolerando a situação, tão somente porque o doutor tarsense perdera a razão, . A iniciativa ganhara enorme popularidade nos círculos religiosos de Jerusalém  e o maior instituto legislativo da raça — o Sinédrio — aprovou as medidas propostas. Reconhecendo que a obra evangelizadora de Paulo produzia maravilhosos frutos de esperança em toda a parte, conforme as notícias incessantes, de todas as sinagogas das regiões por ele percorridas, o grande Tribunal começou por decretar a prisão do Apóstolo dos gentios. Numerosos processos de perseguição individual, deixados a meio por Paulo de Tarso, quando de sua inesperada conversão, foram restaurados e, o que era mais grave — quando falecidos os réus, era a pena aplicada aos descendentes, que, assim, eram torturados, humilhados, desonrados!

O ex-rabino tudo ouvia calado, estupefato.


Tiago prosseguia, esclarecendo que tudo fizera por atenuar os rigores da situação. Mobilizara influências políticas ao seu alcance, conseguindo atenuar umas tantas sentenças mais iníquas. Não obstante o banimento de Pedro, procurou manter os serviços de assistência aos desvalidos, bem como a colônia de serviço, fundada por inspiração do convertido de Damasco e na qual os convalescentes e desamparados encontravam precioso ambiente de atividade remunerada e pacífica. Depois de vários entendimentos com o Sinédrio, por intermédio de amigos influentes no judaísmo, teve a satisfação de abrandar o rigor das exigências a serem aplicadas no caso dele, Paulo. O ex-doutor de Tarso ficaria com liberdade de agir, poderia continuar propugnando suas convicções íntimas; daria, porém, uma satisfação pública aos preconceitos de raça, atendendo aos quesitos que o Sinédrio lhe apresentaria por intermédio de Tiago, que se mostrava seu amigo. O companheiro de Simão Pedro explicava que as exigências eram muito rigorosas a princípio, mas agora, mercê de enormes esforços, cingiam-se a uma obrigação de somenos.


Paulo de Tarso escutava-o extremamente sensibilizado. Dono de luminoso cabedal evangélico, entendia chegado o momento de testemunhar seu devotamento ao Mestre, justamente através do mesmo órgão de perseguição que a sua ignorância engendrara em outros tempos. Naqueles minutos rápidos, sutilizou a mnemônica e lobrigou os quadros terríveis de outrora… Velhos torturados em sua presença, para sentir o prazer da apostasia cristã, com a repetição do voto de fidelidade eterna a Moisés; mães de família arrancadas de seus lares obscuros, obrigadas a jurar pela Antiga Lei, que renegavam o carpinteiro de Nazaré, abominando a cruz do seu martírio e ignomínia. Os soluços daquelas mulheres humildes, que abjuravam da fé porque se viam feridas no que possuíam de mais nobre, o instinto maternal, chegavam, agora, a seus ouvidos como brados de angústia, clamando resgates dolorosos. Todas as cenas antigas desdobravam-se-lhe na retina espiritual, sem omissão do mais insignificante pormenor. Moços robustos, arrimos de famílias numerosas, que saíam mutilados do cárcere; jovens que pediam vingança, crianças que reclamavam os pais encarcerados. Entestando as revocações encapeladas, passou ao quadro da morte horrível de com as pedradas e insultos do povo: reviu e abatidos e humildes, à barra do Tribunal, como se fossem malfeitores e criminosos. Agora, ali estava ele perante o filho de Alfeu, que nunca o compreendera de forma integral a falar-lhe em nome do passado e em nome do Cristo, como a concitá-lo ao resgate de suas derradeiras dívidas angustiosas.


Paulo de Tarso sentiu que uma lágrima lhe apontava nos olhos, sem chegar a cair. Que espécie de tortura lhe estaria reservada? Quais as determinações da autoridade religiosa a que Tiago se referia com evidente interesse?

Quando o companheiro de Simão fez uma pausa mais longa, o ex-rabino perguntou muito comovido:

— Que pretendem eles de mim?

O filho de Alfeu fixou nele os olhos serenos e explicou:

— Depois de muito relutarem, os israelitas congregados em nossa igreja vão pedir-te, apenas, que pagues as despesas de quatro homens pobres, que fizeram voto de nazireu, (Nm 6:1) comparecendo com eles no templo, durante sete dias consecutivos, para que todo o povo possa ver que continuas bom judeu e leal filho de Abraão… À primeira vista, a demonstração poderá parecer pueril; entretanto, colima, como vês, satisfazer a vaidade farisaica.


O ex-rabino fez um gesto muito seu, quando contrariado, e replicou:

— Pensei que o Sinédrio ia exigir minha morte!…

Tiago compreendeu quanto de repugnância transbordava de semelhante observação e objetou:

— Bem sei que isso te repugna e, contudo, insisto para que acedas, não por nós, propriamente, mas pela igreja e pelos que de futuro nos hajam de secundar.

— Isso — obtemperou Paulo, com enorme desencanto — não representa nobreza alguma. Essa exigência é uma ironia profunda e visa reduzir-nos a crianças, de tão fútil que é. Não é perseguição, é humilhação; é o desejo de exibir homens conscientes como se fossem meninos volúveis e ignorantes…


Tiago, porém, tomando uma atitude carinhosa que o ex-rabino jamais lhe surpreendera em qualquer circunstâncias da vida, falou com extrema ternura fraternal, revelando-se ao companheiro surpreendido, por outro prisma:

— Sim, Paulo, compreendo tua justa aversão. O Sinédrio, com isso, pretende achincalhar nossas convicções. Sei que a tortura na praça pública te doeria menos; entretanto, supões que isso não represente, para mim, uma dor de muitos anos?… Acreditarias, acaso, que minhas atitudes nascessem de um fanatismo inconsciente e criminoso? Compreendi, muito cedo, desde a primeira perseguição, que a tarefa de harmonização da igreja, com os judeus, estava mais particularmente em minhas mãos. Como sabes, o farisaísmo sempre viveu numa exuberante ostentação de hipocrisia; mas, convenhamos, também, que é o partido dominante, tradicional, das nossas autoridades religiosas. Desde o primeiro dia, tenho sido obrigado a caminhar com os fariseus  muitas milhas para conseguir alguma coisa na manutenção da igreja do Cristo. Fingimento? Não julgues tal. Muitas vezes o Mestre nos ensinou, na Galileia,  que o melhor testemunho está em morrer devagarinho, diariamente, pela vitória da sua causa; por isso mesmo, afiançava que Deus não deseja a morte do pecador, (Ez 18:23) porque é na extinção de nossos caprichos de cada dia que encontramos a escada luminosa para ascender ao seu infinito amor. A atenção que tenho dedicado aos judeus é gêmea do carinho que consagras aos gentios. A cada um de nós confiou Jesus uma tarefa diferente na forma, mas idêntica no fundo. Se muitas vezes tenho provocado falsas interpretações das minhas atitudes, tudo isso é mágoa para meu Espírito habituado à simplicidade do ambiente galileu. De que nos valeria o conflito destruidor, quando temos grandiosos deveres a cuidar? Importa-nos saber morrer, para que nossas ideias se transmitam e floresçam nos outros. As lutas pessoais ao contrário, estiolam as melhores esperanças. Criar separações e proclamar seus prejuízos, dentro da igreja do Cristo, não seria exterminarmos a planta sagrada do Evangelho por nossas próprias mãos?


A palavra de Tiago toava imantada de bondade e sabedoria e valia por consoladora revelação. Os galileus eram muito mais sábios que qualquer dos rabinos mais cultos de Jerusalém. Ele, que chegara ao mundo religioso através de escolas famosas, que tivera sempre, na mocidade, a inspiração de um , admirava agora aqueles homens aparentemente rústicos, vindos das choupanas de pesca, que, em Jerusalém, alcançavam inesquecíveis vitórias intelectuais, somente porque sabiam calar quando oportuno, aliando à experiência da vida uma enorme expressão de bondade e renúncia, à feição do Divino Mestre.

O convertido de Damasco entreviu o filho de Alfeu por um novo prisma. Seus cabelos grisalhos, o rugoso e macilento rosto, falavam de trabalhos árduos e incessantes. Agora, percebia que a vida exige mais compreensão que conhecimento. Presumia conhecer o Apóstolo galileu com o seu cabedal psicológico, e, no entanto, chegava à conclusão de que apenas naquele instante pudera compreende-lo no título que lhe competia.


Quando o companheiro de Simão Pedro fez uma pausa mais longa, Paulo de Tarso contemplou-o com imensa simpatia e falou comovidamente:

— Vejo que tens razão, mas a exigência requer dinheiro. Quanto terei de pagar pela sentença? Segregado e distante do judaísmo há muitos anos, ignoro se os cerimoniais sofreram alterações apreciáveis.

— Os preceitos são os mesmos — respondeu Tiago —, já que serás obrigado a te purificares com eles e, segundo as tradições, custearás a compra de quinze ovelhas, além dos comestíveis preceituais.

— É um absurdo! — objetou o Apóstolo dos gentios.

— Como sabes, a autoridade religiosa exige de cada nazireu três animais para os serviços da consagração.

— Dura exigência — disse Paulo comovido.

— No entanto — replicou Tiago, com um sorriso —, nossa paz vale muito mais que isso e, além dela, somos obrigados a não comprometer o futuro do Cristianismo.


O convertido de Damasco descansou o rosto na mão direita por longo tempo, dando a perceber a amplitude de suas meditações, e acabou falando em diapasão que traía a sua enorme sensibilidade:

— Tiago, como tu mesmo, atingi hoje um nível mais alto de compreensão da vida. Entendo melhor os teus argumentos. A existência humana é bem uma ascensão das trevas para a luz. A juventude, a presunção de autoridade, a centralização de nossa esfera pessoal, acarretam muitas ilusões, laivando de sombras as coisas mais santas. Assiste-me o dever de curvar-me às exigências do judaísmo consequentes de uma perseguição por mim próprio iniciada em outros tempos.


Deteve-se, evidenciando dificuldade para confessar-se plenamente… Mas tomando uma atitude mais humilde, como quem não encontra outro recurso, prosseguiu quase tímido:

— Nas minhas lutas, nunca me presumi vítima, considerando-me sempre como antagonista do mal. Só Jesus, em sua pureza e amor imaculados, podia alegar a condição de anjo vitimado por nossa maldade sombria; quanto a mim, por mais que me apedrejassem e ferissem, sempre julguei que era muito pouco em relação ao que me competia sofrer nos justos testemunhos. Agora, porém, Tiago, estou preocupado com um pequenino obstáculo. Como não ignoras, tenho vivido absolutamente do meu trabalho de tecelão e, presentemente, não disponho de dinheiro com que possa prover às despesas em perspectiva… Seria a primeira vez que houvesse de recorrer à bolsa alheia, quando a solução do assunto depende exclusivamente de mim…


Suas palavras demonstravam acanhamento, aliado à tristeza comumente experimentada nos dias de humilhação e de infortúnio. Ante aquela expressão de renúncia, Tiago, num movimento de grande espontaneidade, tomou-lhe a mão e beijou-a murmurando:

— Não te aflijas: sabemos em Jerusalém da extensão de teus esforços pessoais e não seria razoável que a igreja se desinteressasse dessas imposições que se não justificam. Nossa instituição pagará todas as despesas. Não é pouco concordares com o sacrifício.


Conversaram ainda longo tempo, com relação aos problemas interessantes à propaganda evangélica e, no dia seguinte, Paulo e os companheiros compareceram na igreja de Jerusalém, recebidos por Tiago acompanhado de todos os anciães judeus, simpatizantes do Cristo e seguidores de Moisés, congregados para ouvi-lo. […]




(Paulo e Estêvão, FEB Editora., pp. 403 a 408. Indicadores 1 a 14)


nm 6:1
Paulo e Estêvão

Categoria: Livro Espírita
Capítulo: 8
Francisco Cândido Xavier
Emmanuel
Saulo Cesar Ribeiro da Silva

Obedecendo às recomendações de , Paulo de Tarso hospedou-se em casa de Mnason, antes de qualquer entendimento com a igreja. O Apóstolo galileu prometeu visitá-lo na mesma noite.

Pressentindo acontecimentos de importância naquela fase de sua existência, o ex-rabino aproveitou o dia traçando planos de trabalho para os discípulos mais diretos.

À noite, quando espesso manto de sombras envolvia a cidade, Tiago apareceu, cumprimentando o companheiro em atitude muito humilde. Também ele estava envelhecido, exausto, doente. O convertido de Damasco, ao contrário de outras vezes, experimentou extrema simpatia pela sua pessoa, que parecia inteiramente modificada pelos reveses e tribulações da vida.

Trocadas as primeiras impressões relativamente às viagens e feitos evangélicos, o companheiro de pediu ao ex-rabino lhe marcasse lugar e hora em que pudessem falar mais intimamente.

Paulo atendeu de pronto, seguindo ambos para um aposento particular.


O filho de Alfeu começou explicando o motivo de suas graves apreensões. Havia mais de um ano que os rabinos Eliakim e Enoch deliberaram reviver os processos de perseguições iniciados por ele, Paulo, quando da sua movimentada gestão no Sinédrio.  Alegaram que o antigo doutor incidira nos sortilégios e feitiçarias da espúria grei, comprometendo a causa do , e não era justo continuar tolerando a situação, tão somente porque o doutor tarsense perdera a razão, . A iniciativa ganhara enorme popularidade nos círculos religiosos de Jerusalém  e o maior instituto legislativo da raça — o Sinédrio — aprovou as medidas propostas. Reconhecendo que a obra evangelizadora de Paulo produzia maravilhosos frutos de esperança em toda a parte, conforme as notícias incessantes, de todas as sinagogas das regiões por ele percorridas, o grande Tribunal começou por decretar a prisão do Apóstolo dos gentios. Numerosos processos de perseguição individual, deixados a meio por Paulo de Tarso, quando de sua inesperada conversão, foram restaurados e, o que era mais grave — quando falecidos os réus, era a pena aplicada aos descendentes, que, assim, eram torturados, humilhados, desonrados!

O ex-rabino tudo ouvia calado, estupefato.


Tiago prosseguia, esclarecendo que tudo fizera por atenuar os rigores da situação. Mobilizara influências políticas ao seu alcance, conseguindo atenuar umas tantas sentenças mais iníquas. Não obstante o banimento de Pedro, procurou manter os serviços de assistência aos desvalidos, bem como a colônia de serviço, fundada por inspiração do convertido de Damasco e na qual os convalescentes e desamparados encontravam precioso ambiente de atividade remunerada e pacífica. Depois de vários entendimentos com o Sinédrio, por intermédio de amigos influentes no judaísmo, teve a satisfação de abrandar o rigor das exigências a serem aplicadas no caso dele, Paulo. O ex-doutor de Tarso ficaria com liberdade de agir, poderia continuar propugnando suas convicções íntimas; daria, porém, uma satisfação pública aos preconceitos de raça, atendendo aos quesitos que o Sinédrio lhe apresentaria por intermédio de Tiago, que se mostrava seu amigo. O companheiro de Simão Pedro explicava que as exigências eram muito rigorosas a princípio, mas agora, mercê de enormes esforços, cingiam-se a uma obrigação de somenos.


Paulo de Tarso escutava-o extremamente sensibilizado. Dono de luminoso cabedal evangélico, entendia chegado o momento de testemunhar seu devotamento ao Mestre, justamente através do mesmo órgão de perseguição que a sua ignorância engendrara em outros tempos. Naqueles minutos rápidos, sutilizou a mnemônica e lobrigou os quadros terríveis de outrora… Velhos torturados em sua presença, para sentir o prazer da apostasia cristã, com a repetição do voto de fidelidade eterna a Moisés; mães de família arrancadas de seus lares obscuros, obrigadas a jurar pela Antiga Lei, que renegavam o carpinteiro de Nazaré, abominando a cruz do seu martírio e ignomínia. Os soluços daquelas mulheres humildes, que abjuravam da fé porque se viam feridas no que possuíam de mais nobre, o instinto maternal, chegavam, agora, a seus ouvidos como brados de angústia, clamando resgates dolorosos. Todas as cenas antigas desdobravam-se-lhe na retina espiritual, sem omissão do mais insignificante pormenor. Moços robustos, arrimos de famílias numerosas, que saíam mutilados do cárcere; jovens que pediam vingança, crianças que reclamavam os pais encarcerados. Entestando as revocações encapeladas, passou ao quadro da morte horrível de com as pedradas e insultos do povo: reviu e abatidos e humildes, à barra do Tribunal, como se fossem malfeitores e criminosos. Agora, ali estava ele perante o filho de Alfeu, que nunca o compreendera de forma integral a falar-lhe em nome do passado e em nome do Cristo, como a concitá-lo ao resgate de suas derradeiras dívidas angustiosas.


Paulo de Tarso sentiu que uma lágrima lhe apontava nos olhos, sem chegar a cair. Que espécie de tortura lhe estaria reservada? Quais as determinações da autoridade religiosa a que Tiago se referia com evidente interesse?

Quando o companheiro de Simão fez uma pausa mais longa, o ex-rabino perguntou muito comovido:

— Que pretendem eles de mim?

O filho de Alfeu fixou nele os olhos serenos e explicou:

— Depois de muito relutarem, os israelitas congregados em nossa igreja vão pedir-te, apenas, que pagues as despesas de quatro homens pobres, que fizeram voto de nazireu, (Nm 6:1) comparecendo com eles no templo, durante sete dias consecutivos, para que todo o povo possa ver que continuas bom judeu e leal filho de Abraão… À primeira vista, a demonstração poderá parecer pueril; entretanto, colima, como vês, satisfazer a vaidade farisaica.


O ex-rabino fez um gesto muito seu, quando contrariado, e replicou:

— Pensei que o Sinédrio ia exigir minha morte!…

Tiago compreendeu quanto de repugnância transbordava de semelhante observação e objetou:

— Bem sei que isso te repugna e, contudo, insisto para que acedas, não por nós, propriamente, mas pela igreja e pelos que de futuro nos hajam de secundar.

— Isso — obtemperou Paulo, com enorme desencanto — não representa nobreza alguma. Essa exigência é uma ironia profunda e visa reduzir-nos a crianças, de tão fútil que é. Não é perseguição, é humilhação; é o desejo de exibir homens conscientes como se fossem meninos volúveis e ignorantes…


Tiago, porém, tomando uma atitude carinhosa que o ex-rabino jamais lhe surpreendera em qualquer circunstâncias da vida, falou com extrema ternura fraternal, revelando-se ao companheiro surpreendido, por outro prisma:

— Sim, Paulo, compreendo tua justa aversão. O Sinédrio, com isso, pretende achincalhar nossas convicções. Sei que a tortura na praça pública te doeria menos; entretanto, supões que isso não represente, para mim, uma dor de muitos anos?… Acreditarias, acaso, que minhas atitudes nascessem de um fanatismo inconsciente e criminoso? Compreendi, muito cedo, desde a primeira perseguição, que a tarefa de harmonização da igreja, com os judeus, estava mais particularmente em minhas mãos. Como sabes, o farisaísmo sempre viveu numa exuberante ostentação de hipocrisia; mas, convenhamos, também, que é o partido dominante, tradicional, das nossas autoridades religiosas. Desde o primeiro dia, tenho sido obrigado a caminhar com os fariseus  muitas milhas para conseguir alguma coisa na manutenção da igreja do Cristo. Fingimento? Não julgues tal. Muitas vezes o Mestre nos ensinou, na Galileia,  que o melhor testemunho está em morrer devagarinho, diariamente, pela vitória da sua causa; por isso mesmo, afiançava que Deus não deseja a morte do pecador, (Ez 18:23) porque é na extinção de nossos caprichos de cada dia que encontramos a escada luminosa para ascender ao seu infinito amor. A atenção que tenho dedicado aos judeus é gêmea do carinho que consagras aos gentios. A cada um de nós confiou Jesus uma tarefa diferente na forma, mas idêntica no fundo. Se muitas vezes tenho provocado falsas interpretações das minhas atitudes, tudo isso é mágoa para meu Espírito habituado à simplicidade do ambiente galileu. De que nos valeria o conflito destruidor, quando temos grandiosos deveres a cuidar? Importa-nos saber morrer, para que nossas ideias se transmitam e floresçam nos outros. As lutas pessoais ao contrário, estiolam as melhores esperanças. Criar separações e proclamar seus prejuízos, dentro da igreja do Cristo, não seria exterminarmos a planta sagrada do Evangelho por nossas próprias mãos?


A palavra de Tiago toava imantada de bondade e sabedoria e valia por consoladora revelação. Os galileus eram muito mais sábios que qualquer dos rabinos mais cultos de Jerusalém. Ele, que chegara ao mundo religioso através de escolas famosas, que tivera sempre, na mocidade, a inspiração de um , admirava agora aqueles homens aparentemente rústicos, vindos das choupanas de pesca, que, em Jerusalém, alcançavam inesquecíveis vitórias intelectuais, somente porque sabiam calar quando oportuno, aliando à experiência da vida uma enorme expressão de bondade e renúncia, à feição do Divino Mestre.

O convertido de Damasco entreviu o filho de Alfeu por um novo prisma. Seus cabelos grisalhos, o rugoso e macilento rosto, falavam de trabalhos árduos e incessantes. Agora, percebia que a vida exige mais compreensão que conhecimento. Presumia conhecer o Apóstolo galileu com o seu cabedal psicológico, e, no entanto, chegava à conclusão de que apenas naquele instante pudera compreende-lo no título que lhe competia.


Quando o companheiro de Simão Pedro fez uma pausa mais longa, Paulo de Tarso contemplou-o com imensa simpatia e falou comovidamente:

— Vejo que tens razão, mas a exigência requer dinheiro. Quanto terei de pagar pela sentença? Segregado e distante do judaísmo há muitos anos, ignoro se os cerimoniais sofreram alterações apreciáveis.

— Os preceitos são os mesmos — respondeu Tiago —, já que serás obrigado a te purificares com eles e, segundo as tradições, custearás a compra de quinze ovelhas, além dos comestíveis preceituais.

— É um absurdo! — objetou o Apóstolo dos gentios.

— Como sabes, a autoridade religiosa exige de cada nazireu três animais para os serviços da consagração.

— Dura exigência — disse Paulo comovido.

— No entanto — replicou Tiago, com um sorriso —, nossa paz vale muito mais que isso e, além dela, somos obrigados a não comprometer o futuro do Cristianismo.


O convertido de Damasco descansou o rosto na mão direita por longo tempo, dando a perceber a amplitude de suas meditações, e acabou falando em diapasão que traía a sua enorme sensibilidade:

— Tiago, como tu mesmo, atingi hoje um nível mais alto de compreensão da vida. Entendo melhor os teus argumentos. A existência humana é bem uma ascensão das trevas para a luz. A juventude, a presunção de autoridade, a centralização de nossa esfera pessoal, acarretam muitas ilusões, laivando de sombras as coisas mais santas. Assiste-me o dever de curvar-me às exigências do judaísmo consequentes de uma perseguição por mim próprio iniciada em outros tempos.


Deteve-se, evidenciando dificuldade para confessar-se plenamente… Mas tomando uma atitude mais humilde, como quem não encontra outro recurso, prosseguiu quase tímido:

— Nas minhas lutas, nunca me presumi vítima, considerando-me sempre como antagonista do mal. Só Jesus, em sua pureza e amor imaculados, podia alegar a condição de anjo vitimado por nossa maldade sombria; quanto a mim, por mais que me apedrejassem e ferissem, sempre julguei que era muito pouco em relação ao que me competia sofrer nos justos testemunhos. Agora, porém, Tiago, estou preocupado com um pequenino obstáculo. Como não ignoras, tenho vivido absolutamente do meu trabalho de tecelão e, presentemente, não disponho de dinheiro com que possa prover às despesas em perspectiva… Seria a primeira vez que houvesse de recorrer à bolsa alheia, quando a solução do assunto depende exclusivamente de mim…


Suas palavras demonstravam acanhamento, aliado à tristeza comumente experimentada nos dias de humilhação e de infortúnio. Ante aquela expressão de renúncia, Tiago, num movimento de grande espontaneidade, tomou-lhe a mão e beijou-a murmurando:

— Não te aflijas: sabemos em Jerusalém da extensão de teus esforços pessoais e não seria razoável que a igreja se desinteressasse dessas imposições que se não justificam. Nossa instituição pagará todas as despesas. Não é pouco concordares com o sacrifício.


Conversaram ainda longo tempo, com relação aos problemas interessantes à propaganda evangélica e, no dia seguinte, Paulo e os companheiros compareceram na igreja de Jerusalém, recebidos por Tiago acompanhado de todos os anciães judeus, simpatizantes do Cristo e seguidores de Moisés, congregados para ouvi-lo.

A reunião começou com rigoroso cerimonial, percebendo o ex-rabino a extensão das influências farisaicas no instituto que se destinava à sementeira luminosa do Divino Mestre. Seus companheiros, acostumados à independência do Evangelho, não conseguiam ocultar a surpresa; mas, com um gesto, o convertido de Damasco fez que todos permanecessem silenciosos.

Convidado a explicar-se, o ex-rabino leu um longo relatório de suas atividades junto dos gentios, havendo-se com muita ponderação e inexcedível prudência.


Os judeus, que, contudo, pareciam definitivamente instalados na igreja, mantendo as velhas atitudes dos mestres de Israel, pelo seu vogal Cainan, formularam ao ex-doutor conselhos e censuras. Alegaram que também eram cristãos, mas, rigorosos observadores da Lei Antiga; que Paulo não deveria trabalhar contra a circuncisão e lhe cumpria dar ampla satisfação de seus atos.

Com profunda admiração dos companheiros, o ex-rabino mantinha-se calado recebendo as objurgatórias e repreensões com imprevista serenidade.

Por fim, Cainan fez a proposta a que Tiago se referira na véspera. A fim de satisfazer a exigência do Sinédrio, o tecelão de Tarso deveria purificar-se no Templo, com quatro judeus paupérrimos que haviam feito voto de nazireus, ficando o Apóstolo dos gentios obrigado a custear todas as despesas.


Os amigos de Paulo surpreenderam-se, ainda mais, quando o viram levantar-se na assembleia preconceituosa e confessar-se pronto a atender a intimação.

O representante dos anciães discorreu, ainda, pedante e demoradamente sobre os preceitos da raça, ouvido por Paulo com beatífica paciência.

Regressando à casa de Mnason, o ex-rabino procurou informar os companheiros das razões da sua atitude. Habituados a acatar-lhe as decisões confiadamente, dispensaram-se de perguntas quiçá supérfluas, mas desejavam acompanhar o Apóstolo ao Templo de Jerusalém, para experimentarem alguma coisa da sua renúncia sincera, com relação ao futuro do evangelismo. Paulo frisou a conveniência de seguir só, mas Trófimo,  que ainda se demorava alguns dias em Jerusalém, antes de regressar a Antioquia,  insistiu e conseguiu que o Apóstolo lhe aceitasse a companhia.


O comparecimento de Paulo de Tarso no Templo, acompanhando quatro irmãos de raça, em mísero estado de pobreza, a fim de com eles purificar-se e pagar-lhes as despesas do voto, causou enorme sensação em todos os círculos do farisaísmo. Acenderam-se discussões violentas e rudes. Assim que viu o ex-rabino humilhado, o Sinédrio pretendia impor sentenças novas. Já não lhe bastavam as imposições anteriores. No segundo dia da santificação, o movimento popular crescera no Templo em proporções assustadoras. Todos queriam ver o célebre doutor que enlouquecera às portas de Damasco, devido ao sortilégio dos galileus. Paulo observava a efervescência do cenário em torno da sua personalidade e pedia a Jesus não lhe faltasse com as energias suficientes. No terceiro dia, à falta de outro pretexto para condenação maior, alguns doutores alegaram que Paulo tinha o atrevimento de se fazer acompanhar aos lugares sagrados por um homem de origem grega, estranho às tradições israelitas. Trófimo nascera em Antioquia, de pais gregos, tendo vivido muitos anos em Éfeso;  entretanto, apesar do sangue que lhe corria nas veias, conhecia os preceitos do judaísmo e portava-se, nos recintos consagrados ao culto, com inexcedível respeito. As autoridades, contudo, não quiseram ponderar tais particularidades. Era preciso condenar Paulo de Tarso novamente, haviam de faze-lo a qualquer preço.


O ex-rabino percebeu a trama que se delineava e rogou ao discípulo não mais o acompanhasse ao monte Moriá,  onde se processavam os serviços religiosos. O ódio farisaico, porém, continuava a fermentar.

Na véspera do último dia da purificação judaica, o convertido de Damasco compareceu às cerimônias com a mesma humildade. Logo, porém, que se colocou em posição de orar ao lado dos companheiros, alguns exaltados o cercaram com expressões e atitudes ameaçadoras.

— Morte ao desertor!… Pedras à traição! — gritou uma voz estentórica, abalando o recinto.

Paulo teve a impressão de que esses brados eram a senha para maiores violências, porque, imediatamente, estourou uma gritaria infernal. Alguns judeus frementes agarram-no pela gola da túnica outros travaram-lhe os braços, violentamente, arrastando-o para o grande pátio reservado aos movimentos do grande público.

— Pagarás teu crime!… diziam uns.

— É necessário que morras! Israel se envergonha de tua presença no mundo! — bradavam outros mais furiosos.


O Apóstolo dos gentios entregou-se sem a mínima resistência. Num relance, considerou os objetivos profundos de sua vinda a Jerusalém, concluindo que não fora convocado tão só para a obrigação pueril de acompanhar ao Templo quatro irmãos de raça, desolados na sua indigência. Cumpria-lhe afirmar, na cidade dos rabinos, a firmeza de suas convicções. Entendia, agora, a sutileza das circunstâncias que o conduziam ao testemunho. Primeiramente, a reconciliação e o melhor conhecimento de um companheiro como Tiago, obedecendo a uma determinação que lhe parecera quase infantil; em seguida, o grande ensejo de provar a fé e a consagração de sua alma a Jesus-Cristo. Com enorme surpresa, tomado de profundas e dolorosas reminiscências, notou que os israelitas exaltados deixavam-no à mercê da multidão furiosa, justamente no pátio onde Estêvão havia sido apedrejado vinte anos atrás. Alguns populares desvairados arrebataram-no à força, prendendo-o ao tronco dos suplícios. Engolfado nas suas lembranças, o grande Apóstolo mal sentia os bofetões que lhe aplicavam. Rápido, arregimentou as mais singulares reflexões. Em Jerusalém, o Mestre Divino padecera os martírios mais dolorosos; ali mesmo, o generoso Jeziel se imolara por amor ao Evangelho, sob os golpes e chufas da populaça. Sentiu-se então envergonhado pelo suplício infligido ao irmão de Abigail, oriundo de suas próprias iniciativas. Somente agora, atado ao poste do sacrifício, compreendia a extensão do sofrimento que o fanatismo e a ignorância causavam ao mundo. E refletiu: — O Mestre é o Salvador dos homens e aqui padeceu pela redenção das criaturas. Estêvão era seu discípulo, devotado e amoroso, e aqui experimentou, igualmente, os suplícios da morte. Jesus era o Filho de Deus. Jeziel era seu Apóstolo. E ele? Não estava ali o passado a reclamar resgates dolorosos? Não seria justo padecer muito, pelo muito que martirizara os outros? Era razoável que sentisse alegria naqueles instantes amargos, não só por tomar a cruz e seguir o Mestre bem-amado, como por ter tido o ensejo de sofrer o que Jeziel havia experimentado com grande amargura.


Essas reflexões proporcionavam-lhe algum consolo. A consciência sentia-se mais leve. Ia dar testemunho da fé, em Jerusalém, onde se encontrara com o irmão de Abigail; e, depois da morte, podia aproximar-se do seu coração generoso, falando-lhe com júbilo dos seus próprios sacrifícios. Pedir-lhe-ia perdão e exaltaria a bondade de Deus, que o conduzira ao mesmo lugar, para os resgates justos. Alongando o olhar, entreviu a pequena porta de acesso ao pequeno aposento prestes a desprender-se do mundo nas agonias extremas. Parecia ouvir ainda as derradeiras palavras de Estêvão misturadas de bondade e perdão.

Mal não saíra de suas reminiscências, quando a primeira pedrada o despertou para escutar o vozerio do povo.

O grande pátio estava repleto de israelitas sanhudos. Objurgatórias sarcásticas cortavam os ares. O espetáculo era o mesmo do dia em que Estêvão partira da Terra. Os mesmos impropérios, as fisionomias escarninhas dos verdugos, a mesma frieza implacável dos carrascos do fanatismo. O próprio Paulo não se furtava à admiração, ao verificar as coincidências singulares. As primeiras pedras acertaram-lhe no peito e nos braços, ferindo-o com violência.

— Esta será em nome da Sinagoga dos cilícios! — dizia um jovem, em coro de gargalhadas.

A pedra passou sibilando e dilacerou, pela primeira vez, o rosto do Apóstolo. Um filete de sangue começou a ensopar-lhe as vestiduras. Nem um minuto, porém, deixou de encarar os carrascos com a sua desconcertante serenidade.


Trófimo  e entretanto, cientes da gravidade da situação, desde os primeiros instantes, através de um amigo que presenciara, a cena inicial do suplício, procuraram imediatamente o socorro das autoridades romanas. Receosos de novas complicações, não declinaram as verdadeiras condições do convertido de Damasco. Alegavam, apenas, tratar-se de um homem que não devia padecer nas mãos dos israelitas fanáticos e inconscientes.

Um tribuno militar organizou incontinente um troço de soldados. Deixando a fortaleza, penetraram no amplo átrio, com ânimo decidido. A massa delirava num turbilhão de altercações e gritarias ensurdecedoras. Dois centuriões, obedecendo às ordens do comando, avançaram, resolutos, desatando o prisioneiro e arrebatando-o à multidão que o disputava ansiosa.

— Abaixo o inimigo do povo!… É um criminoso! É um malfeitor! Estraçalhemos o ladrão!…


Pairavam no ar as exclamações mais estranhas. Não encontrando rabinos de responsabilidade para os esclarecimentos imprescindíveis, o tribuno romano mandou que o acusado fosse algemado. O militar estava convencido de que se tratava de perigoso malfeitor que, de há muito, se transformara em terrível pesadelo dos habitantes da província. Não encontrava outra explicação para justificar tanto ódio.

O peito contuso, ferido no rosto e nos braços, o Apóstolo seguiu para a Torre Antônia,  escoltado pelos prepostos de César, enquanto a multidão encaudava o pequeno cortejo, bradando sem cessar: — Morra! Morra!

Ia penetrar o primeiro pátio da grande fortaleza romana quando Paulo, compreendendo afinal que não fora a Jerusalém tão só para acompanhar quatro nazireus paupérrimos ao monte Moriá, e sim para dar um testemunho mais eloquente do Evangelho, interrogou o tribuno com humildade:

— Permitis, porventura, que vos diga alguma coisa?


Percebendo-lhe as maneiras distintas, a nobre inflexão da palavra em puro grego, o chefe da coorte replicou muito admirado:

— Não és tu o bandido egípcio que, há algum tempo, organizou a malta de ladrões que devastam estas paragens?

— Não sou ladrão — respondeu Paulo parecendo uma figura estranha, em vista do sangue que lhe cobria o rosto e a túnica singela —, sou cidadão de Tarso e rogo-vos permissão para falar ao povo.

O militar romano ficou boquiaberto com tamanha distinção de gestos e não teve outro recurso senão ceder, embora hesitante.


Sentindo-se num dos seus grandes momentos de testemunho, Paulo de Tarso subiu alguns degraus da escadaria enorme e começou a falar em hebraico, impressionando a multidão com a profunda serenidade e elegância do discurso. Começou explicando suas primeiras lutas, seus remorsos por haver perseguido os discípulos do Mestre Divino; historiou a viagem a Damasco, a infinita bondade de Jesus que lhe permitira a visão gloriosa dirigindo-lhe palavras de advertência e perdão. Rico das reminiscências de Estêvão, falou do erro que havia cometido em consentir na sua morte.

Ouvindo-lhe a palavra cinzelada de misteriosa beleza. Cláudio Lísias, tribuno romano que efetuara a prisão, experimentou sensações indefiníveis. Por sua vez, havia recebido certos benefícios daquele Cristo incompreendido a que se referia o orador em circunstâncias tão amargas. Tomado de escrúpulos, mandou chamar o tribuno Zelfos, de origem egípcia, que adquirira certos títulos romanos, pela expressão de sua enorme fortuna, e solicitou:

— Amigo — disse com voz quase imperceptível —, não desejo tomar aqui certas decisões, relativamente ao caso deste homem. A multidão está exaltada e é possível que ocorram acontecimentos muito graves. Desejaria tua cooperação imediata.

— Sem dúvida — respondeu o outro, resoluto.


E enquanto Lísias procurava examinar, de modo minucioso, a figura do Apóstolo, que falava de maneira impressionante, Zelfos desdobrava-se em providências oportunas. Reforçou a guarnição dos soldados, iniciou a formatura de um cordão de isolamento, buscando resguardar o orador de um ataque imprevisto.

Paulo de Tarso, depois de circunstanciado relatório da sua conversão, começou a falar da grandeza do Cristo, das promessas do Evangelho, e quando se detinha a comentar suas relações com o mundo espiritual, de onde recebia as mensagens confortantes do Mestre, a massa inconsciente, furiosa, agitou-se em ânsias mesquinhas. Grande número de israelitas despia o manto, arrojando poeira no ar, num impulso característico de ignorância e maldade. O momento era gravíssimo. Os mais exaltados tentaram romper o cordão dos guardas para trucidar o prisioneiro. A ação de Zelfos foi rápida. Mandou recolher o Apóstolo ao interior da Torre Antônia. E enquanto Cláudio Lísias se recolhia à residência a fim de meditar um pouco na sublimidade dos conceitos ouvidos, o companheiro de milícia tomou providências enérgicas para dispersar a multidão. Não eram poucos os que teimavam em vociferar na via pública, mas o chefe militar mandou dispersar os recalcitrantes à pata de cavalo.


Conduzido a uma cela úmida, Paulo sentiu que os soldados o tratavam com a maior desconsideração. As feridas doíam-lhe penosamente. Tinha as pernas doloridas e trôpegas. A túnica estava empapaçada de sangue. Os guardas impiedosos e irônicos amarraram-no a grossa coluna, conferindo-lhe o tratamento destinado aos criminosos comuns. O Apóstolo, sentindo-se exausto e febril, chegou à conclusão de que não lhe seria fácil resistir à nova provação de martírio. Refletiu que não era justo entregar-se de todo às disposições perversas dos soldados que o guardavam. Lembrou que o Mestre se imolara na cruz, sem resistir à crueldade das criaturas, mas também afirmara que o Pai não deseja a morte do pecador. (Ez 18:23) Não podia alimentar a presunção de entregar-se como Jesus, porque somente Ele possuía bastante amor para constituir-se Enviado do Todo-Poderoso; e como se reconhecia pecador convertido ao Evangelho, era justo o desejo de trabalhar até ao último dia de suas possibilidades na Terra, em favor dos irmãos em humanidade e em benefício da própria iluminação espiritual. Recordou a prudência que Pedro e Tiago sempre testemunharam para que as tarefas a eles confiadas não sofressem prejuízos injustificáveis e, verificando as suas escassas probabilidades de resistência física, naquela hora inesquecível, gritou aos soldados:

— Prendestes-me à coluna reservada aos criminosos, quando não podeis imputar-me falta alguma!… Vejo, agora, que preparais açoites para a flagelação, quando já me encontro banhado em sangue, no suplício imposto pela turba inconsciente…


Um dos guardas, um tanto irônico, procurou cortar-lhe a palavra e sentenciou:

— Ora e esta!… Não sois um Apóstolo do Cristo? Consta que teu Mestre morreu na cruz caladinho e, por fim, ainda pediu perdão para os algozes, alegando que ignoravam o que faziam.

Os companheiros do engraçado romperam em gargalhadas estrídulas. Paulo de Tarso, entretanto, evidenciando toda a nobreza do coração, no fulgor do olhar, replicou sem hesitação:

— Sim, rodeado pelo povo ignorante e inconsciente, no dia do Calvário, Jesus pediu a Deus perdoasse as trevas de espírito em que se submergia a multidão que lhe levantara o madeiro de ignomínia; mas os agentes do governo imperial não podem ser a turba que desconhece os próprios atos. Os soldados de César devem saber o que fazem, porque, se ignorais as leis, para cuja execução recebeis soldo, seria mais justo abandonardes o posto.


Os guardas ficaram imóveis, tomados de assombro.

Paulo, entretanto, continuou em voz firme:

— Quanto a mim, pergunto-vos: — Será lícito açoitardes um cidadão romano, antes de condenado?

O centurião que presidia os serviços da flagelação suspendeu os primeiros dispositivos. Zelfos foi chamado com espanto. Ciente do ocorrido, o tribuno interrogou o Apóstolo, sumamente admirado:

— Dize-me. És de fato romano?

— Sim.


Ante a firmeza da resposta, Zelfos achou razoável modificar o tratamento do prisioneiro. Receoso de complicações, ordenou que o ex-rabino fosse retirado do tronco, permitindo-lhe ficar à vontade no acanhado âmbito da cela. Somente então, Paulo de Tarso conseguiu algum repouso num leito duro, recebendo uma bilha de água trazida com mais respeito e consideração. Saciou a sede intensa e dormiu, apesar das feridas sangrentas e dolorosas.

Zelfos, contudo, não estava tranquilo. Desconhecia, por completo, a condição do acusado. Temendo complicações prejudiciais para a sua posição, aliás invejável do ponto de vista político, procurou avistar-se com o tribuno Cláudio Lísias. Esclarecendo o motivo de sua preocupação, o outro murmurou:

— Isso me surpreende, porque a mim afirmou que era judeu, natural de Tarso da Cilícia. 

Zelfos explicou, então, que tinha dificuldade para discernir a causa, concluindo:

— Pelo que dizes, ele parece-me antes um mentiroso vulgar.

— Isso não — exclamou Lísias —, naturalmente possuirá títulos de cidadania do Império e agiu por motivos que não estamos habilitados a apreciar.


Percebendo que o amigo se irritara intimamente com as suas primeiras alegações, Zelfos apressou-se a corrigir:

— Teus conceitos são justos.

— Tenho de emiti-los em consciência — acrescentou Lísias bem inspirado —, porque esse homem, desconhecido para nós ambos, falou de problemas muito sérios.

Zelfos pensou um instante e ponderou:

— Considerando tudo isso, proponho seja apresentado, amanhã, ao Sinédrio. Julgo que somente assim poderemos encontrar uma fórmula capaz de resolver o assunto.


Cláudio Lísias recebeu o alvitre com displicência. No íntimo, sentia-se mais propenso a patronar a defesa do Apóstolo. Sua palavra, inflamada de fé, impressionara-o vivamente. Em breves, rápidos momentos de meditação, analisou todos os lances pró e contra uma atuação dessa natureza. Subtrair o acusado à perseguição dos mais exaltados era uma ação justa; mas disputar com o Sinédrio era uma atitude que reclamava mais prudência. Conhecia os judeus, muito de perto, e, por mais de uma vez, experimentara o grau de suas paixões e caprichos. Compreendendo, igualmente, que não deveria despertar qualquer suspeita do colega, com relação às suas crenças religiosas, fez um gesto afirmativo e declarou:

— Concordo com o alvitre. Amanhã, entregá-lo-emos aos juízes competentes em matéria de fé. Poderás deixar isso a meu cargo, porque o prisioneiro será acompanhado de escolta que o garanta contra qualquer violência.


E assim foi. Na manhã seguinte, o mais alto Tribunal dos israelitas foi notificado pelo tribuno Cláudio Lísias de que o pregador do Evangelho compareceria perante os juízes para os inquéritos necessários, às primeiras horas da tarde. As autoridades do Sinédrio experimentaram enorme regozijo. Iam, enfim, rever o desertor da Lei, face a face. A notícia foi espalhada com invulgar rapidez.

Paulo, por sua vez, na solidão do cárcere, sentiu-se felicitado com uma grande surpresa, naquela manhã de sombrias perspectivas. É que, com permissão do tribuno, velha senhora e seu filho, ainda jovem, penetravam na cela a fim de visitá-lo.

Era sua irmã Dalila com o sobrinho Estefânio, que conseguiram, depois de muito esforço, permissão para uma entrevista ligeira. O Apóstolo abraçou a nobre senhora, com lágrimas de emoção. Ela estava alquebrada, envelhecida. O jovem Estefânio tomou as mãos do tio e beijou-as com veneração e ternura.


Dalila falou das saudades longas, recordou episódios familiares com a poesia do coração feminino, e o ex-doutor de Jerusalém recebia todas as notícias, boas e más, com imperturbável serenidade, como se procedessem de um mundo muito diferente do seu. Buscou, entretanto confortar a irmã, que, a uma reminiscência mais dolorosa, se desfazia em prantos. Paulo historiou sucintamente as suas viagens, lutas, obstáculos dos caminhos palmilhados por amor de Jesus. A venerável senhora, embora alheia às verdades do Cristianismo, muito delicadamente não quis tocar nos assuntos religiosos, detendo-se nos motivos afetuosos de sua visita fraternal e chorando copiosamente ao despedir-se. Não podia compreender a resignação do Apóstolo, nem apreciava devidamente a sua renúncia. Lastimava-lhe, intimamente, a sorte e, no fundo, tal como a maioria dos compatriotas, desdenhava aquele Jesus que não oferecia aos discípulos senão cruzes e sofrimentos.

Paulo de Tarso, todavia, experimentara grande conforto com a sua presença; sobretudo, a inteligência e a vivacidade de Estefânio, na ligeira palestra mantida, proporcionavam-lhe enormes esperanças no futuro espiritual do sobrinho.

Ainda repassava na mente essa grata impressão quando numerosa escolta se postava junto à cela, para acompanhá-lo ao Sinédrio, no momento oportuno.


Logo após o meio-dia, compareceu à barra do Tribunal e percebeu, de pronto, que o cenáculo dos grandes doutores de Jerusalém vivia um dos seus grandes dias, repleto de compacta massa popular. Sua presença provocava uma aluvião de comentários. Todos queriam ver, conhecer o trânsfuga da Lei, o doutor que repudiara e deprimira os títulos sagrados. Sobremaneira comovido, o Apóstolo lembrou ainda uma vez a figura de . Competia-lhe, agora, dar igualmente o testemunho do Evangelho de verdade e redenção. A agitação do Sinédrio dava-lhe a mesma tonalidade . Ali, precisamente, infligira as mais duras humilhações ao irmão de Abigail e aos prosélitos de Jesus. Era justo, portanto, esperar, agora, acerbos e remissores sofrimentos. Depois, para cúmulo de amargura, a singular coincidência: o sumo-sacerdote que presidia o feito chamava-se também Ananias! Acaso? Ironia do destino?


Tal como se verificou com Jeziel, lido o libelo acusatório, deram a palavra ao Apóstolo para defender-se, em atenção às prerrogativas de nascimento.

Paulo entrou a justificar-se, sumamente respeitoso. Risos abafados, não raro, quebravam o silêncio ambiente, a indiciarem a termometria sarcasticamente hostil do auditório.

Quando a sua altiloquente oratória começou a impressionar pela fidelidade do testemunho cristão, o sumo-sacerdote lhe impôs silêncio e vociferou enfático:

— Um filho de Israel, ainda que portador de títulos romanos, quando desrespeite as tradições desta casa, com afirmativas injuriosas à memória dos profetas, torna-se passível de severas reprimendas. O acusado parece ignorar o dever de explicar-se convenientemente, para tresvariar em conceitos sibilinos, próprios da sua desregrada e criminosa obsessão pelo carpinteiro revolucionário de Nazaret! Minha autoridade não permite abusos nos lugares santos. Determino, pois que Paulo de Tarso seja ferido na boca, em desafronta aos seus termos insultuosos.


O Apóstolo endereçou-lhe um olhar de serenidade indizível e replicou.

— Sacerdote, vigiai o coração para não incidirdes em repressões injustas. Os homens, como vós, são como as paredes branqueadas dos sepulcros, mas não deveis ignorar que também sereis ferido pela justiça de Deus. Conheço de sobra as leis de que vos tornastes executor. Se aqui permaneceis para julgar, como e por que mandais ferir?

Antes, porém, que pudesse prosseguir, um pequeno grupo de prepostos de Ananias avançou com acoites minúsculos, ferindo-o nos lábios.

— Ousas injuriar o sumo-sacerdote? — exclamavam fulos de cólera. — Pagarás os insultos!…

As lambadas riscavam o rosto rugoso e venerando do ex-rabino, sob os aplausos gerais. Vozes irônicas elevavam-se, incessantes, do seio da turba refece. Uns pediam mais rigor, outros, estentóricos, reclamavam o apedrejamento. A serenidade do Apóstolo dava pleno testemunho e mais acirrava os ânimos impulsivos e criminosos. Destacaram-se certos grupos de israelitas mais soezes e, cooperando com os verdugos, cuspinharam-lhe o rosto. Generalizou-se o tumulto. Paulo tentou falar, explicar-se mais detalhadamente, mas a confusão era tal que nada se ouvia e ninguém se entendia.


O sumo-sacerdote permitira a desordem deliberadamente. Os elementos principais do Sinédrio desejavam exterminar o ex-doutor a qualquer preço. O Tribunal só se prestara ao julgamento de entremez, porque havia percebido o interesse pessoal de Cláudio Lísias pelo prisioneiro. Não fora isso, Paulo de Tarso teria sido assassinado em Jerusalém, para satisfazer aos sentimentos odiosos dos inimigos gratuitos da sua abençoada tarefa apostólica. Solicitado pelo tribuno, presente à reunião memorável, Ananias conseguiu restabelecer a calma no ambiente. Depois de apelos desesperados, a assembleia emudeceu, expectante.

Paulo tinha o rosto a sangrar, a túnica em frangalhos; mas, com surpresa e pasmo gerais, revelava no olhar, ao contrário de outros tempos, em circunstâncias dessa natureza, grande tranquilidade fraternal, dando a entender que compreendia e perdoava os agravos da ignorância.


Supondo-se em posição vantajosa, o sumo sacerdote acentuou em tom arrogante:

— Devias morrer como teu Mestre, numa cruz desprezível! Desertor das tradições sagradas da pátria e blasfemo criminoso, não te bastam, por justo castigo, os sofrimentos que começas a experimentar entre os legítimos filhos de Israel!…

O Apóstolo, no entanto, longe de acovardar-se, replicou tranquilamente:

— Juízo apressado o vosso… Não mereço a cruz do Redentor, porque a sua auréola é gloriosa demais para mim; entretanto, os martírios todos do mundo seriam justos, aplicados ao pecador que sou. Temeis os sofrimentos porque não conheceis a vida eterna, considerais as provações como quem nada vê além destes efêmeros dias da existência humana. A política mesquinha vos distanciou o espírito das visões sagradas dos profetas!… Os cristãos, sabei-o, conhecem outra vida espiritual, suas esperanças não repousam em triunfos mendazes que vão apodrecer com o corpo no sepulcro! A vida não é isto que vemos na banalidade de todos os dias terrestres; é antes afirmação de imortalidade gloriosa com Jesus-Cristo!


A palavra do orador parecia magnetizar, agora, a assembleia em peso. O próprio Ananias, não obstante a cólera surda, sentia-se incapaz de qualquer reação, como se algo de misterioso o compelisse a ouvir até ao fim. Imperturbável em sua serenidade, Paulo de Tarso prosseguiu:

— Continuai a ferir-me! Escarrai-me na face! Açoitai-me! Esse martirológio me exalta para uma esperança superior, porque já criei no meu íntimo um santuário intangível às vossas mãos e onde Jesus há de reinar para sempre…

— Que desejais — continuou em voz firme — com as vossas arruaças e perseguições? Afinal, onde o motivo para tantas lutas estéreis e destruidoras? os cristãos trabalham, como o fez Moisés, para a crença em Deus e em nossa gloriosa ressurreição. É inútil dividir, fomentar a discórdia, tentar empanar a verdade com as ilusões do mundo. O Evangelho do Cristo é o Sol que ilumina as tradições e os fastos da Antiga Lei!…


Nesse ínterim, não obstante a estupefação de muitos, estabeleceu-se nova balbúrdia. Os saduceus atiraram-se contra os fariseus, com gestos e apóstrofes delirantes. Em vão, o sumo-sacerdote procurava acalmar os ânimos. Um grupo mais exaltado tentava aproximar-se do ex-rabino, disposto a estrangulá-lo.

Foi aí que Cláudio Lísias, apelando para os soldados, fez-se ouvir na assembleia, ameaçando os contendores. Surpreendidos com o fato insólito, porquanto os romanos jamais procuravam intervir em assuntos religiosos da raça, os trêfegos israelitas submeteram-se imediatamente. O tribuno dirigiu-se, então, a Ananias e reclamou o encerramento dos trabalhos, declarando que o prisioneiro voltaria ao cárcere da Torre Antônia, até que os judeus resolvessem ventilar o caso com mais critério e serenidade.

As autoridades do Sinédrio não disfarçaram seu enorme espanto; mas, como o governador da província continuava em Cesareia,  não seria razoável desatender ao seu preposto em Jerusalém.


Antes que se verificassem novos tumultos, Ananias declarou que o julgamento de Paulo de Tarso, consoante a ordem recebida, prosseguiria na próxima sessão do Tribunal, a realizar-se daí a três dias.

Os guardas retiraram o prisioneiro com grande cautela, enquanto os israelitas mais eminentes buscavam conter os protestos isolados dos que acusavam Cláudio Lísias de parcial e simpatizante do novo credo.

Reconduzido à cela silenciosa, Paulo pôde respirar e refazer o ânimo para enfrentar a situação.


Experimentando justa simpatia por aquele homem valoroso e sincero, o tribuno tomou novas providências a seu favor. O ex-doutor da Lei estava mais satisfeito e aliviado. Teve um guarda para atendê-lo em qualquer necessidade, recebeu água em abundância, remédio, alimentos e a visita dos amigos mais íntimos. Essas mostras de apreço muito o comoviam. Espiritualmente, sentia-se até mais confortado; doía-lhe, porém, o corpo ferido, e fisicamente estava exausto… Depois de palestrar alguns minutos, conforme a permissão recebida, com e , sentiu que certas preocupações dolorosas lhe amarguravam o coração. Seria justo pensar numa viagem a Roma, quando seu estado físico era assim precário? Resistiria por muito tempo às tremendas perseguições iniciadas em Jerusalém? Contudo, as vozes do mundo superior haviam-lhe prometido essa viagem à capital do Império… Não deveria duvidar das promessas feitas em nome do Cristo. Certa fadiga, aliada a grande amargura, começava a infirmar-lhe as esperanças sempre ativas. Mas, caindo numa espécie de modorra, percebeu, como de outras vezes, que uma viva claridade inundava o cubículo, ao mesmo tempo que suavíssima voz lhe sussurrava:

— Regozija-te pelas dores que resgatam e iluminam a consciência! Ainda que os sofrimentos se multipliquem, renova os júbilos divinos da esperança!… Guarda o teu bom ânimo, porque assim como testificaste de mim, em Jerusalém, importa que o faças também em Roma!…

De pronto sentiu que novas forças lhe retemperavam o combalido organismo.


A claridade da manhã surpreendeu-o quase bem disposto. Nas primeiras horas do dia, Estefânio procurava-o com certa ansiedade. Recebido com afetuoso interesse, o rapaz informou o tio dos graves projetos que se tramavam na sombra. Os judeus haviam jurado exterminar o convertido de Damasco, ainda que para isso houvessem de assassinar o próprio Cláudio Lísias. O ambiente no Sinédrio era de atividades odiosas. Projetava-se matar o pregador da gentilidade, à plena luz do dia, na próxima sessão do Tribunal. Mais de quarenta comparsas, dos mais fanáticos, haviam prometido, solenemente, a consecução do sinistro desígnio. Paulo tudo ouviu e, calmamente chamando o guarda, disse-lhe:

— Peço-te conduzir este moço à presença do chefe dos tribunos para que o ouça sobre um assunto urgente.

Assim, Estefânio foi levado a Cláudio Lísias, apresentando-lhe a denúncia. O arguto e nobre patrício, com o tato político que lhe caracterizava as decisões, prometeu examinar devidamente a questão, sem deixar presumir a adoção de providências definitivas para burlar a conjura. Agradecendo a comunicação, recomendou ao jovem o máximo cuidado nos comentários da situação, a fim de não exacerbar maiormente os ânimos partidários.


Na solidão do seu gabinete, o tribuno romano pensou seriamente naquelas perspectivas sombrias. O Sinédrio, na sua capacidade de intrigar, poderia promover manifestações do povo sempre versátil e agressivo. Rabinos apaixonados podiam mobilizar facínoras e quiçá assassiná-lo em condições espetaculares. Mas, a denúncia partia de um jovem, quase criança. Além disso, tratava-se de um sobrinho do prisioneiro. Teria dito a verdade ou seria mero instrumento de possível mistificação afetiva, nascida de justas preocupações da família? Ainda bem não conseguira destrinçar as dúvidas para firmar conduta, quando alguém pedia o obséquio de uma entrevista. Desejoso de atreguar cogitações assim graves, acedeu prontamente. Abriu a porta luxuosa e um velhinho de semblante calmo apareceu sorridente. Cláudio Lísias alegrou-se. Conhecia-o de perto. Devia-lhe favores. O visitante inesperado era Tiago, que vinha interpor sua generosa influência em favor do grande amigo de suas edificações evangélicas. O filho de Alfeu repetiu o plano já denunciado por Estefânio, minutos antes. E foi mais longe. Contou a história comovedora de Paulo de Tarso, revelando-se como testemunha imparcial de toda a sua vida e esclarecendo que o Apóstolo viera à cidade, por insistência de sua parte, a fim de combinarem momentosas providências atinentes à propaganda. Concluía a exposição atenciosa pedindo ao amigo ilustre medidas eficazes, para evitar o monstruoso atentado.


Maiormente apreensivo agora, o tribuno ponderou:

— Vossas considerações são justas; entretanto, sinto dificuldades para coordenar providências imediatas. Não será melhor aguardar que os fatos se apresentem e reagir, então, à força com a força?

Tiago esboçou um sorriso de dúvidas e sentenciou:

— Sou de parecer que vossa autoridade encontre recursos urgentes. Conheço as paixões judaicas e o furor de suas manifestações. Nunca poderei esquecer o odioso fermento dos fariseus, no dia do Calvário. Se receio pela sorte de Paulo, temo igualmente por vós mesmo. A multidão de Jerusalém é criminosa muitas vezes.

Lísias franziu a testa e refletiu longo tempo. Mas, arrancando-o de sua indecisão, o velho galileu apresentou-lhe a ideia de transferir o prisioneiro para Cesareia, tendo em vista um julgamento mais justo. A medida teria a virtude de subtrair o Apóstolo do ambiente irritado de Jerusalém e faria abortar de início o plano de homicídio; além disso, o tribuno permaneceria a salvo de suspeitas injustas, mantendo íntegras as tradições de respeito em torno do seu nome, por parte dos judeus malevolentes e ingratos. O feito seria conhecido apenas dos mais íntimos e o patrício designaria uma escolta de soldados corajosos para acompanhar o prisioneiro, devendo sair de Jerusalém depois de meia-noite.


Cláudio Lísias considerou a excelência das sugestões e prometeu pô-las em prática nessa mesma noite.

Logo que Tiago se despediu, o romano chamou dois auxiliares de confiança e deu as primeiras ordens para a formação da escolta forte, de cento e trinta soldados, duzentos arqueiros e setenta cavaleiros, sob cuja proteção Paulo de Tarso haveria de comparecer perante o governador Félix,  no grande porto palestinense. Os prepostos, atendendo às instruções recebidas, reservaram para o prisioneiro uma das melhores montarias.

Alta noite, Paulo de Tarso foi chamado com grande surpresa. Cláudio Lísias explicou-lhe, em poucas palavras, o objetivo de sua decisão e a extensa caravana partiu em silêncio, rumo a Cesareia.

Dado o caráter secreto das providências tomadas, a viagem correu sem incidentes dignos de menção. Apenas muitas horas depois partiam da Torre Antônia os respectivos informes, convencendo-se os judeus, com grande desapontamento, da inutilidade de quaisquer represálias.


Em Cesareia o governador recebeu a expedição com enorme espanto. Conhecia o renome de Paulo e não era estranho às lutas que sustentava com os irmãos de raça, mas aquela caravana de quatrocentos homens armados, para proteger um preso, era de causar admiração.

Depois do primeiro interrogatório, o preposto máximo do Império, na província, sentenciou:

— Atento a origem judaica do acusado, nada posso julgar sem ouvir o órgão competente, de Jerusalém.

E mandou que o Sinédrio se fizesse representar na sede do Governo, com a maior urgência.

Os israelitas estavam sumamente satisfeitos com a ordem.

Consequentemente, cinco dias depois da remoção do Apóstolo, o próprio Ananias fizera questão de chefiar o conjunto de autoridades do Sinédrio e do Templo, que acorreram a Cesareia com os projetos mais estranhos, relativamente à situação do adversário. Os velhos rabinos, conhecendo o poder da lógica e a formosura da palavra do ex-doutor de Tarso, fizeram-se acompanhar de Tértulo,  uma das mais notáveis mentalidades que cooperavam no colendo sodalício.


Improvisado o Tribunal para decidir o feito, o orador do Sinédrio teve a prioridade da palavra, usando-a em tremendas acusações contra o indiciado réu, desenhando a cores negras todas as atividades do Cristianismo, e terminando por pedir ao governador a entrega do acusado aos seus irmãos de raça, a fim de ser por eles devidamente julgado.

Concedido ao ex-rabino o ensejo de explicar-se, Paulo começou a falar com grande serenidade. Félix lhe observou logo os elevados dotes intelectuais, os primores dialéticos e ouvia-lhe a argumentação com invulgar interesse. Os anciães de Jerusalém não sabiam ocultar a própria ira. Se possível, teriam espostejado o Apóstolo ali mesmo, tal a irritação que os assomava, a contrastar com a tranquilidade transparente da oratória e da pessoa do orador adverso.


O governador teve grande embaraço para pronunciar o “veredictum”. De um lado, via os anciães de Israel em atitude quase colérica, reclamando direitos de raça; do outro, contemplava o Apóstolo do Evangelho, calmo, imperturbável, senhor espiritual do assunto, a esclarecer todos os pontos obscuros do processo singular, com a sua palavra elegante e refletida.

Reconhecendo o extremo valor daquele homem franzino e envelhecido, cujos cabelos pareciam encanecidos por dolorosas e sagradas experiências, o governador Félix modificou, apressadamente, suas primeiras impressões e encerrou os trabalhos nestes termos:

— Senhores, reconheço que o processo é mais grave do que julguei à primeira vista. Neste caso, resolvo adiar a sentença definitiva, até que o tribuno Cláudio Lísias seja convenientemente ouvido.

Os anciães morderam os lábios. Debalde o sumo-sacerdote solicitou a continuação dos trabalhos. O mandatário de Roma não modificou o ponto de vista e a grande assembleia dissolveu-se, com imenso pesar dos israelitas constrangidos a regressar, extremamente desapontados.

Félix, entretanto, passou a considerar o prisioneiro com maior deferência. No dia seguinte, foi visitá-lo, concedendo-lhe permissão para receber os amigos na sala do expediente. Depreendendo que Paulo gozava de grande prestígio entre e perante todos os seguidores da doutrina do profeta nazareno, imaginou, desde logo, tirar algum proveito da situação. Cada vez que o visitava, surpreendia-lhe maior acuidade mental, a interessá-lo pela sua palestra viva e palpitante de observações sábias, no conceito e na experiência da vida.


Certo dia, o governador abordou jeitosamente o prisma dos interesses pessoais, insinuando-lhe a vantagem da sua libertação, de maneira a atender às aspirações da comunidade cristã, a que emprestava tanto relevo. Paulo, porém observou resoluto:

— Não sou tanto de vossa opinião. Sempre considerei que a primeira virtude do cristão é estar pronto para obedecer à vontade de Deus, em qualquer parte. Certo, não estou detido à revelia de sua assistência e proteção, e desta forma acredito que Jesus julga melhor conservar-me prisioneiro, nos dias que correm. Servi-Lo-ei, pois, como se estivesse em plena liberdade de corpo.

— Entretanto, continuou Félix, sem coragem para ferir diretamente o ponto —, vossa independência não seria coisa muito difícil.

— Como assim?

— Não tendes amigos ricos e influentes em todos os recantos provinciais? — interrogou o preposto governamental, de maneira ambígua.

— Que desejais dizer com isso? — perguntou o Apóstolo por sua vez.

— Creio que se conseguísseis o dinheiro suficiente para atender aos interesses pessoais de quantos hajam de funcionar no processo, estaríeis completamente livre da ação da justiça, dentro de poucos dias.


Paulo compreendeu as insinuações mal veladas e nobremente revidou:

— Percebo agora. Falais de uma justiça condicionada ao capricho criminoso dos homens. Essa justiça não me interessa. Ser-me-á preferível conhecer a morte no cárcere, a servir de obstáculo à redenção espiritual do mais humilde dos funcionários de Cesareia. Dar-lhes dinheiro em troca de uma independência ilícita, seria habituá-los ao apego dos bens que lhes não pertencem. Minha atividade seria, então, um esforço reconhecidamente perverso. Além do mais, quando temos a consciência pura, ninguém nos pode tolher a liberdade e eu me sinto aqui tão livre como lá fora, na praça pública.

O governador recebeu a observação franca e áspera, disfarçando o seu enleio. A lição humilhava-o duramente e, desde então, desinteressou-se da causa. Já havia, porém, comentado, entre os amigos mais íntimos, a privilegiada inteligência do prisioneiro de Cesareia e, daí a dias, sua jovem esposa Drusila manifestava-lhe o desejo de conhecer e ouvir o Apóstolo. A seu mau grado, não podendo esquivar-se, acabou por levá-la à presença do ex-rabino.


Judia de origem, Drusila não se contentou, qual fizera o marido, com simples indagações superficiais. Desejosa de sondar-lhe as ideias mais profundas, pediu-lhe um comentário geral da nova doutrina que esposara e procurava difundir.

Perante destacadas figuras da Corte Provincial, o valoroso Apóstolo dos gentios fez brilhante panegírico do Evangelho, ressaltando a inolvidável exemplificação do Cristo e os deveres do proselitismo que repontava de todos os recantos do mundo. A maioria dos ouvintes escutava-o com evidentes mostras de interesse; mas, quando ele começou a falar da ressurreição e dos deveres do homem em face das responsabilidades no mundo espiritual, o governador fez-se pálido e interrompeu a pregação.

— Por hoje basta! — disse com autoridade. — Meus familiares poderão ouvir-vos de outra feita, se lhes aprouver, pois quanto a mim não creio na existência de Deus.


Paulo de Tarso recebeu a observação com serenidade e respondeu com benevolência:

— Agradeço a delicadeza da vossa declaração e todavia, senhor governador, ouso encarecer-vos a necessidade de ponderar o assunto, porque, quando um homem afirma não aceitar a paternidade do Todo-Poderoso, é que, em regra, se arreceia do julgamento de Deus.

Félix lançou-lhe um olhar raivoso e retirou-se com os seus, prometendo a si próprio deixar o prisioneiro entregue à sua sorte.

À vista disso, embora respeitado pela franqueza e lealdade, Paulo houve de amargar dois anos de reclusão em Cesareia, tempo esse aproveitado em relações constantes com as suas igrejas bem-amadas. Inumeráveis mensagens iam e vinham, trazendo consultas e levando pareceres e instruções.


A esse tempo, o ex-doutor de Jerusalém chamou a atenção de Lucas para o velho projeto de escrever uma biografia de Jesus, valendo-se das informações de Maria; lamentou não poder ir a Éfeso, incumbindo-o desse trabalho, que reputava de capital importância para os adeptos do Cristianismo. O médico amigo satisfez-lhe integralmente o desejo, legando à posteridade , rico de luzes e esperanças divinas. Terminadas as anotações evangélicas, o espírito dinâmico do Apóstolo da gentilidade encareceu a necessidade de um trabalho que fixasse as atividades apostólicas logo após a partida do Cristo, para que o mundo conhecesse as gloriosas revelações do Pentecostes, e assim se originou o magnífico relatório de Lucas, que é — .


Não obstante a condição de prisioneiro, o convertido de Damasco não relaxou o trabalho um só dia, valendo-se de todos os recursos ao seu alcance, em favor da difusão da Boa Nova.

O tempo corria célere. Os israelitas, no entanto, nunca desistiram do primitivo plano de eliminar o valoroso campeão das verdades do Céu. O governador foi abordado várias vezes, sobre a oportunidade de reenviar o encarcerado a Jerusalém; entretanto, ao lembrar-se de Paulo, a consciência lhe vacilava. Além do que por si mesmo observara, ouvira o tribuno Cláudio Lísias que lhe falara do ex-rabino com indisfarçável respeito. Mais por medo dos poderes sobrenaturais atribuídos ao Apóstolo, que por dedicação aos seus deveres de administrador, resistiu a todas as investidas dos judeus, mantendo-se firme no propósito de custodiar o acusado, até que surgisse o ensejo de um julgamento mais ponderado.


Dois anos de prisão contava a folha corrida do grande amigo dos gentios. Uma ordem imperial transferira Félix para a administração de outra província. Sem esquecer a mágoa que a franqueza de Paulo lhe causara, fez questão de o abandonar à própria sorte.

O novo governador, Pórcio Festo, chegou a Cesareia  em meio de ruidosas manifestações populares. Jerusalém não poderia esquivar-se às homenagens políticas e, tão logo assumira o poder, o ilustre patrício foi visitar a grande cidade dos rabinos. O Sinédrio aproveitou o ensejo para requisitar, instantemente, o velho inimigo de tantos anos. Um grupo de doutores da Lei Antiga buscou avistar-se, cerimoniosamente, com o generoso romano, solicitando a restituição do prisioneiro para julgamento do Tribunal religioso. Festo recebeu a comissão, cavalheirescamente, e mostrou-se inclinado a atender, mas, prudente por índole e por dever do cargo, declarou que preferia solucionar a questão em Cesareia, onde se lhe facultava conhecer o assunto com os detalhes imprescindíveis. Para esse fim, convidava os rabinos a acompanhá-lo no seu regresso. Os israelitas exultaram de contentamento. Espalharam-se os mais sinistros projetos, para a recepção do Apóstolo em Jerusalém.


O governador ali ficou dez dias, mas, antes que regressasse, alguém se encaminhava a Cesareia, de coração oprimido e ansioso. Era Lucas, que, esforçado e solícito, propunha-se informar o prisioneiro de todas as singulares ocorrências. Paulo de Tarso ouvia-o com atenção e serenidade; mas, quando o companheiro passou a relatar os planos do Sinédrio, o amigo do gentilismo fez-se pálido. Estava definitivamente assentado que o trânsfuga seria crucificado, como o Divino Mestre, no mesmo local da Caveira. Havia preparativos para encenar fielmente o drama do Calvário. O acusado carregaria a cruz até lá, arrostando os sarcasmos da populaça e havia até quem falasse no sacrifício de dois ladrões, para que se repetissem todos os detalhes característicos do martírio do Carpinteiro.

Poucas vezes o Apóstolo manifestara tamanha impressão de espanto. Por fim, acrimonioso e enérgico, exclamou:

— Tenho experimentado açoites, apedrejamentos e insultos por toda parte, mas, de todas as perseguições e provações, esta é a mais absurda…


O próprio médico não sabia como interpretar esse conceito, quando o ex-rabino prosseguiu:

— Temos de evitar isso, por todos os meios ao nosso alcance. Como encarar essa deliberação extravagante de repetir a cena do Calvário? Qual o discípulo que teria a coragem de submeter-se a essa falsa paródia com a ideia mesquinha de atingir o plano do Mestre, no testemunho aos homens? O Sinédrio está enganado. Ninguém no mundo logrará um Calvário igual ao do Cristo. Sabemos que em Roma os cristãos começam a morrer no sacrifício, tomados por escravos misérrimos. Os poderes perversos do mundo desencadeiam a tempestade de ignomínias sobre a fronte dos seguidores do Evangelho. Se eu tiver de testificar de Jesus, fá-lo-ei em Roma. Saberei morrer junto dos companheiros, como um homem comum e pecador; mas não me submeterei ao papel de falso imitador do Messias prometido. Destarte, já que o processo vai ser novamente debatido pelo novo governador, apelarei para César.


O médico fez um gesto de assombro. Como a maioria dos cristãos eminentes de todas as épocas, Lucas não conseguia compreender aquele gesto, interpretado, à primeira vista, como negativa do testemunho.

— Entretanto — objetou com certa hesitação — Jesus não recorreu para as altas autoridades no sacrifício da cruz, e eu receio que os discípulos não saibam interpretar tua atitude, como convém.

— Discordo de ti — respondeu Paulo, resoluto —; se as comunidades cristãs não puderem compreender minha resolução prefiro passar a seus olhos como pedante e desatento, nesta hora singular de minha vida. Sou pecador e devo desprezar o elogio dos homens. Se me condenarem não estarão em erro. Sou imperfeito e preciso testemunhar nessa condição verdadeira de minha vida. De outro modo seria perturbar minha consciência, provocando um falso apreço humano.

Muito impressionado, Lucas guardou a lição inesquecível.


Três dias depois dessa entrevista, o governador regressava à sede do Governo provincial, acompanhado de numeroso séquito de israelitas dispostos a conseguir a entrega do famoso prisioneiro.

Pórcio Festo, com a serenidade que lhe marcava as atitudes políticas, procurou conhecer imediatamente a situação. Reviu o processo meticulosamente, inteirando-se dos títulos de cidadania romana do acusado, de acordo com a legislação em vigor. E notando a insistência dos rabinos que denotavam enorme ansiedade pela solução do assunto, convocou uma reunião para novo exame das declarações do acusado, no intuito de satisfazer a política regional de Jerusalém.

O convertido de Damasco, alquebrado de corpo, mas sempre revigorado de espírito, compareceu à assembleia sob os olhares rancorosos dos irmãos de raça, que pleiteavam sua remoção a todo custo. O Tribunal de Cesareia atraía grande multidão, ansiosa de conhecer o novo julgamento. Discutiam os israelitas, os cristãos comentavam os debates em atitude defensiva. Mais de uma vez, Pórcio Festo foi obrigado a levantar a voz, reclamando atenção e silêncio.


Abertos os trabalhos da assembleia singular, o governador interrogou o acusado, com energia cheia de nobreza.

Paulo de Tarso, entretanto, respondeu a todas as arguições com a serenidade que lhe era peculiar. Não obstante a manifesta animosidade dos judeus, declarou que em nada os havia ofendido e não se recordava de qualquer ato de sua vida no qual houvesse atacado o Templo de Jerusalém ou as leis de César.


Festo percebeu que tratava com um espírito culto e eminente, e que não seria tão fácil entregá-lo ao Sinédrio, conforme julgara a princípio. Alguns rabinos haviam insistido para que ordenasse a remoção para Jerusalém, pura e simplesmente, à revelia de quaisquer preceitos legais. O governador não hesitaria, nesse particular, fazendo valer sua influência política; mas, não quis praticar um ato arbitrário antes de conhecer as qualidades morais do homem focalizado pelas intrigas judaicas. No íntimo, considerava que, se se tratasse de uma personagem vulgar, poderia entregá-lo sem receio à autoridade tirânica do Sinédrio que, certo, o liquidaria; mas, outro tanto não aconteceria, caso verificasse nobreza e inteligência no prisioneiro, porquanto, com o seu acurado senso político, não desejava adquirir um inimigo capaz de prejudicá-lo a qualquer tempo. Tendo reconhecido os altos dotes intelectuais e morais do Apóstolo, modificou inteiramente a sua atitude. Passou logo a considerar com mais severidade o interlocutor, chegando à conclusão de que seria crime agir com parcialidade no feito. Além da cultura que o acusado exibia, tratava-se de um cidadão romano por títulos legitimamente adquiridos. Formulando novas conjeturas e com imensa surpresa para os representantes confiados do Sinédrio, Pórcio Festo perguntou ao prisioneiro se consentia em voltar a Jerusalém, a fim de lá ser julgado, perante ele próprio, pelo Tribunal religioso da sua raça. Paulo de Tarso, compreendendo a cilada dos israelitas, replicou tranquilamente, enchendo a assembleia de assombro:

— Senhor governador, estou diante do Tribunal de César, a fim de ser definitivamente julgado. Há mais de dois anos espero a decisão de um processo que não posso compreender. Como sabeis, a ninguém ofendi. Minha prisão derivou, tão só, das intrigas religiosas de Jerusalém. Desafio, neste particular, o conceito dos mais exigentes. Se pratiquei algum ato indigno, peço, eu mesmo, a sentença de morte. Convocado a novo julgamento, acreditei tivésseis a coragem necessária para romper com as aspirações inferiores do Sinédrio, fazendo justiça à vossa longanimidade de administrador consciencioso e reto. Continuo confiando na vossa autoridade, na vossa imparcialidade, isenta de favor, que ninguém poderá exigir dos vossos encargos honrosos e delicados. Examinai detidamente as acusações que me retêm no cárcere de Cesareia! Verificareis que nenhum poder provincial poderá entregar-me à tirania de Jerusalém! Reconhecendo essa valiosa circunstância e invocando meus títulos, embora creia sinceramente em vossas deliberações sábias e justas, apelo, desde já, para César!…


A atitude inesperada do Apóstolo dos gentios provocou geral espanto. Pórcio Festo, muito pálido, engolfou-se em sérias cogitações. De sua cátedra de juiz ensinara, generosamente, o caminho da vida a muitos acusados e malfeitores; entretanto, naquela hora inolvidável de sua existência, encontrava um réu que lhe falava ao coração. A resposta de Paulo valia um programa de justiça e de ordem. Com imensa dificuldade pedia o restabelecimento da calma, no recinto. Os representantes do judaísmo discutiam acaloradamente entre si; alguns cristãos, mais apressados, comentavam desfavoravelmente a atitude do Apóstolo, apreciando-a superficialmente, como se constituísse uma negação do testemunho. O governador reuniu, à pressa, o pequeno conselho dos rabinos mais influentes. Os doutores da Lei antiga insistiram pela adoção de medidas mais enérgicas, no pressuposto de que Paulo se modificaria com algumas bastonadas. Entretanto, sem desprezar a oportunidade de mais uma prestigiosa lição para sua vida pública, o governador cerrou ouvidos às intrigas de Jerusalém, afirmando que de modo algum podia transigir no cumprimento do dever, naquele significativo instante de sua vida. Desculpou-se, desapontado, com os velhos políticos do Sinédrio e do Templo, que o fixavam com olhos rancorosos e pronunciou as célebres palavras.

— Apelaste para César? Irás a César!


Com essa antiga fórmula ficaram encerrados os trabalhos do novo julgamento. Os representantes do Sinédrio retiraram-se extremamente irritados, exclamando um deles, em voz alta, para o prisioneiro que recebeu o insulto serenamente:

— Só os desertores malditos apelam para César. Vai-te para os gentios, indigno intrujão!…

O Apóstolo fixou-o com benignidade, enquanto se preparava para voltar ao cárcere.

O governador, sem perder tempo, determinou se anotasse a petição do réu, para prosseguimento do feito. No dia seguinte demorou-se a estudar o caso e sentiu-se presa de grande indecisão. Não podia enviar o acusado à capital do Império, sem justificar os motivos da prisão, por tanto tempo, nos cárceres de Cesareia. Como proceder? Mas, decorridos alguns dias, e Berenice vinham saudar o novo governador, em visita cerimoniosa e imprevista. O preposto imperial não pôde dissimular as preocupações que o absorviam, e depois das solenidades protocolares, devidas a hóspedes tão ilustres, contou a Agripa a história de Paulo de Tarso cuja personalidade empolgava os mais indiferentes. O rei palestinense, que conhecia a fama do ex-rabino, manifestou desejo de observá-lo de perto, ao que Festo anuiu satisfeitíssimo, não somente pela possibilidade de proporcionar um prazer ao hóspede generoso, senão também por esperar das impressões do mesmo algo de útil para ilustrar o processo do Apóstolo, que lhe incumbia enviar para Roma.


Pórcio deu a esse ato um caráter festivo. Convidou as personalidades mais eminentes de Cesareia, reunindo luzida assembleia em torno do rei no melhor e mais vasto auditório da Corte Provincial. Primeiramente houve bailados e música; em seguida, o convertido de Damasco, devidamente escoltado, foi apresentado pelo próprio governador, em termos discretos, mas cordiais e sinceros.

Herodes Agripa impressionou-se logo, vivamente, com a figura alquebrada e franzina do Apóstolo, cujos olhos serenos traduziam a energia inquebrantável da raça. Curioso por conhecê-lo melhor, mandou que se defendesse de viva voz.


Paulo compreendeu a profunda significação daquele minuto e passou a historiar os transes da sua existência com grande erudição e sinceridade. O rei ouvia assombrado. O ex-rabino evocou a infância, deteve-se nas reminiscências da mocidade, explicou sua aversão aos seguidores do Cristo Jesus e, exuberante de inspiração, traçou o quadro do seu encontro com o Mestre redivivo, às portas de Damasco, à viva luz do sol. Em seguida, passou a enumerar os feitos da obra de gentilidade, as perseguições sofridas em toda parte por amor ao Evangelho, concluindo, com veemência, que, sem embargo, suas pregações não contrariavam, antes corroboravam as profecias da Lei Antiga, desde Moisés.


Dando curso à imaginação ardente e fácil, o orador tinha os olhos jubilosos e brilhantes. A assembleia aristocrática estava eminentemente impressionada com os fatos narrados, denotando entusiasmo e alegria. Herodes Agripa, muito pálido, tinha a impressão de haver encontrado uma das mais profundas vozes da revelação divina. Pórcio Festo não ocultava a surpresa que lhe assaltara subitamente o espírito. Não presumia no prisioneiro tamanho cabedal de fé e persuasão. Ouvindo o Apóstolo descrever as cenas mais belas do seu apostolado com os olhos repletos de alegria e de luz, transmitindo ao auditório atento e comovido ideias imprevistas e singulares, o governador considerou que se trataria de um louco sublime e disse-lhe, em alta voz, na intercorrência de uma pausa mais prolongada:

— Paulo, és um desvairado! As muitas letras fazem-te delirar!… (At 26:24)


O ex-rabino, longe de se atemorizar, respondeu nobremente:

— Enganais-vos! Não sou um louco! Diante da vossa autoridade de romano ilustre, eu não me atreveria a falar desta maneira, pois reconheço que não estais devidamente preparado para ouvir-me. Os patrícios de Augusto são também de Jesus-Cristo, mas ainda não conhecem plenamente o Salvador. A cada qual, devemos falar de acordo com sua capacidade espiritual. Aqui, porém, senhor governador, se falo com ousadia é porque me dirijo a um rei que não ignora o sentido de minhas palavras. Herodes Agripa terá ouvido Moisés, desde a infância. É romano pela cultura mas alimentou-se da revelação de Deus aos seus antepassados. Nenhuma de minhas afirmações lhe pode ser desconhecida. De outro modo, ele trairia sua origem sagrada, pois todos os filhos da nação que aceitou o Deus único devem conhecer a revelação de Moisés e dos profetas. Credes assim, rei Agripa?


A pergunta causou enorme espanto. O próprio administrador provincial não teria coragem de se dirigir ao rei com tamanha desenvoltura. O ilustre descendente de Ântipas estava altamente surpreendido. Extrema palidez cobria-lhe o semblante. Ninguém, assim, jamais lhe houvera falado em toda a sua vida.

Percebendo-lhe a atitude mental, Paulo de Tarso completou a poderosa argumentação, acrescentando:

— Sei que credes!…

Confuso com o desembaraço do orador, Agripa sacudiu a fronte como se desejasse expulsar alguma ideia importuna, esboçou um sorriso vago, dando a entender que estava senhor de si, e disse em tom de gracejo:

— Ora esta! por pouco me persuades a fazer uma profissão de fé cristã…


O Apóstolo não se deu por vencido e revidou:

— Oxalá que, por pouco ou muito, vos fizésseis discípulo de Jesus; não somente vós, mas todos quantos nos ouviram hoje.

Pórcio Festo compreendeu que o rei estava muito mais impressionado do que se supunha e, desejoso de modificar o ambiente, propôs que as altas personalidades se retirassem para a refeição da tarde, em palácio. O ex-rabino foi reconduzido ao cárcere, deixando nos ouvintes imorredoura impressão. Berenice, sensibilizada, foi a primeira a manifestar-se, reclamando clemência para o prisioneiro. Os demais seguiram a mesma corrente de benévola simpatia. Herodes Agripa tentou uma fórmula digna para que o Apóstolo fosse restituído à liberdade. O governador, porém, explicou que, conhecendo a fibra moral de Paulo, tomara a sério o seu recurso para César, estando já pergaminhadas as primeiras instruções a respeito. Cioso das leis romanas, pôs embargos ao alvitre, embora pedisse o socorro intelectual do rei para a carta de justificação, com que o acusado deveria apresentar-se à autoridade competente, na capital do Império. Desejoso de conservar sua tranquilidade política, o descendente dos Herodes não aventou qualquer nova sugestão, lamentando apenas que o prisioneiro já houvesse recorrido em derradeira instância. Procurou então cooperar na redação do documento, mostrando-se contrário ao pregador do Evangelho tão só pela circunstância de haver suscitado muitas lutas religiosas na camada popular, em desacordo com a unidade de fé colimada pelo Sinédrio como baluarte defensivo das tradições do judaísmo. Para isso, o próprio rei assinara como testemunha, emprestando maior importância às alegações do preposto imperial. Pórcio Festo registrou o auxílio, extremamente satisfeito. Estava resolvido o problema e Paulo de Tarso poderia partir com a primeira leva de sentenciados, para Roma.


Escusado dizer que recebeu a notícia com serenidade. Depois de um entendimento com Lucas, pediu que a igreja de Jerusalém fosse avisada, bem como a de Sídon, onde o navio, certo, haveria de receber carga e passageiros. Todos os amigos de Cesareia foram mobilizados no serviço das comovedoras mensagens que o ex-rabino dirigiu às amadas igrejas, menos Timóteo, Lucas e Aristarco, que se propunham acompanhá-lo à capital do Império.

Os dias correram, céleres, até que chegou o momento em que o centurião Júlio com a sua escolta foi buscar os prisioneiros para a viagem tormentosa. O centurião tinha plenos poderes para determinar todas as providências e, logo, evidenciando simpatia pelo Apóstolo, ordenou fosse ele conduzido a embarcação desalgemado, em contraste com os demais prisioneiros.


O tecelão de Tarso, apoiado ao braço de Lucas, reviu, placidamente, a tela clara e barulhenta das ruas, afagando a esperança de uma vida mais alta, em que os homens pudessem gozar fraternidade em nome do Senhor Jesus. Seu coração mergulhava em doces reflexões e preces ardentes, quando foi surpreendido com a compacta multidão que se premia e agitava na extensa praça a beira-mar.

Filas de velhos, de jovens e crianças, aglomeraram-se junto dele, a poucos metros da praia. À frente, Tiago alquebrado e velhinho, vindo de Jerusalém com grande sacrifício, por trazer-lhe o ósculo fraternal. O ardente defensor da gentilidade não conseguiu dominar a emoção. Bandos de crianças atiraram-lhe flores. O filho de Alfeu, reconhecendo a nobreza daquele Espírito heroico, tomou-lhe a destra e beijou-a com efusão. Ali estava com todos os cristãos de Jerusalém, em condições de fazer a viagem. Ali estavam confrades de Jope,  de Lida,  de Antipátris,  de todos os quadrantes provinciais. As crianças da gentilidade uniam-se aos pequeninos judeus, que saudavam carinhosamente o Apóstolo prisioneiro. Velhos aleijados aproximavam-se respeitosos e exclamavam:

— Não deveríeis partir!…


Mulheres humildes agradeciam os benefícios recebidos de suas mãos. Doentes curados comentavam a colônia de trabalho que ele sugerira e ajudara a fundar na igreja de Jerusalém e proclamavam sua gratidão em altas vozes. Os gentios, convertidos ao Evangelho, beijavam-lhe as mãos, murmurando:

— Quem nos ensinará doravante, a sermos filhos do Altíssimo?

Meninos amorosos apegavam-se-lhe à túnica, sob os olhares de mães consternadas.

Todos lhe pediam que ficasse, que não partisse, que voltasse breve para os serviços abençoados de Jesus.


Subitamente, recordou a velha cena da prisão de Pedro, quando, ele, Paulo, arvorado em verdugo dos discípulos do Evangelho, visitara a igreja de Jerusalém, chefiando uma expedição punitiva. Aqueles carinhos do povo lhe falavam brandamente à alma. Significavam que já não era o algoz implacável que, até então, não pudera compreender a misericórdia divina; traduziam a quitação do seu débito com a alma do povo. De consciência um tanto aliviada, recordou-se de Abigail e começou a chorar. Sentia-se, ali, como no seio dos “filhos do Calvário” que o abraçavam, reconhecidos. Aqueles mendigos, aqueles aleijados, aquelas criancinhas eram a sua família. Naquele inesquecível minuto da sua vida, sentia-se plenamente identificado no ritmo da harmonia universal. Brisas suaves de mundos diferentes balsamizavam-lhe a alma, como se houvesse atingido uma região divina, depois de vencer grande batalha. Pela primeira vez, alguns pequeninos chamaram-lhe “pai”. Inclinou-se, com mais ternura, para as criancinhas que o rodeavam. Interpretava todos os episódios daquela hora inolvidável como uma bênção de Jesus que o ligava a todos os seres. À sua frente, o oceano em calma assemelhava-se a um caminho infinito e promissor de misteriosas e inefáveis belezas.


Júlio, o centurião da guarda, aproximou-se comovido e falou com brandura:

— Infelizmente, chegou o momento de partir.

E, testemunha das manifestações tributadas ao Apóstolo, também ele tinha os olhos úmidos. Muitos réus se lhe haviam já deparado naquelas circunstâncias e eram todos revoltados, desesperados, ou penitentes arrependidos. Aquele, porém, estava sereno e quase feliz. Júbilo indizível lhe transbordava dos olhos brilhantes. Além disso, sabia que aquele homem, dedicado ao bem de todas as criaturas, não cometera falta alguma. Por isso mesmo, conservou-se ao seu lado, como querendo compartilhar dos transportes afetuosos do povo, como o demonstrar a consideração que lhe merecia.


O Apóstolo dos gentios abraçou os amigos pela última vez. Todos choravam discretamente, à maneira dos sinceros discípulos de Jesus, que não pranteiam sem consolo: as mães ajoelhavam-se com os filhinhos na areia alva, os velhos, apoiando-se a rudes cajados, com imenso esforço. Todos os que abraçavam o campeão do Evangelho, punham-se de joelhos, rogando ao Senhor que abençoasse o seu novo roteiro.

Concluindo as despedidas, Paulo acentuava com serenidade heroica:

— Choremos de alegria, irmãos! Não há maior glória neste mundo que a de estar o homem a caminho de Cristo Jesus!… O Mestre foi ao encontro do Pai, através dos martírios da Cruz! Abençoemos nossa cruz de cada dia. É preciso trazermos as marcas do Senhor Jesus! Não acredito possa voltar aqui, com este alquebrado corpo de minhas lutas materiais. Espero que o Senhor me conceda o derradeiro testemunho em Roma; entretanto, estarei convosco pelo coração; voltarei às nossas igrejas em Espírito; cooperarei no vosso esforço nos dias mais amargos. A morte não nos separará, tal como não separou o Senhor da comunidade dos discípulos. Nunca estaremos distastes uns dos outros e, por isso mesmo, prometeu Jesus que estaria ao nosso lado até ao fim dos séculos!… (Mt 28:20)


Júlio ouviu a exortação, comovidamente. Lucas e Aristarco soluçavam baixinho.

A seguir, o Apóstolo tomou o braço do médico amigo e, seguido de perto pelo centurião, caminhou resoluto e sereno em demanda do barco.

Centenas de pessoas acompanharam as manobras da largada, em santificado recolhimento regado de lágrimas e preces. Enquanto o navio se afastava lento, Paulo e os companheiros contemplavam Cesareia, de olhos umedecidos. A multidão silenciosa, dos que ficavam em pranto, acenava e ondeava na praia que a distância, aos poucos, diluía. Jubiloso e reconhecido, Paulo de Tarso descansava o olhar no campo de suas lutas acerbas, meditando nos longos anos de viltas e reparações necessárias. Recordava a infância, os primeiros sonhos da juventude, as inquietações da mocidade, os serviços dignificantes do Cristo, sentindo que deixava a Palestina  para sempre. Grandiosos pensamentos o empolgavam, quando Lucas se aproximou e, apontando a distância os amigos que continuavam genuflexos, exclamou brandamente:

— Poucos fatos me comoveram tanto no mundo, como este! Registrarei nas minhas anotações como foste amado por quantos receberam das tuas mãos fraternais o benefício de Jesus!…


Paulo pareceu ponderar profundamente a advertência e acentuou:

— Não, Lucas. Não escrevas sobre virtudes que não tenho. Se me amas não deves expor meu nome a falsos julgamentos. Deves falar, isso sim, das perseguições por mim movidas aos seguidores do santo Evangelho; do favor que o Mestre me dispensou às portas de Damasco, para que os homens mais empedernidos não desesperem da salvação e aguardem a sua misericórdia no momento justo; citarás os combates que temos travado desde o primeiro instante, em face das imposições do farisaísmo e das hipocrisias do nosso tempo; comentarás os obstáculos vencidos, as humilhações dolorosas, as dificuldades sem conta, para que os futuros discípulos não esperem a redenção espiritual com o repouso falso do mundo, confiantes no favor incompreensível dos deuses e sim com trabalhos ásperos, com sacrifícios abençoados pelo aperfeiçoamento de si mesmos; falarás de nossos recontros com os homens poderosos e cultos; de nossos serviços junto dos desfavorecidos da sorte, para que os seguidores do Evangelho no futuro, não se arreceiem das situações mais difíceis e escabrosas, conscientes de que os mensageiros do Mestre os assistirão, sempre que se tornem instrumentos legítimos da fraternidade e do amor, ao longo dos caminhos que se desdobram à evolução da Humanidade.


E depois de longa pausa, em que observou a atenção com que Lucas lhe acompanhou os inspirados raciocínios, prosseguiu em tom sereno e firme:

— Cala sempre, porém, as considerações, os favores que tenhamos recolhido na tarefa, porque esse galardão só pertence a Jesus. Foi Ele quem removeu nossas misérias angustiosas, enchendo o nosso vácuo; foi sua mão que nos tomou caridosamente e nos reconduziu ao caminho santo. Não me contaste tuas lutas amargurosas no passado distante? Não te contei como fui perverso e ignorante, em outros tempos? Assim como iluminou minhas veredas sombrias, , levou-te Ele , para que lhe ouvisses as verdades eternais. Por mais que tenhamos estudado, sentimos um abismo entre nós e a sabedoria eterna; por mais que tenhamos trabalhado, não nos encontramos dignos daquele que nos assiste e guia desde o primeiro instante da nossa vida. Nada possuímos de nós mesmos!… O Senhor enche o vácuo de nossa alma e opera o bem que não possuímos. Esses velhinhos trêmulos que nos abraçaram em lágrimas, as crianças que nos beijaram com ternura, fizeram-no ao Cristo. Tiago e os companheiros não vieram de Jerusalém tão só para manifestar-nos sua fraternidade afetuosa: vieram trazer testemunhos de amor ao Mestre que nos reuniu na mesma vibração de solidariedade sacrossanta, embora não saibam traduzir o mecanismo oculto dessas emoções grandiosas e sublimes. No meio de tudo isso, Lucas, fomos apenas míseros servos que se aproveitaram dos bens do Senhor para pagar as próprias dívidas. Ele nos deu a misericórdia para que a justiça se cumprisse. Esses júbilos e essas emoções divinas lhe pertencem… Não tenhamos, portanto, a mínima preocupação de relatar episódios que deixariam uma porta aberta para a vaidade incompreensível. Que nos baste a profunda convicção de havermos liquidado nossos débitos clamorosos…


Lucas ouviu admirado essas considerações oportunas e justas, sem saber definir a surpresa que lhe causavam.

— Tens razão — disse finalmente —, somos fracos demais para nos atribuirmos qualquer valor.

— Além disso — acrescentou Paulo —, a batalha do Cristo está começada. Toda vitória pertencerá ao seu amor e não ao nosso esforço de servos endividados… Escreve, portanto, tuas anotações do modo mais simples e nada comentes que não seja para glorificação do Mestre no seu Evangelho imortal!…

Enquanto Lucas procurava Aristarco para transmitir-lhe aquelas sugestões sábias e afetuosas, o ex-rabino continuou fitando o casario de Cesareia, que se apagava agora no horizonte. A embarcação navegava suavemente, afastando-se da costa… Por longas horas, deixou-se ficar ali, meditando o passado que lhe surgia aos olhos espirituais, qual imenso crepúsculo. Mergulhado nas reminiscências entrecortadas de preces a Jesus, ali permaneceu em significativo silêncio, até que começaram a brilhar no firmamento muito azul os primeiros astros da noite.




Referências em Outras Obras

Não foram encontradas referências em Outras Obras.

Comentários Bíblicos

Este capítulo é uma coletânea de interpretações abrangentes da Bíblia por diversos teólogos renomados. Cada um deles apresenta sua perspectiva única sobre a interpretação do texto sagrado, abordando diferentes aspectos como a história, a cultura, a teologia e a espiritualidade. O capítulo oferece uma visão panorâmica da diversidade de abordagens teológicas para a interpretação da Bíblia, permitindo que o leitor compreenda melhor a complexidade do texto sagrado e suas implicações em diferentes contextos e tradições religiosas. Além disso, o capítulo fornece uma oportunidade para reflexão e debate sobre a natureza da interpretação bíblica e sua relevância para a vida religiosa e espiritual.

Beacon

Comentário Bíblico de Beacon - Interpretação abrangente da Bíblia por 40 teólogos evangélicos conservadores
Beacon - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27
D. O VOTO NAZIREU, 6:1-21

1. O Plano para o Voto (6:1-8)

O voto de nazireu (2) era uma das prescrições exclusivas de Deus para o povo. Fala de todos que podiam fazer o voto, homens e mulheres de qualquer tribo e em qualquer momento da vida. Ao longo do Antigo Testamento há prescrições para os sacerdotes e levitas cumprirem antes de exercerem os serviços religiosos especiais. Este voto prepara o terreno para a universalidade do evangelho no Novo Testamento, que possibilita todas as pessoas que escolheram agir assim a entrarem na obra de Deus.

A palavra nazireu é derivada do hebraico nazir, que significa "separar". Mais tarde, na história hebraica, este voto era prática bastante comum representada por pessoas famosas como Sansão, Samuel e João Batista. O voto nazireu era extremamente severo, mais que os votos sob os quais os sacerdotes serviam.

  1. O nazireu prometia se abster de vinho e bebida forte (3). O termo geral seria "bebidas inebriantes". O vinagre está incluso na lista de proibições, porque os hebreus o fabricavam de bebidas intoxicantes que tinham azedado." Não podia to-mar "suco de uvas" (NTLH; NVI) e nem comer uvas frescas ou secas (provavelmen-te, em bolos de passa). O nazireu tinha de se privar de tudo o que a videira produzis-se, até da semente ou das cascas (4; cf. ARA) ou "uvas verdes ou gavinhas" (Smith-Goodspeed).
  2. Durante o tempo do voto, o nazireu tinha de deixar o cabelo crescer; sobre a sua cabeça não passará navalha (5). Era como símbolo externo do seu voto a Deus e indi-cava, na linguagem dos rituais, que ele era limpo.
  3. O nazireu não devia chegar perto do corpo de um morto (6), pois tal contato o tornaria cerimonialmente impuro. Esta determinação era tão rígida que ele não podia ajudar no enterro de pessoas do próprio parentesco (7).

O nazireu era uma pessoa "separada" (Tt 2:14), e durante o período do voto pres-tava serviços especializados a Deus. Também havia a implicação espiritual de que todos os dias do seu nazireado ele tinha de ser santo ao SENHOR (8). O voto falava de limpeza física pessoal, de pureza cerimonial no que tange à lei e de discipli-na moral forte. Os sinais externos davam evidência ao mundo de que o indivíduo era nazireu.

Vemos nesta relação uma previsão do propósito de Deus para todos os seus fi-lhos, uma escolha pessoal e voluntária no sentido de serem pessoas separadas, um povo santo e dedicado ao serviço de Deus. Isto está claramente relacionado, em espí-rito e propósito, aos votos de consagração do Novo Testamento cristão (cf. 2 Co 6.14,16-18). Indica o desejo do coração de Deus de que todos os seus filhos sejam nazireus em espírito.

  1. A Purificação da Contaminação (6:9-12)

Caso o nazireu inadvertidamente entrasse em contato com algo morto, ficaria cerimonialmente impuro. Para esta condição, Deus forneceu meios de limpeza. O indiví-duo tinha de rapar a cabeça (9) e levar a oferta de duas rolas ou dois pombinhos (10) para o sacerdote fazer expiação por ele. Deus não faz exigências sem prover meios de cumprimento e uma expiação, quando necessária (1 Jo 2:1-2). A cabeça do seu nazireado (9) é figura de linguagem para se referir a "sua pessoa" (Moffatt).

  1. A Conclusão do Voto (6:13-21)

O voto nazireu durava um período específico de tempo, como indica a expressão os dias do seu nazireado (13). Provavelmente, não era menos de um ano e poderia ser para toda a vida. Quando o período expirasse, o nazireu tinha de comparecer diante do sacerdote com um cordeiro para o holocausto (oferta da consagração) ; uma cordeira para a expiação da culpa ("oferta pelo pecado", ARA; a expiação pelos pecados come-tidos durante o período dos votos vinha, na verdade, antes do holocausto) ; um carnei-ro para a oferta pacífica (14; "oferta de paz", NTLH) ; e um cesto de bolos asmos e coscorões asmos, junto com uma oferta de manjares e suas libações (15; para a oferta de louvores).

Esta era a série completa de todas as ofertas que Deus exigira (Lv 1:4). Mediante cerimônias apropriadas, o sacerdote desobrigaria o indivíduo do voto, que, então, estaria livre para seguir um curso habitual da vida. A cabeça raspada era o sinal de que ele cumprira o voto e não era mais nazireu.

E. A BÊNÇÃO SACERDOTAL, 6:22-27

1. Seu Lugar

Neste ponto do registro, sem referência particular ao contexto, encontramos inseridas as palavras aprazíveis da bênção conhecida por "Bênção Sacerdotal". Esta era a fórmula que os sacerdotes tinham de usar para abençoar um povo consagrado e santificado (Dt 21:5). Esforços em determinar a origem desta bênção, datando-a em período muito posterior, não se mostraram convincentes. E não há razões aceitáveis para acreditar que estas palavras rituais não foram usadas anteriormente (cf. Lv 9:22), ou que não foram formalizadas neste momento da história hebraica. Em todo caso, a

Bênção Sacerdotal foi extensivamente utilizada na adoração judaica ao longo dos sécu-los e, pelo menos em parte, foi empregada nos círculos cristãos.

  1. Seu Valor

Pelo visto, nesta fase da história de Israel, os sacerdotes receberam autoridade para usar o nome divino. Eles abençoavam de maneira semelhante ao que o pai oriental fazia, quando abençoava seus filhos no nome de Deus. O grande valor do texto é a maneira na qual exalta o caráter de Deus diante do povo. A bênção consiste em três sentenças que tomam os versículos 24:26. Cada versículo é uma parelha de versos com a segunda porção apresentando a aplicação da graça sugerida na primeira.

  1. Seu Texto
  2. O SENHOR te abençoe e te guarde (24). "A bênção de Deus é a bondade de Deus em ação", disse João Calvino. Esta bênção é a garantia da proteção de Deus e de sua mão estendida sobre as pessoas que lhe pertencem. A bênção não abrangia apenas os aspectos físicos da vida (Si 91), mas também dizia respeito às questões espirituais mais profundas (Jo 17:9-15; 1 Ts 5.23).
  3. O SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti (25). O rosto de Deus é sua presença voltada em direção ao homem ou desviada dele. Os israelitas sempre foram incansavelmente lembrados do favor de Deus pela representação do rosto divino voltado em direção a eles e pela presença e glória celestiais em seu meio. Quando o rosto de Deus está voltado favoravelmente para o homem, há perdão; a graça de Deus é estendida para satisfazer a necessidade humana (Sl 21:6-34.15).
  4. O SENHOR sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz (26). Este é o ser total de Deus que se põe em ação pela salvação do seu povo. O resultado é paz; o tipo de paz que vem, não pela disciplina da mente humana, mas pela presença do Espírito Santo de paz (Jo 14:26-27). "É mais que mera ausência de discórdia, pois expressa o bem-estar e segurança positivos daquele cuja mente está fixa em Deus."'
  5. Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei (27). O nome do Deus de Israel significa mais que meras letras formando a palavra. Seu nome faz parte do seu ser e não pode ser desassociado de sua natureza (Êx 3:13-14) nem do seu concerto (Êx 6:3). Por conseguinte, pôr o nome do Deus do concerto sobre o povo tinha verdadeiro significado. Não podia ser feito sem autoridade divina. Este fato decla-ra verdade sublime; quando os israelitas aceitaram o nome de Deus como seu, estavam reconhecendo a paternidade divina e a qualidade de filhos. Estavam tomando para si a natureza e o sobrenome divinos. Isto possibilitava a bênção de Deus sobre eles e a bênção deles sobre o mundo. "Idéia semelhante é expressa pelo pensamento do Novo Testamen-to de a igreja ser o corpo de Cristo."'

Nos versículos 22:26, vemos "A Bênção de Deus".

1) A consagração de uma vida separada traz a bênção da proteção de Deus, 24;

2) O favor de Deus é mostrado na sua graça, 25;

3) A comunhão com Deus é experimentada na paz, 26 (G. B. Williamson).


Genebra

Comentários da Bíblia de Estudos de Genebra pela Sociedade Bíblica do Brasil para versão Almeida Revista e Atualizada (ARA)
Genebra - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27
*

6.1-21

O voto de nazireu era um tipo especial de dedicação voluntária. Uma pessoa podia tomar um voto especial de separação por um período limitado de tempo, durante o qual não poderia comer ou beber qualquer coisa derivada de videira, e nem deveria aparar seus cabelos ou sua barba. A uva era uma fonte de prazer físico, e abster-se da mesma representava uma vida dedicada a Deus. Permitir que os cabelos crescessem significava abstenção de qualquer adorno humano.

Durante o período em que o voto estivesse valendo, o nazireu devia ter o cuidado de não tornar-se cerimonialmente imundo, por qualquer razão que fosse (v. 7). Se alguém morresse subitamente na presença daquele que tinha assumido o voto de nazireu, seria necessário fazer certas ofertas prescritas (vs. 9-12), como rapar a própria cabeça, e reiniciar o período de separação novamente (v. 12). Uma cerimônia especial é descrita, para terminar o período de separação (vs. 13-21).

* 6.24-26

Essa tríplice bênção divina era proferida pelo sacerdote com mãos erguidas (Lv 9:22). Ela começa como uma bênção geral (v. 24) para uma invocação do favor e da presença de Deus (v. 25), e, finalmente, chega a mencionar, de forma culminante, a paz que vem somente da graciosa presença de Deus (v. 26). Pronunciar essa bênção colocava o nome da aliança do SENHOR (Yahweh) sobre o povo (v. 27).

* 6:25

o SENHOR faça resplandecer o rosto sobre ti. Temos aqui uma vívida figura de Deus a contemplar favoravelmente os seus adoradores. Quanto mais íntimo for o acesso do indivíduo à face de Deus, maior a sua bem-aventurança.


Matthew Henry

Comentário Bíblico de Matthew Henry, um pastor presbiteriano e comentarista bíblico inglês.
Matthew Henry - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27
6:1, 2 Nos dias do Moisés, um voto pessoal era tão obrigatório como um contrato por escrito. Uma coisa era dizer que ia fazer algo, mas se considerava com muita maior seriedade quando um fazia um voto solene para fazê-lo. Deus instituiu o voto de nazareo para os que queriam dedicar algum tempo exclusivamente para servi-lo. Este voto podia ser por um período curto de trinta dias, ou um tão largo como toda uma vida. Era voluntário, com uma exceção: os pais podiam tomar o voto para seus filhos jovens, fazendo-os nazareos de por vida. O voto incluía três restrições: (1) devia abster do vinho e as bebidas fermentadas, (2) seu cabelo não podia ser recortado nem a barba barbeada e (3) estava-lhe proibido tocar um cadáver. O propósito do nazareato era levantar um grupo de líderes dedicados completamente a Deus. Sansón, Samuel e João o Batista, foram provavelmente nazareos de por vida.

6.24-26 Uma bênção era uma forma de pedir que o favor divino de Deus descansasse em outros. A bênção antiga nestes versículos nos ajuda a compreender o que se supunha que uma bênção tinha que fazer. Suas cinco partes transmitiam o desejo de que Deus (1) benzera-o e o guardasse (favor e amparo), (2) fizesse que seu rosto resplandecesse sobre eles (seja agradado), (3) seja misericordioso (piedoso e compassivo), (4) voltasse seu rosto para eles (desse-lhes sua aprovação), (5) desse-lhes paz. Quando você pede a Deus que o benza a você ou a outros, está-lhe pedindo estas cinco coisas. A bênção que você oferece não só ajudará ao que a recebe; além disso lhe demonstrará amor, respirará a outros e proporcionará um modelo de interesse naqueles que observam.


Wesley

Comentário bíblico John Wesley - Metodista - Clérigo Anglicano
Wesley - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27
D. o nazireu VOTO (6: 1-21)

1 E o Senhor disse a Moisés, dizendo: 2 Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando um homem ou mulher, fizer um voto especial, o voto de nazireu, para se separar ao SENHOR, 3 , ele deve separar-se de vinho e de bebida forte; não beberá vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem beberá todo o suco de uvas, nem comerá uvas frescas ou secas. 4 Todos os dias do seu nazireado não comerá nada que é feito da uva-videira, desde os caroços até as cascas.

5 Todos os dias do seu voto de nazireado, navalha não passará sobre a sua cabeça: até que se cumpram os dias, em que se separar para o Senhor, ele será santo; ele deve deixar as mechas de cabelo da sua cabeça crescer muito.

6 . Por todos os dias que se separar para o Senhor que ele não se chegarão a um corpo morto 7 Ele não se contaminará nem por seu pai, nem por sua mãe, por seu irmão, ou por sua irmã, quando morrem; porque a sua separação para Deus está sobre a sua cabeça. 8 Todos os dias da sua separação, ele é santo ao Senhor.

9 E se alguém morrer subitamente junto dele, e ele contamina o chefe da sua separação; rapará a sua cabeça no dia da sua purificação, ao sétimo dia a rapará. 10 E no oitavo dia trará duas rolas ou dois pombinhos, ao sacerdote, à porta da tenda de reunião: 11 eo sacerdote oferecerá um como oferta pelo pecado, eo outro para o holocausto, e fará expiação por ele, do que pecou por causa dos mortos, e santificará a sua cabeça naquele mesmo dia . 12 E ele separará ao Senhor os dias da sua separação, e trará um cordeiro de um ano de idade, para oferta pela culpa; mas os dias antecedentes serão perdidos, porquanto o seu nazireado foi contaminado.

13 E esta é a lei do nazireu, quando os dias da sua separação são cumpridas: ele será trazido à porta da tenda da reunião: 14 e oferecerá a sua oferta ao Senhor, um cordeiro de um ano, sem defeito, como holocausto, e uma cordeira de um ano, sem defeito, como oferta pelo pecado, e um carneiro sem defeito como oferta de paz, 15 e um cesto de pães ázimos, bolos de flor de farinha misturada com azeite, e coscorões ázimos untados com azeite, e sua oferta de cereais, e as suas ofertas de bebida. 16 E o sacerdote os apresentará perante o Senhor, e oferecerá a oferta pelo pecado, e seu holocausto: 17 e se oferecerá o carneiro um sacrifício de oferta pacífica ao Senhor, com o cesto de pães ázimos, o sacerdote oferecerá também o mesmo, e a oferta de libação oferta de cereais. 18 E o nazireu rapará a cabeça de sua separação na porta do tenda da congregação, e tomará o cabelo da cabeça de sua separação, e colocá-la sobre o fogo que está debaixo do sacrifício das ofertas pacíficas. 19 E o sacerdote tomará a espádua cozida do carneiro, e um pão ázimo do cesto, e um wafer ázimo, e os porá nas mãos do nazireu, depois de haver rapado a cabeça de sua separação; 20 eo sacerdote moverá por oferta movida perante o Senhor; Isto é santo para o sacerdote, juntamente com a onda de mama e heave da coxa; e depois o nazireu poderá beber vinho.

21 Esta é a lei do nazireu que voweth, e da sua oferta ao Senhor pelo seu nazireado, além do que ele é capaz de obter: de acordo com o seu voto, que fizer, assim fará conforme a lei de sua separação.

O voto de um Nazireu foi associado com uma dedicação devoto para um serviço especial, limitada ou para a vida. O Nazireu comprometeu-se a uma disciplina rigorosa e rigorosas, incluindo total abstinência de bebidas alcoólicas (v. Nu 6:3 ). Ele não era de fazer a barba a si mesmo (v. Nu 6:5 ), nem era para tocar os mortos (vv. Nu 6:6-7 ).

Durante o período do voto a pessoa era esperado para deixar seu cabelo crescer e, ao final do período de separação, ele ofereceu de cabeça raspada ao Senhor como um sacrifício, queimando-o.

É de notar que, no caso de Sansão (13 1:16-1'>Jz. 13-16) foi diferente, já que ele não assumir o próprio voto, mas a obrigação foi colocado em cima dele antes do nascimento pelo comando que era para ser um Nazireu toda a sua vida (Jz 13:5 , Jz 13:13 ).

E. Sacerdotal BÊNÇÃO (6: 22-27)

22 E o Senhor disse a Moisés, dizendo: 23 Fala a Arão, ea seus filhos, dizendo: Nesta ye abençoareis os filhos de Israel: haveis de dizer-lhes:

24 O Senhor te abençoe e te guarde;

25 O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti;

26 Jeová levante o seu rosto sobre ti, e te dê a paz.

27 Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel; e eu os abençoarei.

A gramática desta passagem tem sido contestada por alguns estudiosos críticos como tem a inclusão desta bênção neste contexto. Um crítico disse:

Não poderia haver melhor ilustração do personagem promíscuo deste documento que a ocorrência desta bela bênção no meio dos detalhes mecânicos do votos e ofertas.

Parece, no entanto, que esta bênção sacerdotal é mais adequado e agradável para este contexto. Era dever dos sacerdotes para fazer a bênção do Senhor sobre o povo (ver Dt 10:8 ).

Esta bênção sacerdotal contém três cláusulas de duplas do aumento do comprimento e da intensidade e em ambos o nome do Senhor é usado (vv. Nu 6:24-26 ). Este é um pouco semelhante ao que culminou Hallelujah Chorus de Sl 150:1 uma afinidade é visto aqui para a bênção cristã tríplice (. 2Co 13:14 ; veja também Sl 4:6 ; Sl 31:16 ; Sl 67:1 ; Sl 80:3 , Sl 80:19 ). As palavras fazer resplandecer o seu rosto sobre ti (v. Nu 6:25) são uma expressão hebraica comum para designar a felicidade (ver Pv 16:15 ). O oposto é verdadeiro quando o rosto é escurecido (Os 2:6) é a palavra mais usada hoje em Israel, e significa, entre outras coisas, a saúde, a boa vontade, paz de espírito, amizade, etc.

Clarke parafraseia a bênção assim:

1 Que Deus falar a ti, te dando suas excelentes promessas! ... Que ele te preservar na posse de todo o bem que tu tens, e de todo o mal com o que tu és ameaçada. 2 de Maio, a Santíssima Trindade iluminar o teu coração, dando-te o verdadeiro conhecimento de ti e do teu Criador; e que ele possa mostrar-te sua graça em perdoar os teus pecados, e apoiar a tua alma! 3 Que Deus te dê a comunhão com o Pai, do Filho e do Espírito, com uma sensação constante de sua aprovação; e te conceda a prosperidade na tua alma, e em todos os teus assuntos seculares.

Russell Shedd

Comentários da Bíblia por Russell Shedd, teólogo evangélico e missionário da Missão Batista Conservadora.
Russell Shedd - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27
6.2 Nazireu. O nazireu ou nazarita não se deve confundir com o Nazareno, cidadão de Nazaré, como era: Jesus Mt 2:23.

6:2-21 O nazireu é aquele que se separa para a obra de Deus, por voto especial, seja penitencial ou devocional, por tempo determinado. Três eram as suas obrigações: abster-se de bebidas alcoólicas, porque seu prazer deveria estar no Senhor; não cortar seus cabelos, em sinal de humildade, lealdade e obediência, padecendo opróbrio pelo Senhor; evitar o contato com os mortos, preservando-se puro e santo, porque o Senhor é Santo. Uma vez esgotado o tempo da consagração, o nazireu se apresentava ao sacerdote, oferecia seus sacrifícios, raspava sua cabeça, queimava seus cabelos para não se envaidecer do seu voto e pelo fato de ter servido ao Senhor com humildade. A figura do nazireu foi refletida na pessoa de Cristo, que sem ter sido nazireu, foi santo, imaculado, separado dos pecadores e inteiramente devotado à vontade de Deus, He 7:26. • N. Hom. O sexto capítulo nos ensina:
1) A consagração, que significa que cada aptidão, cada privilégio e cada possibilidade pertence a Deus. 2)A bênção inclui: a) o beneficio e a preservação, v. 24; b) o favor divino revelado na Sua graça, v. 25; c) a comunhão com Deus que nos dá a experiência da paz, v. 26. "A bênção do Senhor enriquece" Pv 10:22. Veja Lc 24:50-51; At 3:36. No NT, a bênção consta em2Co 13:132Co 13:13.

6.5 Nazireado. A palavra hebraica significa "abstinência" ou "temperança"; no v. 7, daria significado mais exato se fosse traduzida por "consagração". A palavra é idêntica à palavra que significa "coroa", que nos ensina a verdade de que o homem que é mestre das suas paixões se compara a um coroado, com todo o poder do estado a seu alcance.

6.6 Cadáver. Compare o velho "eu não convertido", o "velho homem" Rm 6:6; "o corpo desta morte" Rm 7:24. Qualquer pendor desta carne conduz à morte (Rm 8:6).

6.7 Nenhum laço de amor humano deve ter tanta força como os laços da vocação pela qual Cristo nos chamou ao discipulado, Mt 10:37.

6.11 Este versículo aponta para Cristo, nossa Oferta e Expiação.
6:22-27 A bênção que o sacerdote tinha que dar ao povo era objetiva, gradativa e completa, referindo-se primeiro ao cuidado pessoal que Deus tem pelo bem-estar individual, "O Senhor te abençoe e te guarde". Em segundo lugar, apela para maior comunhão com Deus numa autêntica vida espiritual de perdão e santificação, v. 25. Em terceiro lugar, concede-se uma bênção particular de bem-estar e felicidade, v. 27. • N. Hom. A. bênção sacerdotal revela:
1) O amor de Deus para conosco, v. 24;
2) A necessidade de maior comunhão com Deus, v. 25;
3) A verdadeira felicidade da vida, v. 26.
6.26 O Senhor. Talvez o uso tríplice deste título de Deus, com o "meu nome” no singular, v. 27, indique a Trindade.


NVI F. F. Bruce

Comentário Bíblico da versão NVI por Frederick Fyvie Bruce, um dos fundadores da moderna compreensão evangélica da Bíblia
NVI F. F. Bruce - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 27

4) O voto de nazireu (6:1-21)
a) A natureza do voto (6:1-9)

O voto de nazireu era um voto de separação e consagração para Deus. “Separação” é a palavra-chave do capítulo, sendo repetida diversas vezes. “Nazireu” (v. 5,8,20) tem o mesmo significado, como também “consagrar” (v. 9) e “reconsagrar” (v. 11 etc.). Tanto um homem quanto uma mulher podiam fazer o voto de nazireu (v. 2), mas não temos exemplos de mulheres que o fizeram no AT. Jl 2:11 e Lm 4:7 indicam que a prática era comum, e, “com base em referências de Josefo, parece que os nazireus eram uma característica comum do cenário da sua época” (J. D. Douglas, em NBD).

v. 2. O voto é chamado de especial (conforme Lv 27:2). Em certo sentido, todo crente é considerado “especial” (conforme Mt 5:46,Mt 5:47), e, por isso, o voto de nazireu pode ter uma aplicação geral. De outro ponto de vista, alguns crentes são chamados a fazer sacrifícios especiais para a causa do Reino de Deus (conforme Mt 19:11Mt 19:12; Rm 14:21), e para eles o voto de nazireu tem um significado especial.

Havia três exigências particulares relacionadas a esse voto. O nazireu tinha de se abster de vinho e de outras bebidas fermentadas e qualquer coisa associada a elas (v. 3,4); o seu cabelo não podia ser cortado (v. 5) e não podia tocar em um cadáver (v. 6,7,9; conforme Jz 13:4,Jz 13:5,Jz 13:7,Jz 13:14; Jz 16:17-7; 1Sm 1:11; Lc 1:15).

(1) Bebida fermentada era uma bebida inebriante feita de qualquer outro produto a não ser uvas; às vezes é o equivalente do vinho adicionado de álcool. A proibição não era simplesmente contra bebidas inebriantes, mas contra tudo que fosse derivado do vinho. Na prática, isso significava abrir mão do único luxo facilmente disponível a todos. Além disso, Is 16:7 e Dn 3:1 sugerem que o vinho estava intimamente associado ao culto a Baal. Não há sugestão alguma de que houvesse nisso um propósito ascético. O nazireu continuava vivendo um estilo de vida normal durante o período do seu voto, mas ele era um protesto vivo contra aquilo que estimulava o pecado (conforme Gn 9:20,21; Pv 31:4,Pv 31:5; Is 28:7). Os sacerdotes eram proibidos de tomar vinho ou bebida fermentada quando entravam no tabernáculo (conforme Lv 10:9). Acerca da transgressão dessa proibição, conforme Jl 2:12.

(2)    A explicação mais simples de uma pessoa deixar crescer o cabelo seria de que havia feito o voto de nazireu. O fato de que se aplicava também à mulher sugere que o cabelo era usado solto pelas mulheres que faziam o voto; conforme Jz 5:2 (BJ: “os guerreiros soltaram a cabeleira”).

(3)    A morte, ao ser associada ao pecado, gerava contaminação (conforme 5.2 e o comentário de nephesh que é aqui usado no v. 6). O nazireu não podia se tornar impuro por meio do contato com o seu pai ou mãe mortos (v. 7). Nesse aspecto, a lei era igual para o nazireu e para o sumo sacerdote (conforme Lv 21:1) e mais severa do que para um sacerdote comum (conforme Lv 21:2,3).

b)    Contaminação (6:9-12)
Se o nazireu se contaminar acidentalmente pelo contato com algum morto, ele será considerado impuro por sete dias (cf. 19.11,14,16,19; Lv 14:8,9), e depois disso deverá rapar a cabeça. No dia seguinte, no oitavo dia, ele deve trazer duas rolinhas ou dois pombinhos (v. 10), que eram a oferta de sangue mais barata (conforme Lv 1:14; 5:7,11; 12:6,8;

14.22), ao sacerdote. Uma dessas ofertas é uma oferta pelo pecado (v. 11). A oferta pelo pecado de Lv 4 é pelo pecado cometido de forma não intencional (v. 2,13 22:27); repentinamente (v. 9) pressupõe que esse é o caso aqui. A outra oferta é um holocausto (v. 11), que era totalmente dedicado a Deus (conforme Lv

1.9,13) e um prelúdio adequado para a re-consagração no mesmo dia. v. 11. fazer propiciação por ele\ em Lv 1 e 4, a propiciação é associada tanto ao holocausto quanto à oferta pelo pecado. Ele também apresentava uma oferta pela culpa ou transgressão (v. 12). O nazireu apresenta a oferta pela culpa em virtude da demora em cumprir o seu voto. O uso do vinho no lugar da contaminação acidental não é mencionado, visto que se pressupõe que o nazireu não iria violar esse voto de propósito.

c)    O término do voto (6:13-21)
Os votos desse capítulo eram destinados a um período determinado. Mais tarde, homens como Sansão, Samuel e João Batista
foram nazireus por toda a vida, mas somente Sansão é identificado como tal. (Samuel é descrito como nazireu num fragmento de Samuel recuperado na caverna 4 em Cunrã. Conforme R. K. Harrison, Introduction to the OT, p. 625). No caso de Samuel, foi por conta do voto da sua mãe; no caso dos outros dois, foi em virtude de uma revelação divina. Ao final do período determinado, ele tinha de apresentar o conjunto completo de sacrifícios levíticos, menos a oferta de reparação; conforme v. 12. Acerca do significado desses sacrifícios, conforme comentários de Lv 1:7 e Nm 15:310 sobre a oferta de bebidas. Essa última oferta (v. 17) nos prepara para o fato de que o agora ex-nazireu podia beber vinho novamente (v. 20). A oferta sobre o altar do cabelo que tinha sido cortado da sua cabeça (v. 18) mostra que o voto de nazireu era algo precioso aos olhos de Deus.

O alto custo desses sacrifícios no caso de um nazireu pobre explica por que na época do NT judeus piedosos e generosos às vezes pagavam por eles; conforme At 21:21-24.
Alguns estudiosos pensam que At 18:18 se refere a um voto de nazireu, mas a cabeça de Paulo não foi rapada à porta do templo e não há menção das ofertas prescritas. A. Edersheim, no entanto, diz que ele poderia ter cortado o seu cabelo em Cencréia e trazido com ele para Jerusalém (The Temple and its Services, p. 330). Não parece haver dúvidas acerca de At 21:23-26, situação em que Paulo paga o custo de quatro nazireus que estavam para cumprir os seus votos.


5) A bênção de Israel (6:22-27)

A bênção está separada do restante do capítulo. Não são os nazireus que são abençoados, mas o povo de Israel. Não é registrado aqui quando a bênção era usada. Em Lv 9:22, se faz menção de uma bênção proferida por Arão, mas as palavras não são relatadas. A tradição judaica afirma que ela era pronunciada ao final dos sacrifícios diários. A sua posição é especialmente apropriada, pois implica que a bênção de Deus estava disponível a todas as pessoas, em vez de apenas reservada a uma classe especial como a dos nazireus.

Cp. o v. 24 com Dt 28:0. “O rosto de Deus (v. 25) é a personalidade de Deus quando se volta para o homem” (Keil). Assim como a luz do sol traz bênçãos à humanidade na esfera natural, o rosto de Deus traz graça e favor no âmbito espiritual (conforme Pv.

16.15). Contraste com isso a situação em que

0    salmista acha que Deus escondeu a sua face (Sl 30:7). v. 25. faça resplandecer o seu rosto sobre ti: i.e., que o seu cuidado amoroso seja dirigido para você. v. 26. e te dê paz: “paz” é lit. “completude” e é o resumo de todas as bênçãos que Deus derrama sobre o seu povo. Podemos observar aqui uma gradação que começa na bênção em geral, passa pelo favor e é coroada finalmente com a paz. O nome Javé é repetido em cada um dos três versículos. Cristãos primitivos viam nessa repetição um prenúncio da Trindade, v. 27. Assim eles invocarão o meu nome sobre os israelitas: a NEB traz: “Eles pronunciarão o meu nome sobre os israelitas”. Mas na Bíblia o nome de Deus é identificado de tal maneira com a sua pessoa que esse pronunciamento associava o povo com o seu Deus, declarando que o povo tinha um relacionamento de aliança com ele. Conforme Dt 14:24Dt 28:10; Is 63:19; Ap 3:12 e o uso do nome divino no batismo cristão.


Moody

Comentários bíblicos por Charles F. Pfeiffer, Batista
Moody - Comentários de Números Capítulo 5 do versículo 1 até o 10

II. Primeira Lista Sacerdotal. 5:1 - 10:10.

Leis sobre a guarda da Páscoa foram datadas de um mês antes de Nu 1:1). Isto se entende quando percebemos que embora fosse observada uma ordem cronológica global, o material foi arrumado e reunido por todos. Racionalmente podemos supor que a obra original estava contida em rolos de pergaminho ou papiro. Tivemos um rolo com o recenseamento e agora nos voltamos para um rolo no qual estão reunidos detalhes cerimoniais adicionais e outros detalhes hieráticos.


Moody - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 21

Nu 6:1). O nazireado era um passo que qualquer israelita, homem ou mulher, podia dar na consecução deste ideal. Tal pessoa colocava-se na condição de uma vida consagrada a Deus e livre de contaminação. O sumo sacerdote, é claro, também era separado e purificado (Lv 21:10, Lv 21:12). Mas esta condição de vida baseava-se no seu oficio hereditário. D voto do nazireado era tomado geralmente de livre e espontânea vontade. e só por um certo período de tempo. O termo neizir significa "separar", e neste contexto sempre significa separar para o Senhor. Aqui estão representadas duas fases distintas desta consagração. A primeira foi introduzida em Nu 6:3, onde o devoto é instruído a separar-se através de certa prática de auto-renúncia. A segunda fase, prescrita em Nu 6:13-21, é chamada apropriadamente de "a lei do nazireado". Esta fase, a ser realizada no final do período da separação, exigia uma elaborada série de ofertas.

Um nazireu devia se abster não só de bebidas intoxicantes, mas também de qualquer coisa que fosse produto da videira (v. 4). Os 3:1 informa-nos que bolos de uvas-passa eram uma característica de vida luxuosa. 1Sm 25:18, 1Sm 25:36 fala da abundância de passas na casa de Nabal, um homem fico e sensual. No espírito de auto-negação, a vida luxuosa devia ser desprezada por um nazireu. A consagração de um nazireu, contudo, devia ser melhor simbolizada pelo uso do cabelo comprido (Nu 6:5). O cabelo de Sansão era um símbolo de força e virilidade dedicadas a Deus; mas quando o homem forte desprezou esta dedicação, perdeu o dom da graça. Embora tal força não fosse garantida a todos os nazireus, de todos se exigia, como de Sansão, que tudo dedicassem ao Senhor. Isto se prova pela orientação dada aos nazireus para fazerem grandes ofertas (v. 21).

Por causa do cabelo (nezer, "coroa") consagrado do nazireu é que ele devia evitar a contaminação através dos mortos. Se ele se contaminasse, teria de rapar o cabelo contaminado e recomeçar o seu voto de novo (v. 12). Assim como o cordeiro ou cabrito da oferta tinha de ser puro, a "oferta do cabelo" também tinha de ser pura, pois o cabelo do nazireu era uma oferta queimada diante do Senhor. O cabelo representa a própria vida, pois só um homem vivo produz cabelo. Ele o oferecia, portanto, em lugar do seu próprio corpo, como um sinal de que ele mesmo era um "sacrifício vivo, santo e agradável a Deus". Entendese porque Paulo (At 18:18; At 21:24) e Tiago, o ancião de Jerusalém (Eusébio, Ecclesiastical History ii. 23), fizeram voto de nazireado, vendo nele o profundo significado espiritual da antiga lei do nazireado.

A segunda fase da lei do nazireado começava no fim dos "dias do seu nazireado" (Nu 6:13). Devia fazer uma oferta pelo pecado por causa de todos os seus pecados ignorados, depois uma oferta queimada e uma oferta pacifica simbolizando a submissão e a adoração. No auge destas cerimônias o devoto devia ter sua cabeça rapada, e o cabelo consagrado era colocado sobre brasas em baixo da oferta pacifica (vs. Nu 6:18-20).


Francis Davidson

O Novo Comentário da Bíblia, por Francis Davidson
Francis Davidson - Comentários de Números Capítulo 6 do versículo 1 até o 8
IV. O VOTO DOS NAZIREUSNu 6:1-4, 10-11). Nem o amor da família o levaria a faltar a tal obrigação. Não é que fosse pecado tocar nos cadáveres. Em certos casos mesmo era um sinal de respeito pois havia entre os judeus quem pensasse que tinha feito uma coisa santa em tocar num cadáver para dar a alguém uma sepultura decente. Foi este princípio que originou o livro apócrifo de Tobias. Mas ao nazireu exigia-se-lhe que de livre vontade se abstivesse desta forma de impureza, mesmo que se tratasse de membros de sua família. Enquanto separado e a Deus consagrado, devia permanecer santo e puro para com dignidade se dedicar ao Culto do Senhor.

Dicionário

Moisés

substantivo masculino Espécie de cesta acolchoada que serve de berço portátil para recém-nascidos; alcofa.
Religião Profeta que, para cristãos e judeus, foi responsável pela escritura dos dez mandamentos e dos cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), sendo a junção destes o livro sagrado dos Judeus (a Torá ou Tora); nesta acepção, usar com letras maiúsculas.
Etimologia (origem da palavra moisés). Do nome próprio Moisés, do hebraico "Moshe", talvez do termo egípcio "mesu",.

Salvo das águas. (Êx 2:10) – mais provavelmente, porém, é termo egípcio, significando filho, criança. Foi o grande legislador dos hebreus, filho de Anrão e Joquebede, da tribo de Levi. Ele nasceu precisamente no tempo em que o Faraó do Egito tinha resolvido mandar matar todas as crianças recém-nascidas do sexo masculino, pertencentes à família israelita (Êx 2:1-4 – 6.20 – At 7:20Hb 11:23). A sua mãe colocou-o num ‘cesto de junco’, à borda do Nilo. A filha de Faraó, que o salvou, deu-lhe o nome de Moisés, e educou-o como seu filho adotivo, de maneira que pôde ele ser instruído em toda a ciência dos egípcios (Êx 2:5-10At 7:21-22). Quando depois é mencionado, já ele era homem. Vendo que um israelita recebia bastonadas de um egípcio, e julgando que ninguém o via, matou o egípcio e enterrou o cadáver na areia. Mas alguém tinha observado o ato, e Moisés, sabendo disto, fugiu para a terra de Midiã, onde casou com Zípora, filha de Jetro, chefe ou sacerdote das tribos midianitas, tornando-se pastor dos rebanhos de seu sogro (Êx 2:11-21At 7:29). Foi no retiro e simplicidade da sua vida de pastor que Moisés recebeu de Deus a ordem de ir livrar os filhos de israel. Resolveu, então, voltar para o Egito, acompanhando-o sua mulher e os seus dois filhos – mas não tardou muito que ele os mandasse para a casa de Jetro, permanecendo eles ali até que tornaram a unir-se em Refidim, quando ele estava à frente da multidão dos israelitas. Pouco depois de se ter separado da mulher e dos filhos, encontrou Arão que, em negociações posteriores, foi o orador, visto como Moisés era tardo na fala (Êx 4:18-31). A ofensa de Moisés em Meribá foi três vezes repetida (Nm 20:1-13 – 27,14) – não acreditava que a água pudesse sair da rocha por simples palavras – então, desnecessariamente, feriu a rocha duas vezes, revelando com isto uma impaciência indesculpável – não atribuiu a glória do milagre inteiramente a Deus, mas antes a si próprio e a seu irmão: ‘porventura faremos sair água desta rocha?’ Faleceu quando tinha 120 anos de idade, depois de lhe ter mostrado o Senhor, do cume do monte Nebo, na cordilheira de Pisga, a Terra Prometida, na sua grande extensão. Este ‘ o sepultou num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor – e ninguém sabe, até hoje, o lugar da sua sepultura’ (Dt 34:6). o único traço forte do seu caráter, que em toda a confiança podemos apresentar, acha-se em Nm 12:3: ‘Era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra.’ A palavra ‘manso’ não exprime bem o sentido – a idéia que a palavra hebraica nos dá é, antes, a de ser ele ‘muito sofredor e desinteressado’. Ele juntou-se aos seus compatriotas, vivendo eles a mais terrível escravidão (Êx 2:11 – 5,4) – ele esqueceu-se de si próprio, para vingar as iniqüidade de que eram vítimas os hebreus (Êx 2:14) – quis que seu irmão tomasse a direção dos atos libertadores em lugar de ele próprio (Êx4,13) -além disso, desejava que toda a gente hebréia recebesse dons semelhantes aos dele (Nm 11:29). Quando lhe foi feito o oferecimento de ser destruído o povo, podendo ele ser depois a origem de uma grande nação (Êx 32:10), pediu, na sua oração a Deus, que fosse perdoado o pecado dos israelitas, ‘ae não, risca-me, peço-te, do livro que escreveste’ (Êx 32:32). (A respeito da conduta de Moisés na sua qualidade de libertador e legislador dos israelitas, vejam-se os artigos: Lei, Faraó, Pragas (as dez), Mar Vermelho, etc.)

Moisés era filho de Anrão (da tribo de Levi) e Joquebede; era irmão de Arão e Miriã. Nasceu durante os terríveis anos em que os egípcios decretaram que todos os bebês do sexo masculino fossem mortos ao nascer. Seus pais o esconderam em casa e depois o colocaram no meio da vegetação, na margem do rio Nilo, dentro de um cesto de junco. A descoberta daquela criança pela princesa, filha de Faraó, foi providencial e ela salvou a vida do menino. Seu nome, que significa “aquele que tira” é um lembrete desse começo obscuro, quando sua mãe adotiva lhe disse: “Eu o tirei das águas”.

Mais tarde, o Senhor o chamou para ser líder, por meio do qual falaria com Faraó, tiraria seu povo do Egito e o levaria à Terra Prometida. No processo desses eventos 1srael sofreu uma transformação, pois deixou de ser escravo de Faraó para ser o povo de Deus. Os israelitas formaram uma comunidade, mais conhecida como o povo da aliança, estabelecida pela graça e pela soberania de Deus (veja Aliança).

O Antigo Testamento associa Moisés com a aliança, a teocracia e a revelação no monte Sinai. O grande legislador foi o mediador da aliança mosaica [do Sinai] (Ex 19:3-8; Ex 20:18-19). Esse pacto foi uma administração da graça e das promessas, pelas quais o Senhor consagrou um povo a si mesmo por meio da promulgação da Lei divina. Deus tratou com seu povo com graça, deu suas promessas a todos que confiavam nele e os consagrou, para viverem suas vidas de acordo com sua santa Lei. A administração da aliança era uma expressão concreta do reino de Deus. O Senhor estava presente com seu povo e estendeu seu governo especial sobre ele. A essência da aliança é a promessa: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Ex 6:7; Dt 29:13; Ez 11:20).

Moisés foi exaltado por meio de sua comunhão especial com o Senhor (Nm 12:68; Dt 34:10-12). Quando Arão e Miriã reclamaram contra a posição privilegiada que ele ocupava, como mediador entre Yahweh e Israel, ele nada respondeu às acusações (Nm 12:3). Pelo contrário, foi o Senhor quem se empenhou em defender seu servo (Nm 12:6-8).

O Senhor confirmou a autoridade de Moisés como seu escolhido, um veículo de comunicação: “A ele me farei conhecer... falarei com ele...” (v. 6; veja Dt 18:18). Separou-o como “seu servo” (Ex 14:31; Dt 34:5; Js 1:1-2) — uma comunhão de grande confiança e amizade entre um superior e um subalterno. Moisés, de maneira sublime, permaneceu como servo de Deus, mesmo depois de sua morte; serviu como “cabeça” da administração da aliança até o advento da Nova aliança no Senhor Jesus Cristo (Nm 12:7; veja Hb 3:2-5). De acordo com este epitáfio profético de seu ministério, Moisés ocupou um lugar único como amigo de Deus. Experimentou o privilégio da comunhão íntima com o Senhor: “E o Senhor falava com Moisés” (Ex 33:9).

A diferença fundamental entre Moisés e os outros profetas que vieram depois dele está na maneira direta pela qual Deus falava com este seu servo. Ele foi o primeiro a receber, escrever e ensinar a revelação do Senhor. Essa mensagem estendeu-se por todos os aspectos da vida, inclusive as leis sobre santidade, pureza, rituais, vida familiar, trabalho e sociedade. Por meio de Moisés, o Senhor planejou moldar Israel numa “comunidade separada”. A revelação de Deus os tornaria imunes às práticas detestáveis dos povos pagãos, inclusive a adivinhação e a magia. Esta palavra, dada pelo poder do Espírito, transformaria Israel num filho maduro.

A posição e a revelação de Moisés prefiguravam a posição única de Jesus. O grande legislador serviu ao reino de Deus como um “servo fiel” (Hb 3:2-5), enquanto Cristo é “o Filho de Deus” encarnado: “Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa” (Hb 3:6). Moisés, como o Senhor Jesus, confirmou a revelação de Deus por meio de sinais e maravilhas (Dt 34:12; veja também Ex 7:14-11:8; 14:5 a 15:21).

Embora Moisés ainda não conhecesse a revelação de Deus em Cristo, viu a “glória” do Senhor (Ex 34:29-35). O apóstolo Paulo confirmou a graça de Deus na aliança mosaica quando escreveu à igreja em Roma: “São israelitas. Pertencem-lhes a adoção de filhos, a glória, as alianças, a lei, o culto e as promessas. Deles são os patriarcas, e deles descende Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém” (Rm 9:4-5)

Moisés, o maior de todos os profetas antes da encarnação de Jesus, falou sobre o ministério de outro profeta (Dt 18:15-22). Foi testemunha de Deus para Israel de que um cumprimento ainda maior os aguardava: “Moisés, na verdade, foi fiel em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho das coisas que se haviam de anunciar” (Hb 3:5). A natureza desse futuro não era nada menos do que o resto que viria (Hb 4:1-13) em Cristo, por causa de quem Moisés também sofreu (Hb 11:26).

A esperança escatológica da revelação mosaica não é nada menos do que a presença de Deus no meio de seu povo. A escatologia de Israel começa com as alianças do Senhor com Abraão e Israel. Moisés — o servo de Deus, o intercessor, o mediador da aliança — apontava para além de sua administração, para uma época de descanso. Ele falou sobre este direito e ordenou que todos os membros da comunidade da aliança ansiassem pelo descanso vindouro na celebração do sábado (heb. “descanso”), o sinal da aliança (Ex 31:14-17) e da consagração de Israel a uma missão sagrada (Ex 31:13), a fim de serem abençoados com todos os dons de Deus na criação (Dt 26:18-19; Dt 28:3-14). Moisés percebeu dolorosamente que o povo não entraria naquele descanso, devido à sua desobediência e rebelião (Dt 4:21-25). Ainda assim, falou sobre uma nova dispensação, aberta pela graça de Deus, da liberdade e da fidelidade (Dt 4:29-31; Dt 30:5-10: 32:39-43). Ele olhou para o futuro, para uma época de paz, tranqüilidade e plena alegria na presença de Deus, de bênção e proteção na Terra Prometida (Dt 12:9-10; Dt 25:19; Ex 33:14; Js 1:13).

Essa esperança, fundamentada na fidelidade de Deus (Dt 4:31), é expressa mais claramente no testemunho final de Moisés, “o Hino do Testemunho” (Dt 32). Nele, o grande legislador recitou os atos do amor de Deus em favor de Israel (vv.1-14), advertiu contra a rebelião e o sofrimento que isso acarretaria (vv.15-35) e confortou os piedosos com a esperança da vingança do Senhor sobre os inimigos e o livramento do remanescente de Israel e das nações (vv. 36-43). Fez até uma alusão à grandeza do amor de Deus pelos gentios! (vv. 36-43; Rm 15:10).

O significado escatológico do Hino de Moisés reverbera nas mensagens proféticas de juízo e de esperança, justiça e misericórdia, exclusão e inclusão, vingança e livramento. A administração mosaica, portanto, nunca tencionou ser um fim em si mesma. Era apenas um estágio na progressão do cumprimento da promessa, aliás, um estágio importantíssimo!

Como precursor da tradição profética, Moisés viu mais da revelação da glória de Deus do que qualquer outro homem no Antigo testamento (Ex 33:18; Ex 34:29-35). Falou sob a autoridade de Deus. Qualquer um que o questionasse desafiava a autoridade do Senhor. Israel encontrava conforto, graça e bênção, porque em Moisés se reuniam os papéis de mediador da aliança e intercessor (Ex 32:1-34:10; Nm 14:13-25). Ele orou por Israel, falou ousadamente como seu advogado diante do Senhor e encorajou o povo a olhar além dele, próprio, para Deus (veja Profetas e Profecias). W.A.VG.


Moisés Líder escolhido por Deus para libertar os israelitas da escravidão do Egito (Exo 2—18), para fazer ALIANÇA 1, com eles (Exo 19—24), para torná-los povo de Deus e nação independente (Exo 25—) (Num
36) e para prepará-los a fim de entrarem na terra de Canaã (Deu 1—33). Nasceu de pais israelitas, mas foi adotado pela filha do faraó do Egito, onde foi educado (Ex 2:1-10); (At 7:22). Após colocar-se ao lado de seu povo e matar um egípcio, fugiu para MIDIÃ 2, onde se casou com Zípora (Ex 2:11-22) Passados 40 anos, Deus o chamou e o pôs como líder da libertação do povo de Israel (Exo
3) Por mais 40 anos Moisés cumpriu o mandado de Deus e morreu às portas da terra de Canaã, no monte NEBO (Dt 34). Alguns estudiosos colocam a data da morte de Moisés em torno de 1440 a.C., e outros a colocam por volta de 1225 a.C., dependendo da posição sob

Moisés Levita da casa de Amram (Ex 6:18.20), filho de Jocabed. Conforme o Antigo Testamento, deveria ser morto como conseqüência do decreto genocida do faraó (provavelmente Tutmósis 3, embora outros apontem Ramsés II) que ordenara a morte dos meninos israelitas. Deixado nas águas do Nilo por sua mãe, foi recolhido por uma irmã do faraó, que o educou (Êx 2). Após matar um egípcio que maltratava alguns israelitas, precisou exilar-se, indo viver na terra de Madiã (Ex 2:11-15). Nesse local foi pastor, teve esposa e filhos e recebeu uma revelação de Deus, que o enviava ao Egito para libertar Israel (Êx 3). Retornou então e, em companhia de seu irmão Aarão, tentou convencer o faraó (possivelmente Amenotep II, Menreptá, segundo outros) para que deixasse o povo sair. O fato aconteceu somente depois de uma série de pragas, especialmente após a última em que morreu seu primogênito (Êx 5:13). A perseguição que o monarca egípcio empreendeu teve um final desastroso no mar dos Juncos. A marcha de Israel pelo deserto levou-o até o Sinai, onde Moisés recebeu os Dez mandamentos, assim como um código de leis para regerem a vida do povo (Ex 20:32-34). Conforme o Talmude, foi também quando receberam a lei oral. A falta de fé do povo — manifestada na adoração de uma imagem em forma de bezerro enquanto Moisés estava no monte — malograria logo mais a entrada na Terra Prometida. Moisés morreu sem entrar nela e o mesmo sucedeu com a geração libertada do Egito, exceto Josué e Caleb.

A figura de Moisés é de uma enorme importância e a ele se atribui a formação de um povo cuja vida centrar-se-ia no futuro, certamente com altos e baixos, mas em torno do monoteísmo.

O judaísmo da época de Jesus considerava-o autor da Torá (Mt 22:24; Mc 7:10; 10,3ss.) e mestre de Israel (Mt 8:4; 23,2; Jo 7:22ss.). Jesus atribui-lhe uma clara importância quando se apresentou como messias (Jo 5:39-47). Lamentou que seu papel tivesse sido usurpado pelos escribas (Mt 23:2ss.) e que muitos citassem Moisés como excusa para sua incredulidade (Jo 7:28ss.). Jesus considerou-se superior a Moisés, a cuja Lei deu uma nova interpretação (Mt 5:17- 48). Essa visão — confirmada pela narrativa da Transfiguração (Mt 17:3) — aparece também no cristianismo posterior (Jo 1:17.45).

J. Bright, o. c.; S. Hermann, o. c.; f. f. Bruce, Israel y...; f. f. Bruce, Acts...; C. Vidal Manzanares, El Hijo de Ra, Barcelona 1992; Idem, El judeo-cristianismo...


Senhor

substantivo masculino Proprietário, dono absoluto, possuidor de algum Estado, território ou objeto.
História Aquele que tinha autoridade feudal sobre certas pessoas ou propriedades; proprietário feudal.
Pessoa nobre, de alta consideração.
Gramática Forma de tratamento cerimoniosa entre pessoas que não têm intimidade e não se tratam por você.
Soberano, chefe; título honorífico de alguns monarcas.
Figurado Quem domina algo, alguém ou si mesmo: senhor de si.
Dono de casa; proprietário: nenhum senhor manda aqui.
Pessoa distinta: senhor da sociedade.
Antigo Título conferido a pessoas distintas, por posição ou dignidade de que estavam investidas.
Antigo Título de nobreza de alguns fidalgos.
Antigo O marido em relação à esposa.
adjetivo Sugere a ideia de grande, perfeito, admirável: ele tem um senhor automóvel!
Etimologia (origem da palavra senhor). Do latim senior.onis.

o termo ‘Senhor’, no A.T., paraexprimir Jeová, está suficientemente compreendido nesta última palavra – e, como tradução de ãdôn, não precisa de explicação. Em Js 13:3, e freqüentemente em Juizes e Samuel, representa um título nativo dos governadores dos filisteus, não se sabendo coisa alguma a respeito do seu poder. o uso de ‘Senhor’ (kurios), no N.T., é interessante, embora seja muitas vezes de caráter ambíguo. Nas citações do A.T., significa geralmente Jeová, e é também clara a significaçãoem outros lugares (*vejag. Mt 1:20). Mas, fora estas citações, há muitas vezes dúvidas sobre se a referência é a Deus como tal (certamente Mc 5:19), ou ao Salvador, como Senhor e Mestre. Neste último caso há exemplos do seu emprego, passando por todas as gradações: porquanto é reconhecido Jesus, ou como Senhor e Mestre no mais alto sentido (Mt 15:22 – e geralmente nas epístolas – *veja 1 Co 12.3), ou como doutrinador de grande distinção (Mt 8:21 – 21.3), ou ainda como pessoa digna de todo o respeito (Mt 8:6). Deve-se observar que kurios, termo grego equivalente ao latim “dominus”, era o título dado ao imperador romano em todas as terras orientais, em volta do Mediterrâneo. E isto serve para explicar o fato de aplicarem os cristãos ao Salvador esse título, querendo eles, com isso, acentuar na sua mente e na das pessoas que os rodeavam a existência de um império maior mesmo que o de César. Com efeito, o contraste entre o chefe supremo do império romano e Aquele que é o Senhor de todos, parece apoiar muitos dos ensinamentos do N.T. Algumas vezes se usa o termo ‘Senhor’ (Lc 2:29At 4:24, etc.) como tradução de despõtes, que significa ‘dono, amo’, sugerindo, quando se emprega a respeito dos homens, que ao absoluto direito de propriedade no mundo antigo estava inerente uma verdadeira irresponsabilidade. (*veja Escravidão.)

[...] o Senhor é a luz do mundo e a misericórdia para todos os corações.
Referencia: LIMA, Antônio• Vida de Jesus: baseada no Espiritismo: estudo psicológico• 5a ed• Rio de Janeiro: FEB, 2002• - Pelo Evangelho


Senhor
1) (Propriamente dito: hebr. ADON; gr. KYRIOS.) Título de Deus como dono de tudo o que existe, especialmente daqueles que são seus servos ou escravos (Sl 97:5; Rm 14:4-8). No NT, “Senhor” é usado tanto para Deus, o Pai, como para Deus, o Filho, sendo às vezes impossível afirmar com certeza de qual dos dois se está falando.


2) (hebr. ????, YHVH, JAVÉ.) Nome de Deus, cuja tradução mais provável é “o Eterno” ou “o Deus Eterno”. Javé é o Deus que existe por si mesmo, que não tem princípio nem fim (Ex 3:14; 6.3). Seguindo o costume que começou com a SEPTUAGINTA, a grande maioria das traduções modernas usa “Senhor” como equivalente de ????, YHVH (JAVÉ). A RA e a NTLH hoje escrevem “SENHOR”. A forma JAVÉ é a mais aceita entre os eruditos. A forma JEOVÁ (JEHOVAH), que só aparece a partir de 1518, não é recomendável por ser híbrida, isto é, consta da mistura das consoantes de ????, YHVH, (o Eterno) com as vogais de ???????, ADONAI (Senhor).


Senhor Termo para referir-se a YHVH que, vários séculos antes do nascimento de Jesus, havia substituído este nome. Sua forma aramaica “mar” já aparecia aplicada a Deus nas partes do Antigo Testamento redigidas nesta língua (Dn 2:47; 5,23). Em ambos os casos, a Septuaginta traduziu “mar” por “kyrios” (Senhor, em grego). Nos textos de Elefantina, “mar” volta a aparecer como título divino (pp. 30 e 37). A. Vincent ressaltou que este conteúdo conceitual já se verificava no séc. IX a.C. Em escritos mais tardios, “mar” continua sendo uma designação de Deus, como se vê em Rosh ha-shanah 4a; Ber 6a; Git 88a; Sanh 38a; Eruv 75a; Sab 22a; Ket 2a; Baba Bat 134a etc.

Em algumas ocasiões, Jesus foi chamado de “senhor”, como simples fórmula de cortesia. Ao atribuir a si mesmo esse título, Jesus vai além (Mt 7:21-23; Jo 13:13) e nele insere referências à sua preexistência e divindade (Mt 22:43-45; Mc 12:35-37; Lc 20:41-44 com o Sl 110:1). Assim foi também no cristianismo posterior, em que o título “Kyrios” (Senhor) aplicado a Jesus é idêntico ao empregado para referir-se a Deus (At 2:39; 3,22; 4,26 etc.); vai além de um simples título honorífico (At 4:33; 8,16; 10,36; 11,16-17; Jc 1:1 etc.); supõe uma fórmula cúltica própria da divindade (At 7:59-60; Jc 2:1); assim Estêvão se dirige ao Senhor Jesus no momento de sua morte, o autor do Apocalipse dirige a ele suas súplicas e Tiago acrescenta-lhe o qualificativo “de glória” que, na verdade, era aplicado somente ao próprio YHVH (Is 42:8). Tudo isso permite ver como se atribuíam sistematicamente a Jesus citações veterotestamentárias que originalmente se referiam a YHVH (At 2:20ss.com Jl 3:1-5).

Finalmente, a fórmula composta “Senhor dos Senhores” (tomada de Dt 10:17 e referente a YHVH) é aplicada a Jesus e implica uma clara identificação do mesmo com o Deus do Antigo Testamento (Ap 7:14; 19,16). Tanto as fontes judeu-cristãs (1Pe 1:25; 2Pe 1:1; 3,10; Hc 1:10 etc.) como as paulinas (Rm 5:1; 8,39; 14,4-8; 1Co 4:5; 8,5-6; 1Ts 4:5; 2Ts 2:1ss. etc.) confirmam essas assertivas.

W. Bousset, Kyrios Christos, Nashville 1970; J. A. Fitzmyer, “New Testament Kyrios and Maranatha and Their Aramaic Background” em To Advance the Gospel, Nova York 1981, pp. 218-235; L. W. Hurtado, One God, One Lord: Early Christian Devotion and Ancient Jewish Monotheism, Filadélfia 1988; B. Witherington III, “Lord” em DJG, pp. 484-492; O. Cullmann, o. c.; C. Vidal Manzanares, “Nombres de Dios” en Diccionario de las tres...; Idem, El judeo-cristianismo...; Idem, El Primer Evangelio...


Strongs

Este capítulo contém uma lista de palavras em hebraico e grego presentes na Bíblia, acompanhadas de sua tradução baseada nos termos de James Strong. Strong foi um teólogo e lexicógrafo que desenvolveu um sistema de numeração que permite identificar as palavras em hebraico e grego usadas na Bíblia e seus significados originais. A lista apresentada neste capítulo é organizada por ordem alfabética e permite que os leitores possam ter acesso rápido e fácil aos significados das palavras originais do texto bíblico. A tradução baseada nos termos de Strong pode ajudar os leitores a ter uma compreensão mais precisa e profunda da mensagem bíblica, permitindo que ela seja aplicada de maneira mais eficaz em suas vidas. James Strong
דָּבַר יְהוָה מֹשֶׁה אָמַר
Números 6: 1 - Texto em Hebraico - (HSB) Hebrew Study Bible

DisseH1696 דָּבַרH1696 H8762 o SENHORH3068 יְהוָהH3068 a MoisésH4872 מֹשֶׁהH4872 H559 אָמַרH559 H8800:
Números 6: 1 - (ARAi) Almeida Revista e Atualizada Interlinear

1445 a.C.
H1696
dâbar
דָבַר
E falou
(And spoke)
Verbo
H3068
Yᵉhôvâh
יְהֹוָה
o Senhor
(the LORD)
Substantivo
H413
ʼêl
אֵל
até
(unto)
Prepostos
H4872
Môsheh
מֹשֶׁה
Moisés
(Moses)
Substantivo
H559
ʼâmar
אָמַר
E disse
(And said)
Verbo


דָבַר


(H1696)
dâbar (daw-bar')

01696 דבר dabar

uma raiz primitiva; DITAT - 399; v

  1. falar, declarar, conversar, comandar, prometer, avisar, ameaçar, cantar
    1. (Qal) falar
    2. (Nifal) falar um com o outro, conversar
    3. (Piel)
      1. falar
      2. prometer
    4. (Pual) ser falado
    5. (Hitpael) falar
    6. (Hifil) levar embora, colocar em fuga

יְהֹוָה


(H3068)
Yᵉhôvâh (yeh-ho-vaw')

03068 יהוה Y ehovaĥ

procedente de 1961; DITAT - 484a; n pr de divindade Javé = “Aquele que existe”

  1. o nome próprio do único Deus verdadeiro
    1. nome impronunciável, a não ser com a vocalização de 136

אֵל


(H413)
ʼêl (ale)

0413 אל ’el (mas usado somente na forma construta reduzida) אל ’el

partícula primitiva; DITAT - 91; prep

  1. para, em direção a, para a (de movimento)
  2. para dentro de (já atravessando o limite)
    1. no meio de
  3. direção a (de direção, não necessariamente de movimento físico)
  4. contra (movimento ou direção de caráter hostil)
  5. em adição a, a
  6. concernente, em relação a, em referência a, por causa de
  7. de acordo com (regra ou padrão)
  8. em, próximo, contra (referindo-se à presença de alguém)
  9. no meio, dentro, para dentro, até (idéia de mover-se para)

מֹשֶׁה


(H4872)
Môsheh (mo-sheh')

04872 משה Mosheh

procedente de 4871, grego 3475 Μωσης; DITAT - 1254; n pr m Moisés = “tirado”

  1. o profeta e legislador, líder do êxodo

אָמַר


(H559)
ʼâmar (aw-mar')

0559 אמר ’amar

uma raiz primitiva; DITAT - 118; v

  1. dizer, falar, proferir
    1. (Qal) dizer, responder, fala ao coração, pensar, ordenar, prometer, intencionar
    2. (Nifal) ser falado, ser dito, ser chamado
    3. (Hitpael) vangloriar-se, agir orgulhosamente
    4. (Hifil) declarar, afirmar